Contratações sustentáveis como instrumento de desenvolvimento
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Contratações Sustentáveis
AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DESENVOLVIMENTO
Título:
SUSTENTÁVEL
Autor do
Érica Miranda dos Santos Requi
Texto:
CONTRATAÇÕES SUSTENTÁVEIS - 378/218/ABR/2012
AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
por ÉRICA MIRANDA DOS SANTOS REQUI
Advogada integrante da equipe técnica da Zênite Informação e Consultoria S.A. Bacharel em
Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de
Direito Romeu Felipe Bacellar.
No Brasil, a Constituição da República Federativa de 1988 estabeleceu, no caput do art.
174, a função do Estado de agente normativo regulador da atividade econômica:
Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da
lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público
e indicativo para o setor privado.1
A partir disso, “o Estado, na condição de agente normativo regulador da atividade
econômica, exerce as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, limitando ou estimulando a
ação dos sujeitos econômicos”.2
Agora, além de ser agente normativo e regulador da ordem econômica, o Estado também é
consumidor de bens, serviços e obras. Em função dessa realidade é que se pretende analisar a
contratação pública como instrumento de fomento ao desenvolvimento nacional sustentável. Ou
seja, apresentar a ideia de que, por meio das contratações públicas, o Estado pode (e deve)
exercer a sua função de agente normativo e regulador da ordem econômica, no sentido de
promover contratações públicas sustentáveis.
Estima-se que pelo menos 10% do Produto Interno Bruto brasileiro (PIB) pode ser imputado
às contratações públicas,3 o que, a nosso ver, coloca importante missão estatal tanto no que diz
respeito a ser um consumidor consciente quanto a incentivar a implementação de políticas de
responsabilidade socioambiental no setor privado.
Em face disso, passa-se à análise do panorama legal das contratações públicas no Brasil e
da proteção ambiental.
A PROTEÇÃO AMBIENTAL E A CONTRATAÇÃO PÚBLICA
A Lei nº 8.666/93 instituiu normas gerais sobre licitações e contratos administrativos,
regulamentando o inc. XXI do art. 37 da Constituição da República, que dispõe:
Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a
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todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.4
Assim, como regra, para a contratação de obras, serviços e compras, bem como para as
alienações, a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios está subordinada ao dever de licitar.
A finalidade da licitação é estabelecida pelo art. 3º da Lei, cuja redação foi alterada pela Lei
nº 12.349/10:
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a
seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional
sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são
5
correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010).
A redação anterior do dispositivo dispunha apenas que a licitação se destinava “a garantir a
observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para
a Administração”.
Em face disso, antes, a licitação era vista apenas como meio para a Administração Pública
atender à sua necessidade – contratar a prestação de serviços, a execução de obras e a aquisição
de bens – por um processo competitivo, que assegurasse tratamento isonômico e a contratação do
melhor preço.
Não havia, portanto, menção expressa à garantia do desenvolvimento nacional sustentável,
motivo pelo qual a inclusão de critérios de sustentabilidade nas contratações públicas era
questionada e, até mesmo, não admitida.
Tal repúdio, no mais das vezes, devia-se ao fato de que o inc. I do § 1º do dispositivo citado
determina que é vedado
admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam,
restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo (...) ou de qualquer outra circunstância impertinente ou
irrelevante para o específico objeto do contrato.
Assim, defendia-se a ideia de que a inclusão de critérios ambientais, no máximo, poderia ser
feita como quesito de pontuação da proposta técnica nas licitações do tipo melhor técnica ou do
tipo técnica e preço, com vistas a não frustrar a competitividade.
Desse modo, exigir o respeito ao meio ambiente de um fornecedor ou prestador de serviço
na execução de sua atividade empresarial não era considerado mínimo necessário, mas um plus à
sua proposta. Ao que parece, até mesmo o guia de compras públicas sustentáveis da
Administração Pública federal chegou a sugerir essa prática:
O instrumento normativo infere um olhar mais detalhado aos critérios ambientais. Estes não poderão
ser utilizados como forma de frustrar a competitividade, ratificando o princípio da isonomia entre os
licitantes, estabelecido na lei geral de licitações. É importante que haja clareza na exposição do critério
ambiental, o peso de cada critério deve ser indicado e previamente calculado em relação aos
demais critérios do produto/serviço, de forma que este não se constitua em um critério eliminatório
quando não for essencial à finalidade da contratação.6 (Grifamos.)
Logicamente, não se pretende defender que a adoção dos critérios ambientais nas licitações
tem o condão de relativizar os princípios da isonomia e da competitividade, inerentes ao processo
de contratação pública constitucionalmente instituído.
Longe disso.
Pretende-se defender, apenas, que o uso do poder de compra do Estado como instrumento
de fomento ao desenvolvimento sustentável demanda o estabelecimento de exigências de cunho
ambiental como condição de acesso às licitações e, ainda, para tratamento diferenciado,
estabelecido na forma da Lei.
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Tudo isso é possível desde que tais condições sejam pertinentes e relevantes para o objetivo
visado: o desenvolvimento nacional sustentável.
