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Vozes das
Comunidades
Um jornal feito
pelas comunidades
a serviço
das comunidades
Setembro de 2017
Ano XII - Nº 13
CRISE NO RIO:
Plano de recuperação
prejudica trabalhadores
EDUCAÇÃO:
Instituições públicas
estão sendo sucateadas
PRIVATIZAÇÃO DA CEDAE:
Medida pode dificultar
acesso à água potável
CULTURA NA BAIXADA:
Jovens se manifestam
por meio de hip hop
PÁGINA 5 PÁGINAS 8 E 9 PÁGINA 10 PÁGINA 15
Reformas tiram direitos:
o que muda na vida do trabalhador
PÁGINA 3
Vozes das Comunidades
OPINIÃO
Você sabe o que é
o Grito dos
Excluídos?
2
EDITORIAL - JORNAL VOZES
Por Claudia Santiago Giannotti
O
jornal Vozes das Comunidades surge da neces-
sidade dos alunos de comunicação comunitária,
do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC),
escreverem matérias sob uma perspectiva pouco dis-
cutida pela grande mídia. Os alunos formados pelo
NPC, com o apoio dos professores e coordenadores do
curso, discutem temas importantes na sociedade e se
organizam para escrever e desenvolver reportagens
que tratam de assuntos do nosso cotidiano.
O Vozes teve seu primeiro exemplar no ano de
2003 e neste ano de 2017 levanta questões discuti-
das no Plano Estratégico do Rio de Janeiro, feito pelo
prefeito Marcelo Crivella. O Plano mostra as metas e
os objetivos para o período de 2017 a 2020 e, nessa
edição, apresentamos para onde o projeto vai e onde
EXPEDIENTE
Coordenação: Claudia Santiago Giannotti
Diagramação: Rodolfo Vieira
Charge da Capa: Douglas Gonçalves
Professores: Ana Lúcia Vaz  Ana Enne
Arthur William  Claudia Santiago Gian-
notti  Daniel Climaco  Equipe Soltec
(Pedro Braga, Arthur Castro, Arthur
Guilherme e Pedro Graças)  Eric Fe-
nelon  Guilherme Soninho  Gustavo
Barreto  Josué Medeiros  Leon Diniz
 Mário Brum  Naldinho Lourenço 
Reginaldo Moraes  Rodolfo Vieira 
Tatiana Lima  Verena Glass  Sheila
Jacob  Vito Giannotti (In Memorian)
Agradecimentos: Ocupação Manoel
Congo  Ocupação Vito Giannotti 
Coletivo Papo Reto  TV Tagarela 
Jornal Abaixo Assinado de Jacarepaguá
 Aneci Palheta  Lidiane Mosry 
Márcio Castilho  Matheus Santiago 
Ricardo Félix
Equipe: Ananda Cantarino  Anna Cas-
tro  Bruna Távora  Bianca dos Santos
 Cristiane Furtado  Douglas Gonçal-
ves  Eric Fenelon  Fabrícia Trajano 
Fernando Santos  Flávia Fabrício  Ga-
brielly da Silva  Gustavo Lopes  Kadu
Barros  Kaliel Barbosa  Luis Henri-
ck  Luisa Santiago  Mariana Brito 
Marília Bittencourt  Pablo Vergara 
Paula Albuquerque  Pollyana Lopes 
Priscilla Fernandes  Priscilla Patrício
 Regina Prado Renato Dória  Sônia
Oliveira Thainá Queiroz  Thainar Xa-
vier  Thaís Melo  Thaynara Santos 
Victor Barreto
APOIO: ESPAÇO GRAMSCI, GRUPO ECO
(MORRO SANTA MARTA), INSTITUTO
RAÍZES EM MOVIMENTO (MORRO DO
ALEMÃO), OCUPAÇÃO MANOEL CONGO,
OCUPAÇÃO VITO GIANNOTTI, SENGE/RJ,
SISEJUFE/RJ E SINDIPETRO/RJ
Esta publicação foi realizada pelo Nú-
cleo Piratininga de Comunicação com
o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo
através de fundos do Ministério Federal
para a Cooperação Econômica e Desen-
volvimento da Alemanha (BMZ)
JORNAL lABORATÓRIO DO CURSO
VITO GIANNOTTI DE
COMUNICAÇÃO POPULAR
Rua Alcindo Guanabara, 17, sala 912 -
Centro - Rio de Janeiro - RJ
Site: nucleopiratininga.org.br -
Blog: vozesdascomunidades.org
Contatos: npiratininga@piratininga.org.br -
(21) 2220-5618 / 99628-5022
entram as favelas do Rio. Também apresenta matérias
sobre habitação, política, transporte, arte, educação,
economia e muito mais!
Há alguns anos distribuímos esse jornal durante o
Grito dos Excluídos, que acontece no dia 7 de setem-
bro, e é o grito daqueles que se sentem excluídos da
comunicação da grande mídia e buscam alternativas.
Este jornal é uma união de forças de quem acre-
dita que a comunicação pode ser feita de forma jus-
ta e honesta com quem lê. Nosso trabalho vai muito
além dessas páginas. Venha nos conhecer melhor no
nosso blog.
Dê sua opinião!
http://vozesdascomunidades.org/
O
1º Grito dos Excluídos foi realizado em setem-
bro de 1995, no Brasil. Em 1999 começou a ser
realizado também em outros países da América.
É uma passeata organizada por pessoas, grupos, en-
tidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos
com os excluídos, todos os anos dia 7 de setembro. O
Grito não tem dono. Em 2017, o tema do Grito é: “Por
direitos e democracia a luta é todo dia” .
Quem são os excluídos?
Eu, você e todos aqueles que sofrem com a falta de
trabalho, de hospital, de escola, de casa para morar.
Somos excluídos os que não temos terra para plantar,
teto para viver, salário do final do mês.
E por que vamos às ruas no dia 7 de setembro?
7 de setembro é o dia da comemoração da inde-
pendência do Brasil. Um bom momento para pen-
sarmos sobre problemas e soluções para nós e nossas
vidas. Para dizer que QUEREMOS UMA SOCIEDADE
JUSTA E SOLIDÁRIA.
Queremos trabalho, salário e condições para criar
nossos filhos em paz. Sem medo que eles não voltem
para casa e sem medo de não termos como criá-los.
O Grito dos Excluídos é meu, é seu, é nosso.
Convidamos você a gritar o ano inteiro.
Não ao desemprego! Não à violência!
POR UMA VIDA BOA PARA TODOS NÓS
Vozes das Comunidades
PAÍS
3
Congresso Nacional
discute e aprova
Reformas que retiram
direitos conquistados
pelos trabalhadores.
Por Luisa Santiago
Reformas x Direitos:
o que muda na vida do trabalhador
N
o final de 2016, o Governo
Federal colocou na pauta
do Congresso duas pro-
postas que representam duros
golpes contra os direitos dos
trabalhadores: a Reforma Traba-
lhista (PLC 38/2017) e a Refor-
ma da Previdência (PEC 287).
A Reforma Trabalhista foi
aprovada pelo Senado Federal
em 11/07/2017 e sancionada
pelo presidente da república
logo depois, no dia 13. A Refor-
ma da Previdência segue trami-
tando e aguarda votação.
O QUE ISSO SIGNIFICA?
Ao alterar quase cem pontos
da Consolidação das Leis do Tra-
balho (CLT), editada por Getúlio
Vargas em 1943, a Reforma Tra-
balhista praticamente decreta o
seu fim. A CLT tinha como fina-
lidade regulamentar a relação
entre capital e trabalho. Antes,
vigorava a lei do mais forte.
A Reforma aprovada em
2017 abre novamente o cami-
nho para ampliação da explora-
ção do trabalho e do trabalha-
dor. As novas regras passam a
valer a partir de novembro.
Um dos pontos centrais é a
prevalência dos acordos entre
patrões e empregados sobre a
lei. O dito “negociado sobre o
legislado”. Ou seja, o que for
acordado entre o sindicato e as
empresas poderá se sobrepor
às leis, expondo o trabalhador
a acordos que não necessaria-
mente respeitam suas necessi-
dades e seus direitos.
Uma bandeira histórica dos
trabalhadores, a jornada de 8
horas, também será atingida.
E esses são só dois exemplos
de ataques aos direitos. Veja
mais alguns no quadro.
REFORMA DA
PREVIDÊNCIA
Diferente da Reforma Traba-
lhista, a Reforma da Previdência,
ou PEC 287, ainda não foi apro-
vada. Ela altera as regras da Pre-
vidência Social e, na prática, vai
acabar inviabilizando a aposenta-
doria e a obtenção de benefícios
da maioria dos trabalhadores.
A Proposta altera, por exem-
plo, a idade mínima para reque-
rer aposentadoria, aumentando
o tempo mínimo de contribuição
de 15 anos para 25 anos. A justi-
DIREITOS DOS TRABALHADORES
ficativa para isso é a dificuldade
para custear a aposentadoria por
tempo de contribuição. A ver-
dade, no entanto, é que dos 32
milhões de benefícios do INSS,
apenas 16% estão nessa moda-
lidade. Além disso, grandes em-
presas, como Bradesco, Vale e
JBS, têm uma dívida com o INSS
que ultrapassa R$ 400 milhões.
Para aqueles que quiserem
receber aposentadoria integral,
também vai ter mudança. A PEC
prevê o tempo mínimo de contri-
buição de 40 anos. Mas quantos
trabalhadores no Brasil conse-
guem ter carteira assinada du-
rante 40 anos sem interrupção?
A RESISTÊNCIA
Desde que essas propostas
entraram na pauta, centrais sin-
dicais, sindicatos e movimentos
sociais têm se organizado para
resistir. Mas o caminho ainda
é longo. Na atual conjuntura,
a luta pela defesa dos direitos
dos trabalhadores se torna cada
dia mais imprescindível.
H O R A E X T R A
Como funciona hoje?
De acordo com a CLT, a duração do trabalho de 8
horas diárias poderá ser acrescida de horas suple-
mentares, não excedendo duas horas. O valor dessa
hora deve ser acrescido de 50% do valor da hora
normal.
Como fica?
O aumento da jornada permite a inclusão da remu-
neração das horas trabalhadas além das 8h no total
do salário, com valor de hora comum e não como
hora-extra.
PA R C E L A M E N T O D E F É R I A S
Como funciona hoje?
Os 30 dias de descanso remunerado podem ser uti-
lizados integralmente ou de maneira fracionada,
em no máximo duas vezes. O pagamento é propor-
cional às parcelas.
Como fica?
O parcelamento de período das férias anuais poderá
ser feito em até três vezes, diminuindo o tempo de
descanso e o valor recebido em cada parcela.
T R A B A L H O T E M P O R Á R I O
Como funciona hoje?
O limite máximo de dias para um contrato de traba-
lho temporário é de 90 dias, renováveis por mais 90.
Como fica?
Com a Reforma, o limite máximo para a contratação
passará a ser de 120 dias, renováveis por mais 120.
I N T E R VA L O I N T R A J O R N A D A
Como funciona hoje?
De acordo com a CLT, em trabalhos cuja duração ex-
ceda 6 horas, é obrigatória a concessão de intervalo
mínimo de 1 hora.
Como fica?
A nova lei exige apenas a existência de um inter-
valo intrajornada, estabelecendo apenas uma coi-
sa: que seja “respeitado o limite mínimo de trinta
minutos”.
Manifestação durante a Greve Geral do dia 28 de abril de 2017.
Foto: Joka Madruga/Terra Sem Mais
Vozes das Comunidades4
4
Plano Estratégico
do Rio deixa mais
de 900 favelas fora.
Documento prevê
orçamento para
diversas áreas
da cidade.
Por Ananda Cantarino,
Anna Castro e
Mariana Brito
CIDADE
Um rio de
estratégias
E
m junho foi lançado o
Plano Estratégico do
Rio de Janeiro (PERJ)
2017/2020. O documento
integra o Projeto Rio Visão
500, que traz 70 propostas
para o município até 2065,
quando o Rio completará
500 anos. Agora é o mo-
mento de debates, sugestões
e críticas dos moradores da
cidade para alinhar o progra-
ma de metas de acordo com
as necessidades. A versão fi-
nal do PERJ será lançada no
dia 29 de setembro. O objeti-
vo é garantir a participação
da população nas decisões
do que será feito durante os
próximos quatro anos. Parte
do orçamento da prefeitura
será destinado para elas.
Dividido em quatro seg-
mentos, o PERJ apresenta
101 metas e 65 iniciativas
estratégicas para as seguin-
tes áreas: economia, social,
urbano-ambiental e gover-
nança. O documento atual
deixou de usar termos como:
saúde, educação, transpor-
tes, habitação e urbaniza-
ção, ordem pública e con-
servação, gestão pública e
finanças, entre outros. Eles
se transformaram em con-
juntos de temas difíceis de
entender. Segundo especia-
listas, falta transparência no
documento, detalhes sobre o
planejamento e abrangência.
O plano em debate
No último dia 15 de agos-
to, foi realizado um debate
sobre o PERJ no Instituto
de Arquitetos do Brasil (IA-
B-RJ). A conversa tratou
de temas como mobilidade
urbana, gestão financeira e
propostas para habitação.
Carolina Queiroz, repre-
sentou o MobiRio, associa-
ção em prol da mobilidade
ativa (a pé e bicicletas) e da
proteção à vida. Ela ques-
tionou as propostas de mo-
bilidade urbana feitas pelo
Plano. Destacou a necessi-
dade de deixar as metas do
planos mais explícitas. A
especialista ressaltou a fal-
ta de ciclovias pela cidade.
“O plano de CicloMobilidade
tá atrasado, não precisa es-
perar até 2020 para ser im-
plementado”, disse.
A secretaria de Planeja-
mento e Gestão Governa-
mental, Aspásia Camargo,
destacou a importância da
participação dos morado-
res na elaboração do PE. “O
plano só tem vida própria
quando a população se apro-
pria dele”, afirma. Segundo
ela, a principal ideia contida
no documento é programar
ações que se adequem ao or-
çamento atual do município.
Vice-presidente da Associação dos moradores de Laranjeiras
levanta proposta de revitalização do Rio Carioca em debate
do Plano Estratégico.
Beneficiar 21 favelas em Áreas de Especial Interesse
Social (AEIS), realizando obras de urbanização até 2020.
Beneficiar 100.000 domicílios com regularização
urbanística e fundiária até 2020.
Garantir que 14.204 moradias não estarão em área
de alto risco geológico-geotécnico no Maciço da Tijuca
até 2020.
Contratar 20.000 Unidades Habitacionais de
Interesse Social até dezembro de 2020.
Manter 80% dos guardas municipais do efetivo
disponível em policiamento comunitário e vigilância
ostensiva da cidade diariamente, até 2020.
Algumas metas para as
favelas até 2020
Foto:AnandaCantarino
PLANOS DE URBANIZAÇÃO
Pablo Benetti, profes-
sor de Arquitetura da UFRJ,
questionou o número de fa-
velas que serão beneficiadas.
No documento consta que
21 delas serão urbanizadas.
Para o professor, esse núme-
ro é pequeno e arbitrário,
pois o próprio plano afirma
que há mais de 1000 favelas
na cidade. Segundo Benetti,
“o documento não diz se os
serviços básicos, como sa-
neamento e iluminação pú-
blica, serão implementados
nessas regiões”.
O documento mencio-
na as favelas na dimensão
Urbano-Ambiental e traz
poucos planejamentos para
essas localidades, onde vive
aproximadamente 23% da
população carioca. No Pla-
no, constam três iniciativas
que serão implementadas em
favelas nos próximos 4 anos.
São elas: Mais Moradias, Ter-
ritórios Integrados e Centra-
lidades Cariocas.
A primeira pretende re-
duzir o número de pessoas
sem moradia.
A segunda espera que
até 2020 mais de 14 mil mo-
radias não estajam em área
de alto risco. Para obter
esses fins, o plano estabe-
lece como iniciativa a ur-
banização e implantação de
infraestrutura em assenta-
mentos precários e conjun-
tos habitacionais.
A última tem como ob-
jetivo aumentar as moradias
no centro da cidade a partir
da construção de novas uni-
dades habitacionais e refor-
ma de imóveis vazios. Assim,
novos moradores passarão
a residir no centro do Rio e
não será somente uma re-
gião de trabalho. Além disso
facilitará o deslocamento das
pessoas.
Como o plano afeta as favelas
Vozes das Comunidades 5
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Por Victor Barreto
O Rio de Janeiro entregou, no fim de julho,
um plano com medidas polêmicas
para ajustar suas contas.
O Plano de Recuperação Fiscal e os
efeitos na vida dos trabalhadores
CRISE DO ESTADO
Esferas para aprovação do plano de recuperação fiscal: Estado (do Rio); STN (Secretaria do
Tesouro Nacional); PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional); MF (Ministério da Fazenda);
Conselho (Conselho indicado pela Presidência da República). Fonte: tesouro.fazenda.gov.br.
O
Estado do Rio de Janeiro atravessa uma fase preocu-
pante. A UERJ, sua principal universidade pública, está
fechada. Os servidores estão com salários atrasados. O
governo Cabral-Pezão, acusado de distribuir incentivos fis-
cais para empresas com retorno duvidoso, está envolvido em
escândalos de corrupção com empreiteiras. Esses são alguns
elementos que ilustram esse cenário. O governo alega que a
crise tem origem externa, que a diminuição dos ganhos com
o petróleo foi um golpe nas contas. A única saída, para os
governantes, é a diminuição dos gastos, ou, em outras pala-
vras, retirar direitos dos servidores e dos serviços públicos.
O rastro da crise
No ano passado, o governo
decretou estado de calamida-
de pública. Foi nesse perío-
do que surgiu a proposta do
Plano de Recuperação Fiscal
(PRF). É o que destaca Helena
Marroig, do mandato do depu-
tado estadual Flávio Serafini
(PSOL-RJ), em entrevista ao
jornal Vozes das Comunidades.
