O documento discute a arte rupestre pré-histórica portuguesa, dividindo-a em três categorias principais: arte megalítica, pinturas em abrigos sob rocha e gravuras ao ar livre. Ele também analisa as gravuras encontradas em dólmens, notando a coexistência de motivos naturalistas e abstractos, e destaca o complexo de arte rupestre do Vale do Tejo como um dos conjuntos mais importantes de Portugal.
A publicação da dissertação de Rhuan
Carlos dos Santos Lopes é iniciativa louvável para “materializar ” um estudo que
se insere num leque de abordagens que
oscilam entre os três “As” – Antropologia,
Arqueologia e Arquitetura – e tem porlocuso que é denominado oficialmente pelo
Iphan de Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Praça Frei Caetano
Brandão, no núcleo inicial da ocupação
portuguesa na capital do estado do Pará
A publicação da dissertação de Rhuan
Carlos dos Santos Lopes é iniciativa louvável para “materializar ” um estudo que
se insere num leque de abordagens que
oscilam entre os três “As” – Antropologia,
Arqueologia e Arquitetura – e tem porlocuso que é denominado oficialmente pelo
Iphan de Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Praça Frei Caetano
Brandão, no núcleo inicial da ocupação
portuguesa na capital do estado do Pará
Barbosa, P. G. (1990). O Medievalista e a Arqueologia: Reflexões sobre o cas...Carlindo Xavier
As linhas que se vão seguir não são, de forma alguma, nem um balanço da arqueologia medieval em Portugal (o que se fez e o muito que há ainda para se fazer), nem um programa de estudo, e muito menos uma proposta metodológica. Isso não obsta a que julguemos ser de grande utilidade e urgência um «ponto da situação» e a prospectiva do futuro. Mas tal teria que ser feito num encontro que juntasse todos aqueles que se dedicam aos trabalhos arqueológicos neste período, juntamente com esses outros, os historiadores, que têm algo a pedir ao arqueólogo.
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Livro de conscientização acerca do autismo, através de uma experiência pessoal.
O autismo não limita as pessoas. Mas o preconceito sim, ele limita a forma com que as vemos e o que achamos que elas são capazes. - Letícia Butterfield.
Projeto de articulação curricular:
"aLeR+ o Ambiente - Os animais são nossos amigos" - Seleção de poemas da obra «Bicho em perigo», de Maria Teresa Maia Gonzalez
Na sequência das Eleições Europeias realizadas em 26 de maio de 2019, Portugal elegeu 21 eurodeputados ao Parlamento Europeu para um mandato de cinco ano (2019-2024).
Desde essa data, alguns eurodeputados saíram e foram substituídos, pelo que esta é a nova lista atualizada em maio de 2024.
Para mais informações, consulte o dossiê temático Eleições Europeias no portal Eurocid:
https://eurocid.mne.gov.pt/eleicoes-europeias
Autor: Centro de Informação Europeia Jacques Delors
Fonte: https://infoeuropa.mne.gov.pt/Nyron/Library/Catalog/winlibimg.aspx?doc=52295&img=11583
Data de conceção: maio 2019.
Data de atualização: maio 2024.
LIVRO MPARADIDATICO SOBRE BULLYING PARA TRABALHAR COM ALUNOS EM SALA DE AULA OU LEITURA EXTRA CLASSE, COM FOCO NUM PROBLEMA CRUCIAL E QUE ESTÁ TÃO PRESENTE NAS ESCOLAS BRASILEIRAS. OS ALUNOS PODEM LER EM SALA DE AULA. MATERIAL EXCELENTE PARA SER ADOTADO NAS ESCOLAS
proposta curricular da educação de jovens e adultos da disciplina geografia, para os anos finais do ensino fundamental. planejamento de unidades, plano de curso da EJA- GEografia
para o professor que trabalha com a educação de jovens e adultos- anos finais do ensino fundamental.
1. Gravuras portuguesas
VÍTOR OLIVEIRA JORGE
0. INTRODUQAO outra lógica e porque desconhecemos o tecido ideo-
lógico que lhes dava todo o sentido. E preciso par-
As manifestagoes de arte rupestre pré-histórica tir do principio geral de que as figuragoes rupestres
portuguesa, abstraídos os dois únicos casos datando sao normalmente o resultado de urna actividade
do Paleolítico superior (Escoural, no Alentejo, e simbólica, fortemente padronizada, e sujeita a
Mazouco, em Trás-os-Montes), inserem-se em tres regras que escapam ao dominio do consciente; a
grandes «mundos»: o megalítico, o da pintura em sua abordagem científica exige, assim, um tratamento
abrigos sob rocha, e o das gravuras em rochedos ao sistemático que nos permita establecer a sintaxe da
ar livre. Trata-se de urna classificagáo cómoda, mas linguagem que essas manifestagoes constituem, co-
mais «arqueológica» do que «pré-histórica», pois, mo base para a tentativa de compreensáo da respec-
como é evidente, em cada momento e em cada cul- tiva semántica.
tura o homem pode ter-se expressado de diferentes Em Portugal estes estudos, em moldes moder-
formas, que nada obriga a que sejam mutuamente nos, estáo praticamente no seu inicio. A descoberta,
exclusivas; antes pelo contrario, tudo indica que em 1971, da arte rupestre do vale do Tejo, veio
aqueles tres grupos de mifestagoes possam ter tido acordar para a importancia da renovagáo das pes-
relagoes entre si, pelo menos em determinadas fa- quisas, permitindo a formagáo de alguns investiga-
ses ou aspectos em que se concretizaram. dores metodológicamente actualizados, entre os
Os estudos de arte pré-histórica —um dos cam- quais é justo destacar Antonio Martinho Baptista;
pos mais difíceis e sujeitos a interpretac5es subjecti- entretanto, a publicagáo recente do corpas de arte
vas da nossa ciencia— tém sofrido, particularmente megalítica de E. Shee Twohig' contribuíu também
em Portugal, de graves insuficiencias metodológicas para o repensar dos problemas das gravuras e pin-
e, amiúde, de um grande primarismo interpretati- turas dolménicas no contexto mais geral da arte
vo. A inexistencia, em muitos casos, de levanta- pré-histórica do nosso territorio.