Aliás, em brilhante exposição no Parecer CJ/SMA nº 683/2006, sobre a possibilidade jurídica
de adoção de critérios ambientais na lista de produtos que integram o Cadastro de Materiais do
Estado de São Paulo (CADMAT), a então Procuradora do Estado de São Paulo, Silvia Helena
Nogueira Nascimento, analisou essa questão:7
38. Há que se ressaltar neste aspecto, que as vedações constantes do art. 3º, § 1º, da Lei federal nº
8.666/93, muitas vezes utilizado de modo absolutamente equivocado como obstáculo para que a
Administração Pública realize contratações ambientalmente sustentáveis, de forma alguma impedem a
sua adoção.
39. O dispositivo legal em questão veda a previsão, nos atos de convocação para participação em
licitações, de cláusulas ou condições que comprometam ou restrinjam o caráter competitivo da
licitação, ou ainda, que estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou
do domicílio dos licitantes, ou de qualquer outra circunstancia IMPERTINENTE ou IRRELEVANTE
para o específico objeto do contrato.
40. Por conseqüência, ainda que eventualmente restritivas, se pertinentes, relevantes e motivadas, a
própria lei admite que se façam distinções para a contratação objetivada pela Administração Pública,
sempre em prol do interesse público. (...)
46. No tocante às compras, a licitação do tipo menor preço não significa, em absoluto, o menor custo
para a Administração Pública, ou seja, a menor quantia em dinheiro que deverá sair dos cofres
públicos em determinado momento, levando-se em conta todos os bens disponíveis no mercado, de
modo a que sempre seja adquirido aquele de menor valor, independentemente de suas
especificações. Significa, sim, que a Administração deve buscar o preço mais vantajoso para o bem
cuja especificação atenda ao interesse público.
47. Interpretação em contrário levaria ao mais completo desrespeito às normas constitucionais e
legais, uma vez que a observância dos princípios da impessoalidade e da economicidade deve estar
aliada indissociavelmente do atendimento do interesse público, interesse este que se apresenta muito
mais amplo e não se limita ou confunde com o interesse da própria Administração ou dos particulares,
como já mencionado neste parecer.
65. Em face do exposto, verifica-se que não há impedimento de ordem legal a que, de forma pertinente
e motivada, sejam inseridas exigências de ordem ambiental e social nas especificações técnicas dos
serviços e obras a serem contratados pela Administração Pública. Ao contrário, tais requisitos devem
ser levados em conta para a celebração de um contrato administrativo sob pena de flagrante
desrespeito à Constituição.8 (Grifamos.)
Mesmo quando era silente o art. 3º da Lei nº 8.666/93 sobre a garantia ao desenvolvimento
nacional sustentável como finalidade da licitação, o dever de preservação ambiental pela
Administração Pública, enquanto consumidora de bens, serviços e obras, sempre esteve
constitucional e legalmente garantido.
Senão vejamos.
Desde 1981 – portanto, antes da promulgação da atual Constituição da República –, com a
instituição da Política Nacional do Meio Ambiente, cujo objetivo é “a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao
desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
9
da vida humana”, é dever da Administração Pública atuar em conformidade com os princípios
elencados no art. 2º da Lei nº 6.938/81:
Art. 2º A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação
da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana,
atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como
um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
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IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos
recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade,
10
objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. (Grifamos.)
Nesse sentido, Lílian Castro de Souza assevera que a Administração Pública
tem o poder dever de atuar segundo as normas ambientais que determinam o desenvolvimento
sustentável e, na medida em que atua como agente econômico deve observar a Política Nacional do
Meio Ambiente de forma que as compras públicas possibilitem atingir os objetivos da Lei nº
6.938/81,11
na esteira do art. 5º do diploma legal em análise:
Art. 5º As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e planos,
destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios
e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do
equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta Lei.
Parágrafo único. As atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância
com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente.12 (Grifamos.)
Posteriormente, com a promulgação da Constituição da República, restou consagrado na
ordem jurídica brasileira o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impôs-se ao
Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo:
Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da poluição;
Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da
lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público
e indicativo para o setor privado.
§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional
equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...)
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IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
13
função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
(Grifamos.)
Esse panorama constitucional instituiu um modelo de Estado Socioambiental de Direito.
Desse modo, “os princípios que regem o desenvolvimento ambiental e socialmente sustentável
devem orientar e vincular as condutas públicas e privadas no seu trânsito pela ordem
14
econômica”.
Logo, ainda que não existisse previsão expressa na Lei nº 8.666/93, a Administração
Pública, desde a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente e, mais ainda, após a
promulgação da atual Constituição da República, tem o dever de promover contratações públicas
que garantam a fiel observância dos princípios inerentes ao desenvolvimento sustentável, quer pela
sua condição de consumidor de bens, serviços e obras ou por ser agente público responsável pela
regulação da ordem econômica.
Vale lembrar que o objetivo primeiro da atividade da Administração Pública, do Poder
Público, sempre será o atendimento aos interesses públicos. Celso Antônio Bandeira de Mello
ensina:
O regime de direito público resulta da caracterização normativa de determinados interesses como
pertinentes à sociedade e não aos particulares considerados em sua individuada singularidade.