Para a economista, é pre-
ciso entender a situação do
Estado, principalmente, como
uma crise de receita, que é
quando há uma diferença
grande entre o que se arrecada
e o que se gasta. Ela diz que a
proposta de retomada da eco-
nomia deveria passar por solu-
ções que envolvam a recupera-
ção produtiva do estado. Isso
geraria o aquecimento da eco-
nomia fluminense através do
ganho de recursos e não por
políticas que vão afetar dire-
tamente a população. Helena
nos ajudou a entender melhor
o que é o PRF e alguns pontos
que aparecem nele.
Primeiro, é importante en-
tender que o governo federal
criou, através de uma lei, o
Existem muitas propostas para sair da crise.
Algumas podem mudar a situação sem sacrificar ainda mais a população.
1. A aplicação da lei Kandir.
2. Uma CPI (Comissão Par-
lamentar de Inquérito) para
analisar irregularidades nos
incentivos fiscais dados
pelo Estado.
Uma parte das empresas bene-
ficiadas com incentivos estão
devendo ao próprio Estado, pois
estão na lista da dívida ativa e
continuam contempladas.
3. A suspensão de benefícios
fiscais a empresas devedoras
e que não cumprem com o com-
binado para fazer jus aos incenti-
vos, como geração de empregos.
4. Mutirão de cobrança da
dívida ativa. Fazer um mu-
tirão de cobrança de todas as
empresas e pessoas que devem
ao Estado gera a expectativa de
conseguir R$ 66 bilhões. Isso
não é possível, mas, mesmo que
fosse alcançado apenas 10% da
cobrança, o Estado receberia R$
6,6 bi. Esse é o mesmo valor que
se espera com a venda da Cedae,
por exemplo.
O PLANO
E O POVO
Venda da Cedae: Esse é
considerado o ponto mais im-
portante e delicado. A Cedae
é uma empresa pública que dá
lucro. Além disso, o serviço de
fornecimento de água e esgo-
to é fundamental para a dig-
nidade humana. O que garante
que a empresa que comprar a
Cedae, se ela for privatizada,
vai continuar oferecendo o
serviço a toda população que
é atendida hoje? Comparando
com o serviço de internet, há
lugares que as operadoras não
atendem por não achar lucra-
tivo instalar sua estrutura.
Imagina a mesma lógica com
água e esgoto?
Aumento da contribui-
ção previdenciária: Esse pon-
to não era uma exigência do
Regime de Recuperação Fiscal.
O aumento da contribuição de
ativos, inativos e aposentados
de 11% para 14% foi uma op-
ção do governo estadual.
chamado Regime de Recupe-
ração Fiscal, que oferece aos
estados em grave situação
financeira instrumentos para
o ajuste de suas contas. Esse
regime permite um congela-
mento da dívida com a União
(durante o período do Regi-
me, que é de três anos, po-
dendo ser renovado por mais
três) e a possibilidade de re-
ceber mais empréstimos.
Plano de Recuperação
O Plano de Recuperação
Fiscal é um conjunto de
ações que o Estado se com-
promete a fazer como garan-
tia de que vai cumprir seus
compromissos. Hoje, o único
estado que atende as exigên-
cias para entrar no Regime
de Recuperação Fiscal é o
Rio de Janeiro.
Veja ao lado duas ações
do PRF que afetam direta-
mente a população.
Outra questão, referen-
te ao Regime, é o fato de ele
possibilitar apenas que o Es-
tado pague sua dívida com a
União. Não são apresentadas
sugestões para uma recupe-
ração produtiva, fundamental
para a saída da crise.
O plano impede ainda que
o valor da dívida do Estado
com a união seja revisto na
justiça. Isso porque a União
também deve aos Estados. É
o caso da Lei Kandir, em que
os Estados isentariam de ICMS
(sua principal fonte de recei-
ta) os produtos para expor-
tação e o governo federal co-
briria essas perdas. Mas essa
questão nunca foi bem defi-
nida e a dívida não foi paga.
Vozes das Comunidades
Especulação imobiliária prejudica
os mais pobres
46
DESAFIOS DA HABITAÇÃO
MORADIA
Valorização de
comunidades na Zona
Sul, Barra da Tijuca
e região portuária
expulsa moradores
históricos desses locais.
Por Thainá Queiroz,
Priscila Fernandes,
Thaynara Santos
A
pesar de ser um tema
que parece distante
do dia a dia da po-
pulação brasileira, a espe-
culação imobiliária está em
diversos espaços da cidade.
Esse processo ocorre em vá-
rias etapas. A primeira é a re-
alização de investimentos na
região que estimulem alguma
valorização. Já na segunda, o
investidor compra um terre-
no e constrói ou reforma um
imóvel para deixá-lo mais va-
lorizado e gerar lucro.
As consequências são o
aumento no preço dos imó-
veis, dos aluguéis e do custo
de vida, com o afastamento
dos trabalhadores de baixa
renda dessas regiões, pois
eles não têm condições de
viver nesses lugares.
A especulação imobiliá-
ria é uma prática econômica
cruel com o objetivo de lucro
a médio ou longo prazo.
Nas favelas
Em 1977, moradores do
Vidigal, favela da zona sul
do Rio de Janeiro, foram sur-
preendidos por equipes da
prefeitura que queriam der-
rubar suas casas e deslocar
as famílias para conjuntos
habitacionais de uma região
distante. A desculpa era o
risco de desabamento no lo-
cal. Mais tarde, os moradores
descobriram que o motivo
real era a futura constru-
ção de um hotel de luxo. O
Vidigal tem uma das vistas
mais bonitas do Rio, pou-
cos barracos, está localizado
na zona sul e é frequentado
por famosos. Em 2015, a Vila
Autódromo, localizada entre
o Parque Olímpico e a lagoa
de Jacarepaguá, teve muitas
casas demolidas e seus mo-
radores expulsos nas véspe-
ras dos Jogos Olímpicos de
2016. Localizada na região
nobre da Barra da Tijuca,
zona oeste do Rio, a favela
sofreu forte pressão da es-
peculação imobiliária. Ape-
sar de terem resistido com
muita luta, depois dos Jogos
poucas famílias conseguiram
permanecer no local.
Porto Maravilha
A zona portuária, locali-
zada no centro do Rio, sofre
com as consequências da es-
peculação imobiliária. Eduar-
do Paes, ex-prefeito do Rio de
Janeiro, lançou em 2009, o
Porto Maravilha, com a pro-
messa de renovação da área
que foi durante muito tempo
abandonada. Esse plano in-
cluiu obras como a criação
de edifícios arranha-céus e o
VLT (Veículo Leve Sobre Tri-
lhos). Essas intervenções e
investimentos tiveram como
consequência o aumento do
preço do metro quadrado e
do custo de vida na região.
Os trabalhadores que vivem
lá agora sofrem com isso.
Foto: Thainá Queiroz.
Conjunto de prédios no Centro do Rio de Janeiro.
O governo tem que controlar o mercado
no mercado imobiliário. Ape-
sar do prejuízo causado, o
objetivo deles não é diminuir
o valor, e sim esperar a maré
baixa passar e seguir com
as vendas. “Eles podem não
ganhar muito, mas perder ja-
mais”, destaca.
Quando questionado so-
bre quais seriam os critérios
para definir qual área seria
mais valorizada e se a UPP
(Unidade de Polícia Pacifi-
cadora) poderia ser um de-
les, Marco Antônio afirma
que não necessariamente. A
valorização do Vidigal, por
exemplo, não se deu por
conta das UPPs, e sim pelas
razões que já apontadas.
O engenheiro diz que há
falta de políticas públicas nas
regiões e compara a favela
do Vidigal com o Complexo
de Favelas do Alemão, outra
comunidade de destaque no
Rio de Janeiro. O que difere as
duas é que no Alemão, mesmo
com a chegada da UPP e com
a especulação imobiliária, não
houve melhora nos serviços
de saneamento básico e trata-
mento de esgoto. “Os investi-
dores não entram na favela e
tentam mudar essas questões
que são extremamente difí-
ceis. É necessária uma políti-
ca pública forte e que dure ao
menos quatro ou cinco gover-
nos para poder ser séria”.
Como resolver?
 Marco Antônio afirma que
a questão imobiliária é um
assunto que deve ser resol-
vido entre governo e em-
presários. O mercado imobi-
liário nunca deixa de gerar
renda. Mesmo se não há
venda, o mercado continua
especulando. Cabe
ao governo agir
para controlar isso.
O centro do Rio
é um espaço negli-
genciado, com gal-
pões abandonados
que, com ação do
governo, poderia
receber milhares
de famílias, mas
nada é feito. Daí a impor-
tância de cobrar o IPTU
progressivo aos proprietá-
rios que deixam seu imóvel
sem uso ou abandonado por
muitos anos.
E
m entrevista ao jornal
Vozes das Comunidades,
Marco Antônio Barbosa,
diretor do Sindicato dos En-
genheiros no Estado do Rio
de Janeiro, falou a respeito
do mercado imobiliário após
os Jogos Olímpicos de 2016
e a Copa do Mundo de 2014.
Perguntamos o porquê da
permanência dos preços altos
dos aluguéis após as Olimpía-
das, quando a previsão era de
baixa no mercado. Segundo
Marco Antônio, mesmo com
a expectativa gerada pelo
grande evento na cidade,
poucos conseguiram vender
os imóveis. Com a crise na
economia, houve uma queda
“Eles podem não ganhar muito,
mas perder jamais”, destaca
Marco Antônio Barbosa.
Foto:SENGE-RJ
Vozes das Comunidades
a
7
RESISTÊNCIA
Uma ocupação cheia de atividades
OCUPAÇÃO VITO GIANNOTTI
Além de cumprir função social,
a mobilização também contribui
para a cultura popular.
Por Sônia Oliveira e Eric Fenelon
C
om quase dois anos de existência, a
Ocupação Vito Giannotti cresceu muito
e tem cumprido com sua função social.
O prédio, antes abandonado por mais de
dez anos, hoje conta com mais de 20 famílias,
desde crianças a idosos. Os moradores e cola-
boradores voluntários dos movimentos sociais
constantemente fazem mutirões de limpeza
no prédio, retirada de entulho, instalações hi-
dráulicas e elétricas.
Além disso, a Vito Giannotti tem contribu-
ído muito com a cultura. Desde o dia da ocu-
pação, vários eventos culturais e beneficentes
já foram realizados. Apresentação do grupo
“A Cozinha Coletiva exis-
te porque entendemos que é
uma forma de unir as pessoas.
Todos os moradores, de cer-
ta forma, participam. Assim
ajudam no processo de inte-
gração do coletivo”, afirma
Frankilina Vieira, 53 anos.
Damiana Alves concor-
da: “a cozinha coletiva é um
momento também de des-
contração e muito importan-
te para a ocupação”. Ela ex-
plica que a cozinha também
é usada para oficinas, como
a de cerveja.
Para manter a cozinha
funcionando, existem custos.
Segundo Frankilina, “foi de-
cidido pelo coletivo que teria
que ser cobrada uma caixi-
nha para manter o mínimo
necessário para o almoço,
jantar e café da manhã”.
chileno Família Bombo Trío; Sarau das
Mulheres de Pedra; Feijoada Beneficen-
te; gravação do clipe musical do Mano
Teko; oficinas de grafite; além de aulas
de segurança na internet e do Curso
Vito Giannotti de Comunicação Popular,
do Núcleo Piratininga de Comunicação.
A Ocupação Hoje
Hoje, a Ocupação Vito Giannotti tam-
bém conta com grupos internos que fa-
zem diversos trabalhos, como as Mulhe-
res Artesãs da Vito (MAV), responsáveis
pela confecção de bolsas e bonecas; e a
equipe de estamparia, que faz camisas
para eventos de movimentos sociais e da
própria ocupação.
A seguir, vamos conhecer um pouco
das atividades feitas pelos moradores da
Ocupação Vito Giannotti.
Cozinha Coletiva Espaço Lojinha
coletivo da
estamparia
O coletivo da estamparia
conta com seis integrantes.
Surgiu da necessidade de es-
tampar camisas a um preço
justo para a própria ocupa-
ção. Hoje já fazem para ou-
tros movimentos também.
Com apenas cinco parti-
cipantes, o coletivo de mu-
lheres surgiu há quase dois
meses. Elas confeccionam
bolsas e bonecas que servem
como fonte de renda para a
ocupação. Segundo Angela
Cassiano, “é importante ocu-
par a mente com a confecção
de artesanatos e ganhar um
nheiro extra ou até transfor-
mar o trabalho em uma fon-
te de renda principal”.
No momento, o MAV faz
bolsas e bonecas. No caso
das bonecas abayomi, não é
necessário usar máquina de
costura, mas Angela explica
que para as bolsas sim: “Nos-
so trabalho fica difícil, pois
temos apenas uma máquina
caseira que ja era minha”.
Coletivo de
Mulheres Artesãs
da Vito (MAV)A ideia da horta na ocupa-
ção apareceu logo no início.
“Foi amor à primeira vista! O
terraço é lindo e espaçoso.
Durante os mutirões de lim-
peza, tinha muita terra acu-
mulada. E o que faremos com
toda essa terra? A ideia da
horta foi ficando mais for-
te, na medida em que cada
morador trazia suas planti-
nhas”, conta Henrique Zizo.
E continua: “Para alegria
da galera, herdamos um lin-
do pé de manga, que nos
deu muitos frutos gostosos e
muitas felicidades”. Segun-
do Henrique Zizo, o objeti-
vo da horta é garantir pelo
menos 20% dos legumes e
hortaliças para a cozinha
coletiva e incentivar outras
hortas.
Horta
Comunitária
No dia 15 de janeiro de 2016, cerca de 30 famílias ocuparam o prédio
federal do INSS. Essa é a data do aniversário do Vito Giannotti.
Moradores em ação na
Cozinha Coletiva
Foto:FernandoSantos
A lojinha surgiu da necessi-
dade de vender as camisetas
feitas pelo coletivo de es-
tamparia e bolsas Mulheres
Artesãs da Vito (MAV). Seis
mulheres e alguns homens
participam dessa atividade.
“É aqui que confeccionamos
bolsas e boneca Abayomi.
A lojinha é importante para
gerar renda para a ocupa-
ção, principalmente nos
dias de eventos”, explica
Damiana.
Vozes das Comunidades8
EDUCAÇÃO
CONHECIMENTO EM XEQUE
Rolo compressor: cadê a grana
A
educação pública do
estado do Rio de Ja-
neiro agoniza. Num
evidente atentado
contra a educação pública,
orquestrado em todos os ní-
veis de poder, o governo do
PMDB no estado promove dia
após dia ações desastrosas
para escolas e professores. O
professor de História, Renato
Dória, que atua na rede esta-
dual há três anos, relata falta
de porteiros e outros proble-
mas na escola em que traba-
lha. “Quando chove muito,
algumas salas de aula apre-
sentam goteiras. Como a qua-
dra e uma parte do corredor
não têm cobertura, a escola
enche se a bomba não funcio-
nar. Nesse caso, os alunos são
dispensados”, conta.
Em outras escolas da rede
estadual, também faltam
porteiros. Mas não só. A me-
renda é servida em porções
pequenas e com pouca va-
riedade. As salas não têm ar-
condicionado, o telefone e a
internet estão cortados.
Como se não bastassem as
condições precárias e os sa-
lários dos profissionais con-
gelados, descontos indevidos
no auxílio-alimentação e
atrasos dos pagamentos de
ativos e aposentados, o go-
verno ataca novamente.
Novos Ataques
O secretário de educação,
Wagner Victer, emitiu, em
julho, duas resoluções que
retiram direitos dos professo-
res. Tudo sem acordo com os
profissionais e contra as re-
comendações da Comissão de
Educação da ALERJ, Ministério
Público e Defensoria Pública.
Com a resolução nº 5531,
os professores perdem o di-
reito a permanecer na es-
cola de origem pelo tempo
que desejarem. Essa norma
pode ser usada como arma
de perseguição a grevistas e
educadores não submissos.
Já a resolução de nº 5532 dá
margem para o fechamento
de turmas e até escolas, já
que impede o funcionamen-
to de mais de uma escola do
estado num raio de 3km.
O Sindicato dos Profissio-
nais da Educação do Estado
do Rio de Janeiro encontrou
inconstitucionalidade em al-
guns pontos das resoluções e
tomará providências.
Uma das estratégias do Estado e de
seus agentes repressores consiste em
ataques à classe trabalhadora através
da educação, o que engloba desmon-
tes e cortes de verbas: professores, ter-
ceirizados e funcionários com salários
atrasados, diminuição do repasse para a
manutenção das unidades educacionais
e confisco de bolsas. A professora de
Literatura Portuguesa da UERJ, Claudia
Amorim, aponta que existiram restrições
antes, mas nada comparado aos ataques
atuais. A professora atribui o ataque à
UERJ ao fato de ser uma das primeiras
na inclusão da classe trabalhadora nos
elitistas bancos das universidades públi-
cas através das políticas de cotas.
“É melhor para a classe dominante
acabar com os focos de pensamento e
impossibilitar o crescimento de cons-
ciência. A classe trabalhadora na univer-
sidade amplia os espaços de discussão e
contemplação que o sistema capitalista
fornece à mesma classe privilegiada des-
de sempre”, ressalta.
#UerjResiste
Por Paula Albuquerque
As associações de professores das
Universidades Federais de Brasília, Belo
Horizonte e do Rio de Janeiro se organi-
zaram e iniciaram uma campanha contra
a redução dos investimentos nas áreas de
ciência, tecnologia e humanidades. No
campus da Praia Vermelha, na Urca, foi
montado o “Tesourômetro” (foto), painel
que indica quantos milhões o governo
federal cortou das universidades públi-
cas desde 2015. Os dados também estão
disponíveis no site: conhecimentosem-
cortes.org.br
#ConhecimentoSemCortes
Atos do governo ameaçam professores
Por Fabricia Trajano
Está cada vez mais difícil o acesso à educação de qualidade,
seja na cidade, no estado ou no país. Sem verbas suficientes,
as escolas e universidades estão mais sucateadas do que nunca.