mentos rigorosos e completos, base indispensável Portugal participa com elementos de importan-
da investigagáo, somou-se a decifragáo casuística do cia muito desigual para o estudo de arte pré-
significado de motivos isolados, a procura de para- histórica ibérica pós-paleolítica, consoante se consi-
lelos desgarrados do seu contextos, ao estabeleci- dere um ou outro dos tres ámbitos atrás anun-
mento de esquemas de evolugáo unilinear clara- ciados. No dominio megalítico tal contributo é as-
mente violadores da complexidade dos factos. É saz importante, pois é no Ocidente hispánico que
preciso reconhecer, em muitos casos, o primado da encontramos a maior densidade de manifestagoes,
composigáo (mais ou menos descritiva ou abstracta) com destaque para a originalidade das pinturas pa-
sobre a acumulagáo anárquica de figuragoes, que só rietais dolménicas. Já no que diz respeito, por
nos parecem anárquicas porque pertencem a urna exemplo, a arte dos abrigos pintados, o nosso país
1
ELIZABETH SHEE TWOHIG, The Megalitbic Art of Western
Europe, Oxford, Clarendon Press, 1981.
ZEPHYRVS, XXXVI, 1983
2. 54 Vítor Oliveira Jorge
pode considerar-se como um territorio marginal, quando incluido em contextos variados. Por outro
em cujo interior se encontram os ecos mais ociden- lado, há que ter também em conta o sentido vo-
tais de un círculo (ou círculos) artístico pujante- luntariamente ambiguo, e abstratizante, de toda a
mente representado em Espanha: estamos reduzi- arte esquemática, em que muitos motivos parece
dos aos abrigos da Serra dos Lougoes (Portalegre) e, precisamente procuraren! exprimir de forma plástica
mais para norte, aos da Pala Pinta, Cachao da Rapa a ambivalencia do real, fundindo formas ou servin-
e Penas Róias, todos em Trás-os-Montes. Todavía, do-se de convengoes que sao hoje interpretáveis de
temos indicagóes de que outros existem, ainda iné- um ou outro modo conforme a intuigáo do investi-
ditos, como, por exemplo, o de Paredes da Beira gador. Trata-se, sem dúvida, de tentativas, por par-
(S. Joáo da Pesqueira), com figuras humanas sur- te do homem da Pfé-história recente, de traduzir
preendentemente sub-naturalistas. gráficamente ideias abstractas, que nada tém a ver
No que toca as insculturas em rochedos ao ar com a representagao objectiva de elementos do real,
livre, possui o territorio portugués um complexo de atomísticamente considerados. Por fim, há que ter
importancia qualitativa e quantitativa: o do vale do sempre em linha de conta a existencia de vetda-
Tejo, que se estende por cerca de 40 Km, e que deiros universais das formas, que podem aparecer
inclui varias dezenas de milhar de gravuras, ainda ñas mais diferentes épocas e latitudes sem qualquer
incompletamente publicadas. Desde o inicio do seu relagáo entre si; neste ámbito, as sobrevivencias re-
estudo que se tornou patente a impossibilidade de centes de pretensos motivos pré-históricos sao
o inserirmos no «grupo galaico-portugués», defini- numerosíssimas, como acentuaram Ferro Couselo,
do, em sucessivas tentativas de sistematizagáo e F. Manuel Alves e Carlos Alberto F. de Almeida,
periodizagáo, por Obermaier, Sobrino Lorenzo- entre outros.
Ruza, E. Anati e diversos outros autores 2. Essa im- Urna tentativa importante de clarificagáo dos
possibilidade pode estender-se a varias outras problemas dos petróglifos do Noroeste peninsular
manifestagoes inscultóricas de ar livre do nosso foi feita por Sobrino Lorenzo-Ruza (1952) 4 , ao de-
territorio, como desde logo, por exemplo, o grupo finir um grupo de motivos «galego-atlánticos» co-
Ridevides (Alfándega da Fé) - Molelinhos (Tondela) muns a varios paises da Europa ocidental, e ao re-
- Pedra Letreira (Góis) 3 que, pela matéria-prima do meter para um momento tardio, em grande parte
suporte, técnica empregada e temática, nada tem a já da época crista, muitos cruciformes, antes
cr com as gravuras do chamado grupo «galaico- incluidos por Obermaier (1923, 1925) na sua fase
portugués». Justamente, é tempo de rever este con- mais antiga. Avangos significativos, sobretudo pela
ceito, e de ultrapassar sistematizagoes grosseiras ba- riqueza da problemática, deram também os tra-
5
seadas em compartimentagoes geográficas muito bamos de E. Anati (1968, sobretudo) , que no en-
ampias; se existe um «grupo galaico-portugués», há tanto se basearam na periodizagáo em cinco fases
que circunscrever as suas características, a sua área de um ciclo de longa duragáo em grande medida
de dispersao geográfica para cada fase evolutiva, concebido em termos evolucionistas unilineares,
numa palavra, dar-lhe um conteúdo preciso. É evi- que tém sofrido nos últimos anos justas críticas por
dente que tal objectivo tem de partir da análise dos parte dos autores galegos (García Martínez, Váz-
testemunhos, nao em termos de temas primarios, quez Valera, Peña Santos). Apesar, porém, do
¡solados, mas, repetimos, de conjuntos homogéneos grande esforgo de investigagáo a que se tem assisti-
e de quantidades significativas, urna vez que numa do últimamente na Galiza —o qual só agora come-
arte fortemente esquemática ou simbólica o mesmo ga a ser levado a cabo no Norte de Portugal— e de
motivo, plásticamente falando, pode esconder muitos contributos importantes que lhe sao devi-
significagoes muito diferentes, nomeadamente dos, ainda nao foi possível contrapor a
2 4
V. ANTONIO MARTINHO BAPTISTA, «Introdueáo ao estudo SOBRINO LORENZO-RUZA, R., «Origen de los petróglifos
da arte pré-histórica do Noroeste Peninsular. 1. Gravuras ru- gallego-atlánticos», Zephyrus, III, 1952, pp. 125-149.
pestres do Giáo», Minia, 2 a s, n° 4, 1980, pp. 80-100. Incluí a 5
E. ANATI, Arte Rupestre nelle Regioni Occidentali della
bibliografía fundamental. Penisola Ibérica, Capo di Ponte, Centro Camuno di Studi Preis-
3
J. DE CASTRO NUNES, A. N. PEREIRA e A. M. BARROS, A torici, 1968.
Pedra Letreira, Góis, Cámara Municipal, 1959.