Juridicamente esta caracterização consiste, no Direito Administrativo, segundo nosso modo de ver, na
atribuição de uma disciplina normativa peculiar que, fundamentalmente, se delineia em função da
consagração de dois princípios:
a) supremacia do interesse público sobre o privado;
b) indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.15
Marçal Justen Filho, por sua vez, defende que a “atividade administrativa do Estado
Democrático de Direito subordina-se, então, a um critério fundamental, que é anterior à supremacia
16
do interesse público. Trata-se da supremacia e indisponibilidade dos direitos fundamentais”.
(Grifos do original.) Para o autor, o interesse público é resultado, e não pressuposto, da decisão
do agente público:
Não há interesse público prévio ao direito e anterior à atividade decisória da administração pública.
Uma decisão produzida por meio de procedimento satisfatório e com respeito aos direitos
fundamentais e aos interesses legítimos poderá ser reputada como traduzindo o interesse público.
Mas não se legitimará mediante a invocação a esse interesse público, e sim porque compatível com
os direitos fundamentais.
Assim, o processo de concretização do direito produz a seleção dos interesses, com a identificação do
que se reputará como interesse público em face das circunstâncias. (...) O processo de
democratização conduz à necessidade de verificar, em cada oportunidade, como se configura o
interesse público. Sempre, em todos os casos, tal se dá por meio da intangibilidade dos valores
relacionados aos direitos fundamentais.17
Especificamente em relação às contratações públicas, Jessé Torres Pereira Junior e
Marinês Restelatto Dotti ressaltam que devem “exprimir escolhas ditadas por políticas públicas e
implementadas de acordo com normas jurídicas que viabilizem a concretização do interesse
público”,18 mesmo quando no exercício de competência discricionária.
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Assim, reconhecendo que a contratação pública deve ser orientada pela ordem constitucional
e que, portanto, deve obedecer aos princípios e buscar a concretização dos objetivos
constitucionalmente estabelecidos, entre eles, a defesa do meio ambiente, importante analisá-la
como instrumento de fomento público.
A CONTRATAÇÃO PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE FOMENTO PÚBLICO
Como dito no início deste trabalho, o poder de compra do Estado representa pelo menos
10% do PIB brasileiro, mas há quem defenda que esse percentual ultrapassa 15% e pode,
19
facilmente, chegar a 20.
Aliás, pode mesmo.
Com os eventos desportivos que se realizarão nos próximos anos (Copa das Confederações
da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013, Copa do Mundo Fifa 2014, Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016), os investimentos em infraestrutura movimentarão no mercado
uma quantidade extraordinária de recursos públicos, da qual só se terá verdadeiro conhecimento
após a finalização das obras.
Agora, o fato incontroverso é que o Estado possui um poder de compra capaz de influenciar
em grande medida vários setores da economia.
De acordo com dados do Portal da Transparência do Governo federal, em 2010, o Governo
investiu em obras e instalações o montante de R$ 16.561.710.354,49; e em equipamentos e
20
material permanente, R$ 4.556.556.126,55.
Tal realidade permite afirmar que “o impacto econômico causado pelas compras e
contratações realizadas pelo governo e seu poder de indução do mercado constituem fatores
21
chave para a implementação de compras públicas sustentáveis”.
Nesse sentido, dispõe o Guia de Compras Públicas Sustentáveis para a Administração
federal:
as autoridades públicas, como consumidores de grande escala, podem incentivar a inovação,
estimular a competição na indústria, garantindo, aos produtores, retornos pelo melhor desempenho
ambiental de seus produtos, através da demanda do mercado ou de incentivos concretos.
Esses mecanismos de mercado tem um papel importante e há vários exemplos que ilustram como a
escolha consciente dos compradores públicos tem mudado consideravelmente a estrutura de
mercado. Uma autoridade, geralmente, não pode por si só, gerar essas mudanças no mercado, mas
várias autoridades públicas, que adotam esta política e combinam sua capacidade e seu
poder de compra podem obter resultados concretos.22 (Grifos do original.)
Ana Maria Vieira dos Santos Neto, gerente de projeto da Secretaria de Logística e
Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, também afirma que
esse poder de compra do Estado pode ser utilizado como instrumento para implementação de
políticas públicas.
Aliás, destaca que o impacto econômico desse poder de compra no mercado resultou em
uma mudança de paradigma nas compras públicas.
Antes, o paradigma era a eficiência – comprar mais rápido pelo menor custo possível. Hoje,
a nova política deve considerar o uso do poder de compra do Estado, em aquisições de segmentos
estratégicos e relevantes para o desenvolvimento econômico e social sustentável.
O novo paradigma das contratações públicas é a combinação da eficiência com o uso do
poder de compra do Estado.23 É a contratação pública como instrumento de fomento público,
regulador da ordem econômica:
Os governos exercem um papel indutor na economia ao criar leis, incentivos, impostos, mas também,
sendo os consumidores mais ativos do mercado. Os agentes do poder público são responsáveis
por gerir o bem público com eficiência e ao mesmo tempo buscar a melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos.24 (Grifamos.)