Muitas quase fechando as portas.
Mas, afinal, o que está acontecendo?
Vozes das Comunidades

9
EDUCAÇÃO
da educação?
Por Douglas Gonçalves
Os cortes federais
A
situação da educa-
ção no Brasil não
tem sido nada ani-
madora. O Governo
Federal anunciou corte de
R$ 42,1 bilhões nas despesas
deste ano. Na educação se-
rão R$ 4,3 bilhões a menos.
As universidades e os Insti-
tutos Federais terão redução
de 15% do orçamento, mais
um corte de 40% nos gastos
com obras.
Essa falta de verba acon-
tece há muitos anos. Mas a
situação tem piorado prin-
cipalmente por conta da
Proposta de Emenda Cons-
titucional 55. Essa PEC foi
aprovada por Michel Temer
(PMDB) no final de 2016. Ela
limita fortemente os investi-
mentos públicos por 20 anos.
Centenas de funcionários, em
sua maioria terceirizados, fo-
ram demitidos nesse primei-
ro semestre do ano. Muitas
universidades anunciaram ter
verba para funcionar apenas
até setembro.
A UFRJ é a primeira e a
maior universidade do país.
É líder em diversos rankings
de qualidade de ensino e
pesquisa. Tem quase 70 mil
estudantes entre graduação
e pós-graduação, divididos
entre Rio, Angra dos Reis,
Caxias, Itaperuna e Macaé.
Uma universidade desse ta-
manho tem um papel funda-
mental na formação de mi-
lhares de pessoas. Mas com a
falta de dinheiro, está difícil
manter as portas abertas.
Esse ano já teve problemas no
fornecimento de luz elétrica
pela falta de pagamento. Co-
meçou o segundo semestre de
2017 sem liberar as Bolsas de
Acesso e Permanência, fun-
damentais para os estudantes
de baixa renda. Além disso, o
curso de Arquitetura, referên-
cia em todo o país, não abriu
turmas na metade desse ano.
E, para piorar, o maior
financiador de produção de
ciência do Brasil, o Conselho
Nacional de Desenvolvimen-
to Científico e Tecnológico
(CNPq), anunciou em agosto
o esgotamento da verba de
2017 para pesquisas cien-
tíficas. A falta de dinheiro
afetará mais de 100 mil pes-
quisadores de todo o país,
que dependem de suas bolsas
para continuar atuando nas
áreas de inovação tecnológi-
ca e de humanidades.
E agora? Como pensar o
futuro da educação diante
desses cortes?
É difícil entender como o
governo alega falta de verba.
Nesse ano, para assegurar
seus aliados e garantir a apro-
vação de seus projetos, Temer
liberou R$ 168,2 milhões
em emendas parlamentares.
Também reduziu cobranças,
afrouxou regras, perdoou
dívidas e concedeu serviços
para diversos interessados.
Só o Itaú, por exemplo, teve
perdão de R$20 bilhões do
Ministério da Fazenda. Será
mesmo que vale a pena prio-
rizar os acordões?
C
ristiane Farneze é moradora da Cidade de Deus
há 35 anos. É militante incansável, de inteli-
gência louvável, pedagoga e professora há 17
anos da Educação Municipal.
As experiências em instituições de ensino de re-
nome concederam a ela competência rebuscada. Tem
paixão pela área, por isso luta com afinco. Para ela,
a educação tem o poder de transformar a vida do
cidadão, independente da idade.
Ela diz que a Reforma do Ensino Médio, aprovada
em setembro de 2016, é um absurdo educacional. A
medida torna opcionais disciplinas fundamentais que
colaboram para a construção de um cidadão reflexivo
e crítico. Essa Reforma, ela afirma, é uma forma vela-
da de sucateamento e exclusão da educação pública.
Cristiane também critica a aprovação automática,
adotada no município do Rio. “A aprovação automáti-
ca é uma maneira de garantir que nossas crianças con-
tinuem paralisadas e sempre servindo à elite”, afirma.
Para ela, é formação de massa de manobra ideológica.
“E ainda falam que o analfabetismo está diminuindo”,
completa.
Cristiane, como boa brasileira, fala que não de-
siste nunca. Sonha com o dia em que a classe opri-
mida entenderá que a educação é libertadora. “Ela
acaba com os descamisados e eleva a auto-estima,
concedendo uma vida digna que é direito de todo
cidadão”, afirma.
E conclui dizendo
que a mente escla-
recida liberta da
manipulação, da
desumanidade, da
covardia, do pre-
conceito e do cân-
cer social.
Encerro nossa
conversa desejan-
do que num futu-
ro bem próximo a
classe discriminada
entenda e abrace o
desejo de Cristiane
Farneze.
PERFIL
Por Regina Prado
Educação municipal:
uma conversa com a professora
Cristiane Farneze
Vozes das Comunidades10
SAÚDE E MEIO AMBIENTE
PRIVATIZAÇÃO DA CEDAE
Projeto de privatização da concessionária foi aprovado pela ALERJ.
A água, um direito humano universal, pode se tornar mercadoria.
Acesso à água: um direito
Por Pollyana Lopes,
Thaís Melo e
Bianca Santana.
Colaboração:
Victor Barreto
D
izer que a água é es-
sencial para a saúde é
“chover no molhado”.
Sabemos que o aces-
so à água potável e sanea-
mento é essencial para a saú-
de pública, além de ser um
direito humano assegurado
pela ONU. A vida nos grandes
centros urbanos pode enga-
nar, mas uma grande parcela
da população não tem água
encanada em casa. De acordo
com dados da Câmara Metro-
politana do Rio, 67% da po-
pulação de Seropédica, por
exemplo, não tem acesso à
rede de água e esgoto.
Os riscos causados pelo
esgoto sem o devido trata-
mento são grandes. O esgoto,
quando é lançado nos mares
e nos rios sem nenhum trata-
mento, causa danos ao meio
ambiente. Além disso, mui-
tos rios, que poderiam ter
água doce para consumirmos,
estão poluídos a níveis alar-
mantes. Um grande exemplo
é o rio que abastece a maior
parte do Rio de Janeiro: o Rio
Guandu. Ele está tão poluído
que cerca de 48,3% do vo-
lume de água captada não é
efetivamente utilizado. Isso
N
o Estado do Rio de
Janeiro, a Companhia
Estadual de Águas
e Esgotos (CEDAE) é a em-
presa responsável pela cap-
tação, tratamento e distri-
buição das redes de água.
Também é a que faz a cole-
ta, transporte, tratamento
e destino final dos esgotos
gerados nos municípios den-
tro da sua área de atuação.
A CEDAE é uma empresa
pública e, como o próprio
site afirma, tem como mis-
são “prestar serviços de re-
ferência em abastecimento
de água, esgotamento sa-
nitário e demais soluções
em saneamento ambiental,
de forma sustentável para
o desenvolvimento sócio-e-
conômico e preservação do
meio ambiente, com foco
na rentabilidade e satisfa-
ção da sociedade, clientes e
acionistas”. No entanto, no
início deste ano, a venda da
empresa foi aprovada na As-
sembleia Legislativa do Es-
tado do Rio de Janeiro.
A venda foi uma exigên-
cia do Governo Federal para
o empréstimo de mais de R$
3 bilhões ao Estado. Entre as
justificativas, dizia-se que a
CEDAE causava prejuízos aos
cofres públicos, mas a ver-
dade é que a empresa gera
lucros, que em 2016 alcança-
ram R$ 350 milhões. Isso tor-
na evidente que a venda da
empresa não é apenas uma
condição para o socorro fi-
nanceiro, mas um passo para
a privatização de mais um
serviço público.
E por que isso é ruim?
Em entrevista para o jor-
nal Brasil de Fato, a profes-
sora da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, Flá-
via Braga, defende a gestão
pública dos recursos natu-
rais. “Principalmente porque
[com a privatização] ficam
mais caros. Portanto, muitos
não poderão ter acesso. Te-
mos que defender que a Ce-
dae continue do Estado, mas
que melhore seus serviços.
devido ao excesso de esgoto
presente no rio.
Em algumas áreas da pe-
riferia do Rio de Janeiro, o
esgoto corre a céu aberto, o
que pode causar a prolifera-
ção de ratos, baratas, mosqui-
tos, etc, além de problemas
de pele. Quando o problema
é o consumo de água poluí-
da, a situação é ainda pior. A
água contaminada pode cau-
sar diversas doenças como fe-
bre tifóide, cólera, hepatites,
disenteria e pólio. As maiores
vítimas da falta de sanea-
mento básico acabam sendo
as crianças. Cerca de 60% da
mortalidade infantil no mun-
do é causada por alguma das
doenças aqui citadas.
A água é bem fundamental
para a vida”, afirma.
“Na realidade, o proces-
so de privatização da Cedae
esconde a dilapidação do
patrimônio público, a cor-
rupção que levou ao caos
financeiro no estado e a en-
trega de um setor estraté-
gico do ponto de vista eco-
nômico e principalmente da
saúde pública (tratamento,
produção, distribuição de
águas e esgotos)”, apontou
Ary Girota, também ao Bra-
sil de Fato. Ele é trabalha-
dor da CEDAE e integrante
do Sindicato dos Trabalha-
dores nas Empresas de Sa-
neamento Básico e Meio
Ambiente (Sintsama-RJ).
Os impactos da venda da CEDAE
Quando se fala em
privatização da CEDAE, o
Brasil segue na contramão
de vários países no que diz
respeito à gestão da água
e saneamento. Enquanto
cidades como Berlim e Paris
retomaram o controle sobre
esses recursos, o Rio segue
o projeto de privatizar o
acesso à água.
A visão destas cidades
mais desenvolvidas é
de que apenas a gestão
pública consegue garantir
esses direitos básicos e
essenciais a todos.
Brasil
na contramão
Campanha do SENGE-RJ contra a venda da CEDAE
Vozes das Comunidades 11
Por Bianca Santana,
Flávia Fabrício e Thaís Melo
País consome cerca de 1 milhão de
toneladas de agrotóxicos por ano.
Brasil é campeão mundial
no consumo de agrotóxicos
CUIDADO COM A ALIMENTAÇÃO
O
que você pensa quando ouve o termo
“alimentação saudável”? Em frutas, le-
gumes e vegetais talvez. Ou em emagre-
cimento e dietas milagrosas. Talvez você
pense que com uma alimentação saudável seu
corpo será mais bonito e sua saúde muito me-
lhor. Bom, na teoria até pode ser esse o resul-
tado de uma rotina alimentar, mas na prática
não é bem assim. Você já parou para pensar no
caminho que o alimento faz de onde foi planta-
do até a sua mesa? Pois se não pensou, deveria.
Ainda mais agora quando o presidente Michel
Temer resolveu afrouxar o processo de liberação
dos agrotóxicos usados na agricultura brasileira.
Agrotóxicos são produtos químicos utilizados
SAÚDE E MEIO AMBIENTE
na pecuária, na agricultura e até mesmo nas nos-
sas casas como, por exemplo, os inseticidas. O ob-
jetivo é diminuir a aparição de pragas na lavoura.
Mas eles fazem mais do que isso. Também geram
danos à saúde humana, causando câncer, infertili-
dade, autismo, doenças nos rins, danos ao fígado,
Mal de Alzheimer, diversas doenças neurológicas,
alergias, má formação de fetos etc.
Os números
A Agência Internacional de Pesquisa em Cân-
cer (Iarc) publicou um relatório no qual classifi-
cou cinco agrotóxicos como “provavelmente” ou
“possivelmente” cancerígenos. Desses, três são
permitidos no Brasil pela Agência de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Como resultado, entre 2007 e
2011 a média de intoxicação por agrotóxicos au-
mentou em 127% para os trabalhadores agrícolas
e em 178% para as trabalhadoras.
Mesmo com todos os prejuízos, o consumo de
agrotóxicos no Brasil só aumenta. Desde 2008, o
Não é só a saúde das pessoas que é
afetada pelo uso intenso de agrotóxicos.
O meio ambiente também sofre as
consequências dessa prática. Segundo
pesquisa publicada pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária,
diversas áreas da região serrana do Estado
encontram-se em situação de risco devido
à contaminação dos rios pelo uso de
agrotóxicos. O uso de produtos químicos
na produção de alimentos também
prejudica o solo e o ar.
P
ara que a maioria dos tra-
balhadores tenham acesso a
uma alimentação mais sau-
dável, ou seja, sem vene-
nos, deve-se fortalecer os merca-
dos locais. Agricultores da região
podem oferecer produtos limpos
a preços acessíveis no seu próprio
município.
O engenheiro agrônomo Claude-
mar Mattos contou ao Jornal Vozes
das Comunidades algumas das van-
tagens das feiras locais: “As feiras
agroecológicas têm fortalecido o
agricultor a estar ali. Então não
existe intermediário e isso acaba
diminuindo o preço. Como o conta-
Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no
mundo, ultrapassando a marca de 1 milhão de to-
neladas por ano, o que equivale a um consumo
médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante.
E esse número só tende a crescer. Além disso, o
Estado do Rio de Janeiro é o terceiro maior consu-
midor de agrotóxicos do país.
Feiras agroecológicas
tornam possível alimentação mais saudável
to é feito direto com o agricultor, o
consumidor tem a oportunidade de
saber de onde vem aquele produto,
levando para casa alimentos mais
frescos, sem veneno, e estabelecen-
do novas relações sociais e com a
natureza”.
Uma solução para que possamos
consumir frutas, legumes e verduras
sem nenhum tipo de agrotóxico está
nas feiras agroecológicas ou feiras da
agricultura familiar. Nelas, as mer-
cadorias oferecidas são produzidas
pelos agricultores do Rio de Janeiro
a um preço acessível para a maioria
dos trabalhadores. Ronaldo Barbosa,
de 40 anos, é feirante e mostra que
podemos encontrar bons produtos a
preços baixos em feiras de bairro. Ele
nos conta que se orgulha do trabalho
que exerce, deixando claro que tudo
aquilo que vende é livre de agrotóxi-
cos. “Tem muito cliente que compra
comigo por causa disso. Assim, os
alimentos são mais saudáveis”, diz.
Manter uma boa alimentação é
essencial para a nossa saúde, porém
devemos sempre prestar atenção
àquilo que consumimos. Muitas ve-
zes, o que nos parece saudável es-
conde diversos perigos. Mesmo sen-
do comprovadamente perigosos, os
agrotóxicos ainda possuem grande
força na indústria alimentar.
Crédito: Flávia Fabrício
Vozes das Comunidades12
INSETICIDA NELES!
Apesar do aumento
constante da passagem,
usuários dos ônibus não
veem melhorias.
Ratos e baratas
no Sistema de
Transporte do Rio
Por Fernando Santos,
Kadu Barros e
Marília Bittencourt
TRANSPORTE
Entrevistamos dois motoristas
para saber como é a realidade de
seu trabalho, os desafios que en-
frentam e a relação com os donos
das empresas.
Vozes das Comunidades: Qual a sua
idade e cidade de origem? Como se
tornou motorista e como é o dia a
dia do trabalho?
Antonio: Tenho 35 anos e sou de Be-
lém do Pará. Trabalho há um ano e
meio como motorista porque o setor
rodoviário estava pagando melhor do
que a minha área de elétrica. É es-
Rodoviários: “cobrar e dirigir é injusto”
tressante , cansativo. São sete horas
de trabalho, mais hora extra.
Maurilio: Tenho 32 anos, sou de
João Pessoa e trabalho há cinco anos
como rodoviário. Isso aí não é profis-
são pra todo mundo. É muito desva-
lorizada. A maioria dos empresários
não está “nem aí” para você, não
está nem aí para ninguém. Trabalho
12 horas por dia, boa parte em hora
extra, 6 dias na semana.
Vozes: Qual a melhor e a pior par-
te da profissão? O que poderia
melhorar?
Antonio: Acho que a melhor parte é
a hora de receber, né? E a pior parte é
essa dificuldade que a gente encontra
na pista, infelizmente ninguém diri-
ge defensivo. Satisfeito 100% a gen-
te nunca tá, poderia ficar melhor. Por
exemplo, diminuir a carga horária. Mo-
torista ter que cobrar e dirigir também
acho injusto. Exercemos duas funções
e somos remunerados só por uma.
Maurilio: A melhor parte é você ter
o seu salário. E a pior é que às vezes
somos xingados pelos passageiros, a
grande maioria não respeita. Isso é
uma coisa que desmotiva muito. Con-
seguir cumprir essa carga de trabalho
não é um desafio. O salário podia me-
lhorar, ter carro novo. Mais respeito
por parte dos empresários, eles só
querem saber que entre o deles.
QUER APARECER NO VOZES
e GANHAR UM PRÊMIO?
MANDE A SUA SELFIE COM O MOTO-
RISTA DA SUA LINHA, COM O NOME
DA EMPRESA E DO PATRÃO:
NPIRATININGA@UOL.COM.BR
O
trabalhador continua
sofrendo com a situa-
ção do transporte pú-
blico da cidade. O alto preço
das passagens e a extinção
de algumas linhas de ônibus
atrapalham o deslocamen-
to. Se for o caso de morar
fora da cidade, o transtorno
aumenta.
Segundo Wallace Araújo,
morador de Nova Iguaçu, o
tempo de casa até o local do
seu trabalho dura uma hora
e meia de viagem. “É mais
rápido ir de avião pra São
Paulo do que deslocar entre
os municípios do Rio. Fora
a tarifa! A linha de ônibus
Nova Iguaçu x Central custa
R$ 8,20”, conta.
Imagine a quantidade
de dinheiro que esse setor
movimenta. Para onde vai?