3. Gravuras portuguesas 55
teoría de Anati, manifestamente débil, urna nova em que as paredes dolménicas se encontravam pre-
visao de conjunto interpretativa. O livro de Peña enchidas de acordó com urna organizagáo harmóni-
Santos e Vázquez Várela «Los Petroglifos Gallegos» ca e envolvente, pomos a hipótese de quando esta-
(1979) s , organizado por temas artificialmente ¡sola- mos perante urna ornamentagáo gravada mais par-
dos, nao questiona suficientemente, quanto a nos, celar esta poder ser o residuo conservado de urna
conceitos-base como o do propio grupo «galaico- decoraeao funeraria que se completaria pela pintu-
portugués». ra. A nao ser que encaremos, o que nao é nada
Mas é altura de abandonarmos estas questoes impossível, a hipótese de dois modos de conceber a
gerais; concentrando-nos no tema da nossa expo- organizagáo decorativa dolménica, um mais «exaus-
sigáo, fagamos agora urna breve alusao as gravuras tivo» do que outro, em termos de ocupagáo de um
megalíticas para, depois, abordarmos alguns dos espago parietal gravável ou pintável. Afinal, algo
conjuntos mais importantes de insculturas de ar que se nota também, por exemplo, na Bretanha,
livre do territorio portugués. onde a ornamentagáo própria dos dólmens de
corredor está frequentes vezes reduzida a alguns te-
mas básicos, enquanto que num dolmen como o de
1. GRAVURAS DOLMÉNICAS
Gavrinis estes se encontram embebidos numa
Na arte megalítica portuguesa coexistem fre- organizagáo decorativa que alguém caracterizou co-
quentes vezes, em painéis inequivocamente co- mo de «horror ao vacuo», pois até as faces externas
evos, os motivos subnaturalistas ou esquemáticos e dos esteios, cobertas pelo «cairn», se encontram (pe-
os elementos geometrizantes e abstractos. Basta ci- lo menos parcialmente) decoradas.
tar o caso excepcional do dolmen pintado de Ante- Muitos sao de facto os problemas que a interpre-
las (Oliveira de Frades), ou de urna laje pintada tagáo de arte dólmenica levanta, quais sejam as
sem indicagáo de proveniencia (mas corresponden- relagoes (cronológicas ou outras) da pintura com a
do decerto a um esteio) existente no Museu do Ins- gravura (por exemplo, em Escariz 1, Arouca, onde
tituto de Antropología do Porto, na qual um existem tres esteios com serpentiformes pintados e
círculo radiado e duas figuragoes antropomórficas se gravados, nuns casos a pintura é anterior as gravuras,
encontram enquadrados por linhas onduladas verd- noutros passa-se o contrario, seg. Shee Twohig, op.
eáis e horizontais, como que a formar urna moldu- cit., p. 149), o significado da maior ou menor carga
ra. No caso dos dólmens simplesmente gravados es- decorativa a que aludimos, e o sentido da presenga de
ta constatagáo é menos evidente, mas nota-se ape- dólmens com decoragáo sub-naturalista (Juncais, Vi-
sar de tudo em Carapito 1 (Aguiar da Beira), por seu), mais ou menos esquemática ou abstracta (Chao
exemplo, a presenga simultánea de círculos radiados, Redondo 2, Sever do Vouga), ou conjugando as duas
de círculos simples ou duplos o de linhas curvas ou (casos referidos ácima, por ex.). Nao nos repugna ad-
onduladas; num dolmen como o de Cha de Parada mitir que todas estas solugoes tenham coexistido, mas
(Baiáo) encontramos urna figura radiada, um moti- também nao é impossível que elas testemunhem urna
vo constituido por dois círculos e urna covinha («fa- certa sucessáo diacrónica, dada a longa vigencia do
ce oculada»?) e quatro representagoes de o «objec- megalitismo no Noroeste peninsular.
to», de identificagáo difícil; todavía, segundo um
texto inédito de Serpa Pinto, existiriam vestigios de
pintura na laje de cabeceira (onde se véem essas 2. O COMPLEXO DE ARTE RUPESTRE DO TEJO
figuragoes do «objecto»), nao sabendo nos se tais
pinturas nao completariam as gravuras, dando á to- Nao vamos, aqui, repetir tudo o que tem sido
talidade da decoragáo um maior sentido de conjun- escrito sobre este complexo rupestre. Táo só recordar
to. Realmente, tendo presentes os exemplos pinta- que sobre ele foram apresentadas diversas tentativas
dos de Antelas, Pedra Coberta (Corunha) e outros, de periodizagáo, a primeira das quais, em 1972
(Serrao et al.)7 compreensivelmente inspirada na
6
A. DE LA PEÑA SANTOS e J. M. VÁZQUEZ VÁRELA, LOS JORGE, «O complexo de arte rupestre do Tejo (Vila Velha de Ró-
Petroglifos Gallegos, La Coruña, Ed. do Castro, 1979. dáo - Nisa): noticia preliminar», Arqueología e Historia, 9 a s,
7
E. DA CUNHA SERRAO, F. SANDE LEMOS, J. PINHO MON- IV, 1972, pp. 349-380.
TEIRO, M. ANGELES QUEROL, S. RODRIGUES LOPES e V. OLIVEIRA
4. 36 Vítor Oliveira Jorge
sistematizagáo de Anati para o «grupo galaico-por- encontra publicado na Enciplopédia Verbo (20°
tugués». Ai se concebía um largo período ao longo vol., 1980).