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Marcos Juruena Vilella Souto explica:
ao definir o formato do contrato desejado, de modo a possibilitar julgamento objetivo (fruto da
necessidade de tratamento isonômico), a Administração exerce seu ‘poder de contratação’ (muitas
vezes chamado de ‘poder de compra’) para regular o mercado.25
A partir disso, com as contratações públicas sustentáveis, além de a Administração atender
ao ordenamento constitucional e infraconstitucional no que concerne ao dever coletivo de
preservação do meio ambiente, utiliza seu poder de compra para regular o mercado, fomentando
26
no setor privado o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido é o estudo do ICLEI:
Se a maioria dos compradores públicos optar por produtos mais sustentáveis, uma demanda maior
estimulará uma oferta maior, que conduzirá por sua vez a um preço mais baixo. Aquisições públicas
podem ajudar a criar um grande mercado para negócios sustentáveis, aumentando as margens de
lucro dos produtores por meio de economias de escala e reduzindo seus riscos. Além disso, as
autoridades públicas, atores poderosos no mercado, podem incentivar a inovação e,
consequentemente, estimular a competição da indústria, garantindo aos produtores recompensas pelo
melhor desempenho ambiental de seus produtos, por meio da demanda do mercado de incentivos
27
concretos.
Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelatto Dotti entendem que a “estratégia de
execução indireta faz da atividade contratação da Administração o caminho necessário e natural
para viabilizar as compras, as obras e os serviços de que carecem os programas e projetos que
28
materializarão aquelas políticas”.
Para os autores, esse é o motivo pelo qual “se introduzem na legislação regente das
licitações e contratações normas de estímulo à contratação de objetos relevantes para tal
29
implementação”. Especificamente sobre a preservação ambiental, defendem:
a licitação é instrumento de mudança de comportamento à disposição da Administração Pública, de
modo a induzir boas práticas preservacionistas. Ao ordenar a observância de requisitos ambientais, a
Lei nº 8.666/93 maneja ação positiva tendente a reduzir impactos que obras e serviços públicos
poderiam causar ao meio ambiente. (...)
O Estado participa dos esforços preservacionistas tanto como consumidor quanto como regulador, ao
utilizar-se de suas contratações como instrumento de política pública que incentiva a produção de
bens, serviços e obras sustentáveis, tornando-se instrumento de fomento de novos mercados,
gerando emprego e renda compatíveis com a prioridade estratégica com que também a economia
internacional tem conferido preferência às empresas que pautam suas atividades produtivas segundo
normas de proteção ao meio ambiente.30
O já citado Parecer CJ/SMA nº 683/2006 também abordou a questão do uso do poder de
compra do Estado como ferramenta para implementação de políticas públicas, entre elas, aquelas
atinentes à proteção ambiental. Veja-se:
13. A ação da Administração Pública na qualidade de consumidor, ao contratar a aquisição de bens, a
prestação de serviços diversos e a execução de obras, encontra-se necessariamente subordinada aos
comandos de natureza preventiva determinados pela Constituição, que levam, obrigatoriamente, à
implantação de políticas públicas voltadas ao consumo sustentável. Ao Poder Público cabe
desempenhar o papel de indutor de políticas ambientalmente sustentáveis. (...)
19. O Poder Público, incluindo-se neste conceito o Poder executivo e o Poder Legislativo (com os
respectivos Tribunais de Contas) da União, dos Estados e dos Municípios, assim como o Poder
Judiciário em nível estadual e federal, leva-nos a um valor astronômico de recursos públicos gastos
em contratações de bens, serviços e obras. Isto, sem levar em conta os gastos efetivados pela
Administração indireta, ou seja, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e as empresas controladas pelo Poder Público. Computando-se
apenas o Estado de São Paulo, estima-se um gasto anual de cera de 5 bilhões de reais. (...)
21. Para tanto, é de se observar a necessidade de implementação de políticas públicas neste sentido,
uma vez que a legislação vigente no Brasil, de ordem constitucional, ambiental e administrativa, dão
pleno suporte a uma atuação correta e efetiva por parte do Poder Público. (...)
30. Inquestionavelmente, a aplicação da lei de licitações, com observância obrigatória do interesse
público, abrange a questão atinente à preservação do meio ambiente.31
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Daniel Ferreira entende que a busca pelo desenvolvimento nacional sustentável nas
contratações públicas é, em verdade, o cumprimento da “função social” da licitação, a qual deve
ser reconhecida como aspecto inerente
ao regular exercício da função administrativa, que tem por escopo a satisfação concreta dos
interesses públicos, como previstos na Constituição e nas leis, e em regime de concomitância
(sempre que possível), em qualquer estado democrático e republicano, tal qual o Brasil.32
A contratação pública deve deixar de ser vista unicamente como um processo administrativo
para a contratação de bens, serviços e obras e passar a ser instrumento de fomento público, de
modo a utilizar o poder de compra do Estado como ferramenta para a regulação da ordem
econômica. Nessa medida, portanto, deve promover o desenvolvimento nacional sustentável e
implementar políticas ambientais e sociais.
