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impulso nº 28 179
MEMÓRIA, HISTÓRIA E
NOVAS TECNOLOGIAS
Memory, History and New Technologies
Resumo O presente artigo pretende analisar as relações entre as práticas historiográ-
ficas e as novas tecnologias, buscando problematizar as mudanças que esses novos
meios de geração e transmissão de conhecimento trazem para essa disciplina. Cate-
gorias como tempo, espaço e memória são colocadas em discussão por esses meios.
Perguntas são lançadas a respeito, com a finalidade de propiciar uma reflexão e uma
discussão que levem os historiadores a meditar sobre essa etapa de mudanças episte-
mológicas.
Palavras-chave HISTORIOGRAFIA – SOCIEDADE TECNOLÓGICA – MEMÓRIA.
Abstract This article tries to analyze the relationship between historiographical prac-
tices and new technologies. It attempts to discuss the problem of the changes that
these new means for the generation and transmission of knowledge bring to the stu-
dy of history. Categories such as time, space and memory are put into question by
these new technologies. Questions are made in order to propitiate a reflection and
discussion that bring historians to consider this moment of epistemological changes.
Keywords HISTORIOGRAPHY – TECHNOLOGICAL SOCIETY – MEMORY.
EDUARDO ISMAEL MURGUIA
Doutor em Educação pela
Unicamp. Professor do Curso
de História da UNIMEP
murguia@uol.com.br
RAIMUNDO DONATO
DO PRADO RIBEIRO
Doutorando em Ciências
Sociais da PUC-SP. Professor do
Curso de História da UNIMEP
rdonato@uol.com.br
g g y
180 impulso nº 28
prática historiográfica na sociedade contemporânea está a
exigir importantes considerações no que diz respeito à
forma como se pensa a si mesma. Nesse sentido, o que
significaria fazer história, considerando que ela seja um
elemento necessário para a construção de uma identidade
coletiva num momento em que o esquecimento aparece
como um novo valor?
Longe de responder a esta pergunta, cuja complexidade
extrapolaria os limites de uma primeira aproximação, trataremos de apresen-
tar alguns problemas a serem debatidos com a finalidade de contribuir para
a reflexão sobre o ofício do historiador.
A obra de Tucídedes1 que trata da Guerra do Peloponeso antevê uma
concepção de história fundamentada na narração de acontecimentos que
rompem o cotidiano, resgatando nestes acontecimentos o sentido de serem
merecedores da lembrança pela sua grandiosidade. Assim, o acontecimento
é revestido de um valor: por ser extraordinário na manifestação de coragem
do povo grego, torna-se exemplar e paradigmático, ou seja, torna-se pedagó-
gico.
A história passa a ter um sentido, uma utilidade. Ela é valorizada en-
quanto educa, apresentando para as gerações futuras modelos de conduta de
caráter moralista. Nesse sentido, a história que nasce com Tucídedes aparece,
desde o começo, instituída de uma prática pedagógica. Esse caráter pedagó-
gico do que fazer historiográfico perpassou, com as conhecidas mudanças,
parte considerável da história ocidental. Por exemplo, na Idade Média, a im-
portância do acontecimento desloca-se para as biografias e crônicas. O cará-
ter pedagógico da história manifesta-se nas hagiografias, ou vidas de santos,
ques têm um traço providencial e escatológico, servem como modelos de
vida a serem seguidos pelos fiéis. Já na Renascença, continua a se revigorar a
excepcionalidade dos acontecimentos e das personalidades, desta vez políti-
cas e artísticas.
No século XIX, assistimos importantes mudanças no ofício do histo-
riador, tanto no objeto quanto na metodologia. Ainda que nesse momento
se produzisse uma história calcada num fazer histórico muito próximo aos já
mencionados, a noção de acontecimento individual extraordinário amplia-se
para o estudo do fato social. Da mesma forma, o método passa a ser consi-
derado como destituído de qualquer mácula subjetiva. A história torna-se ci-
ência objetiva, emprestando das ciências naturais critérios de aproximação
para o social. Porém, a objetivação do acontecimento torna-o manipulável,
controlável, o que significa, também, pedagógico. Com efeito, toda vez que
explica as causas e os efeitos de um acontecimento, pode servir como parâ-
metro preventivo e definidor de políticas públicas, como foi o caso das in-
tervenções nos espaços da cidade a partir de estudos históricos prévios.2
1 TUCÍDEDES,1987.
2 FUSTELDECOULANGES,1975.
AAAA
g g y
impulso nº 28 181
A NARRATIVA DA HISTÓRIA
Outro aspecto a destacar do fazer historio-
gráfico nesse século está constituído pela ênfase
dada à discursividade da narração histórica. A histó-
riasemprefoi,emúltimaanálise,umcontardeacon-
teceres – embora nem todo acontecer seja contado e
nem tudo o que se conta tenha acontecido. Conto/
acontecersãodoisaspectosdeumatosó,enquadra-
do dentro de um processo maior, o ato comunica-
tivo, e permeado pelas mediações subjetivas e cultu-
rais.
Privilegiada como sua característica, ou mes-
mo como parte da sua compreensão do escrever a
história, as produções dos Annales3 e, mais recente-
mente, da sua variante nomeada Mentalidades não
escapou desses ideais. Chega-se a posições como a
de Peter Gay,4 para quem a história é a maneira
comoohistoriadorconstróiosfatos,oquesignifica
que o estilo é a própria história.
Podemos, ainda, identificar duas formas de
narrar. A primeira é a narração mítica, que se dá sob
a forma de uma narrativa circular. Os acontecimen-
tos contados são arquetípicos: atemporais, tempo
sagrado que serve para reconstituir o tempo profa-
no, este sim mutável e cronológico. A narrativa mi-
tológica é metonímica: ela é o próprio tempo sagra-
do. O ritual narrativo não representa, ao contrário,
ele atualiza, o tempo da criação. Na medida em que
o tempo primeiro, o tempo da criação, é atualizado,
presente,passadoefuturofecham-senocírculoque
dilui as fronteiras que os separam.
Essanarrativaéoral.5 Otempoarquetípicosó
existe no momento da recitação feita através da re-
petição. Daí o desenvolvimento de técnicas mne-
mônicas rigorosas, que faziam este tempo inalterá-
vel. Com o aparecimento da agricultura, novas per-
cepções do tempo e do espaço se colocam, como o
domínio do solo e a necessidade inerente a esse do-
mínio da previsão do tempo de plantar e de colher.
A partir desse fato, a complexidade nas relações
possibilitaoaparecimentodoEstado,queprecisade
meiosquepermitamocontroleeoplanejamentoda
produção e da população pela escrita.
A segunda forma de narrar é marcada pela di-
ferença entre a palavra e a escrita. Ela elimina a me-
diação do sujeito-intérprete, possibilitando uma
nova mediação, do sujeito-leitor diretamente com o
texto.Qualquersuporteondeosignoescritosema-
nifeste, implica sempre um ordenamento linear que
pressupõe a separação entre início, meio e fim. Isso
determina uma visão linear do tempo constituída
pelo passado-presente-futuro, deixando para a his-
tória a narração do passado. A escrita possibilita,
também, a datação, na medida em que prevê o tem-
po do acontecimento, do tempo em que se escreve,
do tempo em que o texto será lido.
Se a história nasce com a escrita, lançamos a
seguinte indagação: não seria contra-senso conside-
rar a existência de uma história oral? Uma vez que
o objeto da história é o passado – o que implicaria
uma cronologia, não no sentido de uma seriação de
datas, mas na ruptura de uma circularidade atempo-
ral–,suanarraçãoprecisadeumalinearidadequein-
sere sua existência num passado, num presente e
num futuro.
Não esqueçamos, também, a importância do
suporte para a escrita. Todo texto, ao longo do tem-
po, é materializado num objeto – argila, pedra, pa-
piro,pergaminho,papel–,quepermiteaperenidade
do ato narrativo, tornando-se prótese da memória.