do qual as gravuras do Tejo teriam sido produzi- A disparidade das tentativas de interpretagáo
das, entre o Neolítico e a Idade do Ferro, notándo- cronológico-cultural do complexo artístico do Tejo
se, já entáo, a praticamente total ausencia de mostra bem a dificuldade da tarefa, mas também a
petróglifos atribuíveis a fase III de Anati (a dos precocidade da intengáo. O estudo da informagáo re-
«ídolos e punhais»), colhida exige urna equipa ampia (alias já nomeada
Tendo visitado o Tejo em 1974, este investiga- oficialmente) e a publicagáo de um «corpus», que nos
dor, baseando-se em consideragoes climáticas gerais dé de facto urna visáo de conjunto. Até lá, é abusiva
(de modo algum comprovadas na regiáo), as quais qualquer afirmagáo peremptória de urna cronología.
teriam condicionado o volume de aguas do rio e, Temática, estilo, graus de pátina-desgaste, disposigáo
logo, a emersao ou imersáo dos bancos xisto-grauvá- de cada elemento no espago operativo da rocha, e,
quicos em que as gravuras foram feitas, propós sobretudo, sobreposigoes, tudo isso terá de jogar mi-
duas fases bem distintas, a primeira correspondente ma interpretagáo final, que trate estatisticamente o
a um momento evoluído do Boreal (6500 - 5500 a. conjunto das informagoes conseguidas. Como é evi-
C.) —seria a fase epipaleolítica— e a segunda da- dente, urna sobreposigáo parcial de motivos nao indi-
tando do Sub-boreal (3000 - 2000 a. C.) e perten- ca necessariamente urna «estratigrafía» cronológico-
cendo ao Neolítico tardio. Estes seriam os dois mo- cultural, mas táo somente urna sequéncia de
mentos em que o rio teria um caudal menor, resul- gravagoes, mais ou menos fortuita ou intencional; só
tante de um clima mais seco, e em que a agua as- a sobreposigáo total, digamos, que «nega» a impor-
sumiria, assim, urna importancia extraordinaria pa- tancia ou significagáo do motivo anterior (apagando-
ra o homem, levando-o a prestar-lhe culto, através o ou mutilando-o), pode querer significar um desfa-
da realizagáo das gravuras, especie de ex-votos8. samento cronológico e/ou cultural. Por isso, as
Posteriormente, A. Martinho Baptista e outros observagoes feitas numa rocha —mesmo que conside-
autores (1978), a partir do estudo da estagáo de S. rada «a priori» como urna ponta por onde comegar a
Simao, propuseram um novo esquema, em tres fa- desenlear a meada— só seráo significativas quando
ses: urna «pré-megalítica» e duas fases «megalíti- testadas estatisticamente. Nunca é demais repetir a
cas», estendendo-se, no seu conjunto, de c. de ligáo de Leroi-Gourhan, que nos mostrou a exaustáo
4500 a c. de 2250 a. C. 9. que o cálculo é o nosso único fio de comunicagáo
Mais tarde, em 1980, Várela Gomes e Pinho possível com a intengáo do artista pré-histórico! Se
Monteiro apresentaram ao IVo Congresso Nacional nao, apenas nos limitamos a substituir urna intuigáo
de Arqueologia, de Faro, urna interpretagáo dife- por outra, mais ou menos bem apoiada. Tudo isto
rente, que voltava a consideragáo de um ampio sao verdades bem sabidas, mas raramente passadas á
«ciclo» de desenvolvimento estilístico-temático, des- prática; há etapas do trabalho que se nao podem
ta vez em 6 fases. Eram elas: «sub-naturalista» (c. queimar, muito embora nao nos demitamos de in-
VIo milenio a. C ) , «estilizada-estática» (Neolítico), terpretar em cada momento. A arte do vale do Tejo
«estilizada dinámica», com paralelos na arte levanti- beneficiou de um enorme esforgo analítico de campo;
na e na arte dolménica portuguesa (Juncais, Loba- falta agora o corresponde esforgo de gabinete. O que
gueira) (Neolítico pleno), «meridional» (IIIo mile- importa é por a informagáo ao dispor de todos os in-
nio a. C.) (Calcolítico), «atlántica» (I. do Bronze vestigadores, antes que se perca, nao fazer exercícios
pleno) e, finalmente, «dos círculos e linhas» (fináis de erudigáo mais ou menos inspirados.
da I. do Bronze e principios da I. do Ferro, isto é, O mais recente trabalho de A. Martinho Baptis-
segundo os autores, dos fins do II o milenio aos ini- ta, sobre «A Rocha F-155 e a Origem da Arte do
cios do I o milenio a. C ) . E este esquema que se Vale do Tejo» 10, ilustra precisamente o que acaba
8
E. ANATI, «Incisioni rupestri nell'alta valle del Fiume Portalegre), Portugal», Madrider Mitteilungen, 19, 1978, pp. 89-
Tago, Portogallo», Bolletino del Centro Camuno di Studi Preis- 111.
10
torici, XII, 1975, pp. 156-160. A. MARTINHO BAPTISTA, A Roda F-155 e a Origem da
9
A. MARTINHO BAPTISTA, MANUELA MARTINS e E. DE Arte do Vale do Tejo, Porto, Grupo de Estudos Arqueoló-
CUNHA SERRÁO, «Felskunst im Tejo-tal - Sao Simao (Nisa, gicos do Potto, 1981.
