1. espiral da
ANO xiI
fraternitas moviment
-
ternit
N.º
vimento
boletim da associação fraternitas movimento
N.º 42 JANEIR
ANEIRO
- JANEIRO / MARÇO de 2011
Ano novo,
vida nova Serafim de Sousa
VAMOS ENTRAR num período novo de atividade. O QUERO APROVEITAR para agradecer a todos de
ano de 2011 chegou e com ele vamos ter de nos enfrentar um modo geral a colaboração que deram, e em particular
com uma nova Direção. O nosso mandato está mesmo a aos que diretamente comigo trabalharam, servindo assim deste
terminar. Temos consciência de termos feito o melhor modoa Igreja em Portugal..
possível, dentro daquilo que esperavam de nós. Por isso vamos
partir de coração alegre, convencidos do dever cumprido. PRETENDO AINDA dizer um obrigado sincero a todo
Quero agradecer com toda a sinceridade a quem nos apoiou o grupo da Fraternitas pelo apoio que sempre neles encontrei,
e nos ajudou a sermos fiéis ao lema do Fundador. Posso a simpatia e carinho que demonstraram, e a amizade que foi
garantir que na equipa que agora termina todos funcionaram uma constante, revelada não só nas presenças em grande
em bloco e nunca houve alguém que não emitisse a sua opinião número nos encontros e retiros como em todas as ocasiões
e não fosse ouvido com todo o respeito e aceitação das suas em que nos encontrámos, nos bons e nos menos bons
ideias. Estamos contentes e felizes por termos podido resolver momentos.
os problemas que se nos foram deparando com toda a Com o ambiente criado só uma palavra tem toda a razão
dignidade e respeito por cada um. de ser, a entrega total de alma e coração às causas em que
acreditamos. Nós acreditámos e a missão foi cumprida com
a colaboração e boa vontade de todos. Estamos no bom
caminho.
O FUTURO A DEUS pertence. A Fraternitas tem de
continuar sempre com o mesmo espírito de servir a Jesus
Cristo e à sua Igreja, numa união perfeita, como a esposa
e o esposo, que se completam e se amam mutuamente. O
nosso chamamento deve-se exclusivamente a Ele que nos
achou dignos de O servir e nos deu os carismas que cada
um reconhece que só a Ele e ao nosso sim se devem. Temos
trabalhado na vinha do Senhor, conforme as circunstâncias
em que nos colocaram. Nada reivindicámos, mas pensamos
que podíamos ser mais aproveitados do que somos. “A
PENSO QUE toda a equipa continua mais ou menos seara é grande” e os operários são cada vez menos e mais
disponível para poder continuar a dar o seu contributo. Só o idosos. Até quando, Senhor, poderemos aguentar tanto
Presidente, por motivos de saúde, que já foi sobejamente desafio e ao mesmo tempo tanta teimosia em não analisar
explicada a muitos, não poderá continuar. Espero que todos os factos? Peço ao Senhor Jesus e ao Divino Espírito Santo
compreendam esta situação e não vejam qualquer outra que ilumine aqueles que têm o poder para decidir, que
intenção na atitude que tenho impreterivelmente de tomar. Já andem depressa e sem medo, pois o mundo precisa
fiz muitos contactos e temos gente muito capaz de assumir o urgentemente do esforço de todos. E nunca seremos de
meu lugar, sem quebras de continuidade no espírito que sempre mais para tanto que há a fazer.
nos tem animado desde o primeiro momento.
2. REFLEXÃO
2 espiral
Celibato obrigatório dos presbíteros
O acidental na crise do essencial
O novo Cardeal Prefeito da Congregação para o Clero
em entrevista à Vida Nueva (n.º 2730, pág. 8), à
pergunta do jornalista sobre se pensava se deveria abrir-se
N ão é possível apresentar aos jovens o ministério
presbiteral vivido na conformação com Cristo pobre, obediente
e casto, dentro da condição matrimonial, como acontece noutras
um debate sobre a questão do celibato obrigatório dos Igrejas reconhecidas por Roma.
presbíteros respondeu: “É quase uma moda, desde há
cinquenta anos, agredir o celibato eclesiástico….Não é uma simples
lei eclesiástica, mas uma natural consequência da identidade do
O celibato eclesiástico obrigatório não faz parte
integrante da vocação para o sacerdócio, como de
resto foi entendido e praticado pela Igreja Católica
sacerdote e do seu ser conformado com Cristo pobre, praticamente até ao Concílio de Trento, no século XVI. O
obediente e casto. O debate sobre o celibato deve realizar-se celibato, dom ou carisma, não pode ser imposto pela lei da
aprofundando as suas razões e reforçando a convicção de Igreja, mas reconhecido, recebido e agradecido como tal.
que não é um obstáculo ao florescimento das vocações. Não
devemos trair os jovens rebaixando os ideais, mas antes ajudando-
os a alcançá-los.”
Y ves Congar, um dos teólogos do Vaticano II, também
ele depois cardeal, afirmava, já na década de 1950:
«Évidemment, évidemment il faut des prêtres mariés en
Amérique Latine.» Já em Fevereiro de 1970, Joseph Ratzinger,
então com 42 anos e professor na Universidade de
Regensburg, num documento dirigido à Conferência
Episcopal Alemã e assinado conjuntamente por outros
teólogos de enorme envergadura, como Karl Rahner, Otto
Semmelroth e Walter Kasper, afirmava: «As nossas reflexões
apontam para a necessidade de uma revisão urgente e um
tratamento diferente da regra do celibato, tanto pela Igreja
alemã, como pela Igreja mundial.» E neste documento é ainda
manifestada «preocupação com o facto de o celibato
obrigatório afastar candidatos ao sacerdócio.»
N ão deixa de ser curioso e merecedor de reflexão que
Bento XVI – Joseph Ratzinger – no já best-seller «Luz
do Mundo» (2010), ao ser confrontado pelo jornalista:
«Actualmente há bispos que aconselham a desenvolver mais
imaginação e um pouco mais de generosidade para se poder
É nestes termos que uma personalidade com tais e
tamanhas responsabilidades na Igreja se pronuncia
sobre a questão da disciplina do celibato dos presbíteros. Sua
tornar possível, paralelamente ao sacerdócio celibatário, o
serviço de homens casados como padres», responda nestes
termos: «Que haja bispos que, na confusão do tempo actual,
Eminência acha que é uma moda agredir desde há cinquenta pensem sobre isso é algo que consigo compreender. Difícil
anos esta norma disciplinar da Igreja Católica Romana. E será dizer como funcionaria uma justaposição desse tipo…»
mais, acha o celibato obrigatório uma natural consequência
da “identidade do sacerdote e do seu ser conformado a Cristo
pobre, obediente e casto” – formulação que sabemos aplicar-
N ão há muitos dias, parlamentares alemães
apresentaram à Conferência Episcopal do seu país
um documento em que manifestavam tristeza pelo facto de
-se, sim, à condição dos religiosos, com votos de pobreza, de cada vez mais comunidades cristãs viverem o domingo sem
obediência e de castidade. P arece que sua Eminência tem Eucaristia e solicitavam a revisão da lei do celibato obrigatório
medo de um debate aberto e clarificador sobre o celibato por a considerarem obsoleta e contrária ao reconhecimento e
obrigatório, debate que aprofunde a sua razão de ser para lá à importância dos ministérios que o Espírito suscita nas
de qualquer preconceito ou tabu e num clima de docilidade comunidades locais. A CE respondeu protelando a
e serviço à Igreja que somos. Tem medo desse debate e consideração desse problema “para os próximos anos”.
está em boa e numerosa companhia. Onde e quando é que,
por exemplo, entre nós, se debateu, abertamente, a questão
do celibato obrigatório?