Ahermenêuticasóépossívelnamedidaemqueum
texto permanece. A interpretação faz-se necessária
para a leitura de um outro tempo no qual um texto
aparece;istoindicaooutroladodahistoriografia.O
que fazer histórico não se esgota na escrita, mas se
estende na recepção, na leitura, na interpretação do
texto. A história só existe enquanto entendida
como processo comunicativo. Qualquer documen-
to só adquire importância na medida em que é per-
cebido, ou seja, na medida em que comunica.
A partir da segunda metade do século XX, as-
sistimos o aparecimento de um fenômeno tecnoló-
gico que mudaria radicalmente a forma de geração e
difusão do conhecimento, assim como nossa per-
cepção da realidade: as novas tecnologias da comu-
nicação e a informática. No que se refere à informá-
tica, os próprios experimentos feitos na década de
3 BURKE,1991.
4 GAY, 1990.
5 LÉVY,1993.
g g y
182 impulso nº 28
50sobrealinguagemeainteligênciaartificiaisapon-
tam possíveis vias de compreensão a respeito das
mudanças por ela gerada no campo cognitivo. Sem
entrar na questão específica do campo epistemoló-
gicodainformática,valeriaolharassuasimplicações
para o esquecimento do passado.
Se a linguagem e a memória constituem, elas
mesmas, a narrativa histórica, de que forma seria
afetada essa narrativa com a criação de linguagens e
memórias artificiais? Entendemos linguagem artifi-
cial como a linguagem das linguagens naturais, ou
seja, como uma metalinguagem, e a memória artifi-
cial como a memória das memórias. Caberia inda-
gar, então, qual o lugar a ser ocupado no campo his-
toriográfico por essa metanarrativa.
Toda narrativa é formada por uma mensagem
e um código. Não existem mensagens de mensa-
gens. Mas podem existir códigos de códigos, como
as metalinguagens. Desse ponto de vista, seria a in-
formação uma metanarrativa? Sim, porque a infor-
mática é capaz de transmitir qualquer mensagem,
sejaatravésdaescrita,daimagem,dosome,maisre-
centemente, do tato. E também porque é capaz de
traduzir qualquer código em código binário. Se
num primeiro momento, a informação foi entendi-
da “no seu significado abrangente, isto é, de modo
a compreender a comunicação, toda vez que não há
informação fora de um sistema qualquer de sinais e
fora de um veículo ou meio para transmitir esses si-
nais. Em conseqüência, a nossa ênfase recairá sobre
os aspectos sintáticos, formais e estruturais da orga-
nização e transmissão de mensagens”.6
Posteriormente, o significado do conceito de
informação ficou restrito ao conhecimento gerado,
armazenado e difundido pela computação. Num
primeiro nível, isto significa a ênfase na sintaxe no
seu aspecto formal, pela qual mensagens são cons-
truídas a partir de modelos ou programas que pos-
sibilitam infinitas combinações de dados com signi-
ficados mínimos. As possibilidades de combinação
trazem consigo uma nova concepção de finitude,
no sentido que, mesmo sendo os programas possi-
bilidades limitadas, nosso tempo torna-se insufici-
ente para esgotá-las.
Num segundo nível, isso significa também a
peculiaridadequeosuportedainformaçãotrazcon-
sigo. Como vimos anteriormente, a durabilidade
dos suportes da escrita e o fato de serem superfícies
planas determinavam sua linearidade formal expres-
sada na sintaxe, que por sua vez determinava a line-
aridade expositiva (narrativa) das mensagens. Com
a informática, desaparece a idéia do suporte. Se pen-
sarmos que a informação nada mais é que do sinais
eletrônicos descontínuos, teríamos que ela se mani-
festa intermitente e fugazmente. A informação,
nesse sentido, torna-se uma latência infinita, ou
umamanifestaçãofugidiaeefêmera.Oquesignifica
também que, pelo fato de não ter suporte, ela pode
ter qualquer suporte. Através dos bytes, a informa-
ção pode ser armazenada em chips, manifestando-
se nos pixels da tela ou na impressão. É justamente
esta flexibilidade, ou esta imaterialidade, que torna a
informação veloz, bastando centésimos de segun-
dos para intercambiar, alterar, diluir, combinar, mis-
turar mensagens.
Contraditoriamente, a miniaturização das
memórias dos computadores possibilita a maximi-
zação ad extremis da capacidade de armazenamento.
Se nossa memória é seletiva pelo fato de ser limita-
da, a memória da informática é permissiva por ser
ilimitada, o que significa que o excesso de dados
guardados é, ao mesmo tempo, nenhuma mensa-
gem lembrada. Memórias sem lembranças, infor-
mações sem mensagens, significantes sem significa-
dos, a diluição do contexto.
MEMÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS
A memória sempre desempenhou um papel
fundamental na explicação do desenvolvimento da
inteligência. A partir dela, experiências podem ser
acumuladas,readaptadasoumodificadas.Osgregos
a chamavam de Mnemosine, filha do Céu e da Terra,
amada por Júpiter durante nove noites, e que, de-
pois de nove meses, deu à luz as nove musas: a da
poesia, a da música, a da comédia, a da eloqüência, a
da persuasão, a da sabedoria, a da história, a da ma-
temática e a da astronomia. Desta forma, os gregos
pressupunham a memória como fundamento es-
sencial dessas valorizadas atividades.6 PIGNATARI,1991,p.12.
g g y
impulso nº 28 183
A Igreja, que sempre valorizou a separação
platônica entre corpo e alma, atribuía à alma três fa-
culdades de entendimento: memória, razão e von-
tade. Um exemplo interessante acerca da idéia de
memória nos inícios da modernidade é oferecido na
obra de Matteo Ricci, O Palácio da Memória.7
Quando o Padre Ricci aprimora técnicas mnemô-
nicas que vinham desde a Antigüidade clássica, atra-
vés da visualização de nomes e conceitos em nichos
visuais específicos, procurava sistematizar as lem-
branças dos dados da realidade. A própria idéia da
memória como um palácio, ou seja, como prédio,
significa que cada um dos cômodos, cantos, era par-
te de um todo maior. A memória precisava ser or-
denada, requisito necessário para uma maior efici-
ência no acúmulo de conhecimentos.
Outro aspecto a mencionar no Palácio da
Memória é o referente ao emprego da memória vi-
sual. Lembremos que as técnicas do Padre Ricci
apontam para o uso da imagem como um referente
que nos remete a dados cognitivos. Em última ins-
tância, essas imagens servem como espécies de “ca-
bides”ondeosdadoserampendurados.Afragmen-
tação a que podem levar as lembranças visuais era
superada justamente por esse todo maior ao qual
nos referimos e que era representado pelo palácio.
Assim vemos que, tal e qual a escrita, o método do
PadreRicciapresentaumacontinuidadecomcome-
ço, meio e fim. Mesmo porque essa era uma forma
deordenamentoconstituídohistoricamenteapartir
deumaconcepçãotemporaltambémhistórica.Esse
método só servia enquanto conexão ordenada de
informação contida nas imagens, também previa-
mente dispostas seguindo uma seqüência dada pelo
sujeito.
Com a informática, novas questões se colo-
cam.Oacessoàmemóriadamáquinaéfeitodema-
neira aleatória, independe de seqüência e de ordem
para acessá-la. A informação contida é fragmentada
não enquanto programa, mas pelas infinitas combi-
nações que o ordenamento lógico, elementar, do
programa permite. A lembrança do computador é
aleatória, qualquer dado serve a qualquer momento,
sem se importar com a ordem ou a seqüência. Aliás
se alguma seqüência pode ser feita, ela é dada pelo
sujeito, e não mais pelos objetos. O que significa
um ordenamento subjetivo e relativo, e não mais
absoluto.
A memória da informática se prefigura como
peças de quebra-cabeças, com a diferença de que os
quebra-cabeças tradicionais só podem constituir
umaimagem.Alembrançadainformáticasãopeças
de quebra-cabeças que permitem, simultaneamente,
a criação de múltiplas imagens. Não possuindo su-
porte, e sendo capaz de conter todas/nenhuma
mensagem, os dados tornam-se flexíveis e adaptá-
veis a qualquer outro suporte ou mensagem.
