Matéria do Museu do Aparelho Auditivo - Revista Audiology Infos
1. AUDIOLOGY INFOS N°26 ABRIL - MAIO 2014
Atualidades/Profissão/Dossiê/OUTRASPERSPECTIVAS/Casoprático/Pesquisa&tecnologia
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[[Tratamento da perda auditiva / História]
Por Stéphane Davoine
stephanedavoine@audioinfosbrasil.com
Nem sempre a tecnologia foi tão alta.As últimas gerações
de aparelhos auditivos não sairam do vazio e são, ao
contrário, os últimos descendentes de dignos ancestrais,
entre os quais trombetas, aparelhos de tubo a vácuo,
extensores de ouvido, etc... Acousticon C8 “Coroação”,
Confessionnaire,Audiphone, cada modelo contando
um pedacinho da história das tentativas do homem em
minimizar a deficiência auditiva. Foi essa história – pouco
conhecida – que chamou a atenção de Frederico Vaz
Guimarães Abrahão, diretor da Rede de Clínicas Direito de
Ouvir, e acabou tornando-se uma parte importante da sua
vida.Até ele criar, em 2012, o Museu do Aparelho Auditivo.
MUSEU RESGUARDA MEMÓRIA
dos aparelhos auditivos antigos C
asado com a fonoaudióloga Andrea
Campos Varalta Abrahão, Frederico
Abrahão apaixonou-se pela sua es-
posa como também pela profissão
dela e abraçou o universo dos apa-
relhos auditivos. Além de duas lindas
filhas – Rafaela e Beatriz, nasceram dessa união uma
empresa – a Rede de Clínicas Direito de Ouvir, em 2007
– e alguns anos depois o Museu do Aparelho Auditivo.
A estrutura física do museu está localizada na sede da
empresa, em Franca, interior do estado de São Paulo.
O museu conta hoje com aproximadamente 700 peças
adquiridas em uma quinzena de países da América
do Norte, Ásia e Europa, e a cada mês novos itens (de
sete a dez) vêm se juntar ao acervo. A missão atribuída
ao estabelecimento por seu patrono é o resguardo da
memória embutida em antigos modelos de aparelhos
auditivos. O empreendimento tem também um poder
de sensibilização e conscientização da população em
geral sobre a perda auditiva, e dos usuários de aparel-
hos auditivos ao evidenciar o caminho percorrido pelos
modelos atuais e as consequências em termos de
melhora da qualidade de vida. “O público, de maneira
geral, acha curioso, enquanto o usuário de aparelho se
identifica muito vendo qual
seria sua situação, e quais
dispositivos ele precisaria
usar, se ele tivesse nascido
em uma geração anterior”,
relata Frederico.
“À medida das
aquisições, você quer
conhecer mais”
Apesar do museu ter aberto suas portas em 2012 e
ter sido inaugurado em janeiro de 2013, a constituição
do acervo començou mais de uma década antes. A
primeira aquisição de Frederico Abrahão foi um “trum-
pet” de orelha datado de 1892 e encontrado durante
uma viagem a Itália em 2001. Desde aquela época,
o idealizador do museu tem o hábito de procurar os
antiquários das cidades e países por onde ele passa.
Sobretudo, ao longo dos anos, ele constituiu uma rede
de aproximadamente 50 pessoas – a maioria sendo
colecionadores de outros objetos – localizados prin-
cipalmente nos Estados Unidos e na Europa, e que
participam da caça por aparelhos auditivos antigos. “À
medida que as aquisições ocorrem, você quer conhe-
AcervoDireitodeOuvir
Museum brings back memory
of antique hearing aids
It hasn’t always been high technology. The last
generations of hearing aids didn’t appear from
the void; on the contrary, those have been the
« descendants » of worthy ancestors, among them
the ear trumpets, vacuum tube hearing aids, ear
inserts, etc… Acousticon C8, Confessionaire,
Audiphone, each model tells a piece of the history
of human tries to minimize hearing impairment. That
little-known history has held the attention of Frederico
Vaz Guimarães Abrahão, CEO of Rede de Clínicas
Direito de Ouvir, and ended up turning an important
part of his life. To the point he created in 2012 the first
hearing aid museum in Brazil. ]
[
A historiadora Bruna Myrtes Baldo pesquisa e cataloga a história das peças do Museu do Aparelho Auditivo.
A trombeta auditiva
Collapsible (1830) é a peça
mais antiga do acervo.
MuseudoAparelhoAuditivo
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[[Tratamento da perda auditiva / História]
Products Inc. de Nova York, necessitava de um ampli-
ficador de carbono que devia ser conectado a uma
batéria de zinco-carbono. “Esses aparelhos cheiravam
mal, as bateria esquentavam muito e eram pesadas”,
comenta Frederico Abrahão.