N ão pode deixar de nos espantar este ziguezague e
indecisão da hierarquia na Igreja Católica Romana.
Manter a disciplina do celibato obrigatório não será
A inda não é possível apresentar aos jovens o celibato
como dom ou carisma e não como condição para
aceder ao presbiterado.
condicionar pela lei a vocação do serviço nas comunidades,
vocação essa, sim, dom de Deus ao seu Povo?
A. Teixeira Coelho
3. DOCUMENTO
l
espiral 3
Igreja 2011: uma ADESÃO
necessária
A 3 de Fevereiro passado,
o jornal alemão Süddeutsche Zeitung publicou um
manifesto de 143 teólogos alemães, suíços e
austríacos. O documento teve ampla repercussão na
imprensa mundial. Publicamos a íntegra do
Manifes
est tradução Dischinger.
Manif es to. A tr adução é de Benno Dischinger.
P assou-se quase um ano desde que foram tornados
públicos casos de abusos sexuais com crianças e
adolescentes da parte de padres no colégio Canisius de Berlim.
Seguiu-se um ano que lançou a Igreja Católica na Alemanha
numa crise sem precedentes. A imagem que hoje aparece é
ambivalente: começou-se a fazer muito para garantir justiça
às vítimas, enfrentar a injustiça e descobrir as causas dos abusos,
a dissimulação e a dupla moral nas próprias fileiras. Em muitos
cristãos e cristãs responsáveis, com ou sem encargos, após a
perturbação inicial cresceu a convicção de que são necessárias
profundas reformas. O apelo a um diálogo aberto sobre as
estruturas de poder e de comunicação, sobre a forma do
ministério eclesial e a participação responsável dos fiéis, sobre Só através de uma comunicação aberta a Igreja pode
a moral e sobre a sexualidade despertou expectativas, mas reconquistar confiança. Somente se a imagem que a Igreja tem
também temores: deita-se fora uma oportunidade, talvez a de si e a imagem de Igreja que os outros têm dela não
última, de superação da paralisia e da resignação, evitando divergirem, ela terá credibilidade. Dirigimo-nos a todos aqueles
enfrentar os problemas ou subvalorizando a crise? A que não renunciaram a esperar por um novo início na Igreja e
preocupação por um diálogo aberto sem tabus não é para se empenham neste sentido. Assumimos como nossos também
todos suspeito, e em particular não o é, se é iminente uma os sinais de adesão e de diálogo que alguns bispos propuseram
visita do papa. Mas a alternativa seria um silêncio sepulcral, nestes últimos meses em discursos, pregações e entrevistas.
porque as últimas esperanças têm sido destruídas e
simplesmente não pode ser assim. A Igreja não é um fim em si mesma. Ela tem a
missão de anunciar a todos os homens o Deus de
A profunda crise da nossa Igreja exige discutir também
sobre aqueles problemas que à primeira vista não
têm relação direta com o escândalo dos abusos e com a sua
Jesus Cristo que liberta e que ama. Ela só pode fazê-lo se ela
própria for um lugar de um testemunho fidedigno do anúncio
de liberdade do Evangelho. O seu falar e o seu agir, as suas
plurianual cobertura. Como professores e professoras de regras e as suas estruturas – toda a sua relação com os homens
Teologia não podemos continuar calados. Sentimos a no interior e no exterior dela – derivam da exigência de
responsabilidade de contribuir para um autêntico novo início: reconhecer e favorecer a liberdade dos humanos enquanto
2011 deve tornar-se um ano de proctividade e reconversão criaturas de Deus. Absoluto respeito por cada pessoa humana,
para a Igreja. No ano passado tantos cristãos, o que jamais atenção à liberdade de consciência, empenho pelo direito e
ocorrera antes, deixaram a Igreja Católica e apresentaram à pela justiça, solidariedade com os pobres e os oprimidos: são
autoridade da Igreja a desistência da sua pertença ou estes os parâmetros teológicos fundamentais, que derivam do
privatizaram a sua vida de fé para a defender da instituição. empenho da Igreja pelo Evangelho. Deste modo concretiza-
A Igreja deve entender estes sinais, para sair ela mesma de -se o amor a Deus e ao próximo.
certas estruturas fossilizadas e para reconquistar nova força
vital e credibilidade. A orientação para o anúncio público de liberdade
implica uma relação diferenciada perante a sociedade
N ão se conseguirá promover a renovação das
estruturas eclesiais num angustiado isolamento da
sociedade, mas somente com a coragem da autocrítica e com
moderna: de certo ponto de vista, ela é mais profunda em
relação à Igreja, quando se trata do reconhecimento da
liberdade, da maturidade e da responsabilidade; nisto a Igreja
o acolhimento de impulsos críticos – também do exterior. pode aprender, como já o sublinhara o Concílio Vaticano II.
Isto faz parte das lições do último ano: a crise dos abusos Sob outro ponto de vista, é inelutável a crítica que deriva do
não teria sido reelaborada de modo tão decidido sem o espírito evangélico perante esta sociedade, por exemplo,
acompanhamento crítico desenvolvido pela opinião pública. quando as pessoas são julgadas somente segundo as suas
4. documento
4 espiral
5
prestações, quando a solidariedade “queimados” [pelo excesso de tarefas] Reconciliação: a solidariedade
recíproca for espezinhada ou quando a e acabam exaurindo-se. Os fiéis com os pecadores pressupõe
dignidade dos seres humanos não for permanecem distantes se não lhes for que se leve a sério o pecado no
reconhecida. dada a confiança de assumirem uma próprio interior. Um pretensioso
N o entanto, vale em todo o caso
o que segue: o anúncio de
liberdade do Evangelho constitui o
corresponsabilidade e de se sentirem
partícipes em estruturas democráticas na
direção das suas comunidades. O
rigorismo moral não é adequado à
Igreja. A Igreja não pode pregar
reconciliação com Deus sem procurar
parâmetro para uma Igreja fidedigna, ministério eclesial deve servir à vida das ela própria no seu agir os pressupostos
para o seu agir e a sua imagem social. suas comunidades – e não o contrário. para a reconciliação com aqueles em
Os desafios concretos com que a Igreja A Igreja também necessita de padres relação aos quais se tornou culpada por
deve confrontar-se não são, de fato, casados e de mulheres em serviço violência, violação do direito, inversão
novos. E, no entanto, não são visíveis eclesial. do anúncio bíblico de liberdade, numa
3
reformas que considerem o futuro. É Cultura do direito: o moral rigorosa privada de misericórdia.