Enquanto o método do Padre Ricci aparece
como uma necessidade para ampliar os limites de
nossa memória, a memória nas novas tecnologias
não precisa de métodos de lembranças. Paradoxal-
mente, a sociedade da memória de ampliação ilimi-
tada, contraditoriamente destituída de lembranças,
permite a negação do homem como suporte de sua
memória. Se, antes, a memória estava em nós – e daí
o por quê de desenvolver métodos mnemotécnicos
–, hoje, ela é separada do sujeito, tornando-se virtu-
al. Contida numa máquina, a memória se objetiva,
se afasta do sujeito.
Embora nossa memória seja uma, ela se adap-
ta a diferentes circunstâncias. Entendidas como
exercício da memória, as lembranças de fatos mar-
cantes, por qualquer motivo, ao longo de nossas vi-
das, sempre permanecerá, porque é o único meio
que permite manter a identidade de cada um. Já as
lembranças de um conhecimento constituído, cria-
do, fora de nós e de nossa emotividade é um exer-
cício mais complexo. O conhecimento (dentro do
qual incluímos a história) é ainda mais complexo,
porque guardá-lo na memória requer aprendizado
(atenção, abstração e repetição).
Assumindo que o conhecimento seja cumu-
lativo, um sujeito sem memória é um sujeito não
cognoscente, pois, para conhecer, toda vez faz-se ne-
cessário a memória. O conhecimento fundamenta-
do somente na razão, entendido como exercício ló-
gico, e que a informática potencia, é um conheci-
mento incompleto. O conhecimento precisa da
memória e, nesse sentido, as novas tecnologias atu-
alizam algumas de suas faculdades: nossas lembran-7 SPENCER,1986.
g g y
184 impulso nº 28
ças são aleatórias, da mesma forma que as tecnolo-
gias. Em outras palavras, estaríamos presenciando o
nascimento de um novo tipo de conhecimento,
para o qual as tecnologias da informação atualizam
e refletem as práticas da memória.
Apesar dessa possível vantagem, uma nova
contradição aparece no campo cognitivo: se, por
umlado,amemóriaeletrônicaprivilegiaarazão,por
outro,elaanegatodavezqueafragmentaçãoignora
a discursividade lógica formal do pensamento raci-
onal. Por exemplo, categorias de pensamento como
crítica e interpretação são dois pressupostos que
esse novo tipo de racionalidade desconhece. Outra
questão: a informática se adapta também a um ou-
tro tipo de conhecimento que não o discursivo: o
conhecimento sensorial, ou as formas de conhecer
através de nossos sentidos. Isto se estabelece com o
aparecimento da multimídia, que possibilita a inte-
ratividadedosujeitocomotexto,sejaescritoouem
imagens e sons. Aqui, o meio é fundamental desde
o ponto de vista da manipulação, se tivermos em
conta que antigos canais, como o livro ou o quadro,
impossibilitavam qualquer alteração posterior.
Embora os chamados meios de comunicação
tenham se difundido anteriormente às novas tecno-
logias,comamultimídiaeousodocomputadorpe-
los veículos de comunicação de massa, a separação
epistemológica entre eles e as novas tecnologias ine-
xiste.8
Mas o que interessa resgatar para nossa dis-
cussãoéofatodequeessesnovoscanaisprivilegiam
um conhecimento sensorial, mais do que o racional.
O apelo constante às imagens, ao som, em última
instância, à mixagem desses dois elementos, possi-
bilita uma maior integração dos nossos sentidos.
Além do mais, esses meios possibilitam maior inte-
gração e envolvimento, seja pela manipulação, seja
pela interação com as mensagens que difundem.
Além de mudanças na recepção e na criação
por meio da interatividade, as novas tecnologias
também mudam um outro aspecto da criação,
como o fenômeno recente da criação de imagens e
sons digitais. Isso nos remete ao fato de considerar
que tanto a imagem quanto o som eletrônicos dei-
xam de ser representativos. Eles não representam
mais um objeto ou um sentimento previamente
existente. Os programas ou modelos matemáticos
se antepõem aos objetos. Nesse sentido, a imagem
eosomdigitaissimulamarealidade,mesmoporque
a precedem.9
Falar acerca das novas tecnologias e das mu-
danças que elas acarretam torna-se tarefa difícil de-
vido às rápidas mudanças que elas provocam ao
meiosocialenointeriordelasmesmas.Nosúltimos
quinze anos, temos assistido, quase sem perceber,
rápidas variações nas novas tecnologias, tanto no
que se refere à sua potencialidade, quanto no que
diz respeito às relações homem-máquina (suas in-
terfaces).Algunsanosatrásteriasidoinimaginávela
popularização do uso desses meios. Da mesma for-
ma, hoje é praticamente impossível prever o que
acontecerá.
HISTÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS
Perante o anteriormente exposto – as formas
comoasnovastecnologiascriamedifundemconhe-
cimento, e o caráter pedagógico do que fazer histó-
rico –, caberia perguntar de que forma a história está
conseguindo lidar com esta contemporaneidade.
A informática coloca questões no âmbito do
ofíciodohistoriador,comoessereferenteàmemória:
Sistemas memoriais de acesso direto e de
acessoseqüencialrepetemsubstancialmente
a proposta dos labirintos: também nesses
casos trata-se de deslocarmo-nos (física ou
metaforicamente)dentrodeestreitoscorre-
dores. (...) No caso do sistema de acesso di-
reto, podemos falar de labirinto unicursal: o
objetivo é atingível desde o início e os erros
não são possíveis (salvo o possível engano
na auto posição do próprio objetivo); vice-
versa, no caso do sistema ramificado, esta-
mos diante de um Irrweg, conjunto dotado
de cruzamentos múltiplos, de um só cami-
nho aberto e de muitos caminhos fechados.
Curiosamente, a única forma que não se
propõe, pelo menos do ponto de vista do
acesso, é o rizoma (ou a rede) dentro do
qual os ramos possíveis são infinitos.10
8 NEGROPONTE,1995.
9 COUCHOT,1993.
10 COLOMBO,1991,p.40.
g g y
impulso nº 28 185
Entendemos que a memória dos grupos soci-
ais, por definição, é labiríntica. Essa memória se
constitui pelo acúmulo de fatos, pessoas, sonhos,
mas a recuperação de qualquer um deles precisa de
uma ordem para ser comunicada e acessada. Por
exemplo,opercursoquefazemosparanoslembrar-
mos das capitanias hereditárias na colonização bra-
sileira exigiria um caminho: saber em que momento
(cronologia) aconteceu, lugar, contexto, enfim, mí-
nimas referências que permitam nos aproximarmos
delas.
Dentro do labiríntico caminho da memória, a
história se coloca como ordenadora das lembranças
a partir de registros e vestígios do passado, sendo
que esses documentos exigem uma organização,
possibilitada pelos arquivos. Estes devem ser vistos
como sistematização dos documentos, seja qual for
o seu suporte. Em suma, a história trabalha com a
idéia de um ordenamento possível de suas fontes –
linear, lógico, formal, seqüencial – como forma de
tornar legível a memória.
Ao se tornar legível, a memória faz-se histó-
ria. É desta perspectiva que se deve compreender a
idéia da discursividade da história. A memória, ma-
terial com o qual o historiador lida, só é legível pela
sua “tradução” em palavras, mais uma vez enquanto
discurso. Discurso maleável, manipulável, normali-
zado, porém disposto a ser arranjado de forma di-
ferente por cada uma das pessoas (estilo) num su-
porte físico (documento).
Segundo Colombo, com a informática, esta-
ríamos assistindo a um novo tipo de acesso à me-
mória, que não é a linearidade no caos do labirinto,
mas a memória entendida como rede. Nesse senti-
do, não se tem a idéia de entrada nem impedimen-
tos no labirinto. Com a idéia de rede, todos os da-
dos estão conectados: a partir de um é possível en-
trar em todos, e nenhum deles impede de se entrar
nos outros. A memória-rede não precisa de uma or-
dem prévia, é o próprio movimento desnorteado,
no sentido de fragmentado.
Num arquivo informatizado, o que existe são
regras possíveis de combinação de dados. O docu-
mento da informática são os próprios dados. O
conceito de dado remete-nos a peças de um conhe-
cimento não mais orgânico, mas atomizado. Essas
peças são passíveis de serem combinadas da forma
que o usuário bem entender. O acesso pode ser fei-
todeformasimultânea,enquantoque,feitoaomes-
mo tempo, elimina-se uma ordem de entrada.