5. Gravuras portuguesas 57
de se dizer. Valiosíssimo documento é a sua exausti- exemplo) ou temas que também surgem na decora-
va análise daquela rocha, acompanhada de rigoroso gao parietal dolménica (círculos radiados como os da
decalque, e exacto posicionamento no conjunto da rocha F-90, por exemplo), nao há a mínima dúvida.
topografía da estagao de Fratel; discutível é porém Que aqui, como ñas gravuras do NW peninsular,
a sua tentativa de repartigáo dos 104 motivos ali também os grandes animáis aparegam associados inti-
presentes por tres fases de gravagáo, a primeira sub- mamente a motivos geométricos, mostrando o carác-
dividida em duas sub-fases. De facto, esta última, ter profundamente simbólico desses zoomorfos, e,
com figuras zoomórficas e algumas espiráis (um dos mais urna vez, a importancia quase universal do
méritos deste trabalho é demonstrar a antiguidade cervídeo para a mitología do homem da Pré-história
da espiral e a sua associacáo a cervídeos, por recente da Península (quigá como um dos animáis
exemplo, desmentindo «parti pris» evolucionistas), polimórficos por excelencia, e exprimindo, assim, as
seria decomponível numa fase IA, «sub-naturalista transformagoes cíclicas da natureza), eremos que está
clássica» e IB («sub-naturalista evoluída», articulável também fora de dúvida. Mas continuar a usar a
com a fase I de S. Simao, e com a fase inicial da expressáo «cultura megalítica» (conceito ultrapassado
arte do Tejo em geral). A fase II testemunharia pela investigagao) e querer falar de fase ou fases
«urna mudanga radical nos conceitos figurativos», «megalíticas» a propósito da arte do Tejo, quando é
sendo «dominada pela associagáo entre urna grande evidente a especifícidade desta arte, e quando a pro-
espiral e duas representagoes antiopomórficas» (p. pia «arte megalítica» peninsular (tao diferente da da
36). Nao vemos onde está o radicalismo de tal Irlanda ou da da Bretanha) nos surpreende pelo seu
mutagáo, urna vez que já na fase anterior as espi- polimorfismo, eremos que é forgar os factos. O que os
ráis estavam presentes e, como o próprio autor ad- varios ciclos de arte pós-glaciar peninsular nos
mite hipotéticamente, um antropomorfo. Por fim, mostram é que o homem da Pré-história recente
a fase III da rocha em causa integrar-se-ia plena- exprimiu de forma plástica, quer num contexto reli-
mente numa gramática geométrica e esquemática, e gioso «tout court», quer num contexto funerario,
correspondería a fase III de S. Simao. urna visáo do mundo altamente abstracta e simbóli-
Parece-nos que, subjacente a interpretagáo de ca, em que graus de esquematismo convivem e cons-
A. M. Baptista, sem dúvida o melhor conhecedor tituem o próprio cerne das varias modalidades dessa
da arte do Tejo, está a nogao de que a relativa ho- linguagem.
mogeneidade destes 40 Km. de rochas gravadas nao
consente urna periodizagao tao extensa quanto as
propostas iniciáis ou as de Várela Gomes - Pinho 3. GRAVURAS DO NORTE DE PORTUGAL: ESTUDOS
Monteiro sugeriam, facto que também Anati RECENTES
intuíu. Trata-se de um ciclo artístico original, carre-
gado de simbolismo, e fortemente dominado pelos Assiste-se, neste momento, a urna significativa
motivos geométricos e abstractos (que, por serem os renovagao dos estudos de arte rupestre na zona se-
mais repetitivos, sao os que menos figuram ñas tentrional do país, que alias acompanha o grande
publicagoes já feitas), em que a figura humana, surto de investigagao arqueológica que nos últimos
quando surge, tem sempre urna importancia secun- anos tem caracterizado esta regiáo. A simples
daria em relagáo aos animáis e, sobretudo, aos mo- presenga, aqui, de arqueólogos oriundos de varias
tivos espiraliformes e aos que tém como base o cír- zonas de Portugal e a formagáo de novos investiga-
culo. Partindo do principio de que todos estes mo- dores tém permitido que muitas descobertas pre-
tivos comungam dos mesmos painéis, há que dar a históricas nao caiam no olvido e sejam devidamente
importancia devida aos temas mais abundantes, sem aproveitadas pela pesquisa. Ainda recentemente, é
a preocupagao de montar esquemas interpretativos de registar a detecgáo de um importante conjunto
em pretensas «rochas-chave». Que na arte do vale de gravuras rupestres no local de Tripe (Mairos,
do Tejo existem motivos semelhantes aos da pintu- Chaves) e de um outro ñas imediagoes de Ribeira
ra esquemática (antropomorfos da rocha F-84, por de Pena (Trás-os Montes) n . Porém, assumem parti-
11
Agradecemos a Domingos J. da Cruz a comunkagao des-
te segundo conjunto.
6. 58 Vítor Oliveira Jorge
cular importancia os estudos de A. M. Baptista no fazemos notar que, ñas proximidades do Giáo, no
Giáo (Cabana Maior, Arcos de Valdevez) e na planalto do Mezio, existe urna mamoa com um es-
Bouga do Colado (Lindoso, Ponte da Barca). teio onde se véem varios cruciformes gravados, do
mesmo tipo de alguns dos que existem naquela
3.1. O santuario rupestre do Giáo estagáo rupestre. Por outro lado, o facto de naquela
As gravuras rupestres do Giáo dispóem-se em área se encontrarem as linhas divisorias de varias
dois núcleos. No Giáo 1, que é, de longe, o maior, freguesias, sugere ser esse um lugar favorável á prá-
elas localizam-se na parte central de um vasto anfi- tica de gravagoes de tipo apotropaico em plena
teatro natural, no qual existem varias dezenas de época crista; ora, tais práticas incidiam frequente-
afloramentos graníticos insculturados, bem como mente em penedos aos quais se atribuíam maleficios
diversos blocos soltos também gravados. Ai, e de (Carlos Alberto Ferreira de Almeida, 1981, pp.