6
necessário levar em frente um diálogo reconhecimento da dignidade Celebração: a liturgia vive da
aberto sobre isto nos seguintes âmbitos e liberdade de todo o ser participação ativa de todos os
de problematicidade: humano mostra-se precisamente quando fiéis. Nela devem encontrar
1
Estruturas de participação: em os conflitos são enfrentados de modo espaço as experiências e as formas atuais
todos os campos da vida equânime e com respeito recíproco. O de expressão. A celebração não deve
eclesial, a participação dos fiéis direito eclesial só merece este nome se enrijecer-se num tradicionalismo. A
é a pedra de toque para a credibilidade os fiéis puderem fazer valer efetivamente multiplicidade cultural enriquece a vida
do anúncio de liberdade do Evangelho. os seus direitos. A defesa do direito e a litúrgica e não pode conciliar-se com as
Conforme o antigo princípio jurídico: cultura do direito na Igreja devem ser tendências por uma unificação centralista.
“O que diz respeito a todos, deve ser urgentemente melhoradas; e um Somente quando a celebração da fé
decidido por todos” são indispensáveis primeiro passo nesta direção é a criação acolher situações concretas de vida o
mais estruturas sinodais em todos os de uma jurisdição administrativa eclesial. anúncio da Igreja atingirá as pessoas.
4 O
níveis da Igreja. Os fiéis devem ser Liberdade de consciência. processo de diálogo eclesial
tornados participantes na escolha de Respeito pela consciência iniciado só pode conduzir à
importantes “representantes oficiais” individual significa confiar na libertação e à mudança se todas as partes
(bispos, párocos). O que pode ser capacidade de decisão e de envolvidas estiveram prontas para
decidido localmente deve ali ser responsabilidade das pessoas. Favorecer enfrentar os problemas impulsores.
decidido, e as decisões devem ser e desenvolver esta capacidade é também Trata-se de procurar, numa livre e
transparentes. tarefa da Igreja – mas não deve equânime mudança de argumentações,
2
Comunidades: as comunidades transfor mar-se em personalismo. as soluções que conduzam a Igreja para
cristãs devem ser lugares nos Reconhecer seriamente a liberdade de fora de sua paralisante auto-referen-
quais as pessoas compartilhem consciência é algo que tem a ver com o cialidade. À tempestade do ano passado
bens espirituais e materiais. Mas, âmbito das decisões pessoais sobre a não pode seguir nenhuma paz! Na atual
atualmente, a vida comunitária está em vida e o das formas de vida individual. situação ela só poderia ser uma paz
declínio. Sob a pressão da falta de padres A alta consideração da Igreja pelo sepulcral. O medo jamais foi bom
são construídas unidades administrativas matrimónio e pela forma de vida sem conselheiro em tempos de crise. Cristãos
sempre maiores – “paróquias extra- matrimónio está fora de discussão. Mas e cristãs, sejamos exortados pelo
amplas” –, nas quais quase não podem ela não impõe que se excluam as pessoas Evangelho a olhar com coragem para o
ser vivenciadas a vizinhança e a pertença. que vivem responsavelmente o amor, a futuro e – movidos pela palavra de Jesus
É posto fim a identidades históricas e a fidelidade e o cuidado recíproco numa – a caminhar como Pedro sobre as
redes sociais particular mente união homossexual, ou como águas: “Porque tendes medo? É tão
significativas. Os padres são divorciados redesposados. pequena a vossa fé?”
5. reflexão
l
espiral 5
«Ideias já reno
enov
U ma r enovação
indispensáv
indispensáv el
debatidas»
O secretário da Confeência Os 143 professores de Teologia Os teólogos insistem que a Igreja
Episcopal Alemã, o jesuíta Hans que subcreveram o Manifesto em que deve reconhecer e fomentar a liberdade
Langendörfer (foto em cima), fez exigem reformas na Igreja católica do homem como criatura de Deus,
saber do desacordo dos bispos com representam um terço dos teólogos respeitar a consciência livre, defender o
o manifesto subscrito por 143 católicos de fala alemã residentes na direito e a justiça e criticar as
teólogos alemães, suíços e austriacos, Alemanha, Suíça e Áustria. As suas manifestações que depreciam a
e disse que são “ideias com frequência propostas incluem o fim do celibato dignidade humana. E apontam desafios,
já debatidas”, numa nota difundida a obrigatório, a presença qualificada das que incluem maiores estruturas sinodais
4 de Fevereiro, um dia após a mulheres na vida eclesial e a participação em todos os níveis da Igreja e a
publicação do Manifesto. popular na escolha de bispos. participação dos fiéis na escolha dos seus
Os teólogos pedem o sacerdócio O documento foi publicada no jornal bispos e párocos.
casado, a presença das mulheres nos Süddeutsche Zeitung, que destacou o O Manifesto retoma a afirmação
ministérios eclesiais e a participação fato de que o número de teólogos já feita de que a Igreja Católica necessita
popular na eleição dos bispos. O subscritores seria maior se muitos não também de sacerdotes casados e de
episcopado alemão, além de expressar temessem represálias da instituição. mulheres nos ministérios eclesiásticos,
o seu desacordo, pediu mais O manifesto «Igreja 2011 - a adesão denuncia que a falta de sacerdotes força
aprofundamento sobre os temas. necessária» (“Ein notwendiger a exigência de paróquias cada vez
O padre Hans Langendörfer Aufbruch”) lembra a Declaração de maiores e lamenta que os sacerdotes
reconhece a importância do diálogo Colônia, assinada por 220 teólogos em sofram desgastes diante destas
com o mundo teológico, mas refre 1989, no papado de João Paulo II. circunstâncias.
que “o documento recolhe Judith Könemann (foto em baixo), O documento enfatiza que a defesa
essencialmente, e uma vez mais, ideias professora de Teologia em Münster, legal e a cultura do direito na Igreja
debatidas com frequência”. destacou que o amplo eco que o devem melhorar urgentemente e
Manifesto teve demonstra que “tocaram argumenta que a elevada valorização do
um ponto nevrálgico”. Ela é uma das matrimónio e do celibato supõe excluir
oito pessoas que redigiram o Manifesto, pessoas que vivem o amor, a fidelidade
ao qual se somaram professores e a preocupação mútua numa relação
eméritos da envergadura intelectual de estável de casal do mesmo sexo ou
Peter Hünermann e Dietmar Mieth, como divorciados recasados.
labutadores por reformas como Os teólogos desconstróem a
Heinrich Missalla e Friedhelm suposta autoridade de Roma e criticam
Hengsbach, progressistas como Otto o rigorismo da Igreja Católica, insistindo
Hermann Pesch e Hille Haker, e até que não se pode pregar a reconciliação
conser vadores como Eberhard com Deus sem criar as condições para
Schockenhoff. uma reconciliação com aqueles diante
Tendo como pano de fundo a crise dos quais é culpada: por violência, por
até então incontornável dos escândalos negar o direito, por converter a
de pedofilia em dioceses e paróquias mensagem bíblica de liberdade em uma
católicas ao redor do mundo, o moral rigorosa sem misericórdia.