Quando McLuhan11 afirmou que o meio era
a própria mensagem, estava querendo destacar a in-
dissociabilidade entre o discurso e o canal por meio
do qual esse significado se manifesta. A história é
construída a partir da linguagem, como qualquer
outro tipo de saber. Sendo a escrita a materialização,
o registro, a eternidade da linguagem, é fácil enten-
der a história e sua relação com o documento escri-
to. A discursividade da história é constituída pela
linguagem; ela tem um percurso temporal, linear,
determinado pelo processo da leitura/escrita.
Omeioinformáticodeterminaumoutrotipo
de conhecimento, não mais uma construção cogni-
tiva na qual as partes são indissociáveis. Aparece o
“conhecimento dado”, aquele que é pontual, inde-
pendente, que se basta, embora escrito, visto, ouvi-
do ou tocado. Estaríamos perante um novo fenô-
meno sobre o qual os historiadores ainda não refle-
tiram, uma história textual, apesar de não mais de-
terminada pelo suporte?. As mudanças ocorreram
tão rapidamente que nos pegaram despreparados.
Despreparo talvez explicado pelo preconceito, ou
calcado numa idéia ideologizada da informática por
partedaquelesqueaviamcomomaisumaestratégia
do capitalismo selvagem, perdendo a dimensão do
fenômenohistóricoemqueelasseinseriam,ouseja,
o desenvolvimento tecnológico que já se anunciava
noséculoXIX.Nocernedodesenvolvimentodoca-
pitalismo tecnológico-industrial do século XIX já se
anunciavaafantásticacapacidadedeadaptaçãodessa
fase de capitalismo às contradições da história e seu
deslocamento dela.
As novas tecnologias e o tipo de sociedade a
que estão dando lugar, através de mudanças cogni-
tivas e perceptivas, fazem com que desapareça a bar-
reira que delimitava passado e presente. E acrescen-
tam o futuro dentro de um “eterno presente”. En-
tendemos que a separação de presente e passado es-
teve sempre atuante na nossa percepção do tempo,
e determinava o objeto de estudos de muitas áreas
11 McLUHAN,1964.
g g y
186 impulso nº 28
de conhecimento. Por exemplo, a história ou a his-
tória da arte lidando com o passado, ou a sociologia
e a crítica de arte lidando com o presente. A infor-
mática, os meios de comunicação e as tecnologias
ópticas (microscópios e telescópios atômicos) de
fato alteraram a nossa percepção da realidade, acres-
centando um novo elemento, a velocidade.12
Com o aparecimento da teleconferência, dos
radares, dos satélites que possibilitam a presença
instantânea de pessoas, lugares e acontecimentos,
elimina-se a noção de espaço. O espaço, como lugar
de separação entre culturas, é transposto por elas.
Um exemplo gritante foi a Guerra do Golfo, assis-
tida momento a momento em todos os cantos do
mundo.
As novas tecnologias geram uma cultura que
eliminatambémanoçãodetempo.Istoseexpressa,
num primeiro nível, numa cultura narcisista, que
não quer visualizar estragos do passado nem na fi-
sionomia(spas,cirurgiasplásticas)nemnapaisagem
urbana (prédios ultramodernos). O passado enver-
gonha, depreciado por sua associação ao velho, ao
atrasado, ao vetusto. E, num segundo nível, porque
o conhecimento narrativo pressupunha a noção de
presente, de passado e de futuro, devido a ele mes-
motranscorrernotempoe,portanto,precisardesse
engajamento cronológico; enquanto que o “conhe-
cimento dado”, pelo fato de bastar a si mesmo, não
necessita dessa divisão temporal e torna-se eterna-
mente presente.
E, num terceiro nível, porque, eliminando-se
a noção de espaço, necessariamente elimina-se a no-
çãodetempo,umavezqueestasduascategoriassão
indissociáveis toda vez que elas definem qualquer
tipo de existência.
A simultaneidade acaba com o passado. Isto
significaque,presentificandoopassadonatela,atra-
vés de imagens, elas se tornam presentes. E esta si-
multaneidade acaba com a idéia de futuro, na medi-
da em que tais tecnologias criam o sentimento de
tudo ser possível. O futuro entendido como possi-
bilidade como meta a ser alcançada, como fim a ser
conseguido, não tem mais validade, pois elas nos
dão a sensação de que é possível tudo: é a cultura da
onipotência.
Se, antes, algo era verdadeiro na história, isso
ocorria pelo fato de ser explicado num tempo, num
lugar determinado, devidamente documentado. O
critério de verdade tinha de ser demonstrado. Hoje,
as novas tecnologias constituem-se no aval suficien-
te para depositarmos nossa confiança nas mensa-
gens por elas geradas e transmitidas. O rigor cientí-
fico é trocado pela eficácia tecnológica.
No caso específico do computador, ele ofere-
ce possibilidades infinitas de armazenamento de in-
formações. Ao contrário do que ocorria antigamen-
te, quando precisávamos de enormes áreas físicas
para guardar documentos, nos dias atuais é possível
fazê-lo em poucos milímetros quadrados. Porém,
muita informação cai no pouco conhecimento. O
conhecimento histórico-narrativo, repetimos, é
fundamentalmente humano: sintético, analítico,
abstrato,seletivo,relacionaletc.Jáamemóriamuito
próxima do “conhecimento dado”, enquanto ato de
lembrança, pode delegar a função de armazenamen-
todedados,experiências,acontecimentosetc.àme-
mória do computador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perante as inquietações apresentadas, encon-
tramo-nos com uma prática historiográfica que en-
fatiza o conhecimento narrativo, esquecendo o pro-
blema das novas tecnologias ou limitando-se, em
muitos casos, a reproduzir a ideologia vazia e oca da
informática como sinônimo de modernidade. A
chegada do computador significa, antes de mais na-
da, saber lidar com um novo tipo de conhecimento,
que, de certa forma, a televisão já anunciava, no sen-
tido de imediatez e simultaneidade.
A historiografia tem sérios problemas a pen-
sar, e não somente pelo fato de estar lidando com
novos tipos de práticas cognitivas e memorísticas, o
que significaria a mudança de uma narrativa tempo-
ral por uma narrativa espacial: construída a partir de
pontos nodais. Isso representa, também, a possibi-
lidade de estar lidando com novos paradigmas, não
mais seqüenciais, mas velozes e simultâneos. Esse é
um problema delicado, uma vez que não dá para es-
quecer a tradição no objeto e no ofício do historia-12 VIRGILIO,1993.
g g y
impulso nº 28 187
dor construída e sustentada ao longo de mais de
dois mil anos: a historicidade da historiografia.
Acreditar na historicidade da historiografia significa
aceitar as possíveis mudanças de suas práticas e su-
portes.
Acreditamos que respostas a essas perguntas
só poderão ser tentadas e discutidas à luz de um
princípio, este sim imutável: a historicidade da his-
tória como disciplina. Cabe reconhecer esses acon-
tecimentos como fatos inegáveis, com os quais a
história terá que lidar desde já – o que significa que
estará lidando com fenômenos históricos.
Referências Bibliograficas
BURKE,P.ARevoluçãoFrancesadaHistoriografia:aEscoladosAnnales(1929-1989).SãoPaulo:Edunesp,1991.
COLOMBO,F.OsArquivosImperfeitos:memóriasocialeculturaeletrônica.SãoPaulo:Perspectiva,1991.
COUCHOT,E.Da representação à simulação.In:PARENTE,A.(org.)Imagem-Máquina.Aeradastecnologiasdovirtual.Rio
deJaneiro:Ed.34,1993.
FUSTEL DE COULANGES,N.D.ACidadeAntiga.Estudossobreoculto,odireito,asinstituiçõesdaGréciaeRoma.São Paulo:
Hemus,1975.
GAY,P.OEstilonaHistória:Gibbon,Ranke,Macaulay,Burckardt.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1990.
LÉVY,P.AsTecnologiasdaInteligência.Ofuturodopensamentonaeradainformática.RiodeJaneiro:Ed.34,1993.