Especificamente em relação às políticas ambientais, a legislação federal vem reconhecendo
as contratações públicas como instrumento de fomento público para concretização das políticas
públicas, na medida em que determina a inclusão de critérios ambientais e tratamento diferenciado
nas contratações.
CRITÉRIOS AMBIENTAIS E TRATAMENTO DIFERENCIADO NAS CONTRATAÇÕES
PÚBLICAS
Em 29.12.2009, foi instituída pela Lei nº 12.187 a Política Nacional de Mudanças Climáticas
em conformidade com os compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima e no Protocolo de Quioto.
Essa Lei escancarou a questão do fomento público ao desenvolvimento sustentável por meio
da contratação pública, uma vez que determinou o estabelecimento de critérios de preferência
nas licitações e concorrências públicas para as propostas que propiciem maior economia de
energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases do efeito estufa e de
resíduos:
Art. 6º São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima: (...)
XII - as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e
tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem
como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e
concorrências públicas, compreendidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão,
outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que
propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de
gases de efeito estufa e de resíduos;33
Sobre esse dispositivo, Maria Augusta Soares de Oliveira Ferreira comenta:
o entendimento de que a preferência nas licitações decorrentes desse texto legal, acima
transcrito, não se limita às propostas com reflexos restritos à questão climática – e isto nem
seria possível em termos de ciências ambientais –, pois o legislador, além de relacionar
produtos que propiciem “maior economia de energia, água”, após acrescentou “e outros
recursos naturais”, para em seguida dizer da redução de gases de efeito estufa e ampliar
34
para “redução de emissões de resíduos”, de modo bastante amplo.
Seguindo o entendimento da autora, é possível estabelecer, com base no dispositivo legal,
tratamento diferenciado para as propostas que propiciem maior economia de quaisquer recursos
naturais. O meio ambiente é um sistema e, por conseguinte, está totalmente interligado, logo, as
ações de preservação dos recursos naturais sempre irão contribuir para a questão climática.
Posteriormente, em 02.08.2010, a Lei nº 12.305 institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos, a qual estabeleceu como um de seus objetivos o tratamento diferenciado nas contratações
públicas:
Art. 7º São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: (...)
XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:
a) produtos reciclados e recicláveis;
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9. Zênite http://www.institutozenite.com.br/jsp/site/item/Text1Text2AutorDet.jsp...
b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e
ambientalmente sustentáveis;35
E, ainda, frisou a responsabilidade do Poder Público pela efetividade das ações voltadas
para assegurar a observância da Política (art. 25). Tal responsabilidade engloba, inclusive, a
questão do ciclo de vida dos produtos, uma vez que o Poder Público os consome. Observe-se:
Art. 30 É instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser
implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza
urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as atribuições e procedimentos previstos nesta
Seção.
Parágrafo único. A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos tem por objetivo:
I - compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão
empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis;
II - promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou
para outras cadeias produtivas;
III - reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos
ambientais;
IV - incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior
sustentabilidade;
V - estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de
materiais reciclados e recicláveis;
VI - propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade;
VII - incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental. (Grifamos.)
Vale destacar que a condição do Estado de agente normativo e regulador da ordem
econômica fica muito clara no art. 42 da Lei em comento, que legitima as ações de fomento público
às iniciativas ali indicadas. Veja-se:
Art. 42 O poder público poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender,
prioritariamente, às iniciativas de:
I - prevenção e redução da geração de resíduos sólidos no processo produtivo;
II - desenvolvimento de produtos com menores impactos à saúde humana e à qualidade ambiental em
seu ciclo de vida;
III - implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras
formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas
físicas de baixa renda;
IV - desenvolvimento de projetos de gestão dos resíduos sólidos de caráter intermunicipal ou, nos
termos do inciso I do caput do art. 11, regional;
V - estruturação de sistemas de coleta seletiva e de logística reversa;
VI - descontaminação de áreas contaminadas, incluindo as áreas órfãs;
VII - desenvolvimento de pesquisas voltadas para tecnologias limpas aplicáveis aos resíduos sólidos;
VIII - desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos
processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos. (Grifamos.)
As contratações públicas como instrumento de fomento público podem instituir as medidas
mencionadas no dispositivo acima citado. Aliás, não é outro o comando do Decreto nº 7.404/10,
que estabelece normas para execução da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
Art. 80 As iniciativas previstas no art. 42 da Lei nº 12.305, de 2010, serão fomentadas por meio das
seguintes medidas indutoras: (...)
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V - fixação de critérios, metas, e outros dispositivos complementares de sustentabilidade ambiental
para as aquisições e contratações públicas;
Parágrafo único. O Poder Público poderá estabelecer outras medidas indutoras além das previstas no
caput. 36
Maria Augusta Soares de Oliveira Ferreira compartilha esse entendimento e apresenta a
seguinte análise sobre a questão do fomento público por meio das licitações sustentáveis:
Ora, as iniciativas previstas no art. 42 são justamente aquelas que irão estimular a adoção, na cadeia
produtiva e de consumo nacional, da coleta seletiva, reciclagem, logística reversa, gestão ambiental,
além de outras medidas que darão suporte à sistemática inaugurada pela nova lei. Trata-se, então,
mais uma vez do reconhecimento da capacidade de a Administração Pública estimular essas
práticas usando o seu poder de compra, pela aquisição de produtos que as respeitem, ou
seja, através das licitações sustentáveis. (...)