Manifesto elogia o chamamento dos E concluem denunciando a prisão
bispos a um diálogo aberto. Pragmá- do pavor institucional diante do
ticos, os subscritores dizem-se na rebanho, exigindo diálogo, observando
responsabilidade de dar uma contributo que o medo não é bom conselheiro,
para um novo começo real, assumindo recordando que os cristãos foram
a tese central de que a Igreja Católica só chamados pelo Evangelho a olhar com
pode anunciar o libertador e amante valor para o futuro, como no
Deus Jesus Cristo, quando ela mesma chamamento de Jesus a Pedro para
for um lugar e um testemunho crível da caminhar sobre as águas: ‘Por que estás
mensagem de libertação do Evangelho. com medo? A tua fé é tão pequena?’
6. reflexão
6 espiral
Manifesto dos teólogos alemães, suíços e austríacos
«O debate é elemento constitutivo da vida social»
«O apelo dos teólogos alemães insiste na
mensagem libertadora do Evangelho.
A força dessa mensagem leva-os a superar os PONTOS DISSONANTES
limites criticar, Evangelho,
limites da Igreja e a criticar, em nome do Evangelho, Encontro inexatidões graves na resposta da Rádio Vaticano:
uma sociedade que julga o ser humano a partir do 1) Ela sublinha que, entre as petições dos signatários, figura
seu desempenho e despreza a dignidade do “a supressão do celibato sacerdotal”. Não é verdade. Pelo
homem.» contrário, os teólogos dizem precisamente que “a alta
A opinião é de Jean Rigal, sacerdote francês da consideração em que a Igreja tem o matrimónio e o celibato
diocese de Rodez e teólogo, autor de vários livros não está em discussão”. Todavia, eles evocam a possibilidade
sobre a Igreja e sobre o futuro dela (o seu último
de confiar “um ministério eclesiástico” aos homens casados,
livro é “Ces Questions qui Remuent les Croyants”,
o que é um modo para enfatizar que não se deve confundir
Lethielleux, Janeiro de 2011).
Est texto foi www.baptises.fr
.baptises.fr.
Es te t e xto f oi publicado no sítio www.baptises.fr. estado de vida e ministério.
A tradução é de Anete Amorim Pezzini. 2) Contrariamente ao que diz a Rádio do Vaticano, os
teólogos não falam do “sacerdócio para as mulheres”, mas
da necessidade de confiar às mulheres os “ministérios
O s meios de comunicação têm difundido o
“manifesto” de 143 teólogos de língua alemã
(alemães, suíços, austríacos). Já foi dito que o último
eclesiásticos”, o que não inclui necessariamente o presbiterado.
Sabe-se que, na Igreja Católica, o problema do diaconato
movimento desse tipo foi a Declaração de Colónia, em 1989. feminino permanece em aberto e, em sentido mais amplo, o
subscrita por 220 teólogos. Todavia, já em 1968 foi publicada do ministério confiados aos leigos (homem ou mulher), como
uma declaração de 38 teólogos que reivindicavam “a liberdade preconizava o Papa Paulo VI (Ministeria Quædam, 1972) e
dos teólogos e da Teologia a serviço da Igreja resgatada pelo como confirma o Catecismo da Igreja Católica (n.° 1143).
Concílio Vaticano II”. Aquela declaração foi assinada por Desagrada que Bento XVI não tenha dado seguimento à
eminentes teólogos, entre os quais Yves Congar, Walter Kasper, proposta 17 do último Sínodo dos Bispos que auspicava a
Joseph Ratzinger. criação do ministério instituído de “leitor” para as mulheres.
O tom do documento é vibrante, mas respeitoso. Dirige-
se à Igreja, e não apenas ou principalmente para as autoridades
romanas, ainda que Bento XVI seja esperado na Alemanha A segunda parte da Declaração diz respeito ao
funcionamento da Igreja. Deplora a ampliação das
paróquias em termos de simples expansão das estruturas atuais.
em Setembro próximo, circunstância que não é fortuita.
Imaginamos as consequências disso: o esgotamento dos padres
PONTOS CONCORDANTES e a resignação dos fiéis. Sem dúvida, esse ponto será retomado
Vários temas importantes, em acordo entre os teólogos e na próxima Assembleia plenária da Conferência Episcopal
a voz oficial do Vaticano («Osservatore Romano», «Rádio Alemã.
Vaticano») merecem ser observados: O documento fala também sobre o delicado problema
1) Há uma crise profunda na Igreja Católica na Alemanha: dos casais homossexuais e dos divorciados que contraíram
“o número de fiéis que deixaram a Igreja é sem precedentes”; novas núpcias. Os teólogos pedem para não “excluir aqueles
2) O medo é mau conselheiro. Os teólogos insistem sobre que vivem de maneira responsável o amor, a fidelidade, a
a necessidade de um percurso de diálogo, aberto “ao debate atenção recíproca dentro de um casal do mesmo sexo ou
livre e honesto das questões”. Evocam uma velha máxima dos divorciados que casaram novamente”. Esse problema
medieval que afirma: “O que diz respeito a todos deve ser poderia ser retomado pela Assembleia dos Bispos alemães.
discutido e decidido por todos”. Observe-se que o nosso Vivemos em 2011, numa época em que o debate é
Código de Direito Canónico continua a prescrevê-lo em parte: elemento constitutivo da vida social. Entre cristãos, o debate
“O que toca a todos como indivíduos, deve ser aprovados deve certamente ter lugar na comunhão da Igreja, mas não é
por todos” (C. 119, 3). Desapareceu o conceito de debate. proibido o vigor das afirmações. Tanto mais que muitos
3) Na sua resposta, os bispos alemães expressaram a questionamentos não parecem ser levados em consideração.
opinião de que “o documento dos teólogos é um sinal A ausência do debate mata a criatividade. E Deus sabe
positivo, porque demonstra o desejo de os signatários que necessitamos de criatividade, no nosso tempo, à luz e
oferecerem sua própria contribuição ao diálogo sobre o futuro com a força do Espírito.
da fé e da Igreja na Alemanha. Os bispos reestabeleceram a Talvez essa certeza de fé pudesse inspirar, um dia, a
palavra “contribuição” usada pelos teólogos. É um bom concentração de teólogos numa declaração coletiva, ao serviço
augúrio. da Igreja.