McLUHAN,M.UnderstandingMedia.NewYork:McGraw-Hill,1964
NEGROPONTE,N.AVidaDigital.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1995.
PIGNATARI,D.Informação,LinguagemeComunicação.SãoPaulo:Cultrix,1991.
SPENCER,J.OPaláciodaMemóriadeMatteoRicci.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1986.
TUCÍDIDES.HistóriadaGuerradoPeloponeso.Brasília:Ed.UnB,1987.
VIRGILIO,P.OEspaçoCríticoeasPerspectivasdoTempoReal.RiodeJaneiro:Ed.34,1993.
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188 impulso nº 28
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Memória História Tecnologias

  • 1. impulso nº 28 179 MEMÓRIA, HISTÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS Memory, History and New Technologies Resumo O presente artigo pretende analisar as relações entre as práticas historiográ- ficas e as novas tecnologias, buscando problematizar as mudanças que esses novos meios de geração e transmissão de conhecimento trazem para essa disciplina. Cate- gorias como tempo, espaço e memória são colocadas em discussão por esses meios. Perguntas são lançadas a respeito, com a finalidade de propiciar uma reflexão e uma discussão que levem os historiadores a meditar sobre essa etapa de mudanças episte- mológicas. Palavras-chave HISTORIOGRAFIA – SOCIEDADE TECNOLÓGICA – MEMÓRIA. Abstract This article tries to analyze the relationship between historiographical prac- tices and new technologies. It attempts to discuss the problem of the changes that these new means for the generation and transmission of knowledge bring to the stu- dy of history. Categories such as time, space and memory are put into question by these new technologies. Questions are made in order to propitiate a reflection and discussion that bring historians to consider this moment of epistemological changes. Keywords HISTORIOGRAPHY – TECHNOLOGICAL SOCIETY – MEMORY. EDUARDO ISMAEL MURGUIA Doutor em Educação pela Unicamp. Professor do Curso de História da UNIMEP murguia@uol.com.br RAIMUNDO DONATO DO PRADO RIBEIRO Doutorando em Ciências Sociais da PUC-SP. Professor do Curso de História da UNIMEP rdonato@uol.com.br g g y
  • 2. 180 impulso nº 28 prática historiográfica na sociedade contemporânea está a exigir importantes considerações no que diz respeito à forma como se pensa a si mesma. Nesse sentido, o que significaria fazer história, considerando que ela seja um elemento necessário para a construção de uma identidade coletiva num momento em que o esquecimento aparece como um novo valor? Longe de responder a esta pergunta, cuja complexidade extrapolaria os limites de uma primeira aproximação, trataremos de apresen- tar alguns problemas a serem debatidos com a finalidade de contribuir para a reflexão sobre o ofício do historiador. A obra de Tucídedes1 que trata da Guerra do Peloponeso antevê uma concepção de história fundamentada na narração de acontecimentos que rompem o cotidiano, resgatando nestes acontecimentos o sentido de serem merecedores da lembrança pela sua grandiosidade. Assim, o acontecimento é revestido de um valor: por ser extraordinário na manifestação de coragem do povo grego, torna-se exemplar e paradigmático, ou seja, torna-se pedagó- gico. A história passa a ter um sentido, uma utilidade. Ela é valorizada en- quanto educa, apresentando para as gerações futuras modelos de conduta de caráter moralista. Nesse sentido, a história que nasce com Tucídedes aparece, desde o começo, instituída de uma prática pedagógica. Esse caráter pedagó- gico do que fazer historiográfico perpassou, com as conhecidas mudanças, parte considerável da história ocidental. Por exemplo, na Idade Média, a im- portância do acontecimento desloca-se para as biografias e crônicas. O cará- ter pedagógico da história manifesta-se nas hagiografias, ou vidas de santos, ques têm um traço providencial e escatológico, servem como modelos de vida a serem seguidos pelos fiéis. Já na Renascença, continua a se revigorar a excepcionalidade dos acontecimentos e das personalidades, desta vez políti- cas e artísticas. No século XIX, assistimos importantes mudanças no ofício do histo- riador, tanto no objeto quanto na metodologia. Ainda que nesse momento se produzisse uma história calcada num fazer histórico muito próximo aos já mencionados, a noção de acontecimento individual extraordinário amplia-se para o estudo do fato social. Da mesma forma, o método passa a ser consi- derado como destituído de qualquer mácula subjetiva. A história torna-se ci- ência objetiva, emprestando das ciências naturais critérios de aproximação para o social. Porém, a objetivação do acontecimento torna-o manipulável, controlável, o que significa, também, pedagógico. Com efeito, toda vez que explica as causas e os efeitos de um acontecimento, pode servir como parâ- metro preventivo e definidor de políticas públicas, como foi o caso das in- tervenções nos espaços da cidade a partir de estudos históricos prévios.2 1 TUCÍDEDES,1987. 2 FUSTELDECOULANGES,1975. AAAA g g y
  • 3. impulso nº 28 181 A NARRATIVA DA HISTÓRIA Outro aspecto a destacar do fazer historio- gráfico nesse século está constituído pela ênfase dada à discursividade da narração histórica. A histó- riasemprefoi,emúltimaanálise,umcontardeacon- teceres – embora nem todo acontecer seja contado e nem tudo o que se conta tenha acontecido. Conto/ acontecersãodoisaspectosdeumatosó,enquadra- do dentro de um processo maior, o ato comunica- tivo, e permeado pelas mediações subjetivas e cultu- rais. Privilegiada como sua característica, ou mes- mo como parte da sua compreensão do escrever a história, as produções dos Annales3 e, mais recente- mente, da sua variante nomeada Mentalidades não escapou desses ideais. Chega-se a posições como a de Peter Gay,4 para quem a história é a maneira comoohistoriadorconstróiosfatos,oquesignifica que o estilo é a própria história. Podemos, ainda, identificar duas formas de narrar. A primeira é a narração mítica, que se dá sob a forma de uma narrativa circular. Os acontecimen- tos contados são arquetípicos: atemporais, tempo sagrado que serve para reconstituir o tempo profa- no, este sim mutável e cronológico. A narrativa mi- tológica é metonímica: ela é o próprio tempo sagra- do. O ritual narrativo não representa, ao contrário, ele atualiza, o tempo da criação. Na medida em que o tempo primeiro, o tempo da criação, é atualizado, presente,passadoefuturofecham-senocírculoque dilui as fronteiras que os separam. Essanarrativaéoral.5 Otempoarquetípicosó existe no momento da recitação feita através da re- petição. Daí o desenvolvimento de técnicas mne- mônicas rigorosas, que faziam este tempo inalterá- vel. Com o aparecimento da agricultura, novas per- cepções do tempo e do espaço se colocam, como o domínio do solo e a necessidade inerente a esse do- mínio da previsão do tempo de plantar e de colher. A partir desse fato, a complexidade nas relações possibilitaoaparecimentodoEstado,queprecisade meiosquepermitamocontroleeoplanejamentoda produção e da população pela escrita. A segunda forma de narrar é marcada pela di- ferença entre a palavra e a escrita. Ela elimina a me- diação do sujeito-intérprete, possibilitando uma nova mediação, do sujeito-leitor diretamente com o texto.Qualquersuporteondeosignoescritosema- nifeste, implica sempre um ordenamento linear que pressupõe a separação entre início, meio e fim. Isso determina uma visão linear do tempo constituída pelo passado-presente-futuro, deixando para a his- tória a narração do passado. A escrita possibilita, também, a datação, na medida em que prevê o tem- po do acontecimento, do tempo em que se escreve, do tempo em que o texto será lido. Se a história nasce com a escrita, lançamos a seguinte indagação: não seria contra-senso conside- rar a existência de uma história oral? Uma vez que o objeto da história é o passado – o que implicaria uma cronologia, não no sentido de uma seriação de datas, mas na ruptura de uma circularidade atempo- ral–,suanarraçãoprecisadeumalinearidadequein- sere sua existência num passado, num presente e num futuro. Não esqueçamos, também, a importância do suporte para a escrita. Todo texto, ao longo do tem- po, é materializado num objeto – argila, pedra, pa- piro,pergaminho,papel–,quepermiteaperenidade do ato narrativo, tornando-se prótese da memória. Ahermenêuticasóépossívelnamedidaemqueum texto permanece. A interpretação faz-se necessária para a leitura de um outro tempo no qual um texto aparece;istoindicaooutroladodahistoriografia.O que fazer histórico não se esgota na escrita, mas se estende na recepção, na leitura, na interpretação do texto. A história só existe enquanto entendida como processo comunicativo. Qualquer documen- to só adquire importância na medida em que é per- cebido, ou seja, na medida em que comunica. A partir da segunda metade do século XX, as- sistimos o aparecimento de um fenômeno tecnoló- gico que mudaria radicalmente a forma de geração e difusão do conhecimento, assim como nossa per- cepção da realidade: as novas tecnologias da comu- nicação e a informática. No que se refere à informá- tica, os próprios experimentos feitos na década de 3 BURKE,1991. 4 GAY, 1990. 5 LÉVY,1993. g g y