Com certeza não é investido
em melhorias no transporte.
Além da extinção de linhas,
trajetos alterados, intervalos
irregulares, deixam o traba-
lhador dependente de duas
ou mais conduções.
investigações
Não é de hoje que o chei-
ro do ralo escapa. Em 2013
duas CPI´s foram instaladas,
uma no Rio e uma em Ni-
terói, tentando desvendar a
caixa-preta dos transportes.
O então vereador Eliomar, na
época do aumento de 0,20
centavos, conseguiu tirar a
CPI do papel.
No entanto, a maioria das
vagas desta ficou com os go-
vernistas do PMDB, partido
de Cabral e do ex-prefeito da
cidade, Eduardo Paes.
Segundo a Agência Públi-
ca, essa primeira CPI tinha
como base da investigação
indícios de formação de car-
tel no processo de licitação,
de acordo com a apuração do
TCM. As empresas que fazem
parte dos quatro consórcios
vencedores, Internorte, In-
tersul, Santa Cruz e Transca-
rioca já atuavam no sistema
anterior. Além disso, tive-
ram seu CNPJ criado no mes-
mo dia e estavam no mesmo
endereço da Fetranspor.
Quer saber quem são os do-
nos dos transportes? Acesse:
vozesdascomunidades.org.br.
ou
Vozes das Comunidades 13
Por Kaliel Barbosa e
Luis Henrick Teixeira
Um ano após os Jogos
Olímpicos no Rio de Janeiro,
o Estado passa por uma das
maiores crises financeiras.
No entanto, ainda é alto o
investimento em munições e
forças armadas.
Dinheiro para a guerra
RIO DE JANEIRO
A
pós decretar situação de cri-
se e passar por diversas ce-
nas chocantes de violência,
o Rio continua a mostrar re-
alidades nada maravilhosas. Em mar-
ço deste ano, a pequena Maria Eduar-
da Conceição foi morta por policiais
militares em uma operação em Coelho
Neto. Houve, ainda, as repressões na
Alerj contra manifestantes que luta-
vam contra a privatização da CEDAE.
Esses casos têm em comum o uso da
repressão policial contra a população.
Eles também ajudam a ilustrar núme-
ros assustadores: o Estado do Rio tri-
plicou gastos com a compra de bom-
bas de gás lacrimogêneo e munições
consideradas não letais. O mesmo va-
lor foi usado para adquirir munições.
Os números são do Portal da Trans-
parência do RJ.
Em 2015, o valor recebido pela
Condor S/A Indústria Química do go-
verno, com gastos de itens explosivos
e de munição, foi de R$451 mil. Já
em 2016, o Rio pagou R$ 1,45 milhão
à mesma empresa. O segundo repasse
do valor aconteceu em outubro, um
mês antes do anúncio de falência do
governo do estado. A Secretaria de
Segurança e a Polícia Militar possuí-
am dois contratos em vigor até o meio
deste ano com a empresa, que somam
R$ 2, 45 milhões.
No total, durante os governos de
Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão,
(IN)SEGURANÇA PÚBLICA
com munição e o uso das forças ar-
madas nas ruas não alteram o índice
de violência do Rio. “O que assisti-
mos, nesses casos, são ações de es-
petacularização, com a ideia de mos-
trar a presença do controle social do
Estado pela força e pelo uso da vio-
lência, principalmente intimidando
e violando direitos de moradores das
áreas periféricas”, explica.
Ações integradas
Já foi possível ver a intervenção
federal com tropas do exército no RJ
em 1992 e 1994, e essas ações pro-
duziram poucos efeitos. A presença
nas ruas, segundo Naylane, apenas
gera uma expectativa na população
de maior segurança, o que não ne-
cessariamente se converte em redu-
ção de índices de violência.
A obsessão dos aparatos do Esta-
do em combater o tráfico de drogas
das ruas produz um resultado de-
vastador nas favelas, com mortes
e violações de direitos de moradores.
“Para produzirmos mudança na
segurança pública não existe fór-
mula mágica e muito menos uni-
camente policial. São necessárias
ações integradas que articulem os
diferentes órgãos do sistema de jus-
tiça criminal, como a polícia militar
e civil, em conjunto com o sistema
penitenciário, além de secretarias de
estado que atuam no cotidiano da
vida de milhares de pessoas, como as
de saúde e de educação”, afirma a
pesquisadora. Dados apontam para o
alto índice de assassinatos nas fave-
las, principalmente de jovens, além
de violência doméstica, roubos de
diferentes naturezas, entre outros.
Diante disso, Naylane completa: “É
preciso identificar os principais pro-
blemas e implementar ações de inte-
ligência articuladas para que possam
produzir resultados”.
a Condor recebeu mais de R$ 17 mi-
lhões do governo do Rio. Dinheiro
que vem não só da Polícia Militar. A
Secretaria de Casa Civil usou parte de
seu orçamento para a compra de pis-
tolas não letais e kits com armas de
choque, usadas, de acordo com o Por-
tal da Transparência, na Operação Lei
Seca do governo federal. A empresa
recebeu R$ 25,1 milhões em 2016, re-
ferentes aos contratos com Exército,
Marinha, Aeronáutica e Polícias Ro-
doviárias de diversos estados.
Forças-Armadas
No dia 14 de agosto, o Diário Ofi-
cial da União publicou um decreto
do governo federal que autoriza o
uso das forças armadas para garantir
a lei e a ordem na região metropoli-
tana do Rio. Esse foi um pedido do
governador Luiz Fernando Pezão ao
presidente Michel Temer. A autori-
zação do envio de tropas militares
para o Rio é parte de uma ameaça
maior. Nesse momento, o emprego
das Forças Armadas tem como objeti-
vo intimidar e reprimir mobilizações
da população insatisfeita com o atu-
al governo em curso.
Naylane Pinto, pesquisadora do
Observatório Fluminense da Univer-
sidade Federal Rural do Rio de Ja-
neiro e professora do programa de
pós-graduação em Ciências Sociais,
considera que o aumento de gastos
“Dados apontam
para o alto índice
de assassinatos
nas favelas,
principalmente de
jovens”
Policiais fazem cerco durante protesto em frente à Igreja da Candelária
Foto: Jacqueline Suarez
Vozes das Comunidades
Leia no quadro
abaixo o que
pensam as Centrais
Sindicais sobre
temas atuais!
14
O QUE A HISTÓRIA TEM A NOS ENSINAR
Grandes mobilizações
de trabalhadores foram
fundamentais para conquistas
de direitos.
Por Renato Dória,
Priscilla Patrício e
Marília Bittencourt.
MEMÓRIA
N
este ano de 2017, em que com-
pletamos 100 anos da maior
greve geral já ocorrida na
Brasil, patrões e governo aniquilam
com direitos trabalhistas. Mesmo
com duas greves gerais realizadas,
em abril e junho, a Reforma Traba-
lhista entrará em vigor concretizan-
do uma forte ofensiva antissindical.
Mas a experiência da Greve Geral de
1917 traz ensinamentos importantes
para os trabalhadores. Naquela épo-
ca, a questão trabalhista era tratada
com forte repressão policial. A nossa
sociedade havia abolido há poucos
anos a escravidão e o trabalho braçal
ainda carregava o preconceito do es-
cravismo. A inexistência de leis tra-
balhistas beneficiava o patrão, que
fazia valer sua vontade. Para o traba-
lhador, o único meio de garantir me-
lhores condições de vida era a greve.
O Congresso Operário Brasileiro
de 1906 definiu a greve como o prin-
cipal instrumento de luta. A estra-
tégia de ação era o sindicalismo re-
volucionário de modelo francês. Isto
correspondia ao entendimento de
que a superação da condição de ex-
ploração dos trabalhadores se daria
por meio de uma revolução social. As
exigências da Greve Geral de 1917,
com adesão de 150.000 operárias e
operários só no RJ e em SP, foram:
jornada de 8h diárias, regulamenta-
ção do trabalho infantil e das mu-
lheres, legalidade sindical, medidas
contra a falta de alimentos, salário
mínimo, fim do trabalho extra não
-remunerado, dentre outras. Ban-
deiras que voltam a ser necessárias
com a Reforma Trabalhista de 2017.
(ver pág. 3 desta edição).
Para sabermos a importância das
organizações sindicais e suas formas
de atuação neste momento atual de
reformas, realizamos entrevistas com
representantes da CUT (Central Úni-
ca dos Trabalhadores), CTB (Central
Trabalhista Brasileira), Intersindical
e CSP-Conlutas (Central Sindical e
Popular Conlutas).
Greve geral e sindicatos
ontem e hoje
 Centrais sindicais rompem com
o corporativismo dos sindicatos. É
um espaço de troca e de criação da
solidariedade de classe;
 O imposto sindical mantém en-
castelada no sindicato uma burocra-
cia que não tem o interesse de ir
pra base;
 O IS permitiu a criação de fe-
derações, confederações, centrais
com estruturas amplíssimas, po-
rém, desnecessárias;
 Com o fim do IS a estrutura sin-
dical vai diminuir e os sindicatos
terão que ir até a base buscar a
filiação voluntária.
 As centrais sindicais são impor-
tantes para os sindicatos e atual-
mente têm sido protagonistas das
lutas contra este governo ilegítimo
que assaltou nosso país;
 A centralidade da luta está em
barrar os ataques aos direitos dos
trabalhadores e o desmonte da CLT;
 A CTB sempre defendeu a inde-
pendência e autonomia do movi-
mento sindical;
 O sindicalismo de luta e cons-
ciente não pode prescindir dessa
importante ferramenta, que é o
Imposto Sindical, para fazer avan-
çar a luta dos trabalhadores.
À Central Sindical cabe politizar
as categorias e romper com as lu-
tas corporativas transformando-as
em lutas coletivas;
 Atuar organizando, contri-
buindo e sendo solidária com ou-
tras lutas dos trabalhadores que
ainda não estão organizados;
 O imposto sindical é um arti-
fício jurídico criado por Vargas
e que se transformou num ins-
trumento de cooptação dos sin-
dicatos pelo próprio Estado e de
proliferação de sindicatos buro-
cráticos.
INTERSINDICAL
Foto: Centro de Mídia Independente (CMI)
CSP-CONLUTASCTBCUT
 Central Sindical é uma enti-
dade de representação dos traba-
lhadores;
 O papel da Central é discutir as
questões mais amplas;
 Ao estar filiado a uma Central,
o sindicato pode fazer a conexão
entre a macropolítica e a micro;
 Desde a criação, a posição da
CUT é ser contra o imposto sindi-
cal porque enfraquece a adesão da
categoria;
 O fim do imposto sindical nesse
momento também é uma estraté-
gia do empresariado para enfraque-
cer o movimento sindical geral.
Greve Geral no Rio de Janeiro no dia 28.04.2017.
Vozes das Comunidades 15
CULTURA
EXPRESSÃO ARTÍSTICA
R
osalina Brito, moradora há 50
anos da Cidade de Deus, é mi-
litante incansável quando o
assunto é lutar e exaltar sua comu-
nidade.
Dona de uma veia artística mul-
tifacetada, Rosalina é atriz, poetisa,
grafiteira e artista plástica. Ela está
casada com a arte há dez anos.
Com pouco estudo devido à ati-
tude machista do pai que a proibia
de estudar, encontrou na arte um
amor e uma entrega que a colocam
para cima. Rosalina diz que o seu
Por Regina Prado
Rosalina Brito é atriz, poetisa,
grafiteira e artista plástica.
trabalho faz ela se comunicar com o
mundo. Atualmente, ela tem focado
mais na artes plásticas.
Reconhece, com tristeza, que
não dá para viver da arte. Ela uti-
liza as redes sociais para sobreviver.
Cheia de orgulho diz que já ven-
deu seis telas para um cliente de
Boston.
Expressão dos Sentimentos
Para ela, a arte significa fazer no-
vos amigos, conhecer novos artistas,
novas modalidades, expressar senti-
mentos e expor sua alma a cada tra-
balho. Continua dizendo que arte é
vida, é valorização, mas é também
preconceito, até mesmo dentro da
própria comunidade.
Ela lamenta que o morador não
entende que o menino armado na
tela é para mostrar a realidade.
Rosalina tem dois sonhos: um é
reunir os artistas da Cidade de Deus
para exporem com público e mídia
de fora. Já o outro é ter uma Casa de
Cultura com exposição semanal.
Quando perguntada sobre quem
era Rosalina antes da arte, ela, com
voz embargada, diz que não era nin-
guém. Hoje é conhecida tanto na es-
crita como na pintura. Bem recebida
por outras comunidades, tem sido
convidada para expor em museus. No
dia 25, vai apresentar seu trabalho
na Lona Cultural de Jacarepaguá.
Essa é Rosalina Brito da Cidade de
Deus. Ela mostra que lá tem o lado
Cidade de Deus: arte e vida
Realidade oculta:
roda cultural na
Baixada Fluminense
N
a praça Matheus Vieira
do Amaral, no municí-
pio de Nilópolis, Bai-
xada Fluminense, moradores
se reúnem na quadra com
um equipamento de som
alugado e trocam suas rimas
e poesias. Essa é a Roda Cul-
tural da Praça de Olinda, que
acontece às sextas-feiras, de
15 em 15 dias. A roda con-
ta com a presença de jovens
que gostam de rap e hip-hop
Por Kaliel Barbosa
Para fugir da crueldade
das ruas, jovens se
apoiam no
hip hop.
e que querem uma válvula
de escape da realidade vio-
lenta da Baixada.
Uma das organizadoras
desse projeto, Marcelle Ama-
ral, conta que a roda come-
çou como uma brincadeira
de alguns dos meninos, tro-
cando rimas e se divertindo.
Hoje já está na 8ª edição, e
Marcelle sente apenas satis-
fação pelo trabalho que tem
feito. “Só de eles estarem em
uma sexta-feira aqui, ao in-
vés de estarem no crime, vale
a pena. Eles não vêm aqui só
para rimar, eles não falam só
bobeiras. Passam conheci-
mento, falam sobre política,
direitos humanos e, querendo
negativo sim - “não como toda co-
munidade, mas como todo lugar, in-
clusive no asfalto da Zona Sul”, faz
questão de ressaltar.
As comunidades têm vários artis-
tas que vivem anônimos privando o
público dos seus talentos. Rosalina é
um desses muitos talentos.
Parabéns Cidade de Deus por essa
e por tantos outros artistas ímpares.
Gente Competente
Nas periferias há diversas Rosali-
nas Brito, mostrando que competên-
cia independe de classe social.
Será que algum político que faz
parte dessa covardia chamada descaso
social entenderá que os menos favo-
recidos só precisam de oportunidades?
“Se é para rimar eu faço um free
Eu to cantando aqui pra interagir
RCPO, roda cultural de Olinda
A vida nem sempre é bela, nem sempre é linda
Ela tem espinhos
Ela não é um mar de rosas
Mas você tem que entender que as vias são perigosas
Mas você tem o hip-hop para poder interagir, se divertir
Deixar a informação fluir
Hip-hop é escape, é símbolo de resistência
O movimento é importante
E tem gente que olha e acha que a gente é ignorante
Mas o hip hop salva-vidas
Enquanto o mundo fecha as portas ele abre outras saídas.”
ou não, quem está ali absorve
e começa a se interessar por
esses assuntos”, comenta.
Matheus Nascimento, DJ
e produtor da RCPO, conta o
que esse movimento signifi-
ca para ele: “A Baixada ca-
rece de incentivo à cultura.
As prefeituras não ligam e
esquecem que estamos aqui.
Com a violência crescendo
cada vez mais, o medo só
cresce. Essa roda represen-
ta a resistência cultural de
nós que não temos as vozes
ouvidas. A RCPO é um gri-
to para que ouçam e vejam
que estamos aqui. A praça
era viva, tinha campeonatos
de skate. Mas hoje ela está
morta. Queremos a seguran-
ça que tínhamos de volta”.
Além de iniciantes que
comparecem na roda, nomes
conhecidos da Baixada tam-
bém marcam presença.
Saulo Afide, membro do
Anonimografia, escreveu um
poema sobre a roda e o que
ela representa:
Jovens reunidos para a final da batalha de rimas.
Foto:KalielBarbosa
Vozes das Comunidades16
CULTURA
ARTE PERIFÉRICA
N
uma favela de Senador Ca-
mará, zona oeste do Rio,
Bruna Mistrano elegeu, des-
de muito cedo, a imagem e
a imaginação como seus brinquedos
favoritos. Conciliando a escrita e o
desenho com a carreira acadêmica,
a artista lançou um livro de poemas
intitulado “Não” (Ed. Patuá), com
ilustrações da própria autora.
Mesmo sem aparecer a palavra “fa-
vela”, a escritora explica que a peri-
feria está presente no livro por meio
Por Fabrícia Trajano
A poesia na
“Zeó”Vivências como mulher e
favelada dão o tom da produção
de Bruna Mistrano, moradora
da Zona Oeste carioca.
de suas vivências como mulher e fa-
velada. Essas experiências são conta-
das nos poemas, mas sua expressão
artística não para por aí: desenhos,
pinturas, fotos... Toda a produção de
Bruna traz o que há de mais poético
da periferia da “Zeó”, forma carinho-
sa de chamar a Zona Oeste.
Como artista que mora e produz
na favela, Bruna fala do esforço para
trazer visibilidade à arte periférica.
“Você está ficando rotulada”, ouviu
Bruna de amigos pelo fato de ela es-
tar sempre divulgando imagens da
periferia e cobrando eventos artísti-
cos naquela região tão esquecida, de-
pois de Deodoro.
“Não somos carentes!
Não somos inferiores!”
A escritora faz questão de
continuar vivendo na favela
em que cresceu. Essa é a razão
para Bruna fazer arte na peri-
feria. “O movimento de você ir
para o lugar central, e lembrar
da margem só como uma ori-
gem, não é mais interessante.