7. reflexão
l
espiral 7
Iniciativa dos teólogos : renovação ou demolição
efle
lexão Hauke, professor Patrística Faculdade Teologia
R ef lexão polémica de Manfred Hauke, prof essor de Patrís tica e Dogmática na Faculdade de Teologia de
vice-diret Revista Teológica Lugano, ZENIT,
L ugano e vice-dire t or da Re vis ta Teológica de L ugano, na agência ZENIT, sendo os subtítulos da
«Espiral». Munst 17 teólogos,
responsabilidade do «Espir al». Porque a maioria dos signatários é da faculdade de Muns t er - 17 t eólogos,
incluindo o decano Klaus Muller - ele chama ao Manifesto «Declaração de Munster (DM).
Os teólogos querem fazer de 2011 um “ano de partida” Não se fala sequer sobre a exigência da conversão. Pelo
para que a Igreja possa sair de “estruturas fossilizadas”. contrário: deseja-se o reconhecimento, por parte da Igreja, da
Este “diálogo aberto” deve incluir seis “áreas de ação”: situação dos divorciados novamente casados, que vivem (nas
(1) São necessárias “mais estruturas sinodais em todos os níveis palavras de Jesus) em um estado de adultério (cf. Mc 10,11),
da Igreja”, sob o princípio: “O que afeta todos deve ser e mesmo os casais homossexuais, cuja prática sexual, de
decidido entre todos”. (2) A vida da comunidade necessitaria, acordo com os catálogos dos vícios no Novo Testamento,
para a sua condução, de estruturas mais democráticas (para a leva à exclusão do Reino de Deus (cf. 1Cor 6,10). Aqui não se
sua orientação). “A Igreja também precisa de padres casados vê a influência de um conhecimento teológico mais profundo,
e mulheres no ministério eclesial.” (3) Um primeiro passo mas sim uma perda de fé e de moral. Os elementos
para alcançar uma “cultura do direito” seria “a criação de fundamentais da doutrina apostólica são sacrificados devido
uma jurisdição administrativa” (ou seja, de tribunais a um pensamento que quer estar “a par” da situação atual. A
administrativos). (4) Com relação ao que chamam de petição de retirar a obrigação do celibato recorda os pedidos
“liberdade de consciência”, foi dito: “A alta estima do do Iluminismo tardio, superados há muito tempo por Johann
casamento por parte da Igreja (...) não exige a exclusão de Adam Möhler e outros protagonistas na renovação católica
pessoas que vivem responsavelmente o amor, a fidelidade e do século XIX. Nem mesmo aos ilustrados das Igrejas estatais
o apoio mútuo em uma união de pessoas do mesmo sexo da época josefinista, entretanto, teria ocorrido rebaixar os
[casais homossexuais] ou como divorciados recasados”. (5) valores do matrimónio cristão ou encorajar o concubinato
No espírito de “reconciliação”, seria preciso ir contra “uma homossexual. Inclusive o pedido de ter “mulheres no
moral estrita, sem misericórdia”. (6) A liturgia vive graças à ministério apostólico” é dirigido contra a origem apostólica
participação ativa dos fiéis e não deveria ser tão unificada de da Igreja, pelo menos quando se entende “ministério” no
maneira centralista. sentido do sacramento da Ordem. Recorde-se aqui a Carta
Apostólica de João Paulo II, Ordinatio Sacerdotalis (1994),
POLÉMICA 1: os teólogos instrumentalizam a crise na qual o papa sublinha que “a Igreja não tem absolutamente
Temos de dar a razão aos signatários da DM: a Igreja (de a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e
língua alemã) está a passar por uma crise profunda. esta sentença deve ser considerada definitiva por todos os
Por outro lado, muitas sugestões apresentadas pelos fiéis da Igreja”. O que se aplica a “todos os fiéis da Igreja”
teólogos signatários fazem parte desta crise e não podem vale, provavelmente de maneira mais forte, para os teólogos
favorecer a superação dos problemas. Os pedidos contidos que têm uma missio canonica.
no memorando são, em boa parte, pedidos conhecidos,
procedentes dos anos 60 e 70 do século passado. Existe um OUTROS DESACORDOS
“passo adiante” nos esforços a favor da práxis vivida da Vamos lançar um breve olhar para outros pedidos, ainda
homossexualidade. O debate público sobre os abusos sexuais que não possamos dar aqui uma resposta exaustiva. Certamente
é instrumentalizado para empurrar uma Igreja enfraquecida é importante uma “participação” de todos os fiéis na vida da
para uma situação que se afasta da sua origem apostólica e se Igreja, mas esta participação não deve ser confundida com as
aproxima do protestantismo liberal. Segundo as estatísticas, o formas políticas da democracia. De acordo com a sucessão
percentual (deplorável) do abuso sexual pelo clero católico é apostólica, a Igreja é guiada pelo papa e pelos bispos. No
muito menor comparado ao que acontece nas estruturas início da Igreja, também os fiéis, muitas vezes, participaram
(comparáveis) do âmbito secular (por exemplo: famílias, da eleição de bispos por meio do seu testemunho e consen-
escolas, associações desportivas) e até mesmo com relação timento: mas estes fiéis foram preparados pelo testemunho
ao que se sabe dos pastores protestantes, casados, em sua dos mártires, na época das perseguições; não era a situação
maioria (cf. J. M. Schwarz, Kirche, Zölibat und de hoje, em que quase 90 % dos “católicos” alemães não vão
Kindesmissbrauch,www.kath.net, 3.2.2010). à missa no domingo e dependem quase que inteiramente da
influência da comunicação social, a qual, em sua maior parte,
POLÉMICA 2: faz o documento dizer o que não diz é decididamente desfavorável à fé católica. As eleições
Os teólogos da DM cometem um “abuso com o abuso” episcopais não eram decisões tomadas pelo povo, mesmo na
ao promover petições que certamente não podem combater Igreja antiga. Segundo o Papa Leão Magno, o bispo deveria
as causas que estão na base dos próprios abusos. Não se diz ser eleito pelo clero, aclamado pelo povo e ordenado pelos
que a castidade é necessária para uma verdadeira renovação. bispos da província, com o consentimento do Metropolitano.
8. reflexão
8 espiral
Opinião latino-americana
O teólogo João Batista Libânio, professor em Minas
Gerais, no Brasil, leu o documento e analisou as
O princípio jurídico citado pela DM vem originalmente do propostas. Resumindo, “A
propos tas. Resumindo, ele é enfático: “A tônica do
direito romano privado e foi interpretado em 1958 por Yves projeto do Papa e a do manifesto divergem.”