  • 4. 182 impulso nº 28 50sobrealinguagemeainteligênciaartificiaisapon- tam possíveis vias de compreensão a respeito das mudanças por ela gerada no campo cognitivo. Sem entrar na questão específica do campo epistemoló- gicodainformática,valeriaolharassuasimplicações para o esquecimento do passado. Se a linguagem e a memória constituem, elas mesmas, a narrativa histórica, de que forma seria afetada essa narrativa com a criação de linguagens e memórias artificiais? Entendemos linguagem artifi- cial como a linguagem das linguagens naturais, ou seja, como uma metalinguagem, e a memória artifi- cial como a memória das memórias. Caberia inda- gar, então, qual o lugar a ser ocupado no campo his- toriográfico por essa metanarrativa. Toda narrativa é formada por uma mensagem e um código. Não existem mensagens de mensa- gens. Mas podem existir códigos de códigos, como as metalinguagens. Desse ponto de vista, seria a in- formação uma metanarrativa? Sim, porque a infor- mática é capaz de transmitir qualquer mensagem, sejaatravésdaescrita,daimagem,dosome,maisre- centemente, do tato. E também porque é capaz de traduzir qualquer código em código binário. Se num primeiro momento, a informação foi entendi- da “no seu significado abrangente, isto é, de modo a compreender a comunicação, toda vez que não há informação fora de um sistema qualquer de sinais e fora de um veículo ou meio para transmitir esses si- nais. Em conseqüência, a nossa ênfase recairá sobre os aspectos sintáticos, formais e estruturais da orga- nização e transmissão de mensagens”.6 Posteriormente, o significado do conceito de informação ficou restrito ao conhecimento gerado, armazenado e difundido pela computação. Num primeiro nível, isto significa a ênfase na sintaxe no seu aspecto formal, pela qual mensagens são cons- truídas a partir de modelos ou programas que pos- sibilitam infinitas combinações de dados com signi- ficados mínimos. As possibilidades de combinação trazem consigo uma nova concepção de finitude, no sentido que, mesmo sendo os programas possi- bilidades limitadas, nosso tempo torna-se insufici- ente para esgotá-las. Num segundo nível, isso significa também a peculiaridadequeosuportedainformaçãotrazcon- sigo. Como vimos anteriormente, a durabilidade dos suportes da escrita e o fato de serem superfícies planas determinavam sua linearidade formal expres- sada na sintaxe, que por sua vez determinava a line- aridade expositiva (narrativa) das mensagens. Com a informática, desaparece a idéia do suporte. Se pen- sarmos que a informação nada mais é que do sinais eletrônicos descontínuos, teríamos que ela se mani- festa intermitente e fugazmente. A informação, nesse sentido, torna-se uma latência infinita, ou umamanifestaçãofugidiaeefêmera.Oquesignifica também que, pelo fato de não ter suporte, ela pode ter qualquer suporte. Através dos bytes, a informa- ção pode ser armazenada em chips, manifestando- se nos pixels da tela ou na impressão. É justamente esta flexibilidade, ou esta imaterialidade, que torna a informação veloz, bastando centésimos de segun- dos para intercambiar, alterar, diluir, combinar, mis- turar mensagens. Contraditoriamente, a miniaturização das memórias dos computadores possibilita a maximi- zação ad extremis da capacidade de armazenamento. Se nossa memória é seletiva pelo fato de ser limita- da, a memória da informática é permissiva por ser ilimitada, o que significa que o excesso de dados guardados é, ao mesmo tempo, nenhuma mensa- gem lembrada. Memórias sem lembranças, infor- mações sem mensagens, significantes sem significa- dos, a diluição do contexto. MEMÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS A memória sempre desempenhou um papel fundamental na explicação do desenvolvimento da inteligência. A partir dela, experiências podem ser acumuladas,readaptadasoumodificadas.Osgregos a chamavam de Mnemosine, filha do Céu e da Terra, amada por Júpiter durante nove noites, e que, de- pois de nove meses, deu à luz as nove musas: a da poesia, a da música, a da comédia, a da eloqüência, a da persuasão, a da sabedoria, a da história, a da ma- temática e a da astronomia. Desta forma, os gregos pressupunham a memória como fundamento es- sencial dessas valorizadas atividades.6 PIGNATARI,1991,p.12. g g y
  • 5. impulso nº 28 183 A Igreja, que sempre valorizou a separação platônica entre corpo e alma, atribuía à alma três fa- culdades de entendimento: memória, razão e von- tade. Um exemplo interessante acerca da idéia de memória nos inícios da modernidade é oferecido na obra de Matteo Ricci, O Palácio da Memória.7 Quando o Padre Ricci aprimora técnicas mnemô- nicas que vinham desde a Antigüidade clássica, atra- vés da visualização de nomes e conceitos em nichos visuais específicos, procurava sistematizar as lem- branças dos dados da realidade. A própria idéia da memória como um palácio, ou seja, como prédio, significa que cada um dos cômodos, cantos, era par- te de um todo maior. A memória precisava ser or- denada, requisito necessário para uma maior efici- ência no acúmulo de conhecimentos. Outro aspecto a mencionar no Palácio da Memória é o referente ao emprego da memória vi- sual. Lembremos que as técnicas do Padre Ricci apontam para o uso da imagem como um referente que nos remete a dados cognitivos. Em última ins- tância, essas imagens servem como espécies de “ca- bides”ondeosdadoserampendurados.Afragmen- tação a que podem levar as lembranças visuais era superada justamente por esse todo maior ao qual nos referimos e que era representado pelo palácio. Assim vemos que, tal e qual a escrita, o método do PadreRicciapresentaumacontinuidadecomcome- ço, meio e fim. Mesmo porque essa era uma forma deordenamentoconstituídohistoricamenteapartir deumaconcepçãotemporaltambémhistórica.Esse método só servia enquanto conexão ordenada de informação contida nas imagens, também previa- mente dispostas seguindo uma seqüência dada pelo sujeito. Com a informática, novas questões se colo- cam.Oacessoàmemóriadamáquinaéfeitodema- neira aleatória, independe de seqüência e de ordem para acessá-la. A informação contida é fragmentada não enquanto programa, mas pelas infinitas combi- nações que o ordenamento lógico, elementar, do programa permite. A lembrança do computador é aleatória, qualquer dado serve a qualquer momento, sem se importar com a ordem ou a seqüência. Aliás se alguma seqüência pode ser feita, ela é dada pelo sujeito, e não mais pelos objetos. O que significa um ordenamento subjetivo e relativo, e não mais absoluto. A memória da informática se prefigura como peças de quebra-cabeças, com a diferença de que os quebra-cabeças tradicionais só podem constituir umaimagem.Alembrançadainformáticasãopeças de quebra-cabeças que permitem, simultaneamente, a criação de múltiplas imagens. Não possuindo su- porte, e sendo capaz de conter todas/nenhuma