Eu acho que existe o outro mo-
vimento que precisa ser feito,
que é o do centro [...] olhar
no entorno”. Ela fala também
do porquê de produzir arte
para a periferia: “[...] porque
tem gente que tem senso crí-
tico, que tem senso estético”.
Cultura fora dos
grandes circuitos
A artista comenta sobre o desinte-
resse dos grandes circuitos culturais
de chegar até a periferia e conhecer
a cultura de lá. Esse seria o principal
obstáculo para a falta de visibilidade
da arte periférica. Ela fala que o jeito
é continuar tentando ocupar espaços.
Convites para apresentações fora da fa-
vela só aparecem para eventos relacio-
nados à arte periférica. Segundo ela,
a periferia não entra em eventos que
mostram a arte dos grandes centros.
A artista plástica dá como exemplo de
dificuldade a escritora Conceição Eva-
risto, mulher preta, que só conseguiu
reconhecimento com muito mais ida-
de do que outros escritores normal-
mente conseguem. Aqueles que, em
geral, têm boas condições financei-
ras, são brancos e héteros. “Espero o
dia que não precise mais lutar, que
os espaços estejam abertos a todos
[...]”, completa.
Bruna lembra que é preciso enten-
der que cultura não é apenas aquela
que é produzida pelas elites. O que
mais falta para a arte periférica ocu-
par tudo? “Falta incentivo à leitura”,
afirma. O Slam (poesia falada) está
ganhando força, mas não existe um
circuito literário que chame atenção
para a poesia escrita na periferia.
A principal influência para Bruna
começar a publicar foi Stela do Patro-
cínio (1941-1997), poetisa que viveu
internada numa colônia psiquiátrica
onde impressionava a todos por seu
falar poético. Mas sua “inspiração”
mesmo - ainda que ela não acredi-
te em inspiração - sempre foram os
verdadeiros artistas da vida: os tra-
balhadores da periferia. Bruna fala do
“artista que constrói uma casa”, “que
pinta um muro”, “que vende bala”,
“aqueles caras [...] que tão numa po-
sição ali quase como um cavalo [...]
carregando no lombo uma carroça
com várias coisas. [...] Existe beleza
naquilo. Existe força naquilo. Existe
potência naquilo”, conclui.
na estrada de terra
da cidade vazia
a criança preta empunha um
pedaço de pau.
ela está nua e vê-se um corpo
tão prematuro
quanto ruínas.
a boca intumescida da criança
preta gutura
morte ao rei!
e na aridez inalcançável dos
pés descalços resiste
a criança tão criança e velha,
sozinha e livre –
o sino da igreja abandonada
toca todo dia na hora errada.
(extraído do livro “Não”)
Arte: Bruna Mitrano
Bruna Mitrano critica a invisibilidade
da arte da periferia.
Imagem do livro “Não”,
de Bruna Mitrano
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Jornal Vozes das Comunidades - 2017

  • 1. Vozes das Comunidades Um jornal feito pelas comunidades a serviço das comunidades Setembro de 2017 Ano XII - Nº 13 CRISE NO RIO: Plano de recuperação prejudica trabalhadores EDUCAÇÃO: Instituições públicas estão sendo sucateadas PRIVATIZAÇÃO DA CEDAE: Medida pode dificultar acesso à água potável CULTURA NA BAIXADA: Jovens se manifestam por meio de hip hop PÁGINA 5 PÁGINAS 8 E 9 PÁGINA 10 PÁGINA 15 Reformas tiram direitos: o que muda na vida do trabalhador PÁGINA 3
  • 2. Vozes das Comunidades OPINIÃO Você sabe o que é o Grito dos Excluídos? 2 EDITORIAL - JORNAL VOZES Por Claudia Santiago Giannotti O jornal Vozes das Comunidades surge da neces- sidade dos alunos de comunicação comunitária, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), escreverem matérias sob uma perspectiva pouco dis- cutida pela grande mídia. Os alunos formados pelo NPC, com o apoio dos professores e coordenadores do curso, discutem temas importantes na sociedade e se organizam para escrever e desenvolver reportagens que tratam de assuntos do nosso cotidiano. O Vozes teve seu primeiro exemplar no ano de 2003 e neste ano de 2017 levanta questões discuti- das no Plano Estratégico do Rio de Janeiro, feito pelo prefeito Marcelo Crivella. O Plano mostra as metas e os objetivos para o período de 2017 a 2020 e, nessa edição, apresentamos para onde o projeto vai e onde EXPEDIENTE Coordenação: Claudia Santiago Giannotti Diagramação: Rodolfo Vieira Charge da Capa: Douglas Gonçalves Professores: Ana Lúcia Vaz  Ana Enne Arthur William  Claudia Santiago Gian- notti  Daniel Climaco  Equipe Soltec (Pedro Braga, Arthur Castro, Arthur Guilherme e Pedro Graças)  Eric Fe- nelon  Guilherme Soninho  Gustavo Barreto  Josué Medeiros  Leon Diniz  Mário Brum  Naldinho Lourenço  Reginaldo Moraes  Rodolfo Vieira  Tatiana Lima  Verena Glass  Sheila Jacob  Vito Giannotti (In Memorian) Agradecimentos: Ocupação Manoel Congo  Ocupação Vito Giannotti  Coletivo Papo Reto  TV Tagarela  Jornal Abaixo Assinado de Jacarepaguá  Aneci Palheta  Lidiane Mosry  Márcio Castilho  Matheus Santiago  Ricardo Félix Equipe: Ananda Cantarino  Anna Cas- tro  Bruna Távora  Bianca dos Santos  Cristiane Furtado  Douglas Gonçal- ves  Eric Fenelon  Fabrícia Trajano  Fernando Santos  Flávia Fabrício  Ga- brielly da Silva  Gustavo Lopes  Kadu Barros  Kaliel Barbosa  Luis Henri- ck  Luisa Santiago  Mariana Brito  Marília Bittencourt  Pablo Vergara  Paula Albuquerque  Pollyana Lopes  Priscilla Fernandes  Priscilla Patrício  Regina Prado Renato Dória  Sônia Oliveira Thainá Queiroz  Thainar Xa- vier  Thaís Melo  Thaynara Santos  Victor Barreto APOIO: ESPAÇO GRAMSCI, GRUPO ECO (MORRO SANTA MARTA), INSTITUTO RAÍZES EM MOVIMENTO (MORRO DO ALEMÃO), OCUPAÇÃO MANOEL CONGO, OCUPAÇÃO VITO GIANNOTTI, SENGE/RJ, SISEJUFE/RJ E SINDIPETRO/RJ Esta publicação foi realizada pelo Nú- cleo Piratininga de Comunicação com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo através de fundos do Ministério Federal para a Cooperação Econômica e Desen- volvimento da Alemanha (BMZ) JORNAL lABORATÓRIO DO CURSO VITO GIANNOTTI DE COMUNICAÇÃO POPULAR Rua Alcindo Guanabara, 17, sala 912 - Centro - Rio de Janeiro - RJ Site: nucleopiratininga.org.br - Blog: vozesdascomunidades.org Contatos: npiratininga@piratininga.org.br - (21) 2220-5618 / 99628-5022 entram as favelas do Rio. Também apresenta matérias sobre habitação, política, transporte, arte, educação, economia e muito mais! Há alguns anos distribuímos esse jornal durante o Grito dos Excluídos, que acontece no dia 7 de setem- bro, e é o grito daqueles que se sentem excluídos da comunicação da grande mídia e buscam alternativas. Este jornal é uma união de forças de quem acre- dita que a comunicação pode ser feita de forma jus- ta e honesta com quem lê. Nosso trabalho vai muito além dessas páginas. Venha nos conhecer melhor no nosso blog. Dê sua opinião! http://vozesdascomunidades.org/ O 1º Grito dos Excluídos foi realizado em setem- bro de 1995, no Brasil. Em 1999 começou a ser realizado também em outros países da América. É uma passeata organizada por pessoas, grupos, en- tidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com os excluídos, todos os anos dia 7 de setembro. O Grito não tem dono. Em 2017, o tema do Grito é: “Por direitos e democracia a luta é todo dia” . Quem são os excluídos? Eu, você e todos aqueles que sofrem com a falta de trabalho, de hospital, de escola, de casa para morar. Somos excluídos os que não temos terra para plantar, teto para viver, salário do final do mês. E por que vamos às ruas no dia 7 de setembro? 7 de setembro é o dia da comemoração da inde- pendência do Brasil. Um bom momento para pen- sarmos sobre problemas e soluções para nós e nossas vidas. Para dizer que QUEREMOS UMA SOCIEDADE JUSTA E SOLIDÁRIA. Queremos trabalho, salário e condições para criar nossos filhos em paz. Sem medo que eles não voltem para casa e sem medo de não termos como criá-los. O Grito dos Excluídos é meu, é seu, é nosso. Convidamos você a gritar o ano inteiro. Não ao desemprego! Não à violência! POR UMA VIDA BOA PARA TODOS NÓS
  • 3. Vozes das Comunidades PAÍS 3 Congresso Nacional discute e aprova Reformas que retiram direitos conquistados pelos trabalhadores. Por Luisa Santiago Reformas x Direitos: o que muda na vida do trabalhador N o final de 2016, o Governo Federal colocou na pauta do Congresso duas pro- postas que representam duros golpes contra os direitos dos trabalhadores: a Reforma Traba- lhista (PLC 38/2017) e a Refor- ma da Previdência (PEC 287). A Reforma Trabalhista foi aprovada pelo Senado Federal em 11/07/2017 e sancionada pelo presidente da república logo depois, no dia 13. A Refor- ma da Previdência segue trami- tando e aguarda votação. O QUE ISSO SIGNIFICA? Ao alterar quase cem pontos da Consolidação das Leis do Tra- balho (CLT), editada por Getúlio Vargas em 1943, a Reforma Tra- balhista praticamente decreta o seu fim. A CLT tinha como fina- lidade regulamentar a relação entre capital e trabalho. Antes, vigorava a lei do mais forte. A Reforma aprovada em 2017 abre novamente o cami- nho para ampliação da explora- ção do trabalho e do trabalha- dor. As novas regras passam a valer a partir de novembro. Um dos pontos centrais é a prevalência dos acordos entre patrões e empregados sobre a lei. O dito “negociado sobre o legislado”. Ou seja, o que for acordado entre o sindicato e as empresas poderá se sobrepor às leis, expondo o trabalhador a acordos que não necessaria- mente respeitam suas necessi- dades e seus direitos. Uma bandeira histórica dos trabalhadores, a jornada de 8 horas, também será atingida. E esses são só dois exemplos de ataques aos direitos. Veja mais alguns no quadro. REFORMA DA PREVIDÊNCIA Diferente da Reforma Traba- lhista, a Reforma da Previdência, ou PEC 287, ainda não foi apro- vada. Ela altera as regras da Pre- vidência Social e, na prática, vai acabar inviabilizando a aposenta- doria e a obtenção de benefícios da maioria dos trabalhadores. A Proposta altera, por exem- plo, a idade mínima para reque- rer aposentadoria, aumentando o tempo mínimo de contribuição de 15 anos para 25 anos. A justi- DIREITOS DOS TRABALHADORES ficativa para isso é a dificuldade para custear a aposentadoria por tempo de contribuição. A ver- dade, no entanto, é que dos 32 milhões de benefícios do INSS, apenas 16% estão nessa moda- lidade. Além disso, grandes em- presas, como Bradesco, Vale e JBS, têm uma dívida com o INSS que ultrapassa R$ 400 milhões. Para aqueles que quiserem receber aposentadoria integral, também vai ter mudança. A PEC prevê o tempo mínimo de contri- buição de 40 anos. Mas quantos trabalhadores no Brasil conse- guem ter carteira assinada du- rante 40 anos sem interrupção? A RESISTÊNCIA Desde que essas propostas entraram na pauta, centrais sin- dicais, sindicatos e movimentos sociais têm se organizado para resistir. Mas o caminho ainda é longo. Na atual conjuntura, a luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores se torna cada dia mais imprescindível. H O R A E X T R A Como funciona hoje? De acordo com a CLT, a duração do trabalho de 8 horas diárias poderá ser acrescida de horas suple- mentares, não excedendo duas horas. O valor dessa hora deve ser acrescido de 50% do valor da hora normal. Como fica? O aumento da jornada permite a inclusão da remu- neração das horas trabalhadas além das 8h no total do salário, com valor de hora comum e não como hora-extra. PA R C E L A M E N T O D E F É R I A S Como funciona hoje? Os 30 dias de descanso remunerado podem ser uti- lizados integralmente ou de maneira fracionada, em no máximo duas vezes. O pagamento é propor- cional às parcelas. Como fica? O parcelamento de período das férias anuais poderá ser feito em até três vezes, diminuindo o tempo de descanso e o valor recebido em cada parcela. T R A B A L H O T E M P O R Á R I O Como funciona hoje? O limite máximo de dias para um contrato de traba- lho temporário é de 90 dias, renováveis por mais 90. Como fica? Com a Reforma, o limite máximo para a contratação passará a ser de 120 dias, renováveis por mais 120. I N T E R VA L O I N T R A J O R N A D A Como funciona hoje? De acordo com a CLT, em trabalhos cuja duração ex- ceda 6 horas, é obrigatória a concessão de intervalo mínimo de 1 hora. Como fica? A nova lei exige apenas a existência de um inter- valo intrajornada, estabelecendo apenas uma coi- sa: que seja “respeitado o limite mínimo de trinta minutos”. Manifestação durante a Greve Geral do dia 28 de abril de 2017. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Mais
  • 4. Vozes das Comunidades4 4 Plano Estratégico do Rio deixa mais de 900 favelas fora. Documento prevê orçamento para diversas áreas da cidade. Por Ananda Cantarino, Anna Castro e Mariana Brito CIDADE Um rio de estratégias E m junho foi lançado o Plano Estratégico do Rio de Janeiro (PERJ) 2017/2020. O documento integra o Projeto Rio Visão 500, que traz 70 propostas para o município até 2065, quando o Rio completará 500 anos. Agora é o mo- mento de debates, sugestões e críticas dos moradores da cidade para alinhar o progra- ma de metas de acordo com as necessidades. A versão fi- nal do PERJ será lançada no dia 29 de setembro. O objeti- vo é garantir a participação da população nas decisões do que será feito durante os próximos quatro anos. Parte do orçamento da prefeitura será destinado para elas. Dividido em quatro seg- mentos, o PERJ apresenta 101 metas e 65 iniciativas estratégicas para as seguin- tes áreas: economia, social, urbano-ambiental e gover- nança. O documento atual deixou de usar termos como: saúde, educação, transpor- tes, habitação e urbaniza- ção, ordem pública e con- servação, gestão pública e finanças, entre outros. Eles se transformaram em con- juntos de temas difíceis de entender. Segundo especia- listas, falta transparência no documento, detalhes sobre o planejamento e abrangência. O plano em debate No último dia 15 de agos- to, foi realizado um debate sobre o PERJ no Instituto de Arquitetos do Brasil (IA- B-RJ). A conversa tratou de temas como mobilidade urbana, gestão financeira e propostas para habitação. Carolina Queiroz, repre- sentou o MobiRio, associa- ção em prol da mobilidade ativa (a pé e bicicletas) e da proteção à vida. Ela ques- tionou as propostas de mo- bilidade urbana feitas pelo Plano. Destacou a necessi- dade de deixar as metas do planos mais explícitas. A especialista ressaltou a fal- ta de ciclovias pela cidade. “O plano de CicloMobilidade tá atrasado, não precisa es- perar até 2020 para ser im- plementado”, disse. A secretaria de Planeja- mento e Gestão Governa- mental, Aspásia Camargo, destacou a importância da participação dos morado- res na elaboração do PE. “O plano só tem vida própria quando a população se apro- pria dele”, afirma. Segundo ela, a principal ideia contida no documento é programar ações que se adequem ao or- çamento atual do município. Vice-presidente da Associação dos moradores de Laranjeiras levanta proposta de revitalização do Rio Carioca em debate do Plano Estratégico. Beneficiar 21 favelas em Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), realizando obras de urbanização até 2020. Beneficiar 100.000 domicílios com regularização urbanística e fundiária até 2020. Garantir que 14.204 moradias não estarão em área de alto risco geológico-geotécnico no Maciço da Tijuca até 2020. Contratar 20.000 Unidades Habitacionais de Interesse Social até dezembro de 2020. Manter 80% dos guardas municipais do efetivo disponível em policiamento comunitário e vigilância ostensiva da cidade diariamente, até 2020. Algumas metas para as favelas até 2020 Foto:AnandaCantarino PLANOS DE URBANIZAÇÃO Pablo Benetti, profes- sor de Arquitetura da UFRJ, questionou o número de fa- velas que serão beneficiadas. No documento consta que 21 delas serão urbanizadas. Para o professor, esse núme- ro é pequeno e arbitrário, pois o próprio plano afirma que há mais de 1000 favelas na cidade. Segundo Benetti, “o documento não diz se os serviços básicos, como sa- neamento e iluminação pú- blica, serão implementados nessas regiões”. O documento mencio- na as favelas na dimensão Urbano-Ambiental e traz poucos planejamentos para essas localidades, onde vive aproximadamente 23% da população carioca. No Pla- no, constam três iniciativas que serão implementadas em favelas nos próximos 4 anos. São elas: Mais Moradias, Ter- ritórios Integrados e Centra- lidades Cariocas. A primeira pretende re- duzir o número de pessoas sem moradia. A segunda espera que até 2020 mais de 14 mil mo- radias não estajam em área de alto risco. Para obter esses fins, o plano estabe- lece como iniciativa a ur- banização e implantação de infraestrutura em assenta- mentos precários e conjun- tos habitacionais. A última tem como ob- jetivo aumentar as moradias no centro da cidade a partir da construção de novas uni- dades habitacionais e refor- ma de imóveis vazios. Assim, novos moradores passarão a residir no centro do Rio e não será somente uma re- gião de trabalho. Além disso facilitará o deslocamento das pessoas. Como o plano afeta as favelas
  • 5. Vozes das Comunidades 5 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Por Victor Barreto O Rio de Janeiro entregou, no fim de julho, um plano com medidas polêmicas para ajustar suas contas. O Plano de Recuperação Fiscal e os efeitos na vida dos trabalhadores CRISE DO ESTADO Esferas para aprovação do plano de recuperação fiscal: Estado (do Rio); STN (Secretaria do Tesouro Nacional); PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional); MF (Ministério da Fazenda); Conselho (Conselho indicado pela Presidência da República). Fonte: tesouro.fazenda.gov.br. O Estado do Rio de Janeiro atravessa uma fase preocu- pante. A UERJ, sua principal universidade pública, está fechada. Os servidores estão com salários atrasados. O governo Cabral-Pezão, acusado de distribuir incentivos fis- cais para empresas com retorno duvidoso, está envolvido em escândalos de corrupção com empreiteiras. Esses são alguns elementos que ilustram esse cenário. O governo alega que a crise tem origem externa, que a diminuição dos ganhos com o petróleo foi um golpe nas contas. A única saída, para os governantes, é a diminuição dos gastos, ou, em outras pala- vras, retirar direitos dos servidores e dos serviços públicos. O rastro da crise No ano passado, o governo decretou estado de calamida- de pública. Foi nesse perío- do que surgiu a proposta do Plano de Recuperação Fiscal (PRF). É o que destaca Helena Marroig, do mandato do depu- tado estadual Flávio Serafini (PSOL-RJ), em entrevista ao jornal Vozes das Comunidades. Para a economista, é pre- ciso entender a situação do Estado, principalmente, como uma crise de receita, que é quando há uma diferença grande entre o que se arrecada e o que se gasta. Ela diz que a proposta de retomada da eco- nomia deveria passar por solu- ções que envolvam a recupera- ção produtiva do estado. Isso geraria o aquecimento da eco- nomia fluminense através do ganho de recursos e não por políticas que vão afetar dire- tamente a população. Helena nos ajudou a entender melhor o que é o PRF e alguns pontos que aparecem nele. Primeiro, é importante en- tender que o governo federal criou, através de uma lei, o Existem muitas propostas para sair da crise. Algumas podem mudar a situação sem sacrificar ainda mais a população. 1. A aplicação da lei Kandir. 2. Uma CPI (Comissão Par- lamentar de Inquérito) para analisar irregularidades nos incentivos fiscais dados pelo Estado. Uma parte das empresas bene- ficiadas com incentivos estão devendo ao próprio Estado, pois estão na lista da dívida ativa e continuam contempladas. 3. A suspensão de benefícios fiscais a empresas devedoras e que não cumprem com o com- binado para fazer jus aos incenti- vos, como geração de empregos. 4. Mutirão de cobrança da dívida ativa. Fazer um mu- tirão de cobrança de todas as empresas e pessoas que devem ao Estado gera a expectativa de conseguir R$ 66 bilhões. Isso não é possível, mas, mesmo que fosse alcançado apenas 10% da cobrança, o Estado receberia R$ 6,6 bi. Esse é o mesmo valor que se espera com a venda da Cedae, por exemplo. O PLANO E O POVO Venda da Cedae: Esse é considerado o ponto mais im- portante e delicado. A Cedae é uma empresa pública que dá lucro. Além disso, o serviço de fornecimento de água e esgo- to é fundamental para a dig- nidade humana. O que garante que a empresa que comprar a Cedae, se ela for privatizada, vai continuar oferecendo o serviço a toda população que é atendida hoje? Comparando com o serviço de internet, há lugares que as operadoras não atendem por não achar lucra- tivo instalar sua estrutura. Imagina a mesma lógica com água e esgoto? Aumento da contribui- ção previdenciária: Esse pon- to não era uma exigência do Regime de Recuperação Fiscal. O aumento da contribuição de ativos, inativos e aposentados de 11% para 14% foi uma op- ção do governo estadual. chamado Regime de Recupe- ração Fiscal, que oferece aos estados em grave situação financeira instrumentos para o ajuste de suas contas. Esse regime permite um congela- mento da dívida com a União (durante o período do Regi- me, que é de três anos, po- dendo ser renovado por mais três) e a possibilidade de re- ceber mais empréstimos. Plano de Recuperação O Plano de Recuperação Fiscal é um conjunto de ações que o Estado se com- promete a fazer como garan- tia de que vai cumprir seus compromissos. Hoje, o único estado que atende as exigên- cias para entrar no Regime de Recuperação Fiscal é o Rio de Janeiro. Veja ao lado duas ações do PRF que afetam direta- mente a população. Outra questão, referen- te ao Regime, é o fato de ele possibilitar apenas que o Es- tado pague sua dívida com a União. Não são apresentadas sugestões para uma recupe- ração produtiva, fundamental para a saída da crise. O plano impede ainda que o valor da dívida do Estado com a união seja revisto na justiça. Isso porque a União também deve aos Estados. É o caso da Lei Kandir, em que os Estados isentariam de ICMS (sua principal fonte de recei- ta) os produtos para expor- tação e o governo federal co- briria essas perdas. Mas essa questão nunca foi bem defi- nida e a dívida não foi paga.
