1) O documento é uma edição de um fanzine contendo poemas, contos curtos e editoriais. 2) Dois contos curtos são apresentados em forma de fábeal e tratam de temas como sonhos, dinheiro e liberdade. 3) A edição também traz poemas originais e reflexões sobre a importância dos livros.
Cronograma de leitura bíblica para crianças - 2022
Fanzine Samizdat #6 - Sammis Reachers.pdf
1. Editorial – Eia! Chegamos em 2023 e nosso fanzininho, nascido em 2021 e
cuja periodicidade é a mais irregular concebível, ganha sua sexta edição. Desta
feita, trazemos dois contos curtos, em ritmo de fábula, e a prata da casa, os já
tradicionais poemas e frases de nossa autoria.
Leia muitos outros de meus textos e livros aqui: www.linktr.ee/sreachers
PÊSSEGO
Tua penugem, teu esse tal descalabro
De deitar urticária nas sanhas
Teus pelos friccionando-se contra
Os papilos das línguas...
Ah! Mamilo rubicundo, cona aurirrubra,
Sonho fibroso encapando
Um coração ou cerebelo de ferro
Langor umidificado
Que presto escorre, raio de sumo
Ao ver-se contrito, entre dentes
Realizado
Oasis de olor, fruta de cheiro
De apaixonar um mundo inteiro
O livro é uma ferramenta a um tempo prática e mítica: Ponte para
os mundos possíveis, portal para os impossíveis.
* * *
Não importa o tema ou o gênero, número de páginas e sequer o
autor: um bom livro será sempre aquele que arrancar você do chão,
aquele que fundar um dia especial dentro dos dias.
Samizdat
POESIA – CONTO – LITERATURAGENS
#06 – 2023 Sammis Reachers
Paz para praticar meu perenal ofício
Visto este andrajo de leão lá fora
Simulo humores em que ajo e interajo
E suores realizo, rito no qual contas quito.
Chegar em casa é meu fulcral laurel.
Revolucionário, mestre, pregador, menestrel?
Sou o que disso vai no interstício.
Sarau, academia, sodalício? Solitude almejo.
Cego, só por livros vejo: sou tatu cavoucando
Paz para praticar meu perenal ofício.
FANZINE
Descalços
Andamos nossos passos nazarenos
Numa comissão feita de restaurações
De encontro ao abraço que do alto sol
nos aquece com seu banho morno
Somos luas nômades, vinte séculos
De cisma e audácia bordados:
Ágapes em busca de âmagos, almas
Arautos de uma missão sem centros
Nossa força nem é fé, nem esperança
Apenas, mas estarmos sempre confortáveis
No desconforto: rosas e lótus e girassóis
De amor sempre indiviso, sempre irisado.
Lantejoula
A menina, ainda em seus quatorze anos,
anotava o nome dos que não a notavam.
Nem era ninguém, mocinha ainda,
e já tecia galáxias em seu coração de fiandeira.
2. A fábula do asno e do texugo, ou a fuga da razão
Corria o ano de 451 depois de Cristo. Nas bordas de uma pequena floresta às
margens de Milão, um asno e um texugo esbarraram-se, ambos em fuga da
cidade, incendiada por Átila em sua fúria bestial.
Libertos do cativeiro pelos irmãos caos e chama, corriam por suas vidas
tênues carregados de sentimentos entre suas penugens chamuscadas. Um
deles trazia por bagagem extra um pequeno e tilintante alforge que, de
passagem, furtara a um corpo humano justiçado pelos irmãos siameses.
Temeroso da repentina solidão e do silêncio da floresta, terror medievo, e
vendo que seu companheiro de ocasião já imbicava por uma trilha da mata,
o que portava o pequeno alforje feito da pele de um seu semelhante propôs
ao outro:
– Venha comigo, companheiro! Vamos por este outro caminho, ele dará
numa pequena cidadela.
O segundo animal hesitou por um momento, volvendo um olhar de terno
espanto para aqueloutro trânsfuga.
– Posso lhe dar todo esse dinheiro – antecipou-se o primeiro, chacoalhando
as moedas do bornal.
– Dinheiro? O que faz cativos os homens?
– Cativos?? É ele quem lhes compra a alforria! E lhes descerra a janela dos
sonhos.
– Com ele poderei comprar sonhos?
– Comprar? Não; com ele você poderá realizar cada um deles.
– Mas realizar um sonho é como matá-lo.
– ???... Ora!!! Nunca ouvi tão grande insanidade! Que dizes, néscio?!!
– Digo que passaste tempo demais com humanos – arguiu a besta, antes de
mergulhar no silêncio verdejante.
RIO BONITO
A vida, inclemente, flui compromissada
E calma, o poeta e o demônio em seu bojo.
Num repente, numa das curvas do pequeno centro
Um casarão antigo, um quintal fundeado:
Era a Melancolia me roubando um beijo.
Sísifo e Afrodite
Na fábula, dez anos após Zeus ter punido Sísifo com a missão de rolar
eternamente a enorme rocha montanha acima, apenas para vê-la despencar
do alto e ter que recomeçar a movê-la, Afrodite, entre curiosa e apaixonada
(e não é a paixão uma curiosidade exacerbada e mórbida?) disfarçou-se de
humana e, escondida de seu pai Zeus, veio ter com o herói ou derrotado
ladrão dos falsos deuses.
– Homem de grande força, gostaria de ter alguém para lhe acariciar nesta
noite, revigorando sua masculinidade enquanto você rola esta enorme
pedra? – perguntou, lânguida, a deusa vestida em tênues trajes.
– ... Não, minha bela jovem. Posso empurrar esta pedra por toda a
eternidade, se assim for necessário. Mas confesso que gostaria de ter
alguém, alguém que permanecesse para além de uma noite, e se assentasse
sob aquele pé de zimbro e dissesse, de quando em vez, com um sorriso terno:
"Você está indo bem, e eu estou aqui contigo. Continue."
Conta Homero ou Plutarco ou Borges ou mesmo Bolaño (pois a lenda perdeu-
se como a memória dos deuses quedos), que a deusa dúbia, sonsa e
fulminante, incapaz de constância, ou de oferecer TÃO POUCO, transmutou-
se à sua forma célica e, contrafeita e incendiada, tornou ao Olimpo, o Olimpo
dos frios vencedores.
SORORIDADE
Roubou coragem
Do livro santo,
Da mocinha da novela
Fugiu daquela casa,
Daquele cara
Sem mala sem mochila
Só uma sacola de
Supermercado
Cheia de segundas
Chances
O livro é um barco que te ensina a nadar.