mensagem, os dados tornam-se flexíveis e adaptá- veis a qualquer outro suporte ou mensagem. Enquanto o método do Padre Ricci aparece como uma necessidade para ampliar os limites de nossa memória, a memória nas novas tecnologias não precisa de métodos de lembranças. Paradoxal- mente, a sociedade da memória de ampliação ilimi- tada, contraditoriamente destituída de lembranças, permite a negação do homem como suporte de sua memória. Se, antes, a memória estava em nós – e daí o por quê de desenvolver métodos mnemotécnicos –, hoje, ela é separada do sujeito, tornando-se virtu- al. Contida numa máquina, a memória se objetiva, se afasta do sujeito. Embora nossa memória seja uma, ela se adap- ta a diferentes circunstâncias. Entendidas como exercício da memória, as lembranças de fatos mar- cantes, por qualquer motivo, ao longo de nossas vi- das, sempre permanecerá, porque é o único meio que permite manter a identidade de cada um. Já as lembranças de um conhecimento constituído, cria- do, fora de nós e de nossa emotividade é um exer- cício mais complexo. O conhecimento (dentro do qual incluímos a história) é ainda mais complexo, porque guardá-lo na memória requer aprendizado (atenção, abstração e repetição). Assumindo que o conhecimento seja cumu- lativo, um sujeito sem memória é um sujeito não cognoscente, pois, para conhecer, toda vez faz-se ne- cessário a memória. O conhecimento fundamenta- do somente na razão, entendido como exercício ló- gico, e que a informática potencia, é um conheci- mento incompleto. O conhecimento precisa da memória e, nesse sentido, as novas tecnologias atu- alizam algumas de suas faculdades: nossas lembran-7 SPENCER,1986. g g y
  • 6. 184 impulso nº 28 ças são aleatórias, da mesma forma que as tecnolo- gias. Em outras palavras, estaríamos presenciando o nascimento de um novo tipo de conhecimento, para o qual as tecnologias da informação atualizam e refletem as práticas da memória. Apesar dessa possível vantagem, uma nova contradição aparece no campo cognitivo: se, por umlado,amemóriaeletrônicaprivilegiaarazão,por outro,elaanegatodavezqueafragmentaçãoignora a discursividade lógica formal do pensamento raci- onal. Por exemplo, categorias de pensamento como crítica e interpretação são dois pressupostos que esse novo tipo de racionalidade desconhece. Outra questão: a informática se adapta também a um ou- tro tipo de conhecimento que não o discursivo: o conhecimento sensorial, ou as formas de conhecer através de nossos sentidos. Isto se estabelece com o aparecimento da multimídia, que possibilita a inte- ratividadedosujeitocomotexto,sejaescritoouem imagens e sons. Aqui, o meio é fundamental desde o ponto de vista da manipulação, se tivermos em conta que antigos canais, como o livro ou o quadro, impossibilitavam qualquer alteração posterior. Embora os chamados meios de comunicação tenham se difundido anteriormente às novas tecno- logias,comamultimídiaeousodocomputadorpe- los veículos de comunicação de massa, a separação epistemológica entre eles e as novas tecnologias ine- xiste.8 Mas o que interessa resgatar para nossa dis- cussãoéofatodequeessesnovoscanaisprivilegiam um conhecimento sensorial, mais do que o racional. O apelo constante às imagens, ao som, em última instância, à mixagem desses dois elementos, possi- bilita uma maior integração dos nossos sentidos. Além do mais, esses meios possibilitam maior inte- gração e envolvimento, seja pela manipulação, seja pela interação com as mensagens que difundem. Além de mudanças na recepção e na criação por meio da interatividade, as novas tecnologias também mudam um outro aspecto da criação, como o fenômeno recente da criação de imagens e sons digitais. Isso nos remete ao fato de considerar que tanto a imagem quanto o som eletrônicos dei- xam de ser representativos. Eles não representam mais um objeto ou um sentimento previamente existente. Os programas ou modelos matemáticos se antepõem aos objetos. Nesse sentido, a imagem eosomdigitaissimulamarealidade,mesmoporque a precedem.9 Falar acerca das novas tecnologias e das mu- danças que elas acarretam torna-se tarefa difícil de- vido às rápidas mudanças que elas provocam ao meiosocialenointeriordelasmesmas.Nosúltimos quinze anos, temos assistido, quase sem perceber, rápidas variações nas novas tecnologias, tanto no que se refere à sua potencialidade, quanto no que diz respeito às relações homem-máquina (suas in- terfaces).Algunsanosatrásteriasidoinimaginávela popularização do uso desses meios. Da mesma for- ma, hoje é praticamente impossível prever o que acontecerá. HISTÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS Perante o anteriormente exposto – as formas comoasnovastecnologiascriamedifundemconhe- cimento, e o caráter pedagógico do que fazer histó- rico –, caberia perguntar de que forma a história está conseguindo lidar com esta contemporaneidade. A informática coloca questões no âmbito do ofíciodohistoriador,comoessereferenteàmemória: Sistemas memoriais de acesso direto e de acessoseqüencialrepetemsubstancialmente a proposta dos labirintos: também nesses casos trata-se de deslocarmo-nos (física ou metaforicamente)dentrodeestreitoscorre- dores. (...) No caso do sistema de acesso di- reto, podemos falar de labirinto unicursal: o objetivo é atingível desde o início e os erros não são possíveis (salvo o possível engano na auto posição do próprio objetivo); vice- versa, no caso do sistema ramificado, esta- mos diante de um Irrweg, conjunto dotado de cruzamentos múltiplos, de um só cami- nho aberto e de muitos caminhos fechados. Curiosamente, a única forma que não se propõe, pelo menos do ponto de vista do acesso, é o rizoma (ou a rede) dentro do qual os ramos possíveis são infinitos.10 8 NEGROPONTE,1995. 9 COUCHOT,1993. 10 COLOMBO,1991,p.40. g g y
  • 7. impulso nº 28 185 Entendemos que a memória dos grupos soci- ais, por definição, é labiríntica. Essa memória se constitui pelo acúmulo de fatos, pessoas, sonhos, mas a recuperação de qualquer um deles precisa de uma ordem para ser comunicada e acessada. Por exemplo,opercursoquefazemosparanoslembrar- mos das capitanias hereditárias na colonização bra- sileira exigiria um caminho: saber em que momento (cronologia) aconteceu, lugar, contexto, enfim, mí- nimas referências que permitam nos aproximarmos delas. Dentro do labiríntico caminho da memória, a história se coloca como ordenadora das lembranças a partir de registros e vestígios do passado, sendo que esses documentos exigem uma organização, possibilitada pelos arquivos. Estes devem ser vistos como sistematização dos documentos, seja qual for o seu suporte. Em suma, a história trabalha com a idéia de um ordenamento possível de suas fontes – linear, lógico, formal, seqüencial – como forma de tornar legível a memória. Ao se tornar legível, a memória faz-se histó- ria. É desta perspectiva que se deve compreender a idéia da discursividade da história. A memória, ma- terial com o qual o historiador lida, só é legível pela sua “tradução” em palavras, mais uma vez enquanto discurso. Discurso maleável, manipulável, normali- zado, porém disposto a ser arranjado de forma di- ferente por cada uma das pessoas (estilo) num su- porte físico (documento). Segundo Colombo, com a informática, esta- ríamos assistindo a um novo tipo de acesso à me- mória, que não é a linearidade no caos do labirinto, mas a memória entendida como rede. Nesse senti- do, não se tem a idéia de entrada nem impedimen- tos no labirinto. Com a idéia de rede, todos os da- dos estão conectados: a partir de um é possível en- trar em todos, e nenhum deles impede de se entrar nos outros. A memória-rede não precisa de uma or- dem prévia, é o próprio movimento desnorteado, no sentido de fragmentado. Num arquivo informatizado, o que existe são regras possíveis de combinação de dados. O docu- mento da informática são os próprios dados. O conceito de dado remete-nos a peças de um conhe- cimento não mais orgânico, mas atomizado. Essas peças são passíveis de serem combinadas da forma que o