acordó com M. Baptista (1981, p. 59) n surgem-nos 207-208) u , nao sendo difícil de imaginar que
motivos quadrangulares cuja superficie interior se rochas insculturadas durante a Pré-história fossem
encontra dividida por linhas perpendiculares entre assim consideradas, atraindo as atengoes e a realiza-
si; antropomorfos em «fi»; diversos outros motivos gáo de tais ritos (C. A. Ferreira de Almeida, ib.,
antropomorfos esquemáticos; cruciformes de varios nota Al). Alias, sao frequentes as «estagoes de arte
tipos, alguns dos quais envolvidos por um círculo; rupestre» que, no Norte de Portugal, se podem in-
covinhas, etc., etc. Esta classificagáo genérica e serir neste mundo, no todo ou em parte. Haverá,
simplificada difícilmente exprime, porém, a va- assim, no Giáo 1, que realizar um difícil trabalho
riedade de motivos ali existentes, dispersos por (pe- para tentar destringar os varios tipos de antropo-
lo menos) cerca de 80 rochas, em curso de estudo mórficos esquemáticos daquilo que poderáo bem
por aquele investigador. Este, a partir da sua análise ser simples cruzes cristas. E evidente que se trata,
preliminar, pode estabelecer urna sequéncia de gra- aqui, de urna mera sugestáo, avangada a título de
vacoes, em duas fases. A fase I seria constituida pe- hipótese.
las «retículas simples ou compósitas» (grupo a) a Por outro lado, A. M. Baptista alude a urna
que se sobreporiam, em varios casos, antropomorfos possível relagáo do muro que envolve a anfiteatro
«em fi» (grupo b). A fase II abarcaría os crucifor- do Giáo com a estagáo de arte rupestre {op. cit., p.
mes. Em termos de aproveitamento de espago dos 63), mas, parece-nos, é bem mais lógico pensar que
painéis, estes últimos sinais ocupariam urna posigáo tal muro (semelhante a tantas outras vedagoes de
periférica em relagáo aos motivos quadrangulares e propriedades rurais do NW) seja já histórico, tal co-
«em fi» (op. cit., p. 61). mo as gravuras cruciformes que se véem em 27 dos
Perante os resultados desta análise —que inclui seus blocos.
um minucioso levantamento topográfico em vias de Já noutro trabalho (1980, p. 93) 14 , o autor se
concretizacáo— varios problemas se levantam: qual refere a dificuldade de «integragáo plena desta
a possível interpretagáo dos cruciformes, que M. estagáo ñas etapas estilísticas e temáticas clássicas da
Baptista considera antropomorfos? seráo as figuras arte do Noroeste». Absolutamente do acordó. Cre-
em forma de retícula estilizagoes antropomórficas? mos que há que distinguir, ñas gravuras do Noroes-
qual a relagáo das gravuras praticadas nos aflora- te, varios grupos, quigá de origem e eventual
mentos rochosos com as (predominantemente cruci- evolugáo independente; o problema é obviamente
formes) que sao visíveis nos blocos pertencentes a um muito mais complexo do que a «síntese» de Anati
muro que envolve a parte central do anfiteatro? e, pressupoe. Já Sobrino Lorenzo-Ruza escrevera (1957,
finalmente, qual a relagáo destas gravuras do Giáo p. 51) 15 que «nao sao muito abundantes os petró-
com o chamado grupo «galaico-portugués»? Nao glifos portugueses do grupo galego-atlántico», sa-
pretendemos responder aqui a estas questoes, mas lientando que no nosso país há gravuras que «nao
12 14
A. MARTINHO BAPTISTA, «A arte do Giao», Arqueología, Op. cit. na nota 2.
15
3, Junho 1981, pp. 56-66. R. SOBRINO LORENZO-RUZA, «Bosquejo para un estudio de
13
CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA, «Territorio paro- los petroglifos portugueses, Caesaraugusta, 7-8, 1957, pp. 49-
quial no Entre-Douro-e-Minho. Sua sacralizacao», Nova Re- 65.
nascenga, I, Inv. 1981, pp. 202-212.
7. Gravuras portuguesas 59
tém parentesco directo» com tal grupo, antes se trismo, sao todos constituidos por círculos, co-
aproximando das pinturas rupestres esquemáticas. vinhas, e linhas de diversos tipos, em combinagoes
O mesmo fizera J. Fontes em relagáo as figuras variadas. Há também duas linhas quadrangulares
antropomórficas «em fi» do Giao, como refere A. interiormente preenchidas por um reticulado.
M. Baptista (1981, p. 65); este último autor incli- Ao centro do principal penedo insculturado
na-se, alias, para considerar aquela estagáo como (rocha 1) situa-se um conjunto de elementos com-
urna manifestagáo de origem meridional incluida no posto por círculos concéntricos, formas sub-circula-
espago geográfico do Noroeste, salientando a res, covinhas, urna espiral e outras linhas, que M.
«ausencia absoluta das formas clássicas do grupo Baptista interpreta como urna figura antropomórfi-
galaico-portugués» adentro dos petróglifos que a ca «idoliforme» feminima, a qual aproxima das
constituem. estátuas-menires, acrescentando que ela «lembra va-
No que respeita ao núcleo do Giao 2, a única gamente a escultura da Serra da Boulhosa». {ib., p.
rocha importante apresenta motivos quadrangulares 12). Pensamos que esta última assergáo é dema-
(por vezes de cantos arredondados) seccionados in- siado ousada; mas nao é impossível que estejamos,
teriormente por duas linhas perpendiculares entre aqui, petante um motivo de carácter antropomórfi-
si, cruzes de bragos iguais e figuras radiadas («este- co, curiosamente composto por elementos geometri-
liformes»). M. Baptista (1981, p. 65) poe estes últi- zantes, e portanto revelando um grau de estilizagáo
mos motivos em paralelo com temas da pintura es- invulgat, maior ainda do que o do «ídolo» do Coto
quemática, e do complexo do vale do Tejo, acres- dos Mouros, Viladesuso (Galiza), por exemplo, co-
centando que sao «certamente difundidos pela cul- mo o próprio autor, alias, acentúa. Trata-se porém
tura megalítica». Trata-se de urna hipótese válida, de urna mera hipótese de trabalho, como hipótese é
mas convém notar que, para além de nao conhecer- o facto dessa figura comungar de urna mesma «tra-
mos os sentidos da «difusáo» do megalitismo, talvez digáo» com as estátuas-menires, ainda tao mal
fosse mais rigoroso afirmar, táo só, que o motivo conhecidas, no que diz respeito ao NW peninsular,
«esteliforme» é comum a varios círculos ou formas em termos de cronologia e significado. Parece-nos
de expressáo artística peninsulares, sem querer ver que o salto da fase descritiva para a etapa seguinte
ai necessariamente um «horizonte» (Baptista, ib., é, com frequéncia, demasiado rápido neste do-
p. 92), conceito que, quer-nos parecer, se usa entre minio de investigagáo, sabendo nos que mesmo