Em conclusão, vale ressaltar que cabe à Administração Pública, para seus novos contratos, a partir da
entrada em vigor desta Lei, dar o exemplo, de modo organizado e bem gerenciado, no sentido do
cumprimento desta lei, até com mais vigor do que outros entes privados, por missão constitucional e
legal, visto que as licitações sustentáveis terão um papel de fomentadora da eficácia da nova
Lei de Resíduos Sólidos.37
No campo infralegal, no âmbito federal, merece destaque a publicação da Instrução
Normativa nº 1/10 da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, que dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na
aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública federal direta,
autárquica e fundacional.38
Essa Instrução Normativa buscou fundamento legal no art. 2º, incs. I e V, da Lei nº 6.938/81
e nos arts. 170, inc. VI, e 225 da Constituição da República para estabelecer a obrigatoriedade da
inclusão de critérios de sustentabilidade ambiental, considerando o ciclo de vida dos produtos.39
É possível observar que as medidas indicadas pela Instrução Normativa estão em perfeita
harmonia com as políticas públicas ambientais anteriormente mencionadas.
Relativamente às obras públicas, determinou que os projetos básico e executivo devem ser
elaborados com vistas à economia da manutenção e operacionalização da edificação, à redução do
consumo de energia e água, bem como à utilização de tecnologias e materiais que reduzam o
impacto ambiental (art. 4º), como (a) uso exclusivo de lâmpadas fluorescentes; (b) aquecimento da
água com energia solar ou outra energia limpa; (c) sistema de reúso de água e tratamento de
efluentes; (d) aproveitamento da água da chuva, entre outros.
Ainda determinou, no § 4º do art. 4º, que:
no projeto básico ou executivo para contratação de obras e serviços de engenharia, devem ser
observadas as normas do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial –
INMETRO e as normas ISO nº 14.000 da Organização Internacional para a Padronização
(International Organization for Standardization).40
Quanto às contratações de bens e serviços, dispôs que poderão ser exigidos os seguintes
critérios ambientais:
Art. 5º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional,
quando da aquisição de bens, poderão exigir os seguintes critérios de sustentabilidade ambiental:
I - que os bens sejam constituídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável,
conforme ABNT NBR – 15448-1 e 15448-2;
II - que sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção de certificação do Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO como produtos sustentáveis
ou de menor impacto ambiental em relação aos seus similares;
III - que os bens devam ser, preferencialmente, acondicionados em embalagem individual adequada,
com o menor volume possível, que utilize materiais recicláveis, de forma a garantir a máxima proteção
durante o transporte e o armazenamento; e
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IV - que os bens não contenham substâncias perigosas em concentração acima da recomendada na
diretiva RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances), tais como mercúrio (Hg), chumbo (Pb),
cromo hexavalente (Cr(VI)), cádmio (Cd), bifenil-polibromados (PBBs), éteres difenil-polibromados
41
(PBDEs).
Inclusive, o § 2º do dispositivo esclareceu que, na inexistência de certificação capaz de
atestar o atendimento a algum desses critérios exigidos na licitação, pode-se verificar esse
atendimento mediante diligência da Administração, antes da assinatura do contrato, sob pena de
desclassificação da proposta.
Outro ponto que merece destaque é o art. 10 do diploma em análise, que estabeleceu a
inclusão de cláusula quando da formalização, renovação ou do aditamento de convênios ou
instrumentos congêneres, ou ainda de contratos de financiamento com recursos da União, ou com
recursos de terceiros tomados com o aval da União, determinando à parte ou ao partícipe a
observância do disposto nos arts. 2º a 6º (que tratam dos critérios ambientais), no que couber.
Nesse contexto normativo, a Lei nº 8.666/93 foi alterada. Em 15.12.2010, a Medida
Provisória nº 495/10 foi convertida na Lei nº 12.349, consagrando o entendimento defendido neste
trabalho, qual seja, o de que as contratações públicas são instrumento de fomento público ao
desenvolvimento sustentável.
A partir dessa data, o art. 3º da Lei de Licitações formalizou a promoção do desenvolvimento
42
nacional sustentável como finalidade da licitação. Assim, é dever do gestor público, além de
garantir a isonomia e visar à obtenção de proposta vantajosa para a Administração Pública,
estabelecer critérios capazes de promover o desenvolvimento nacional sustentável. Para tanto,
servirão de norte para o gestor público as políticas públicas implementadas pelo Governo, bem
como a agenda política respectiva.
Mais recentemente, no dia 05.08.2011, houve a conversão da Medida Provisória nº 527/11
na Lei nº 12.462, instituindo o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), a ser
aplicado exclusivamente nas licitações e nos contratos para a realização da Copa das
Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação – Fifa 2013, da Copa do Mundo
Fifa 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Nesse caso, a opção pelo regime
diferenciado deverá constar expressamente do ato convocatório (§ 2º do art. 1º), uma vez que
afastará, como regra, a aplicação da Lei nº 8.666/93.