A ideia de criar um museu surgiu em 2011, após uma
década inteira passada a acumular peças de todo tipo,
fazendo com que o acervo ficasse grande, desper-
tando assim o interesse das pessoas que visitavam o
espaço da sede da Direito de Ouvir dedicado à expo-
sição permanente. “Começamos a professionalizar o
projeto e contratamos uma historiadora para poder fa-
zer um levantamento histórico e técnico de cada item,
conhecer o fabricante, o idealizador do produto, etc,
isto é, toda a historia cronológica das peças”, informa
Frederico Abrahão.
No início, todo o material foi catalogado pela estudante
visíveis possível. De acordo com as informações
colhidas, os benefícios auditivos eram atribuídos ao
magnetismo. Além dos dois Audiphones, cada caixa
contava com uma bússola – que vinha com o nome
ostentoso de “galvanômetro” – com o objetivo de
confirmar que os dispositivos eram magnéticos.
O Confessionaire para o confessionário
Os expansores de ouvido, por sua vez, foram desen-
volvidos com base na crença de que era possível
aumentar a abertura do canal auditivo, possibilitando
assim uma melhor audição. Parecidos com apitos de
festa, eles foram produzido de 1800 a 1920 e a descri-
ção no catálogo do museu lembra que a maioria des-
sas tentativas foram consideradas na época fraudulen-
tas e os produtos como sendo criados por charlatões.
Outra peça de destaque é o Confessionaire, aparelho
auditivo voltado como seu nome indica para um lugar
onde não se costuma elevar o tom da voz: o confes-
sionário. Assemelhando-se ao um telefone antigo,
esse dispositivo de apoio à escuta servia para os
sujeitos com problemas de audição, seja o padre ou
seus fiéis. O Confessionaire foi produzido em série a
partir de 1955 pela Audio Equipment Co. Inc. de Great
Neck, Nova York (Estados Unidos) e adequirido pelo
museu em Tyler (Texas).
Dentre as muitas curiosidades do acervo do Museu
do Aparelho Auditivo, alguns itens carregam consigo
a memória do difícil cotidiano dos seus usuário. Por
exemplo, o Acousticon C8 “Coroação”, aparelho audi-
tivo de carbono produzido em 1937 pela Dictograph
cer mais, saber sobre
a história das peças e
de onde elas vêm; cada
item revela uma história
e leva você para o pas-
sado, mostrando como
as pessoas buscavam
alternativas para a perda
auditiva das maneiras
mais inusitadas que
podemos imaginar”, se
entusiama.
Além da rede de cole-
cionadores parceiros,
o Museu do Aparelho
Auditivo de Franca man-
tém contatos estreitos
com três outros museus
de aparelhos auditivos:
o Hearing Aid Museum de Stewartstown (Pensilvânia,
Estados Unidos), o Hörgeräte-Museum de Luebeck
(Alemanha), e o Museo Del Audifono de Buenos
Aires (Argentina). O museu de Franca tem a ambição
de se tornar o primeiro em termos de acervo. Para
isso, ele precisará superar a coleção da Universidade
Estadual de Kent State (estado de Ohio, Estados Uni-
dos) que conta com 3.000 peças e a do museu de
Stewartstown que reune 1.300 artigos.
Entre os itens mais apreciados por Frederico Abrahão
está a Caixa Pandora, uma caixa semi-acústica fabri-
cada em 1948 pela empresa Pandora Products Co.,
de Birmingham (Michigan, Estados Unidos). A maleta
foi comprada em um leilão no eBay em maio de 2013
e pertenceu a um vendedor de aparelhos auditivos
em uma época onde não existiam fonoaudiólogos e
vendiam-se os produtos de porta em porta. O inte-
resse e o valor da caixa se deve ao fato de que ela veio
com todos seus itens originais, entre eles: band-aid
“Plastic Patch”, alicate “Vacuum Grip 095”, cotonete
de madeira, pó de acrílico para molde, líquido para
higiene “Eargene” e quinze modelos de aparelhos de
diferentes fabricantes!
O aparelho mais antigo do museu é uma trombeta
auditiva Collapsible fabricada nos anos 1830 na Ingla-
terra. É a maior trombeta do acervo do museu com 26
cm de cumprimento e um bocal para a captação dos
sons de 7 de diâmetro.
“Cada geração de aparelhos auditivos tem suas pecu-
liaridades, salienta Frederico, no início os itens tinham
cunho prático muito mais do que científico”. O par
de Audiphones da marca Bernard, por exemplo, são
peças raras fabricadas na França na última década
do século XIX. Os dispositivos são constituídos de
duas placas, uma de latão apoiada na pele, e outra
de cobre da cor da pele para que eles sejam menos
Cada item mostra como as
pessoas buscavam alternativas
para a perda auditiva das
maneiras mais inusitadas que
podemos imaginar.
Esses aparelhos cheiravam
mal, as bateria esquentavam
muito e eram pesadas.
Os Audiphones foram
fabricados na França
nos anos 1890. Entre as
intruções contidas no
manual de instruções
havia estas: “O audiphone
se adapta com facilidade.
Inicia-se verificando a
extremidade superior
cônica, em seguida,
coloca-se atrás da orelha.