Congar, no sentido da recepção dentro da Igreja, mas não
como democratização do Magistério, nem do ministério de Com a experiência de quem presenciou “nítidos momentos
guia (Quod omnes tangit, ab omnibus tractari et approbari debet); no processo eclesiástico” da Igreja nas últimas décadas, Libanio
explicar o consentimento do povo de Deus como “decisão” ressalta que o manifesto “alude ao fato de que em 2010 ‘tantos
ou inclusive como base de “estruturas mais sinodais” é sinal cristãos deixaram a Igreja e apresentaram à autoridade da
de uma ideologização fora da História eclesial. Igreja a desistência da sua pertença ou privatizaram a sua vida
O que se afirma sobre a questão das “paróquias XXL” de fé para defendê-la da instituição, o que jamais ocorrera
refere-se a uma dolorosa realidade. A solução das dificuldades antes”. A constatação do êxodo cristão, entretanto, “não abala
não está em mudar as estruturas da Igreja, procedentes de a convicção do projeto de manter uma Igreja, embora
Cristo (como o sacerdócio ministerial reservado aos homens minoritária, mas fiel aos ensinamentos dogmáticos, morais e
e sua responsabilidade específica para a guia da comunidade). à prática disciplinar eclesiástica”, assinala.
Para organizar bem a vida das comunidades, é necessária a Para ele, Roma reforça a autoridade sobre as Igrejas locais
prudência pastoral e o compromisso de todos, mas não uma porque elas a solicitam. “A geração profética do porte de
laicização na pastoral das comunidades paroquiais. A Dom Helder deixou-nos ou já está envelhecida. E a nova
“liberdade de consciência” proclamada na DM separa safra eclesiástica revela outro corte”, lamenta.
claramente a consciência do sujeito da verdade objetiva à qual
a consciência se deve orientar. Não faz sentido aplicar a Quetionado sobre se concorda que a Igreja precisa ser
“liberdade de consciência” para aprovar os casais do mesmo reformada e quais seriam as reformas urgentes?,
sexo e o adultério. Newman falaria aqui de um pretendido responde: «Os anos permitem-me perceber três nítidos
“direito à voluntariedade” (Carta ao Duque de Norfolk). A momentos no processo eclesiástico das últimas décadas. Ainda
“misericórdia” na moral, mencionada sob a voz da conheci estruturas hieráticas no pontificado de Pio XII, que
“reconciliação”, não deve separar-se da necessidade de lançava a imagem do poder eclesiástico onisciente e
respeitar os mandamentos de Deus: Deus perdoa o pecador onipotente. Roma pronunciava-se sobre os mais diversos
sinceramente arrependido, mas dá-lhe a entender também assuntos e com a consciência de dizer verdades inquestionáveis.
(como Jesus à adúltera): “De agora em diante, não peques Não se percebia sinal de dúvida ou perplexidade. Isso acontecia
mais” (Jo 8, 11). com duplo efeito. Positivamente, oferecia aos católicos fieis
A petição da DM de integrar as “experiências e expressões enorme segurança sobre temas desde a Astronomia até à
da época contemporânea” na liturgia já tem o seu lugar intimidade da vida conjugal. Para aqueles que já tinham recebido
conveniente no atual ordenamento - por exemplo, na oração o impacto da modernidade liberal, democrática, marcada pela
dos fiéis e na homilia. O acolhimento de “situações concretas subjetividade, autonomia das pessoas, consciência história,
da vida” não deve obscurecer a importância da liturgia como práxis transformadora, tais declarações romanas produziam
glorificação de Deus, juntamente com toda a Igreja, que enormes dificuldades e mal-estar.
proporciona formas muito precisas para a expressão comum. Veio então João XXIII. Convoca o Concílio Vaticano II
Certamente, é preciso elogiar o “diálogo” dentro da Igreja. que inicia, com certa coragem, o diálogo da Igreja com a
Para um debate legítimo entre cristãos católicos, entretanto, modernidade. Usando a imagem da música “andante ma non
deve estar claro o pré-requisito presente na profissão comum troppo”, a Igreja caminha em direção ao repensamento
da fé católica. Diversos pontos da DM questionam essa base. doutrinal e pastoral, provocado pelos questionamentos
Os signatários da DM podem sinceramente apresentar a teóricos e práticos levantados nos últimos séculos. No entanto,
Professio fidei exigida como condição indispensável para ensinar, o tempo de aggiornamento não durou muito. Já no próprio
em nome da Igreja, nas faculdades de teologia? Os bispos Pontificado de Paulo VI, a partir de 1968, despontam sinais
responsáveis terão a coragem de insistir contra a dissidência de contenção e retrocesso. E depois a Igreja Católica mergulha
sobre o caráter eclesial da Teologia? A próxima visita do Santo num longo processo neoconservador que dura até hoje. As
Padre à Alemanha será uma grande oportunidade para uma inovações iniciadas no Vaticano II interromperam-se e outras
renovação na fé católica. O memorando dos 143 teólogos, não surgiram, exceto em um ou outro gesto ousado de João
porém, entristece: não oferece nenhuma contribuição para Paulo II, como a Oração pela Paz em Assis com os líderes
lançar-se rumo a um futuro cheio de esperança, mas sim uma das diferentes religiões do mundo. Ainda que o clima geral
demolição que põe em perigo o tesouro da fé eclesial. não fale de abertura, entretanto percebe-se-lhe a necessidade.
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9. reflexão
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espiral 9
À prgunta: Quais são as perspectivas e os desafios da a Igreja de Roma também lentamente afinar-se-á com ela. O
Igreja para esta segunda década do século XXI?, opina: processo se institui de ambas as partes simultaneamente em
Distingamos os níveis. No momento, ao nível das estruturas mútua relação e influência.
internas da Igreja não se veem perspectivas animadoras. Quanto mais a Igreja local marcar a originalidade, a
Durante o longo pontificado de João Paulo II, a Igreja liberdade, a autonomia, tanto mais Roma a reconhecerá. Se
Católica viveu o paradoxo, de um lado, de rasgos de abertura ela, porém, esperar para cada palavra que disser um sorriso
na prática do diálogo inter-religioso, na defesa dos direitos aprobatório de Roma, a liberdade se encurtará e a autonomia
humanos, na oposição a toda guerra enfrentando, inclusive, se dissolverá. Quem age sob o olhar de outro, termina
as pretensões americanas, na proximidade com o mundo dos condicionando-se de tal modo que perde a identidade.
pobres e, de outro, de enrijecimento doutrinal e disciplinar
interno. No horizonte, não se percebe que a Igreja enfrentará Como vê a atual internacionalização da Cúria
os novos desafios da cultura contemporânea por meio de Romana? Como propõe o Manifesto, a sociedade
mudanças internas, como fez, em parte, logo depois do Concílio deveria ajudar a escolher os representantes?
Vaticano II. Falta o clima de abertura, de otimismo e de J. B. Libânio – A internacionalização traz vantagens. Mas
profetismo para lançar-se em transformações profundas. Em não decide por si mesma. Acontece que a cor internacional
termos de hierarquia, reina, antes, um momento de silêncio, desaparece facilmente por homogeneização ideológica por
de prudência sem muita inspiração e lanço de coragem força da instituição. Se cada nação levasse para dentro da
inovadora. A geração profética do porte de Dom Helder Cúria Romana a própria originalidade e a conservasse em
deixou-nos ou já está envelhecida. E a nova safra eclesiástica contínuo diálogo com a predominante cultura europeia e
revela outro corte. romana, então a internacionalização causaria outro efeito.