O RDC também tem por objetivo o fomento público à inovação tecnológica (inc. III do § 1º do
art. 1º) e ao desenvolvimento nacional sustentável (art. 3º). Até porque, na forma aludida, qualquer
disposição em sentido contrário seria inconstitucional.
Foi prevista, inclusive, a possibilidade de solicitar certificação ambiental nas licitações para
aquisição de bens (inc. III do art. 7º). O inc. II do parágrafo único do art. 14 permitiu a exigência,
para habilitação – condição pessoal da licitante –, de requisitos de sustentabilidade ambiental.
E mais, o art. 10 indicou que poderá ser estabelecida remuneração variável na contratação
de obras e serviços, de engenharia ou não, vinculada a critérios de sustentabilidade.
Diante do cenário exposto, verifica-se que cada dia mais os critérios de sustentabilidade
vinculam a Administração Pública na sua atividade de contratação, seja enquanto consumidora ou
fomentadora.
Conclusão
Não é possível, considerando o ordenamento jurídico vigente, admitir que a única finalidade
da contratação pública seja adquirir bens e contratar a execução de obras e serviços.
No atual modelo de Estado Socioambiental de Direito, toda atividade estatal deve ter como
finalidade a concretização dos objetivos da República Federativa do Brasil, indicados na
Constituição. Por isso, enquanto atividade estatal, a contratação pública também deve ter como
finalidade o alcance desses objetivos.
É inegável, portanto, que uma das finalidades da contratação pública é a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável, a despeito de qualquer previsão expressa nesse sentido na
Lei Geral de Licitações.
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Isso porque garantir o desenvolvimento nacional sustentável é objetivo da República
Federativa do Brasil, e regular a ordem econômica é função do Estado.
Reconhecidos o poder de compra e o impacto das aquisições governamentais no mercado, é
dever do Estado regular a ordem econômica fomentando, por meio das suas contratações, as
políticas públicas.
Conclui-se este trabalho, então, afirmando que as contratações públicas são instrumento de
fomento ao desenvolvimento nacional sustentável e que as ordens constitucional, legal e infralegal
assim as reconhecem.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Malheiros, 2010.
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 08 set.
2011.
BRASIL. Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7404.htm>. Acesso em: 14
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/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em: 12 set. 2011.
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da Informação. Instrução Normativa nº 1, de 19 de janeiro de 2010. Disponível em:
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do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública
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(Coord.). Licitações e contratações públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
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13. Zênite http://www.institutozenite.com.br/jsp/site/item/Text1Text2AutorDet.jsp...
promoção do desenvolvimento sustentável, p. 15. Disponível em: <http://www.cqgp.sp.gov.br
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JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum,
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MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Políticas públicas nas licitações e
contratações administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002.
SOUZA, Lílian Castro de. Política nacional do meio ambiente e licitações sustentáveis. In:
SANTOS, Murillo Giordan; BARKI, Teresa Villac Pinheiro (Coord.). Licitações e contratações
públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
Como citar este texto:
REQUI, Érica Miranda dos Santos. As contratações públicas como instrumento de fomento
ao desenvolvimento sustentável. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC,
Curitiba: Zênite, n. 218, p. 378-389, abr. 2012.
1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 08 set.
2011.
2 MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 12.
3 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Governos Locais pela
Sustentabilidade – ICLEI. Guia de compras públicas sustentáveis para Administração Federal, p.
10. Disponível em: <http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/wp-content/uploads/2010/06
/Cartilha.pdf>. Acesso em: 11 set. 2011.
4 BRASIL. Constituição...
5 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br
/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm>. Acesso em: 12 set. 2011.
6 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Governos Locais pela
Sustentabilidade – ICLEI. Guia..., p. 22.
7 À época, não havia menção expressa no texto da Lei nº 8.666/93 à garantia do desenvolvimento
nacional sustentável nas licitações.
8 BRASIL. Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Consultoria Jurídica. Parecer
CJ/SMA nº 683/2006. Disponível em: <http://www.cqgp.sp.gov.br/gt_licitacoes/legislacao
/legislacao.htm#legislacao>. Acesso em: 12 set. 2011.
9 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br
/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em: 12 set. 2011.
10 Ibid., loc. cit.
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14. Zênite http://www.institutozenite.com.br/jsp/site/item/Text1Text2AutorDet.jsp...
11 SOUZA, Lílian Castro de. Política nacional do meio ambiente e licitações sustentáveis. In:
SANTOS, Murillo Giordan; BARKI, Teresa Villac Pinheiro (Coord.). Licitações e contratações
públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 103-117.
12 BRASIL. Lei nº 6.938...
13 BRASIL. Constituição...
14 SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010. p. 24.
15 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2010. p. 55.
16 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7. ed. rev. e atual. Belo Horizonte:
Fórum, 2011. p. 131.