  • 6. Vozes das Comunidades Especulação imobiliária prejudica os mais pobres 46 DESAFIOS DA HABITAÇÃO MORADIA Valorização de comunidades na Zona Sul, Barra da Tijuca e região portuária expulsa moradores históricos desses locais. Por Thainá Queiroz, Priscila Fernandes, Thaynara Santos A pesar de ser um tema que parece distante do dia a dia da po- pulação brasileira, a espe- culação imobiliária está em diversos espaços da cidade. Esse processo ocorre em vá- rias etapas. A primeira é a re- alização de investimentos na região que estimulem alguma valorização. Já na segunda, o investidor compra um terre- no e constrói ou reforma um imóvel para deixá-lo mais va- lorizado e gerar lucro. As consequências são o aumento no preço dos imó- veis, dos aluguéis e do custo de vida, com o afastamento dos trabalhadores de baixa renda dessas regiões, pois eles não têm condições de viver nesses lugares. A especulação imobiliá- ria é uma prática econômica cruel com o objetivo de lucro a médio ou longo prazo. Nas favelas Em 1977, moradores do Vidigal, favela da zona sul do Rio de Janeiro, foram sur- preendidos por equipes da prefeitura que queriam der- rubar suas casas e deslocar as famílias para conjuntos habitacionais de uma região distante. A desculpa era o risco de desabamento no lo- cal. Mais tarde, os moradores descobriram que o motivo real era a futura constru- ção de um hotel de luxo. O Vidigal tem uma das vistas mais bonitas do Rio, pou- cos barracos, está localizado na zona sul e é frequentado por famosos. Em 2015, a Vila Autódromo, localizada entre o Parque Olímpico e a lagoa de Jacarepaguá, teve muitas casas demolidas e seus mo- radores expulsos nas véspe- ras dos Jogos Olímpicos de 2016. Localizada na região nobre da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, a favela sofreu forte pressão da es- peculação imobiliária. Ape- sar de terem resistido com muita luta, depois dos Jogos poucas famílias conseguiram permanecer no local. Porto Maravilha A zona portuária, locali- zada no centro do Rio, sofre com as consequências da es- peculação imobiliária. Eduar- do Paes, ex-prefeito do Rio de Janeiro, lançou em 2009, o Porto Maravilha, com a pro- messa de renovação da área que foi durante muito tempo abandonada. Esse plano in- cluiu obras como a criação de edifícios arranha-céus e o VLT (Veículo Leve Sobre Tri- lhos). Essas intervenções e investimentos tiveram como consequência o aumento do preço do metro quadrado e do custo de vida na região. Os trabalhadores que vivem lá agora sofrem com isso. Foto: Thainá Queiroz. Conjunto de prédios no Centro do Rio de Janeiro. O governo tem que controlar o mercado no mercado imobiliário. Ape- sar do prejuízo causado, o objetivo deles não é diminuir o valor, e sim esperar a maré baixa passar e seguir com as vendas. “Eles podem não ganhar muito, mas perder ja- mais”, destaca. Quando questionado so- bre quais seriam os critérios para definir qual área seria mais valorizada e se a UPP (Unidade de Polícia Pacifi- cadora) poderia ser um de- les, Marco Antônio afirma que não necessariamente. A valorização do Vidigal, por exemplo, não se deu por conta das UPPs, e sim pelas razões que já apontadas. O engenheiro diz que há falta de políticas públicas nas regiões e compara a favela do Vidigal com o Complexo de Favelas do Alemão, outra comunidade de destaque no Rio de Janeiro. O que difere as duas é que no Alemão, mesmo com a chegada da UPP e com a especulação imobiliária, não houve melhora nos serviços de saneamento básico e trata- mento de esgoto. “Os investi- dores não entram na favela e tentam mudar essas questões que são extremamente difí- ceis. É necessária uma políti- ca pública forte e que dure ao menos quatro ou cinco gover- nos para poder ser séria”. Como resolver? Marco Antônio afirma que a questão imobiliária é um assunto que deve ser resol- vido entre governo e em- presários. O mercado imobi- liário nunca deixa de gerar renda. Mesmo se não há venda, o mercado continua especulando. Cabe ao governo agir para controlar isso. O centro do Rio é um espaço negli- genciado, com gal- pões abandonados que, com ação do governo, poderia receber milhares de famílias, mas nada é feito. Daí a impor- tância de cobrar o IPTU progressivo aos proprietá- rios que deixam seu imóvel sem uso ou abandonado por muitos anos. E m entrevista ao jornal Vozes das Comunidades, Marco Antônio Barbosa, diretor do Sindicato dos En- genheiros no Estado do Rio de Janeiro, falou a respeito do mercado imobiliário após os Jogos Olímpicos de 2016 e a Copa do Mundo de 2014. Perguntamos o porquê da permanência dos preços altos dos aluguéis após as Olimpía- das, quando a previsão era de baixa no mercado. Segundo Marco Antônio, mesmo com a expectativa gerada pelo grande evento na cidade, poucos conseguiram vender os imóveis. Com a crise na economia, houve uma queda “Eles podem não ganhar muito, mas perder jamais”, destaca Marco Antônio Barbosa. Foto:SENGE-RJ
  • 7. Vozes das Comunidades a 7 RESISTÊNCIA Uma ocupação cheia de atividades OCUPAÇÃO VITO GIANNOTTI Além de cumprir função social, a mobilização também contribui para a cultura popular. Por Sônia Oliveira e Eric Fenelon C om quase dois anos de existência, a Ocupação Vito Giannotti cresceu muito e tem cumprido com sua função social. O prédio, antes abandonado por mais de dez anos, hoje conta com mais de 20 famílias, desde crianças a idosos. Os moradores e cola- boradores voluntários dos movimentos sociais constantemente fazem mutirões de limpeza no prédio, retirada de entulho, instalações hi- dráulicas e elétricas. Além disso, a Vito Giannotti tem contribu- ído muito com a cultura. Desde o dia da ocu- pação, vários eventos culturais e beneficentes já foram realizados. Apresentação do grupo “A Cozinha Coletiva exis- te porque entendemos que é uma forma de unir as pessoas. Todos os moradores, de cer- ta forma, participam. Assim ajudam no processo de inte- gração do coletivo”, afirma Frankilina Vieira, 53 anos. Damiana Alves concor- da: “a cozinha coletiva é um momento também de des- contração e muito importan- te para a ocupação”. Ela ex- plica que a cozinha também é usada para oficinas, como a de cerveja. Para manter a cozinha funcionando, existem custos. Segundo Frankilina, “foi de- cidido pelo coletivo que teria que ser cobrada uma caixi- nha para manter o mínimo necessário para o almoço, jantar e café da manhã”. chileno Família Bombo Trío; Sarau das Mulheres de Pedra; Feijoada Beneficen- te; gravação do clipe musical do Mano Teko; oficinas de grafite; além de aulas de segurança na internet e do Curso Vito Giannotti de Comunicação Popular, do Núcleo Piratininga de Comunicação. A Ocupação Hoje Hoje, a Ocupação Vito Giannotti tam- bém conta com grupos internos que fa- zem diversos trabalhos, como as Mulhe- res Artesãs da Vito (MAV), responsáveis pela confecção de bolsas e bonecas; e a equipe de estamparia, que faz camisas para eventos de movimentos sociais e da própria ocupação. A seguir, vamos conhecer um pouco das atividades feitas pelos moradores da Ocupação Vito Giannotti. Cozinha Coletiva Espaço Lojinha coletivo da estamparia O coletivo da estamparia conta com seis integrantes. Surgiu da necessidade de es- tampar camisas a um preço justo para a própria ocupa- ção. Hoje já fazem para ou- tros movimentos também. Com apenas cinco parti- cipantes, o coletivo de mu- lheres surgiu há quase dois meses. Elas confeccionam bolsas e bonecas que servem como fonte de renda para a ocupação. Segundo Angela Cassiano, “é importante ocu- par a mente com a confecção de artesanatos e ganhar um nheiro extra ou até transfor- mar o trabalho em uma fon- te de renda principal”. No momento, o MAV faz bolsas e bonecas. No caso das bonecas abayomi, não é necessário usar máquina de costura, mas Angela explica que para as bolsas sim: “Nos- so trabalho fica difícil, pois temos apenas uma máquina caseira que ja era minha”. Coletivo de Mulheres Artesãs da Vito (MAV)A ideia da horta na ocupa- ção apareceu logo no início. “Foi amor à primeira vista! O terraço é lindo e espaçoso. Durante os mutirões de lim- peza, tinha muita terra acu- mulada. E o que faremos com toda essa terra? A ideia da horta foi ficando mais for- te, na medida em que cada morador trazia suas planti- nhas”, conta Henrique Zizo. E continua: “Para alegria da galera, herdamos um lin- do pé de manga, que nos deu muitos frutos gostosos e muitas felicidades”. Segun- do Henrique Zizo, o objeti- vo da horta é garantir pelo menos 20% dos legumes e hortaliças para a cozinha coletiva e incentivar outras hortas. Horta Comunitária No dia 15 de janeiro de 2016, cerca de 30 famílias ocuparam o prédio federal do INSS. Essa é a data do aniversário do Vito Giannotti. Moradores em ação na Cozinha Coletiva Foto:FernandoSantos A lojinha surgiu da necessi- dade de vender as camisetas feitas pelo coletivo de es- tamparia e bolsas Mulheres Artesãs da Vito (MAV). Seis mulheres e alguns homens participam dessa atividade. “É aqui que confeccionamos bolsas e boneca Abayomi. A lojinha é importante para gerar renda para a ocupa- ção, principalmente nos dias de eventos”, explica Damiana.
  • 8. Vozes das Comunidades8 EDUCAÇÃO CONHECIMENTO EM XEQUE Rolo compressor: cadê a grana A educação pública do estado do Rio de Ja- neiro agoniza. Num evidente atentado contra a educação pública, orquestrado em todos os ní- veis de poder, o governo do PMDB no estado promove dia após dia ações desastrosas para escolas e professores. O professor de História, Renato Dória, que atua na rede esta- dual há três anos, relata falta de porteiros e outros proble- mas na escola em que traba- lha. “Quando chove muito, algumas salas de aula apre- sentam goteiras. Como a qua- dra e uma parte do corredor não têm cobertura, a escola enche se a bomba não funcio- nar. Nesse caso, os alunos são dispensados”, conta. Em outras escolas da rede estadual, também faltam porteiros. Mas não só. A me- renda é servida em porções pequenas e com pouca va- riedade. As salas não têm ar- condicionado, o telefone e a internet estão cortados. Como se não bastassem as condições precárias e os sa- lários dos profissionais con- gelados, descontos indevidos no auxílio-alimentação e atrasos dos pagamentos de ativos e aposentados, o go- verno ataca novamente. Novos Ataques O secretário de educação, Wagner Victer, emitiu, em julho, duas resoluções que retiram direitos dos professo- res. Tudo sem acordo com os profissionais e contra as re- comendações da Comissão de Educação da ALERJ, Ministério Público e Defensoria Pública. Com a resolução nº 5531, os professores perdem o di- reito a permanecer na es- cola de origem pelo tempo que desejarem. Essa norma pode ser usada como arma de perseguição a grevistas e educadores não submissos. Já a resolução de nº 5532 dá margem para o fechamento de turmas e até escolas, já que impede o funcionamen- to de mais de uma escola do estado num raio de 3km. O Sindicato dos Profissio- nais da Educação do Estado do Rio de Janeiro encontrou inconstitucionalidade em al- guns pontos das resoluções e tomará providências. Uma das estratégias do Estado e de seus agentes repressores consiste em ataques à classe trabalhadora através da educação, o que engloba desmon- tes e cortes de verbas: professores, ter- ceirizados e funcionários com salários atrasados, diminuição do repasse para a manutenção das unidades educacionais e confisco de bolsas. A professora de Literatura Portuguesa da UERJ, Claudia Amorim, aponta que existiram restrições antes, mas nada comparado aos ataques atuais. A professora atribui o ataque à UERJ ao fato de ser uma das primeiras na inclusão da classe trabalhadora nos elitistas bancos das universidades públi- cas através das políticas de cotas. “É melhor para a classe dominante acabar com os focos de pensamento e impossibilitar o crescimento de cons- ciência. A classe trabalhadora na univer- sidade amplia os espaços de discussão e contemplação que o sistema capitalista fornece à mesma classe privilegiada des- de sempre”, ressalta. #UerjResiste Por Paula Albuquerque As associações de professores das Universidades Federais de Brasília, Belo Horizonte e do Rio de Janeiro se organi- zaram e iniciaram uma campanha contra a redução dos investimentos nas áreas de ciência, tecnologia e humanidades. No campus da Praia Vermelha, na Urca, foi montado o “Tesourômetro” (foto), painel que indica quantos milhões o governo federal cortou das universidades públi- cas desde 2015. Os dados também estão disponíveis no site: conhecimentosem- cortes.org.br #ConhecimentoSemCortes Atos do governo ameaçam professores Por Fabricia Trajano Está cada vez mais difícil o acesso à educação de qualidade, seja na cidade, no estado ou no país. Sem verbas suficientes, as escolas e universidades estão mais sucateadas do que nunca. Muitas quase fechando as portas. Mas, afinal, o que está acontecendo?