No universo dos leigos, há sinais de esperança nas Bispos latino-americanos, africanos ou asiáticos que arribam
comunidades de base, na crescente participação consciente e a Roma se romanizam a ponto de não se distinguir muito
ativa das mulheres, no maior desejo de espiritualidade e dos outros. Outra coisa seria se as Igrejas locais se fizessem
Teologia, na vitalidade de novos ministérios, na criatividade presentes em Roma por meio dos seus representantes,
litúrgica, no acesso amplo às Escrituras pela via da leitura escolhendo-os e eles fazendo-se porta-voz delas. Mais: se elas
orante. Em algumas Igrejas locais, o povo de Deus anuncia mesmas decidissem na escolha dos ministros que as servem
algo de novo, desde que a clericalização não a prejudique. ou vetassem aqueles que não as satisfizessem. Assim
evitaríamos casos desastrosos que tivemos de bispos, párocos
Será que o Vaticano determina as Igrejas locais? ou pessoas em funções com detrimento da vida eclesial em
João Batista Libânio – Cícero disse que a História é vez de a construir, e os fieis tiveram de suportá-los calados e
“mestra da vida”. Lancemos um olhar para os últimos séculos sem poder de mudança. Certos aspectos da sociedade
a fim de entender a relação entre o Vaticano e as Igrejas locais. democrática não contradizem, teologalmente falando, a
Gregório VII, no século XI , deu a decisiva guinada da maneira de designar membros da hierarquia. A escolha pode
autonomia das Igrejas locais para o crescente poder de Roma. ser democrática, embora a conferição se faça pela graça do
Ele pautou o governo pontifício pelo dictatus papae, que ressuda sacramento.
centralismo, autoritarismo desmedido. O manifesto dos teólogos pondera a questão do
Esse longo processo de quase mil anos marcou uma linha isolamento da Igreja em relação à sociedade. Tal fato,
de comportamento em que Roma exerce imensa influência porém, não se entende na percepção pontifícia de modo
sobre as Igrejas particulares ou regionais. O Concílio Vaticano negativo, enquanto fechamento, mas como exigência de
II, com a colegialidade, tentou diminuir tal tendência, mas coerência com a própria mensagem a despeito da
com pouco resultado. Faz parte, portanto, da consciência incompreensão por parte da mentalidade moderna. Até onde
comum eclesiástica a dependência em relação a Roma. E a tal programa eclesiástico se afasta do reino anunciado por
dialética de dependência de uma parte pede o exercício de Jesus? É um tema grave que precisa de ser bem pensado e
domínio da outra. A criança que pergunta à mãe que meia discutido de ambos os lados. A tônica do projeto do papa e
vai calçar pede uma mãe cada vez mais absorvente que termina a do manifesto são divergentes. No primeiro caso, volta-se
ditando-lhe tudo. Assim na Igreja. Roma responde com para a Igreja e quer mantê-la na sua atual estrutura e, a partir
autoridade e reforça-a, porque as próprias Igrejas locais a daí, cumprir melhor sua função. No outro, propõe-se o projeto
solicitam e ficam à espera. A liberdade entende-se como de Jesus e pergunta-se como adequar as estruturas da Igreja a
relação entre duas liberdades. Não há liberdade de um lado ele. Pontos divergentes que geram leituras diferenciadas. Só o
só. Que o diga Erich Fromm no magistral livro «Medo da diálogo mostra o limite e a positividade de cada perspectiva.
liberdade». As análises que lá faz, baseadas na sua experiência O manifesto acentua: primeiro a liberdade individual e de
do nazismo, valem para toda a relação de submissão e de consciência e a partir dela a fidelidade. A atual disciplina
autoritarismo, onde ela se dê. No dia, porém, em que as Igrejas eclesiástica: primeiro a fidelidade à doutrina e à prática e aí
locais tomarem maior consciência de outra eclesiologia, então dentro a liberdade.
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10. DOSSIER
10 espiral
A Igreja e a mulher:
Por Eduardo Hoonaert, padre casado, belga, com
mais de 5O anos no Brasil, historiador e teólogo,
Emerge uma nova
Emerg nov
Mora Salvador
ador.
mais de 20 livros publicados. Mor a em Salv ador.
Dedica-se agora ao estudo das origens do consciência feminina
cristianismo.
Após séculos de silêncio e submissão, a mulher do século
Em agência Adital, 3 de Março de 2011.
XX finalmente dá sinais de rompimento com o passado. No
âmbito católico, é na década de 1940 que aparecem os
Uma longa história primeiros indícios discretos de que algo está a mudar no
Desde os inícios, o cristianismo histórico tem tido universo feminino: as mães já não mandam os filhos à missa
dificuldades em compreender o comportamento de Jesus dominical com a fidelidade de antes. Isso repercute
para com as mulheres. Diversos trechos dos Evangelhos imediatamente na Igreja, mas quase ninguém percebe o que
demonstram admiração, mas ao mesmo tempo deixam está a acontecer. Quando, em 1943, o padre Henri Godin, no
transparecer estranheza. Os próprios apóstolos não entendem seu livro «França, país de missão?», constata com amargura
o modo como Jesus aborda as mulheres. Pedro, um de seus que a França já não é o país católico de antes, ele não suspeita
mais próximos companheiros, não tolera que uma mulher que a mulher tenha algo a ver com essa ‘descristianização’. O
seja considerada apóstola em pé de igualdade com os homens, mesmo acontece com o sociólogo Gabriel Le Bras, que atribui
como se pode ler no evangelho apócrifo de Maria Madalena. o declínio na assistência à missa ao estilo de vida na grande
Por causa dessa e de outras dificuldades, o cristianismo cidade, à perda de fé e à secularização. Mas não fala da mulher.
histórico guarda uma memória precária e até deformada acerca E quando, nos anos 1960, se constata um rápido declínio de
do comportamento de Jesus diante das mulheres. vocações para o sacerdócio, também não se entrevê nisso a
Maria Madalena, a mais proeminente figura feminina do mutação na relação do vocacionado com a sua mãe. Os
Novo Testamento, é sistematicamente maltratada nos sermões primeiros estudos que apontam nessa direção são dos anos
da Igreja, até ser rebaixada à condição de prostituta e de 1990. É no silêncio do universo feminino que se opera a
pecadora arrependida. Essa criminalização simboliza na desconstrução da Igreja.
realidade o rebaixamento da figura da mulher em geral, na Mas no início dos anos 1960, no momento em que o
tradição cristã. Papa João XXIII pensa em convocar um concílio, de repente
Mas não é só a cultura cristã que desconsidera a mulher. A a ‘desobediência’ feminina ganha notoriedade: a pílula
maioria das culturas é igualmente preconceituosa nesse ponto anticoncepcional oral entra em cena e o seu sucesso é imediato.
e ficaria igualmente escandalizada com Jesus, que apreciava o A mulher verifica que os ritmos das energias procriativas do
perfume e o afeto de uma mulher e que insistia em que a seu corpo, se não forem controlados, dificultam a qualidade
memória da ternura de uma mulher fosse preservada «por de vida a que ela e a sua família aspiram. Os ciclos sempre
onde quer que o Evangelho fosse proclamado» (Mt 26, 12). repetidos da gravidez, do nascimento da criança, dos longos
Essa memória sempre encontrou resistência no seio do tempos dedicados ao recém-nascido, dos trabalhos na casa,
cristianismo histórico, como provavelmente encontraria na da preparação dos alimentos, dos cuidados como o marido
maioria das culturas. não deixam espaço para que ela se desenvolva plenamente,
Por que é que o Vaticano II desconhece a mulher? em Paris, onde ele foi núncio. O seu diagnóstico de que havia
desencontro entre Igreja e mundo moderno estava certo.