17 Ibid., loc. cit.
18 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Políticas públicas nas licitações
e contratações administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 31.
19 Informação verbal obtida em palestra proferida por Ana Maria Vieira dos Santos Neto, no 5º
Fórum de Gestão Ambiental na Administração Pública, realizado no dia 03 de dezembro de 2010,
no Auditório da Procuradoria-Geral da República. Apresentação disponível em:
<http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=36&idConteudo=10744&
idMenu=11523>. Acesso em: 13 set. 2011.
20 BRASIL. Portal da Transparência. Governo Federal. Gastos diretos por tipos de despesas.
Disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br
/PortalComprasDiretasEDDespesas.asp?Ano=2010&Pagina=2>. Acesso em: 13 set. 2011.
21 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Governos Locais pela
Sustentabilidade – ICLEI. Guia..., p. 11.
22 Ibid., loc. cit.
23 Em palestra proferida no 5º Fórum de Gestão Ambiental na Administração Pública, realizado no
dia 03 de dezembro de 2010, no Auditório da Procuradoria-Geral da República. Apresentação
disponível em: <http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=36&
idConteudo=10744&idMenu=11523>. Acesso em: 13 set. 2011.
24 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Governos Locais pela
Sustentabilidade – ICLEI. Guia..., p. 12.
25 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002. p. 292.
26 “O ICLEI é uma associação democrática e internacional de governos locais e organizações
governamentais nacionais e regionais que assumiram um compromisso com o desenvolvimento
sustentável. Mais de 1100 cidades, municípios e associações fazem parte da comunidade cada vez
maior de membros do ICLEI. Tanto esses quanto centenas de outros governos locais participam de
nossas campanhas e programas internacionais. (...) Foi lançado como o Conselho Internacional
para Iniciativas Ambientais Locais, em 1990, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. (...)
Enquanto movimento, desenvolve e gerencia diversas campanhas e programas que abordam
questões de sustentabilidade local e protegem bens comuns globais (como qualidade do ar, clima e
água), fazendo a ligação entre a ação local e as metas e objetivos de acordos internacionais.
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Ajudamos os governos locais a promover conscientização política sobre questões-chave; a
estabelecer planos de ação para atingir objetivos concretos e mensuráveis; a trabalhar para atingir
as metas através da implementação de projetos; e a avaliar os progressos locais e cumulativos
rumo ao desenvolvimento sustentável. Como agência ambiental e de desenvolvimento sustentável
internacional para governos locais, o ICLEI fornece informações, providencia treinamento, organiza
conferências, facilita o intercâmbio entre cidades e a constituição de redes, executa pesquisas e
projetos-piloto, além de prestar serviços técnicos e de consultoria”. Disponível em:
<http://www.iclei.org/index.php?id=579>. Acesso em: 14 set. 2011.
27 ICLEI: Guia de compras públicas sustentáveis: uso do poder de compra do governo para a
promoção do desenvolvimento sustentável, p. 15. Disponível em: <http://www.cqgp.sp.gov.br
/gt_licitacoes/publicacoes/Guia-de-compras-publicas-sustent%C3%A1veis.pdf>. Acesso em: 13
set. 2011.
28 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Op. cit., p. 32.
29 Ibid., loc. cit.
30 Ibid., p. 32-33.
31 BRASIL. Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Consultoria Jurídica. Parecer
CJ/SMA nº 683/2006. Disponível em: <http://www.cqgp.sp.gov.br/gt_licitacoes/legislacao
/legislacao.htm#legislacao>. Acesso em: 12 set. 2011.
32 FERREIRA, Daniel. Função social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável
(no e do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública
(Impresso), v. 107, p. 49-64, 2010.
33 BRASIL. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br
/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm> Acesso em: 21 ago. 2011.
34 FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. As licitações públicas e as novas leis de
mudança climática e de resíduos sólidos. In: SANTOS, Murillo Giordan; BARKI, Teresa Villac
Pinheiro (Coord.). Licitações e contratações públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p.
119.
35 BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br
/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>. Acesso em: set. 2011.
36 BRASIL. Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7404.htm>. Acesso em: 14
set. 2011.
37 FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Op. cit., p. 128.
38 Vale lembrar que nos exatos termos do art. 28 do Decreto nº 7.063/10, à Secretaria de
Logística e Tecnologia da Informação compete planejar, coordenar, supervisionar e orientar
normativamente as atividades de administração dos recursos de informação e informática, de
serviços gerais e de gestão de convênios e contratos de repasse, bem como propor políticas e
diretrizes relativas, no âmbito da Administração federal direta, autárquica e fundacional.
39 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Logística e
Tecnologia da Informação. Instrução Normativa nº 1, de 19 de janeiro de 2010. Disponível em:
<http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/wp-content/uploads/2010/03/Instrução-Normativa-
01-10.pdf>. Acesso em: 14 set. 2011.
40 Ibid., loc. cit.
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16. Zênite http://www.institutozenite.com.br/jsp/site/item/Text1Text2AutorDet.jsp...
41 Ibid., loc. cit.
42 “Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia,
a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios
básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos
que lhes são correlatos”. (Grifamos.)
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