Deve-se tomar cuidado
para retirar quaisquer fios
de cabelo de modo a que
o instrumento audiphone
esteja completamente
sobre a pele. Assim
a invisibilidade está
completa. Use-o de dia e
de noite, a vontade, mas
apenas após prescrição
médica. Cada caixa
contém um galvanômetro,
montado em rubi, que
garante a boa operação
do dispositivo para exibir
sua ação eletro-magnético.
Para fazer isso, basta
fechar o galvanômetro
junto do audiphone, vemos
no momento o balanço
agulha e seguir todos os
movimentos do dispositivo.”
(Texto: Museu do Aparelho
Auditivo)
MuseudoAparelhoAuditivo
MuseudoAparelhoAuditivo
Os expansores de ouvido foram desenvolvidos com base na
crença de que era possível aumentar a abertura do canal
auditivo.
« O Confessionaire não
tinha chave liga-desliga,
por isso estava sempre
ligado a uma tomada de
117 volts. Este aparelho
continha um receptor – de
fone de ouvido – handheld,
ou seja, portátil. Além
disso, se abrirmos a tampa
do aparelho, podemos
constatar que seria possível
inserir um outro receptor
de fone de ouvido, para o
aparelho ser utilizado tanto
pelo padre, quanto pelo que
estivesse se confessando.»
(Texto: Museu do Aparelho
Auditivo)
MuseudoAparelhoAuditivo/www.museudoaparelhoauditivo.com.br/
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[[Tratamento da perda auditiva / História]
A estudante concede ter algumas preferências dentre
as 700 peças do acervo. “Gosto bastante dos brincos
Cleartone, da Sterling, pois são peças raras e muito
interessantes, além de bonitos; é o item que mais
explicita o fato de que sempre existiu uma preocupa-
ção imensa em esconder a perda auditiva, em todas
as épocas; os óculos com aparelho auditivo também
são incríveis! Acho-os muito chiques e geralmente
chamam muito a atenção e despertam a curiosidade
de quem nunca viu”, conta.
O crescimento constante do acervo fez com que as
40 vitrines e os 100 metros-quadrados alocados ao
museu ficassem pequenos. Existe o projeto de aqui-
sição de um novo local para melhorar as condições
de exposição. “As peças precisão de espaço senão
perdemos o contexto”, justifica Frederico Abrahão
que tem também o plano de mandar fazer réplicas
de peças raras ou unícas, como por exemplo o trono
acústico de João VI.
Apesar da sua curta existência o Museu do Aparelho
Auditivo já recebeu vários convites de entidades bra-
sileiras da área da otorrinolaringologia como também
do exterior do país. “Mas precisamos chegar a um
profissionalismo um pouco maior para deslocar nos-
sas peças”, admite Frederico Abrahão que trabalha
com sua equipe para que isso seja possível. Este
ano deverá ser finalizada a forma itinerante do museu
(MIAPA – Museu Itinerante do Aparelho Auditivo)
que permitirá que parte do acervo viage pelo Brasil e
possa ser exposto em outras cidades.
de história Mariana Rodrigues. Em setembro do ano
passado, foi contratada a estagiária, Bruna Myrtes
Baldo, que está no último ano do curso de História
da UNESP – Franca. Entre outras tarefas, Bruna é
responsável pela manutenção do site e a divulgação
do museu e dos itens do acervo, participa de leilões,
negocia a troca de aparelhos auditivos com coleciona-
dores internacionais, cataloga e pesquisa a história dos
itens que chegam, redige textos e artigos relacionados
à história das peças. “Eu também fico incumbida pelas
visitas que recebemos, e adequo o material das apre-
sentações diante do público, por exemplo, em visitas
de crianças procuro fazer uma apresentação mais didá-
tica, mais descontraída para despertar a curiosidade
e fixar a atenção deles; em visitas de profissionais da
área da fonoaudiologia posso fazer uma apresentação
mais completa, apresentando mais dados e informa-
ções técnicas dos aparelhos e suas épocas”, completa
Bruna.
Compromisso ético e moral com a sociedade
A estagiária leva sua missão muito a sério. “Acredito
que a minha função aqui não seja a de meramente
catalogar e zelar pelos aparelhos e peças do museu,
como futura historiadora, reconheço a importância do
meu trabalho como profissional e formadora de opi-
niões, e por esse motivo, acredito que tenho um com-
promisso ético e moral com a sociedade, então busco
sempre me debruçar sobre os aparelhos que chegam
e não somente pesquisar a data em que foram fabri-
cados e de onde vieram, procuro analisar o contexto
de quando eles surgiram para não cometer nenhum
anacronismo”, frisa.
Este ano deverá ser finalizada o
“MIAPA”, a forma itinerante do
museu.
S.D.
MuseudoAparelhoAuditivo/www.museudoaparelhoauditivo.com.br/
MuseudoAparelhoAuditivo
Frederico Vaz Guimarães
Abrahão, idealizador e curador
do Museu do Aparelho Auditivo
de Franca.
Os brincos com aparelhos
auditivos Sterling da marca
Cleartone (1950)
O Beltone «Slimette» aparelho auditivo de óculos da Beltone
Electronics Corporation (1957).