nos com demasiada facilidade. urna escavagao, por exemplo, levanta normalmente
mais problemas do que aqueles que resolve —e isso
3.2. As gravuras rupestres da Bouga do Colado é que é natural.
Na Bouga do Colado estamos petante urna M. Baptista considera, ñas oito rochas inscultu-
estagáo que pelas suas varias características se pode radas da Bouga do Colado, tres fases de gravagáo,
inserir, como acentúa Martinho Baptista (1981, pp. sendo a primeira sub-dividida em duas. A última,
7 e 11) 16, naquilo que, finalmente, constituirá o plenamente histórica, é constituida por sinais de
grupo galaico-portugués no seu sentido próprio, cristianizagao do local, margináis. Á fase IA per-
estrito (apesar deste nao ser ainda definível de mo- tenceria o chamado «idoliforme»; a fase IB (atribui-
do exaustivo). Realmente, aquele autor faz notar da ao «mesmo horizonte ideológico», p. 8) corres-
que frequentemente as rochas insculturadas de tal ponderiam urna serie de figuras situadas ñas suas
grupo apresentam «grandes superficies lisas, pouco imediagoes, entre as quais um motivo «proto-labi-
alteadas em relagáo ao nivel do solo, com urna ríntico»; a fase II pertenceriam as representagoes
inclinagáo que raramente ultrapassa os 45°, viradas reticuladas, quadrada e rectangular. Perguntamo-
quase sempre a poente, e em regra localizadas a nos, perante os dados apresentados na publicagáo, e
meia encosta, peno de cursos de agua» {ib., p. 7). a imbricagáo evidente do motivo central com os peri-
Quanto aos motivos, com elevado grau de geome- féricos, qual o sentido da sub-divisáo da fase I. Pa-
16
A. MARTINHO BAPTISTA, «O complexo de gravuras ru-
pestres da Bouca do Colado (Parada-Lindoso)», Giesta, 4, Out.
1981, pp. 6-16.
8. 60 Vítor Oliveira Jorge
ra nos, trata-se de urna mesma compOsigáo de con- que poderá ser considerado o «grupo galaico-
junto (ideia que, evidentemente, formulamos a portugués» em sentido estrito, já o reticulado,
título de hipótese), apenas «sobreposta» pelos retí- com a desenvolvida e ampia feigáo que assume
culos, como alias parece acontecer em Ozáo, Valen- nestas rochas, é algo de muito específico que,
ca {ib., nota 7, p. 16). Nao se estará aqui, pois, para já, parece convir que se considere como
confundindo urna hierarquia de importancia de urna manifestagáo «sui generis»;
motivos, e urna disposigao relativa no espago opera- — vimos recentemente no Museu da Regiáo Fla-
tivo de rocha, com urna sequéncia de fases? Impor- viense (Chaves), algumas rochas insculturadas
ta menos, parece-nos, a sucessáo de operagoes ima- provenientes do local do Tripe, Mairos, a que já
ginável, do que a concepgáo de conjunto, que, an- atrás aludimos, e que depos visitamos na com-
tes de ser passada para a rocha, já estaria (ou nao) panhia de estudiosos daquela cidade. É flagran-
na mente do(s) artista(s), onde se apresentaria co- te a semelhanga de alguns dos motivos antropo-
mo urna realizagáo harmónica, notável nao pelos mórficos com os da arte rupestre do Giáo, pare-
seus aspectos parcelares, mas pelo elevado grau de cendo portanto termos aqui um paralelo para
abstracgáo que o todo parece sugerir. certos temas daquele complexo do Alto Minho; a
própria paisagem em que a estagáo se integra
recorda o anfiteatro do Giáo. No Tripe existem
4. «GRUPO GALAICO-PORTUGUÉS»: UM CONCEITO A
ainda figuragoes de cruzes, ferraduras, círculos e
REVER
podomorfos; no local próximo de Outeiro da
Moeda há gravuras em forma de «paleta» 18;
Por varias vezes temos afirmado, sem com isso
pretendermos dizer algo de muito novo, que o senti- — ainda na regiáo de Chaves (Val d'Anta) temos
do lato em que se tem usado o conceito de grupo um dos conjuntos rupestres com maior número
«galaico-portugués» é improprio, recobre manifesta- de gravuras do Norte do país: o do Outeiro Ma-
goes artísticas heterogéneas, e deveria ser substituido chado 19. Para lá dos cruciformes, das covinhas,
por urna análise mais fina dos problemas, que a partir das ferraduras, das «paletas», dos motivos «em
da constituigáo provisoria de grupos bem definidos, fí», das covinhas com um apéndice em forma «de
fosse recompondo um quadro classificativo geral das gancho», dos pares de covinhas unidas por urna
gravuras portuguesas. Demos alguns exemplos: linha recta, aqui deparamos com motivos que se
— a pedra decorada de Ardegaes (Aguas Santas, nao encontram noutras estagoes conhecidas, co-
Maia, actualmente no Museu de Antropología mo aqueles que M. Correa interpretou como
do Porto), publicada por E. Shee Twohig machados. Impoe-se um reestudo criterioso deste
(1981)17, nao deveria, quanto a nos, ser aproxi- conjunto;
mada da arte megalítica, com a qual parece nao — o abrigo de Solhapa (Miranda do Douro) 20 ,
ter directamente a ver, mas talvez apenas com a com as suas gravuras tao peculiares (algumas das
«pedra escrita» de Serrazes (S. Pedro so Sul), e, quais —as da serie 2, parietais— lembram vaga-
eventualmente, com a do «Agro das Calzadas» mente as do monumento rupestre de Vilvestre,
(Lugo), paralelos que aquela autora aponta. Se Salamanca 21) merecería ser reestudado por um
os círculos concéntricos (que a mesma autora especialista; para já, trata-se do único «abrigo»
considera, a título de hipótese, anteriores aos com gravuras que conhecemos no nosso país.
reticulados em Ardegaes e em Serrazes) admiti- Covinhas, algumas das quais unidas por linhas
riam bem urna insergao na temática típica do rectas ou curvas ( I a e 3 a series) e sulcos fundos
17 19
E. SHEE TWOHIG, «A pedra decorada de Ardegaes de J. R. DOS SANTOS JÚNIOR, «AS gravuras rupestres do
Aguas Santas (Concelho da Maia)», Arqueología, 3, Junho 1981, Outeiro Machado (Val d'Anta-Chaves)», Trabalhos de Antropo-
pp. 49-55. logía e Etnología, XXIII, 2-3, 1978, pp. 207-234.