  • 9. Vozes das Comunidades 9 EDUCAÇÃO da educação? Por Douglas Gonçalves Os cortes federais A situação da educa- ção no Brasil não tem sido nada ani- madora. O Governo Federal anunciou corte de R$ 42,1 bilhões nas despesas deste ano. Na educação se- rão R$ 4,3 bilhões a menos. As universidades e os Insti- tutos Federais terão redução de 15% do orçamento, mais um corte de 40% nos gastos com obras. Essa falta de verba acon- tece há muitos anos. Mas a situação tem piorado prin- cipalmente por conta da Proposta de Emenda Cons- titucional 55. Essa PEC foi aprovada por Michel Temer (PMDB) no final de 2016. Ela limita fortemente os investi- mentos públicos por 20 anos. Centenas de funcionários, em sua maioria terceirizados, fo- ram demitidos nesse primei- ro semestre do ano. Muitas universidades anunciaram ter verba para funcionar apenas até setembro. A UFRJ é a primeira e a maior universidade do país. É líder em diversos rankings de qualidade de ensino e pesquisa. Tem quase 70 mil estudantes entre graduação e pós-graduação, divididos entre Rio, Angra dos Reis, Caxias, Itaperuna e Macaé. Uma universidade desse ta- manho tem um papel funda- mental na formação de mi- lhares de pessoas. Mas com a falta de dinheiro, está difícil manter as portas abertas. Esse ano já teve problemas no fornecimento de luz elétrica pela falta de pagamento. Co- meçou o segundo semestre de 2017 sem liberar as Bolsas de Acesso e Permanência, fun- damentais para os estudantes de baixa renda. Além disso, o curso de Arquitetura, referên- cia em todo o país, não abriu turmas na metade desse ano. E, para piorar, o maior financiador de produção de ciência do Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimen- to Científico e Tecnológico (CNPq), anunciou em agosto o esgotamento da verba de 2017 para pesquisas cien- tíficas. A falta de dinheiro afetará mais de 100 mil pes- quisadores de todo o país, que dependem de suas bolsas para continuar atuando nas áreas de inovação tecnológi- ca e de humanidades. E agora? Como pensar o futuro da educação diante desses cortes? É difícil entender como o governo alega falta de verba. Nesse ano, para assegurar seus aliados e garantir a apro- vação de seus projetos, Temer liberou R$ 168,2 milhões em emendas parlamentares. Também reduziu cobranças, afrouxou regras, perdoou dívidas e concedeu serviços para diversos interessados. Só o Itaú, por exemplo, teve perdão de R$20 bilhões do Ministério da Fazenda. Será mesmo que vale a pena prio- rizar os acordões? C ristiane Farneze é moradora da Cidade de Deus há 35 anos. É militante incansável, de inteli- gência louvável, pedagoga e professora há 17 anos da Educação Municipal. As experiências em instituições de ensino de re- nome concederam a ela competência rebuscada. Tem paixão pela área, por isso luta com afinco. Para ela, a educação tem o poder de transformar a vida do cidadão, independente da idade. Ela diz que a Reforma do Ensino Médio, aprovada em setembro de 2016, é um absurdo educacional. A medida torna opcionais disciplinas fundamentais que colaboram para a construção de um cidadão reflexivo e crítico. Essa Reforma, ela afirma, é uma forma vela- da de sucateamento e exclusão da educação pública. Cristiane também critica a aprovação automática, adotada no município do Rio. “A aprovação automáti- ca é uma maneira de garantir que nossas crianças con- tinuem paralisadas e sempre servindo à elite”, afirma. Para ela, é formação de massa de manobra ideológica. “E ainda falam que o analfabetismo está diminuindo”, completa. Cristiane, como boa brasileira, fala que não de- siste nunca. Sonha com o dia em que a classe opri- mida entenderá que a educação é libertadora. “Ela acaba com os descamisados e eleva a auto-estima, concedendo uma vida digna que é direito de todo cidadão”, afirma. E conclui dizendo que a mente escla- recida liberta da manipulação, da desumanidade, da covardia, do pre- conceito e do cân- cer social. Encerro nossa conversa desejan- do que num futu- ro bem próximo a classe discriminada entenda e abrace o desejo de Cristiane Farneze. PERFIL Por Regina Prado Educação municipal: uma conversa com a professora Cristiane Farneze
  • 10. Vozes das Comunidades10 SAÚDE E MEIO AMBIENTE PRIVATIZAÇÃO DA CEDAE Projeto de privatização da concessionária foi aprovado pela ALERJ. A água, um direito humano universal, pode se tornar mercadoria. Acesso à água: um direito Por Pollyana Lopes, Thaís Melo e Bianca Santana. Colaboração: Victor Barreto D izer que a água é es- sencial para a saúde é “chover no molhado”. Sabemos que o aces- so à água potável e sanea- mento é essencial para a saú- de pública, além de ser um direito humano assegurado pela ONU. A vida nos grandes centros urbanos pode enga- nar, mas uma grande parcela da população não tem água encanada em casa. De acordo com dados da Câmara Metro- politana do Rio, 67% da po- pulação de Seropédica, por exemplo, não tem acesso à rede de água e esgoto. Os riscos causados pelo esgoto sem o devido trata- mento são grandes. O esgoto, quando é lançado nos mares e nos rios sem nenhum trata- mento, causa danos ao meio ambiente. Além disso, mui- tos rios, que poderiam ter água doce para consumirmos, estão poluídos a níveis alar- mantes. Um grande exemplo é o rio que abastece a maior parte do Rio de Janeiro: o Rio Guandu. Ele está tão poluído que cerca de 48,3% do vo- lume de água captada não é efetivamente utilizado. Isso N o Estado do Rio de Janeiro, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) é a em- presa responsável pela cap- tação, tratamento e distri- buição das redes de água. Também é a que faz a cole- ta, transporte, tratamento e destino final dos esgotos gerados nos municípios den- tro da sua área de atuação. A CEDAE é uma empresa pública e, como o próprio site afirma, tem como mis- são “prestar serviços de re- ferência em abastecimento de água, esgotamento sa- nitário e demais soluções em saneamento ambiental, de forma sustentável para o desenvolvimento sócio-e- conômico e preservação do meio ambiente, com foco na rentabilidade e satisfa- ção da sociedade, clientes e acionistas”. No entanto, no início deste ano, a venda da empresa foi aprovada na As- sembleia Legislativa do Es- tado do Rio de Janeiro. A venda foi uma exigên- cia do Governo Federal para o empréstimo de mais de R$ 3 bilhões ao Estado. Entre as justificativas, dizia-se que a CEDAE causava prejuízos aos cofres públicos, mas a ver- dade é que a empresa gera lucros, que em 2016 alcança- ram R$ 350 milhões. Isso tor- na evidente que a venda da empresa não é apenas uma condição para o socorro fi- nanceiro, mas um passo para a privatização de mais um serviço público. E por que isso é ruim? Em entrevista para o jor- nal Brasil de Fato, a profes- sora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Flá- via Braga, defende a gestão pública dos recursos natu- rais. “Principalmente porque [com a privatização] ficam mais caros. Portanto, muitos não poderão ter acesso. Te- mos que defender que a Ce- dae continue do Estado, mas que melhore seus serviços. devido ao excesso de esgoto presente no rio. Em algumas áreas da pe- riferia do Rio de Janeiro, o esgoto corre a céu aberto, o que pode causar a prolifera- ção de ratos, baratas, mosqui- tos, etc, além de problemas de pele. Quando o problema é o consumo de água poluí- da, a situação é ainda pior. A água contaminada pode cau- sar diversas doenças como fe- bre tifóide, cólera, hepatites, disenteria e pólio. As maiores vítimas da falta de sanea- mento básico acabam sendo as crianças. Cerca de 60% da mortalidade infantil no mun- do é causada por alguma das doenças aqui citadas. A água é bem fundamental para a vida”, afirma. “Na realidade, o proces- so de privatização da Cedae esconde a dilapidação do patrimônio público, a cor- rupção que levou ao caos financeiro no estado e a en- trega de um setor estraté- gico do ponto de vista eco- nômico e principalmente da saúde pública (tratamento, produção, distribuição de águas e esgotos)”, apontou Ary Girota, também ao Bra- sil de Fato. Ele é trabalha- dor da CEDAE e integrante do Sindicato dos Trabalha- dores nas Empresas de Sa- neamento Básico e Meio Ambiente (Sintsama-RJ). Os impactos da venda da CEDAE Quando se fala em privatização da CEDAE, o Brasil segue na contramão de vários países no que diz respeito à gestão da água e saneamento. Enquanto cidades como Berlim e Paris retomaram o controle sobre esses recursos, o Rio segue o projeto de privatizar o acesso à água. A visão destas cidades mais desenvolvidas é de que apenas a gestão pública consegue garantir esses direitos básicos e essenciais a todos. Brasil na contramão Campanha do SENGE-RJ contra a venda da CEDAE
  • 11. Vozes das Comunidades 11 Por Bianca Santana, Flávia Fabrício e Thaís Melo País consome cerca de 1 milhão de toneladas de agrotóxicos por ano. Brasil é campeão mundial no consumo de agrotóxicos CUIDADO COM A ALIMENTAÇÃO O que você pensa quando ouve o termo “alimentação saudável”? Em frutas, le- gumes e vegetais talvez. Ou em emagre- cimento e dietas milagrosas. Talvez você pense que com uma alimentação saudável seu corpo será mais bonito e sua saúde muito me- lhor. Bom, na teoria até pode ser esse o resul- tado de uma rotina alimentar, mas na prática não é bem assim. Você já parou para pensar no caminho que o alimento faz de onde foi planta- do até a sua mesa? Pois se não pensou, deveria. Ainda mais agora quando o presidente Michel Temer resolveu afrouxar o processo de liberação dos agrotóxicos usados na agricultura brasileira. Agrotóxicos são produtos químicos utilizados SAÚDE E MEIO AMBIENTE na pecuária, na agricultura e até mesmo nas nos- sas casas como, por exemplo, os inseticidas. O ob- jetivo é diminuir a aparição de pragas na lavoura. Mas eles fazem mais do que isso. Também geram danos à saúde humana, causando câncer, infertili- dade, autismo, doenças nos rins, danos ao fígado, Mal de Alzheimer, diversas doenças neurológicas, alergias, má formação de fetos etc. Os números A Agência Internacional de Pesquisa em Cân- cer (Iarc) publicou um relatório no qual classifi- cou cinco agrotóxicos como “provavelmente” ou “possivelmente” cancerígenos. Desses, três são permitidos no Brasil pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Como resultado, entre 2007 e 2011 a média de intoxicação por agrotóxicos au- mentou em 127% para os trabalhadores agrícolas e em 178% para as trabalhadoras. Mesmo com todos os prejuízos, o consumo de agrotóxicos no Brasil só aumenta. Desde 2008, o Não é só a saúde das pessoas que é afetada pelo uso intenso de agrotóxicos. O meio ambiente também sofre as consequências dessa prática. Segundo pesquisa publicada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, diversas áreas da região serrana do Estado encontram-se em situação de risco devido à contaminação dos rios pelo uso de agrotóxicos. O uso de produtos químicos na produção de alimentos também prejudica o solo e o ar. P ara que a maioria dos tra- balhadores tenham acesso a uma alimentação mais sau- dável, ou seja, sem vene- nos, deve-se fortalecer os merca- dos locais. Agricultores da região podem oferecer produtos limpos a preços acessíveis no seu próprio município. O engenheiro agrônomo Claude- mar Mattos contou ao Jornal Vozes das Comunidades algumas das van- tagens das feiras locais: “As feiras agroecológicas têm fortalecido o agricultor a estar ali. Então não existe intermediário e isso acaba diminuindo o preço. Como o conta- Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo, ultrapassando a marca de 1 milhão de to- neladas por ano, o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante. E esse número só tende a crescer. Além disso, o Estado do Rio de Janeiro é o terceiro maior consu- midor de agrotóxicos do país. Feiras agroecológicas tornam possível alimentação mais saudável to é feito direto com o agricultor, o consumidor tem a oportunidade de saber de onde vem aquele produto, levando para casa alimentos mais frescos, sem veneno, e estabelecen- do novas relações sociais e com a natureza”. Uma solução para que possamos consumir frutas, legumes e verduras sem nenhum tipo de agrotóxico está nas feiras agroecológicas ou feiras da agricultura familiar. Nelas, as mer- cadorias oferecidas são produzidas pelos agricultores do Rio de Janeiro a um preço acessível para a maioria dos trabalhadores. Ronaldo Barbosa, de 40 anos, é feirante e mostra que podemos encontrar bons produtos a preços baixos em feiras de bairro. Ele nos conta que se orgulha do trabalho que exerce, deixando claro que tudo aquilo que vende é livre de agrotóxi- cos. “Tem muito cliente que compra comigo por causa disso. Assim, os alimentos são mais saudáveis”, diz. Manter uma boa alimentação é essencial para a nossa saúde, porém devemos sempre prestar atenção àquilo que consumimos. Muitas ve- zes, o que nos parece saudável es- conde diversos perigos. Mesmo sen- do comprovadamente perigosos, os agrotóxicos ainda possuem grande força na indústria alimentar. Crédito: Flávia Fabrício
  • 12. Vozes das Comunidades12 INSETICIDA NELES! Apesar do aumento constante da passagem, usuários dos ônibus não veem melhorias. Ratos e baratas no Sistema de Transporte do Rio Por Fernando Santos, Kadu Barros e Marília Bittencourt TRANSPORTE Entrevistamos dois motoristas para saber como é a realidade de seu trabalho, os desafios que en- frentam e a relação com os donos das empresas. Vozes das Comunidades: Qual a sua idade e cidade de origem? Como se tornou motorista e como é o dia a dia do trabalho? Antonio: Tenho 35 anos e sou de Be- lém do Pará. Trabalho há um ano e meio como motorista porque o setor rodoviário estava pagando melhor do que a minha área de elétrica. É es- Rodoviários: “cobrar e dirigir é injusto” tressante , cansativo. São sete horas de trabalho, mais hora extra. Maurilio: Tenho 32 anos, sou de João Pessoa e trabalho há cinco anos como rodoviário. Isso aí não é profis- são pra todo mundo. É muito desva- lorizada. A maioria dos empresários não está “nem aí” para você, não está nem aí para ninguém. Trabalho 12 horas por dia, boa parte em hora extra, 6 dias na semana. Vozes: Qual a melhor e a pior par- te da profissão? O que poderia melhorar? Antonio: Acho que a melhor parte é a hora de receber, né? E a pior parte é essa dificuldade que a gente encontra na pista, infelizmente ninguém diri- ge defensivo. Satisfeito 100% a gen- te nunca tá, poderia ficar melhor. Por exemplo, diminuir a carga horária. Mo- torista ter que cobrar e dirigir também acho injusto. Exercemos duas funções e somos remunerados só por uma. Maurilio: A melhor parte é você ter o seu salário. E a pior é que às vezes somos xingados pelos passageiros, a grande maioria não respeita. Isso é uma coisa que desmotiva muito. Con- seguir cumprir essa carga de trabalho não é um desafio. O salário podia me- lhorar, ter carro novo. Mais respeito por parte dos empresários, eles só querem saber que entre o deles. QUER APARECER NO VOZES e GANHAR UM PRÊMIO? MANDE A SUA SELFIE COM O MOTO- RISTA DA SUA LINHA, COM O NOME DA EMPRESA E DO PATRÃO: NPIRATININGA@UOL.COM.BR O trabalhador continua sofrendo com a situa- ção do transporte pú- blico da cidade. O alto preço das passagens e a extinção de algumas linhas de ônibus atrapalham o deslocamen- to. Se for o caso de morar fora da cidade, o transtorno aumenta. Segundo Wallace Araújo, morador de Nova Iguaçu, o tempo de casa até o local do seu trabalho dura uma hora e meia de viagem. “É mais rápido ir de avião pra São Paulo do que deslocar entre os municípios do Rio. Fora a tarifa! A linha de ônibus Nova Iguaçu x Central custa R$ 8,20”, conta. Imagine a quantidade de dinheiro que esse setor movimenta. Para onde vai? Com certeza não é investido em melhorias no transporte. Além da extinção de linhas, trajetos alterados, intervalos irregulares, deixam o traba- lhador dependente de duas ou mais conduções. investigações Não é de hoje que o chei- ro do ralo escapa. Em 2013 duas CPI´s foram instaladas, uma no Rio e uma em Ni- terói, tentando desvendar a caixa-preta dos transportes. O então vereador Eliomar, na época do aumento de 0,20 centavos, conseguiu tirar a CPI do papel. No entanto, a maioria das vagas desta ficou com os go- vernistas do PMDB, partido de Cabral e do ex-prefeito da cidade, Eduardo Paes. Segundo a Agência Públi- ca, essa primeira CPI tinha como base da investigação indícios de formação de car- tel no processo de licitação, de acordo com a apuração do TCM. As empresas que fazem parte dos quatro consórcios vencedores, Internorte, In- tersul, Santa Cruz e Transca- rioca já atuavam no sistema anterior. Além disso, tive- ram seu CNPJ criado no mes- mo dia e estavam no mesmo endereço da Fetranspor. Quer saber quem são os do- nos dos transportes? Acesse: vozesdascomunidades.org.br. ou