usuário bem entender. O acesso pode ser fei- todeformasimultânea,enquantoque,feitoaomes- mo tempo, elimina-se uma ordem de entrada. Quando McLuhan11 afirmou que o meio era a própria mensagem, estava querendo destacar a in- dissociabilidade entre o discurso e o canal por meio do qual esse significado se manifesta. A história é construída a partir da linguagem, como qualquer outro tipo de saber. Sendo a escrita a materialização, o registro, a eternidade da linguagem, é fácil enten- der a história e sua relação com o documento escri- to. A discursividade da história é constituída pela linguagem; ela tem um percurso temporal, linear, determinado pelo processo da leitura/escrita. Omeioinformáticodeterminaumoutrotipo de conhecimento, não mais uma construção cogni- tiva na qual as partes são indissociáveis. Aparece o “conhecimento dado”, aquele que é pontual, inde- pendente, que se basta, embora escrito, visto, ouvi- do ou tocado. Estaríamos perante um novo fenô- meno sobre o qual os historiadores ainda não refle- tiram, uma história textual, apesar de não mais de- terminada pelo suporte?. As mudanças ocorreram tão rapidamente que nos pegaram despreparados. Despreparo talvez explicado pelo preconceito, ou calcado numa idéia ideologizada da informática por partedaquelesqueaviamcomomaisumaestratégia do capitalismo selvagem, perdendo a dimensão do fenômenohistóricoemqueelasseinseriam,ouseja, o desenvolvimento tecnológico que já se anunciava noséculoXIX.Nocernedodesenvolvimentodoca- pitalismo tecnológico-industrial do século XIX já se anunciavaafantásticacapacidadedeadaptaçãodessa fase de capitalismo às contradições da história e seu deslocamento dela. As novas tecnologias e o tipo de sociedade a que estão dando lugar, através de mudanças cogni- tivas e perceptivas, fazem com que desapareça a bar- reira que delimitava passado e presente. E acrescen- tam o futuro dentro de um “eterno presente”. En- tendemos que a separação de presente e passado es- teve sempre atuante na nossa percepção do tempo, e determinava o objeto de estudos de muitas áreas 11 McLUHAN,1964. g g y
  • 8. 186 impulso nº 28 de conhecimento. Por exemplo, a história ou a his- tória da arte lidando com o passado, ou a sociologia e a crítica de arte lidando com o presente. A infor- mática, os meios de comunicação e as tecnologias ópticas (microscópios e telescópios atômicos) de fato alteraram a nossa percepção da realidade, acres- centando um novo elemento, a velocidade.12 Com o aparecimento da teleconferência, dos radares, dos satélites que possibilitam a presença instantânea de pessoas, lugares e acontecimentos, elimina-se a noção de espaço. O espaço, como lugar de separação entre culturas, é transposto por elas. Um exemplo gritante foi a Guerra do Golfo, assis- tida momento a momento em todos os cantos do mundo. As novas tecnologias geram uma cultura que eliminatambémanoçãodetempo.Istoseexpressa, num primeiro nível, numa cultura narcisista, que não quer visualizar estragos do passado nem na fi- sionomia(spas,cirurgiasplásticas)nemnapaisagem urbana (prédios ultramodernos). O passado enver- gonha, depreciado por sua associação ao velho, ao atrasado, ao vetusto. E, num segundo nível, porque o conhecimento narrativo pressupunha a noção de presente, de passado e de futuro, devido a ele mes- motranscorrernotempoe,portanto,precisardesse engajamento cronológico; enquanto que o “conhe- cimento dado”, pelo fato de bastar a si mesmo, não necessita dessa divisão temporal e torna-se eterna- mente presente. E, num terceiro nível, porque, eliminando-se a noção de espaço, necessariamente elimina-se a no- çãodetempo,umavezqueestasduascategoriassão indissociáveis toda vez que elas definem qualquer tipo de existência. A simultaneidade acaba com o passado. Isto significaque,presentificandoopassadonatela,atra- vés de imagens, elas se tornam presentes. E esta si- multaneidade acaba com a idéia de futuro, na medi- da em que tais tecnologias criam o sentimento de tudo ser possível. O futuro entendido como possi- bilidade como meta a ser alcançada, como fim a ser conseguido, não tem mais validade, pois elas nos dão a sensação de que é possível tudo: é a cultura da onipotência. Se, antes, algo era verdadeiro na história, isso ocorria pelo fato de ser explicado num tempo, num lugar determinado, devidamente documentado. O critério de verdade tinha de ser demonstrado. Hoje, as novas tecnologias constituem-se no aval suficien- te para depositarmos nossa confiança nas mensa- gens por elas geradas e transmitidas. O rigor cientí- fico é trocado pela eficácia tecnológica. No caso específico do computador, ele ofere- ce possibilidades infinitas de armazenamento de in- formações. Ao contrário do que ocorria antigamen- te, quando precisávamos de enormes áreas físicas para guardar documentos, nos dias atuais é possível fazê-lo em poucos milímetros quadrados. Porém, muita informação cai no pouco conhecimento. O conhecimento histórico-narrativo, repetimos, é fundamentalmente humano: sintético, analítico, abstrato,seletivo,relacionaletc.Jáamemóriamuito próxima do “conhecimento dado”, enquanto ato de lembrança, pode delegar a função de armazenamen- todedados,experiências,acontecimentosetc.àme- mória do computador. CONSIDERAÇÕES FINAIS Perante as inquietações apresentadas, encon- tramo-nos com uma prática historiográfica que en- fatiza o conhecimento narrativo, esquecendo o pro- blema das novas tecnologias ou limitando-se, em muitos casos, a reproduzir a ideologia vazia e oca da informática como sinônimo de modernidade. A chegada do computador significa, antes de mais na- da, saber lidar com um novo tipo de conhecimento, que, de certa forma, a televisão já anunciava, no sen- tido de imediatez e simultaneidade. A historiografia tem sérios problemas a pen- sar, e não somente pelo fato de estar lidando com novos tipos de práticas cognitivas e memorísticas, o que significaria a mudança de uma narrativa tempo- ral por uma narrativa espacial: construída a partir de pontos nodais. Isso representa, também, a possibi- lidade de estar lidando com novos paradigmas, não mais seqüenciais, mas velozes e simultâneos. Esse é um problema delicado, uma vez que não dá para es- quecer a tradição no objeto e no ofício do historia-12 VIRGILIO,1993. g g y
  • 9. impulso nº 28 187 dor construída e sustentada ao longo de mais de dois mil anos: a historicidade da historiografia. Acreditar na historicidade da historiografia significa aceitar as possíveis mudanças de suas práticas e su- portes. Acreditamos que respostas a essas perguntas só poderão ser tentadas e discutidas à luz de um princípio, este sim imutável: a historicidade da his- tória como disciplina. Cabe reconhecer esses acon- tecimentos como fatos inegáveis, com os quais a história terá que lidar desde já – o que significa que estará lidando com fenômenos históricos. Referências Bibliograficas BURKE,P.ARevoluçãoFrancesadaHistoriografia:aEscoladosAnnales(1929-1989).SãoPaulo:Edunesp,1991. COLOMBO,F.OsArquivosImperfeitos:memóriasocialeculturaeletrônica.SãoPaulo:Perspectiva,1991. COUCHOT,E.Da representação à simulação.In:PARENTE,A.(org.)Imagem-Máquina.Aeradastecnologiasdovirtual.Rio deJaneiro:Ed.34,1993. FUSTEL DE COULANGES,N.D.ACidadeAntiga.Estudossobreoculto,odireito,asinstituiçõesdaGréciaeRoma.São Paulo: Hemus,1975. GAY,P.OEstilonaHistória:Gibbon,Ranke,Macaulay,Burckardt.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1990. LÉVY,P.AsTecnologiasdaInteligência.Ofuturodopensamentonaeradainformática.RiodeJaneiro:Ed.34,1993. McLUHAN,M.UnderstandingMedia.NewYork:McGraw-Hill,1964 NEGROPONTE,N.AVidaDigital.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1995. PIGNATARI,D.Informação,LinguagemeComunicação.SãoPaulo:Cultrix,1991. SPENCER,J.OPaláciodaMemóriadeMatteoRicci.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1986. TUCÍDIDES.HistóriadaGuerradoPeloponeso.Brasília:Ed.UnB,1987. VIRGILIO,P.OEspaçoCríticoeasPerspectivasdoTempoReal.RiodeJaneiro:Ed.34,1993. g g y
  • 10. 188 impulso nº 28 g g y