18 20
Seg. artigo inserto no jornal «Noticias de Chaves», de A. MARÍA MOURINHO, «O abrigo rupestre da 'Solhapa' -
26.11.82, com. por Firmino Aires, daquela cidade. As gravuras em Duas Igrejas, Miranda do Douro», O Arqueólogo Portugués,
do Tripe vao ser objecto de um estudo de A. M. Baptista, a ini- s. III, VI, 1972, pp. 33-61.
21
ciar no veráo de 1982. L. BENITO DEL REY, «Monumento rupestre de Vilvestre
(Salamanca)», Zephyrus, XXI-XXII, 1970-71, pp. 163-170.
9. Gravuras portuguesas 61
e largos (alguns deles evocando polidores de (Cárcoda, por ex.), espiráis (Cárcoda), círculos
instrumentos de pedra) (2 a serie) dominam a ou combinagoes circulares (Serra da Arada,
«decoracáo» interna deste abrigo, em cujo exte- Serrazes), cruzes ou sinais radiados inscritos
rior também se encontram gravados alguns mo- num círculo (Cárcoda, S. da Arada), «ferradu-
tivos; ras» (Benfeitas), armas ou instrumentos diversos
— como tem sido apontado por diversos autores, o (Molelinhos), figuras subtrapezoidais com ou
grupo de Ridevides —Molinhos— Pedra Letrei- sem apéndice superior (Benfeitas), reticulado
ra de Góis, etc., com gravuras litotrípticas, pra- (Serrazes), quadrados ou rectángulos, simples,
ticadas no xisto e incluindo a representagáo de seccionados internamente, ou concéntricos (Cas-
armas (entre as quais falcatas, típicas da I. do télo, Fial), etc., etc. Urna lista destas nao tem
Ferro, ñas gravuras de Tondela) deveria ser con- porém qualquer sentido, sendo evidente que na
siderado também como urna manifestagáo ar- regiáo de Viseu se encontram diversos «mundos»
tística autónoma adentro das gravuras portu- artísticos, o que torna esta zona possivelmente
guesas; urna das áreas-chave para o estudo da arte ru-
pestre portuguesa.
— quanto as gravuras rupestres de Beira Alta, tém
sido objecto, nos últimos anos, de algumas
noticias que testemunham a sua importancia Estudo que tem de assentar, de facto, em bases
quantitativa e qualitativa 22; haveria porém ago- metodológicas e problemáticas novas, e tem de pro-
ra que realizar um trabalho sistemático de le- curar estender-se a todo o país. Já nao é concebível
vantamento, conjunto a conjunto, como foi que se publiquem trabalhos como o que ainda há
feito, por exemplo, para as rochas decoradas alguns anos foi dedicado ao Penedo da Almoinha
com podomorfos da Alagoa, Tondela 23. Real- (Mora, Alentejo)24, em que a terminología usada
mente, pelos trabalhos genéricos já publicados na classificagáo dos motivos cruciformes daquela
torna-se-nos impossível fazer urna ideia precisa rocha, a lista de «paralelos» apresentada, e a crono-
das gravuras da regiáo de Viseu; por exemplo: logía proposta, sao manifestamente absurdas. É ne-
nao há um só levantamento, mas apenas um cessário que as universidades portuguesas formem
quadro de motivos convencionalmente ¿solados novos investigadores, a quem sejam dadas condi-
(C. T. da Silva, 1978, p. 177), pelos quais goes de trabalho; e é fundamental que tais estu-
constatamos a presenga de urna grande varieda- diosos alicercem o seu labor num conhecimento ac-
de de temas, entre os quais antropomorfos es- tualizado de tudo quanto se está fazendo a nivel
quemáticos (Fial, Cárcoda), podomorfos (Ben- peninsular e europeu neste dominio. A renovagáo
feitas, Sejáes, Gumiei, Queira, Alagoa), zoo- metodológica e a abertura de perspectivas interpre-
morfos esquemáticos (S. Joao do Monte, Fial, tativas sao duas facetas de urna mesma atitude, que
Cárcoda), figuras consideradas serpentiformes só trará beneficios a Pré-história da arte ibérica.
23
22
Por exemplo, A. AUGUSTO TAVARES e C. TAVARES DA SIL- M. VÁRELA GOMES e J. PINHO MONTEIRO, «AS rochas de-
VA, «Gravuras e inscricoes rupestres da regiao de Viseu», Actas coradas de Alagoa. Tondela-Viseu», O Arqueólogo Portugués, s.
do II Congresso Nacional de Arqueología, I, Coimbra, 1971, III, VII-IX, 1974-77, pp. 145-164.
24
pp. 261-270; C. TAVARES DA SILVA, «Gravuras rupestres inéditas G. ZBYSZEWSKI, O. VEIGA FERREIRA, M. LEITAO e C. T.
da Beira Alta», Actas das 111 Jornadas Arqueológicas da Ass. dos NORTH, «Descoberta da insculturas com a figura humana estili-
Arq. Port., I, 1978, pp. 167-184; C. TAVARES DA SILVA, «O con- zada na regiao de Brotas (Mora). O Penedo de Almoinha»,
junto da arte rupestre da Serra da Gralheira (Viseu), com. apres. Comunicacóes dos Servidos Geológicos de Portugal, LXI, 1977,
ao IVo Congresso Nac. de Arqueología, Faro, Maio de 1980. pp. 33-41.