  • 13. Vozes das Comunidades 13 Por Kaliel Barbosa e Luis Henrick Teixeira Um ano após os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, o Estado passa por uma das maiores crises financeiras. No entanto, ainda é alto o investimento em munições e forças armadas. Dinheiro para a guerra RIO DE JANEIRO A pós decretar situação de cri- se e passar por diversas ce- nas chocantes de violência, o Rio continua a mostrar re- alidades nada maravilhosas. Em mar- ço deste ano, a pequena Maria Eduar- da Conceição foi morta por policiais militares em uma operação em Coelho Neto. Houve, ainda, as repressões na Alerj contra manifestantes que luta- vam contra a privatização da CEDAE. Esses casos têm em comum o uso da repressão policial contra a população. Eles também ajudam a ilustrar núme- ros assustadores: o Estado do Rio tri- plicou gastos com a compra de bom- bas de gás lacrimogêneo e munições consideradas não letais. O mesmo va- lor foi usado para adquirir munições. Os números são do Portal da Trans- parência do RJ. Em 2015, o valor recebido pela Condor S/A Indústria Química do go- verno, com gastos de itens explosivos e de munição, foi de R$451 mil. Já em 2016, o Rio pagou R$ 1,45 milhão à mesma empresa. O segundo repasse do valor aconteceu em outubro, um mês antes do anúncio de falência do governo do estado. A Secretaria de Segurança e a Polícia Militar possuí- am dois contratos em vigor até o meio deste ano com a empresa, que somam R$ 2, 45 milhões. No total, durante os governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, (IN)SEGURANÇA PÚBLICA com munição e o uso das forças ar- madas nas ruas não alteram o índice de violência do Rio. “O que assisti- mos, nesses casos, são ações de es- petacularização, com a ideia de mos- trar a presença do controle social do Estado pela força e pelo uso da vio- lência, principalmente intimidando e violando direitos de moradores das áreas periféricas”, explica. Ações integradas Já foi possível ver a intervenção federal com tropas do exército no RJ em 1992 e 1994, e essas ações pro- duziram poucos efeitos. A presença nas ruas, segundo Naylane, apenas gera uma expectativa na população de maior segurança, o que não ne- cessariamente se converte em redu- ção de índices de violência. A obsessão dos aparatos do Esta- do em combater o tráfico de drogas das ruas produz um resultado de- vastador nas favelas, com mortes e violações de direitos de moradores. “Para produzirmos mudança na segurança pública não existe fór- mula mágica e muito menos uni- camente policial. São necessárias ações integradas que articulem os diferentes órgãos do sistema de jus- tiça criminal, como a polícia militar e civil, em conjunto com o sistema penitenciário, além de secretarias de estado que atuam no cotidiano da vida de milhares de pessoas, como as de saúde e de educação”, afirma a pesquisadora. Dados apontam para o alto índice de assassinatos nas fave- las, principalmente de jovens, além de violência doméstica, roubos de diferentes naturezas, entre outros. Diante disso, Naylane completa: “É preciso identificar os principais pro- blemas e implementar ações de inte- ligência articuladas para que possam produzir resultados”. a Condor recebeu mais de R$ 17 mi- lhões do governo do Rio. Dinheiro que vem não só da Polícia Militar. A Secretaria de Casa Civil usou parte de seu orçamento para a compra de pis- tolas não letais e kits com armas de choque, usadas, de acordo com o Por- tal da Transparência, na Operação Lei Seca do governo federal. A empresa recebeu R$ 25,1 milhões em 2016, re- ferentes aos contratos com Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícias Ro- doviárias de diversos estados. Forças-Armadas No dia 14 de agosto, o Diário Ofi- cial da União publicou um decreto do governo federal que autoriza o uso das forças armadas para garantir a lei e a ordem na região metropoli- tana do Rio. Esse foi um pedido do governador Luiz Fernando Pezão ao presidente Michel Temer. A autori- zação do envio de tropas militares para o Rio é parte de uma ameaça maior. Nesse momento, o emprego das Forças Armadas tem como objeti- vo intimidar e reprimir mobilizações da população insatisfeita com o atu- al governo em curso. Naylane Pinto, pesquisadora do Observatório Fluminense da Univer- sidade Federal Rural do Rio de Ja- neiro e professora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais, considera que o aumento de gastos “Dados apontam para o alto índice de assassinatos nas favelas, principalmente de jovens” Policiais fazem cerco durante protesto em frente à Igreja da Candelária Foto: Jacqueline Suarez
  • 14. Vozes das Comunidades Leia no quadro abaixo o que pensam as Centrais Sindicais sobre temas atuais! 14 O QUE A HISTÓRIA TEM A NOS ENSINAR Grandes mobilizações de trabalhadores foram fundamentais para conquistas de direitos. Por Renato Dória, Priscilla Patrício e Marília Bittencourt. MEMÓRIA N este ano de 2017, em que com- pletamos 100 anos da maior greve geral já ocorrida na Brasil, patrões e governo aniquilam com direitos trabalhistas. Mesmo com duas greves gerais realizadas, em abril e junho, a Reforma Traba- lhista entrará em vigor concretizan- do uma forte ofensiva antissindical. Mas a experiência da Greve Geral de 1917 traz ensinamentos importantes para os trabalhadores. Naquela épo- ca, a questão trabalhista era tratada com forte repressão policial. A nossa sociedade havia abolido há poucos anos a escravidão e o trabalho braçal ainda carregava o preconceito do es- cravismo. A inexistência de leis tra- balhistas beneficiava o patrão, que fazia valer sua vontade. Para o traba- lhador, o único meio de garantir me- lhores condições de vida era a greve. O Congresso Operário Brasileiro de 1906 definiu a greve como o prin- cipal instrumento de luta. A estra- tégia de ação era o sindicalismo re- volucionário de modelo francês. Isto correspondia ao entendimento de que a superação da condição de ex- ploração dos trabalhadores se daria por meio de uma revolução social. As exigências da Greve Geral de 1917, com adesão de 150.000 operárias e operários só no RJ e em SP, foram: jornada de 8h diárias, regulamenta- ção do trabalho infantil e das mu- lheres, legalidade sindical, medidas contra a falta de alimentos, salário mínimo, fim do trabalho extra não -remunerado, dentre outras. Ban- deiras que voltam a ser necessárias com a Reforma Trabalhista de 2017. (ver pág. 3 desta edição). Para sabermos a importância das organizações sindicais e suas formas de atuação neste momento atual de reformas, realizamos entrevistas com representantes da CUT (Central Úni- ca dos Trabalhadores), CTB (Central Trabalhista Brasileira), Intersindical e CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular Conlutas). Greve geral e sindicatos ontem e hoje  Centrais sindicais rompem com o corporativismo dos sindicatos. É um espaço de troca e de criação da solidariedade de classe;  O imposto sindical mantém en- castelada no sindicato uma burocra- cia que não tem o interesse de ir pra base;  O IS permitiu a criação de fe- derações, confederações, centrais com estruturas amplíssimas, po- rém, desnecessárias;  Com o fim do IS a estrutura sin- dical vai diminuir e os sindicatos terão que ir até a base buscar a filiação voluntária.  As centrais sindicais são impor- tantes para os sindicatos e atual- mente têm sido protagonistas das lutas contra este governo ilegítimo que assaltou nosso país;  A centralidade da luta está em barrar os ataques aos direitos dos trabalhadores e o desmonte da CLT;  A CTB sempre defendeu a inde- pendência e autonomia do movi- mento sindical;  O sindicalismo de luta e cons- ciente não pode prescindir dessa importante ferramenta, que é o Imposto Sindical, para fazer avan- çar a luta dos trabalhadores. À Central Sindical cabe politizar as categorias e romper com as lu- tas corporativas transformando-as em lutas coletivas;  Atuar organizando, contri- buindo e sendo solidária com ou- tras lutas dos trabalhadores que ainda não estão organizados;  O imposto sindical é um arti- fício jurídico criado por Vargas e que se transformou num ins- trumento de cooptação dos sin- dicatos pelo próprio Estado e de proliferação de sindicatos buro- cráticos. INTERSINDICAL Foto: Centro de Mídia Independente (CMI) CSP-CONLUTASCTBCUT  Central Sindical é uma enti- dade de representação dos traba- lhadores;  O papel da Central é discutir as questões mais amplas;  Ao estar filiado a uma Central, o sindicato pode fazer a conexão entre a macropolítica e a micro;  Desde a criação, a posição da CUT é ser contra o imposto sindi- cal porque enfraquece a adesão da categoria;  O fim do imposto sindical nesse momento também é uma estraté- gia do empresariado para enfraque- cer o movimento sindical geral. Greve Geral no Rio de Janeiro no dia 28.04.2017.
  • 15. Vozes das Comunidades 15 CULTURA EXPRESSÃO ARTÍSTICA R osalina Brito, moradora há 50 anos da Cidade de Deus, é mi- litante incansável quando o assunto é lutar e exaltar sua comu- nidade. Dona de uma veia artística mul- tifacetada, Rosalina é atriz, poetisa, grafiteira e artista plástica. Ela está casada com a arte há dez anos. Com pouco estudo devido à ati- tude machista do pai que a proibia de estudar, encontrou na arte um amor e uma entrega que a colocam para cima. Rosalina diz que o seu Por Regina Prado Rosalina Brito é atriz, poetisa, grafiteira e artista plástica. trabalho faz ela se comunicar com o mundo. Atualmente, ela tem focado mais na artes plásticas. Reconhece, com tristeza, que não dá para viver da arte. Ela uti- liza as redes sociais para sobreviver. Cheia de orgulho diz que já ven- deu seis telas para um cliente de Boston. Expressão dos Sentimentos Para ela, a arte significa fazer no- vos amigos, conhecer novos artistas, novas modalidades, expressar senti- mentos e expor sua alma a cada tra- balho. Continua dizendo que arte é vida, é valorização, mas é também preconceito, até mesmo dentro da própria comunidade. Ela lamenta que o morador não entende que o menino armado na tela é para mostrar a realidade. Rosalina tem dois sonhos: um é reunir os artistas da Cidade de Deus para exporem com público e mídia de fora. Já o outro é ter uma Casa de Cultura com exposição semanal. Quando perguntada sobre quem era Rosalina antes da arte, ela, com voz embargada, diz que não era nin- guém. Hoje é conhecida tanto na es- crita como na pintura. Bem recebida por outras comunidades, tem sido convidada para expor em museus. No dia 25, vai apresentar seu trabalho na Lona Cultural de Jacarepaguá. Essa é Rosalina Brito da Cidade de Deus. Ela mostra que lá tem o lado Cidade de Deus: arte e vida Realidade oculta: roda cultural na Baixada Fluminense N a praça Matheus Vieira do Amaral, no municí- pio de Nilópolis, Bai- xada Fluminense, moradores se reúnem na quadra com um equipamento de som alugado e trocam suas rimas e poesias. Essa é a Roda Cul- tural da Praça de Olinda, que acontece às sextas-feiras, de 15 em 15 dias. A roda con- ta com a presença de jovens que gostam de rap e hip-hop Por Kaliel Barbosa Para fugir da crueldade das ruas, jovens se apoiam no hip hop. e que querem uma válvula de escape da realidade vio- lenta da Baixada. Uma das organizadoras desse projeto, Marcelle Ama- ral, conta que a roda come- çou como uma brincadeira de alguns dos meninos, tro- cando rimas e se divertindo. Hoje já está na 8ª edição, e Marcelle sente apenas satis- fação pelo trabalho que tem feito. “Só de eles estarem em uma sexta-feira aqui, ao in- vés de estarem no crime, vale a pena. Eles não vêm aqui só para rimar, eles não falam só bobeiras. Passam conheci- mento, falam sobre política, direitos humanos e, querendo negativo sim - “não como toda co- munidade, mas como todo lugar, in- clusive no asfalto da Zona Sul”, faz questão de ressaltar. As comunidades têm vários artis- tas que vivem anônimos privando o público dos seus talentos. Rosalina é um desses muitos talentos. Parabéns Cidade de Deus por essa e por tantos outros artistas ímpares. Gente Competente Nas periferias há diversas Rosali- nas Brito, mostrando que competên- cia independe de classe social. Será que algum político que faz parte dessa covardia chamada descaso social entenderá que os menos favo- recidos só precisam de oportunidades? “Se é para rimar eu faço um free Eu to cantando aqui pra interagir RCPO, roda cultural de Olinda A vida nem sempre é bela, nem sempre é linda Ela tem espinhos Ela não é um mar de rosas Mas você tem que entender que as vias são perigosas Mas você tem o hip-hop para poder interagir, se divertir Deixar a informação fluir Hip-hop é escape, é símbolo de resistência O movimento é importante E tem gente que olha e acha que a gente é ignorante Mas o hip hop salva-vidas Enquanto o mundo fecha as portas ele abre outras saídas.” ou não, quem está ali absorve e começa a se interessar por esses assuntos”, comenta. Matheus Nascimento, DJ e produtor da RCPO, conta o que esse movimento signifi- ca para ele: “A Baixada ca- rece de incentivo à cultura. As prefeituras não ligam e esquecem que estamos aqui. Com a violência crescendo cada vez mais, o medo só cresce. Essa roda represen- ta a resistência cultural de nós que não temos as vozes ouvidas. A RCPO é um gri- to para que ouçam e vejam que estamos aqui. A praça era viva, tinha campeonatos de skate. Mas hoje ela está morta. Queremos a seguran- ça que tínhamos de volta”. Além de iniciantes que comparecem na roda, nomes conhecidos da Baixada tam- bém marcam presença. Saulo Afide, membro do Anonimografia, escreveu um poema sobre a roda e o que ela representa: Jovens reunidos para a final da batalha de rimas. Foto:KalielBarbosa
  • 16. Vozes das Comunidades16 CULTURA ARTE PERIFÉRICA N uma favela de Senador Ca- mará, zona oeste do Rio, Bruna Mistrano elegeu, des- de muito cedo, a imagem e a imaginação como seus brinquedos favoritos. Conciliando a escrita e o desenho com a carreira acadêmica, a artista lançou um livro de poemas intitulado “Não” (Ed. Patuá), com ilustrações da própria autora. Mesmo sem aparecer a palavra “fa- vela”, a escritora explica que a peri- feria está presente no livro por meio Por Fabrícia Trajano A poesia na “Zeó”Vivências como mulher e favelada dão o tom da produção de Bruna Mistrano, moradora da Zona Oeste carioca. de suas vivências como mulher e fa- velada. Essas experiências são conta- das nos poemas, mas sua expressão artística não para por aí: desenhos, pinturas, fotos... Toda a produção de Bruna traz o que há de mais poético da periferia da “Zeó”, forma carinho- sa de chamar a Zona Oeste. Como artista que mora e produz na favela, Bruna fala do esforço para trazer visibilidade à arte periférica. “Você está ficando rotulada”, ouviu Bruna de amigos pelo fato de ela es- tar sempre divulgando imagens da periferia e cobrando eventos artísti- cos naquela região tão esquecida, de- pois de Deodoro. “Não somos carentes! Não somos inferiores!” A escritora faz questão de continuar vivendo na favela em que cresceu. Essa é a razão para Bruna fazer arte na peri- feria. “O movimento de você ir para o lugar central, e lembrar da margem só como uma ori- gem, não é mais interessante. Eu acho que existe o outro mo- vimento que precisa ser feito, que é o do centro [...] olhar no entorno”. Ela fala também do porquê de produzir arte para a periferia: “[...] porque tem gente que tem senso crí- tico, que tem senso estético”. Cultura fora dos grandes circuitos A artista comenta sobre o desinte- resse dos grandes circuitos culturais de chegar até a periferia e conhecer a cultura de lá. Esse seria o principal obstáculo para a falta de visibilidade da arte periférica. Ela fala que o jeito é continuar tentando ocupar espaços. Convites para apresentações fora da fa- vela só aparecem para eventos relacio- nados à arte periférica. Segundo ela, a periferia não entra em eventos que mostram a arte dos grandes centros. A artista plástica dá como exemplo de dificuldade a escritora Conceição Eva- risto, mulher preta, que só conseguiu reconhecimento com muito mais ida- de do que outros escritores normal- mente conseguem. Aqueles que, em geral, têm boas condições financei- ras, são brancos e héteros. “Espero o dia que não precise mais lutar, que os espaços estejam abertos a todos [...]”, completa. Bruna lembra que é preciso enten- der que cultura não é apenas aquela que é produzida pelas elites. O que mais falta para a arte periférica ocu- par tudo? “Falta incentivo à leitura”, afirma. O Slam (poesia falada) está ganhando força, mas não existe um circuito literário que chame atenção para a poesia escrita na periferia. A principal influência para Bruna começar a publicar foi Stela do Patro- cínio (1941-1997), poetisa que viveu internada numa colônia psiquiátrica onde impressionava a todos por seu falar poético. Mas sua “inspiração” mesmo - ainda que ela não acredi- te em inspiração - sempre foram os verdadeiros artistas da vida: os tra- balhadores da periferia. Bruna fala do “artista que constrói uma casa”, “que pinta um muro”, “que vende bala”, “aqueles caras [...] que tão numa po- sição ali quase como um cavalo [...] carregando no lombo uma carroça com várias coisas. [...] Existe beleza naquilo. Existe força naquilo. Existe potência naquilo”, conclui. na estrada de terra da cidade vazia a criança preta empunha um pedaço de pau. ela está nua e vê-se um corpo tão prematuro quanto ruínas. a boca intumescida da criança preta gutura morte ao rei! e na aridez inalcançável dos pés descalços resiste a criança tão criança e velha, sozinha e livre – o sino da igreja abandonada toca todo dia na hora errada. (extraído do livro “Não”) Arte: Bruna Mitrano Bruna Mitrano critica a invisibilidade da arte da periferia. Imagem do livro “Não”, de Bruna Mitrano Foto: Fabrícia Trajano