O fanzininho Samizdat, publicação irregular que reúne meus textos (frases, poemas e contos), chegou à sua sétima edição, a primeira de 2024 (não costumam sair muitos por ano...).
O enfoque aqui é a metapoesia, ou seja, a poesia que, nariz em riste, fala de si mesma. Além dos poemas, frases e pensamentos sobre a poesia e o fazer poético compõem a humílima edição.
Tire cópias, distribua. Ajude a cultura fanzineira a sobreviver.
1. REINAÇÕES
Era outubro, mês revel, mas um
outubro setembrino, com seu ar
veloz, feliz
Obriguei-me, numa quina de rua
ao simulacro ou pretensão de
liberdade de um poema
Um poema!, veja você
obriguei-me a um poema
ao invés de deitar-me no chão ou
seguir minha vida
Editorial – Uma edição especial sobre a Poesia. Epa lá, mas sempre temos
poesia aqui no espúrio fanzininho do tio Samerson. Então, o que muda? Bem,
aqui temos poemas [e frases] que FALAM sobre a poesia e o poeta, ou seja, que
se desdobram sobre si mesmos, sua matéria e seu espírito. Daí [su]a metapoesia.
Leia muitos outros de meus textos e livros de boa, aqui: www.linktr.ee/sreachers
No que sou, o que sou?
Escrevo éclogas,
disparates feitos
do mijo dos anjos
Pássaro, devoro morcegos
sempre à noite,
quando são mais fortes
Crio palavras, exempli gratia:
Adjistâncias:
distâncias adjuntas, circumciclovalentes
Selado fui fora do cofre:
Outros homens existem,
eu prolifero
Narrador que desnarra,
cacos de chão e céu estou
no que sou;
e o que sou?
Slam
Ei, mané
Não vá transformar
poiesis
Em tekné
Samizdat
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#07 – 2024 Sammis Reachers
Retorno a Porto das Caixas
Sou um escritor,
Um escandalizado pela palavra
E eles querem que eu seja claro e fluídico
E lhes traga paz
Sou um escritor,
Um amputado lá no útero
E eles esperam que eu corra,
Corra para apontar-lhes o caminho
Sou um escritor,
Um pretenso mestre do entalhe a frio em papel
Que entalha as dúvidas antes que elas me empalem, crucifiquem
E eles, os fiéis da fome, esperam que eu lhes traga os pães frescos das
respostas
Sou um escritor,
Um capturado-enquanto-fugia
Pelo frio lá fora
E eles, ternos,
Esperam que eu os aqueça
Os não-escandalizados, os não-mutilados, os que não duvidam:
Eles, os que escaparam do frio.
FANZINE
poema é poeta após aventurado
o que o poeta é em potência
o poema é em ato
poeta a reticência
poema o espalhafato
Profissão de fé
Embora eu não domine
Pacificamente
A ciência de arrancá-las
Ao útero das possibilidades
Elas aqui circulam,
Plasmadas.
Eu sou um poeta:
Em minha dor estão contidas
Todas as Literaturas.
Rimbaudiano
Não vendo
explicações.
Sou um poeta:
Eu alugo armas.
2. Frases e reflexões sobre a Poesia
Creio que o fim último e a causa primeira da poesia seja preparar o homem para o
contato COM e a compreensão DO Divino. Gosto de entendê-la também, por isto
mesmo, como a própria antecâmara da fé. Seu sentimento é sem paralelos dentre
aqueles aos quais os homens são suscetíveis, pois nos abre uma porta, com
suavidade sempre desconcertante rompe a nossa rocha, que permanece aberta e
aberta, até que Ele, por Sua graça, se apresente: até a re-ligação. O sentimento
poético é a intuição continuada de (que há um) Deus.
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Deus chamou Adão e o instruiu a que desse nome aos seres viventes (Gn 2:19,20).
Adão é morto, Deus nunca: Ainda hoje Ele trabalha (Jo 5:17), ainda hoje Deus chama
por nomeadores; e a vida responde a cada poeta que nasce.
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O poeta é uma anti engrenagem que gira, quixotesco adversário da inércia dos
nomes.
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Versejar é maquinar ignições.
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A Poesia é o opiáceo da Língua.
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Falar o que o outro não sabe, não pode, não quer ou não tem coragem: Um poeta
pode muito bem assumir as funções de profeta, numa sociedade de profetas
assassinados, ou pior, "cessados" pelo farisaísmo imperante. A VERDADE, ela sempre
dá um jeito!
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Escrevemos porque algo se perdeu – de nós ou do mundo. Verso (poesia) é
fundamentalmente memória do irrecuperável.
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Stálin matou [Ossip] Mandelstam e tantos outros; Franco matou [Federico] García
Lorca. Pinochet desejou mas temeu matar [Pablo] Neruda; Nixon desejou mas temeu
matar [Allen] Ginsberg. No Brasil, a Ditadura quase matou [Alex] Polari, mas ele
também tentou matá-la, ele por isso duas vezes poeta. Veredito da história?
Uma cultura que mata seus poetas está em vias de suicidar-se.
O assassinato de um poeta é como um involuntário pedido de socorro.
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A poesia é um esfoliante natural para os corações empedernidos.
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A poesia dá notícia da ludicidade do divino.
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A poesia é uma anticasa lotérica onde desfaço apostas.
Um poema é um médio objeto mágico, facultado a qualquer neófito;
talismã/muiraquitã que escapou com dano à censura da razão, de quem por sua vez
roubou as ceroulas. O poema é memória e resiliência de uma arte totêmica.
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O anseio ou engodo supremo da poesia, essa arte suprema do verbo, é,
paradoxalmente, acessar a dimensão pré-verbal, aquela que o verbo mesmo nos
roubou. E Sísifo fantasia-se de Orfeu, e Narciso, de Jasão, e embriagam-se de
desespero e máscara.
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Celebração da vida e do poder de resiliência, o olhar poético desnuda mistérios,
bordeja e adentra ao sagrado e extrai o melhor de tudo.
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A poesia fala do que o coração está cheio.
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A linguagem verbal é o milagre maior do Logos, oceano comum-comunicante, mare
nostrum antrópico onde a prosa nada enquanto a poesia navega.
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A poesia, lugar central dos criados à imagem do Verbo.
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A Poesia é minha forma de andar nu sem aborrecer a Deus nem escandalizar a
homens ou anjos.
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A Poesia é um posto avançado ou extraburgo do céu – no inferno.