Sabemos que as mulheres não são convidadas a falar em Nisto, o Vaticano II fez um bom trabalho. O que lhe faltava
concílios ecuménicos. Mas elas interferem, isso sim, nos era ir ao âmago da questão. Não conseguiu identificar com
destinos dos concílios. Enquanto os bispos do Vaticano II clareza a ideologia heterónoma que caracteriza a igreja.
tentam compreender as razões da ‘descristianização’, elas atuam É de se compreender a razão. O universo imaginário da
na base, desatando laços seculares e desse modo esvaziando Igreja cristã provém em última análise da Bíblia, elaborada
as Igrejas. Enquanto os teólogos falam em secularização, num mundo dominado por estruturas heterónomas. O rei (o
ateísmo, consumismo, individualismo ou hedonismo, elas imperador) manda no povo, o senhor manda no escravo
introduzem comportamentos autónomos no seio do velho (trabalhador), o homem manda na mulher, o pai manda nos
mundo, marcado por séculos de heteronomia. Decerto, o filhos e Deus manda em todos (e todas). A vida toda é
Papa João XXIII sabia que as igrejas estavam a ficar vazias concebida em termos de heteronomia: há sempre um ‘outro’
11. DOSSIER
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espiral 11
um diálogo possível?
em contraste com o que acontece ao homem que, depois do
ato sexual, fica ‘liberto’. A mulher e o bispo
A Organização das Nações Unidas (ONU) aprova
oficialmente o planeamento familiar e declara que ele colabora A estas alturas é bom averiguar o que é realmente novo
com a saúde e o bem-estar da mulher, dos filhos e da família no comportamento da mulher que pratica o planeamento
(conferência do Cairo, 1994). Estamos diante da emergência familiar. O novo consiste no fato de que ela não já age impelida
de um pensamento autónomo, em contraste com o por uma vontade alheia, mas a partir de uma vontade própria.
pensamento heterónimo até então vigente. Elabora-se uma Ela está sintonizada com o pensamento moderno, que acredita
nova arquitetura do Estado com a finalidade de promover na auto-regulamentação das leis que regem o universo. A
saúde, educação, bem-estar das famílias, assim como percepção sempre mais clara da regularidade das leis internas
atendimento médico-hospitalar baseado na ideia da do universo resulta em atitudes de autonomia. Em
regulamentação dos nascimentos. «Eis uma revolução de consequência disso, a mulher inicia um novo relacionamento
dimensões planetárias» (Rose Marie Muraro, intelectual e com o seu próprio corpo. Verificando que o seu corpo
feminista brasileira). A ideia do planeamento familiar é uma responde a determinados estímulos químicos capazes de inibir
ideia genuinamente feminina que põe em movimento a maior a gravidez, por exemplo, ela adquire aos poucos e quase
revolução do século xx, uma revolução silenciosa que se imperceptivelmente um comportamento autónomo: ‘O
processa na intimidade das residências privadas, no diálogo axioma da autonomia está penetrando lentamente e quase
íntimo entre homem e mulher, longe dos púlpitos clericais, sempre de modo inconsciente em toda a cultura ocidental’.
das cátedras doutorais e dos foros públicos. Ao controlar a Ao programar a sua família, a mulher mexe com as
fertilidade, a pílula faz com que a mulher possa entrar no estruturas da sociedade e do instituto religioso. Mais: ao lutar
mercado de trabalho ao lado do homem. Doravante, o seu por uma família que desfrute de uma melhor qualidade de
corpo já não pertence à fatalidade dos ciclos da procriação e vida graças à regulamentação dos nascimentos, a mulher mexe
liberta-se aos poucos da vontade do homem. A pílula inaugura com a própria imagem de Deus. Ela esboça uma nova imagem
um tempo novo, não só para a mulher, mas para a sociedade de Deus, mais condizente com as leis da autonomia.
como um todo. As relações de género e trabalho Os progressos científicos a favor da vida revelam o santo
transformam-se em profundidade. «Quando dominado pelo mistério chamado Deus. Para essa mulher, o Deus eclesiástico
homem, o mundo é hierarquizado. Mas ele estabelece-se em vai se diluindo no horizonte enquanto emerge um Deus que
rede quando a mulher entra em cena» (Rose Marie Muraro). corresponde às leis internas e autónomas do universo e da
Uma vez que na mesma época se inicia o concílio Vaticano humanidade. Para ela, o que colabora para uma melhor
II, vale a pena perguntar-se se há interação entre ambas as condição de vida é santo. Na medida em que torna o mundo
iniciativas. O movimento em prol da libertação do corpo mais feliz, a pílula anticoncepcional é santa. Então, a mulher
feminino tem algo a ver com o ‘aggiornamento’ do Papa emancipada questiona a Igreja, como se pode verificar por
João XXIII? Será que os bispos reunidos em Roma tomam toda parte.
conhecimento do que está a acontecer no universo feminino Para os bispos, a passagem do pensamento heterónomo
e procuram entrar em diálogo com as mulheres? para o pensamento autónomo é bem mais complicada.
que manda. A vida humana está sempre em mãos alheias. A eterna. Deus por vezes aparece como senhor rigoroso e justo,
heteronomia constitui o mais antigo e durável modelo de outras vezes como pai amoroso que perdoa tudo. Mas sempre
convivência humana, que caracteriza regimes políticos, fica fora do mundo em que vivemos. Nos dois primeiros
económicos, sociais, culturais e psicológicos. versos da Bíblia aparece uma imagem nitidamente heterónoma
Na Bíblia, Deus aparece como um ser todo-poderoso, de Deus: de um lado, a luz, o sopro, a vida, do outro lado, o
santíssimo, sentado no trono celeste. Ele criou o universo em vazio, a solidão, a escuridão e a morte:
poucos dias e até hoje governa sua criação da mesma forma Primeiras palavras:
que um rei persa controla seus imensos territórios, guarda Deus cria o céu e a terra,
tudo que acontece numa memória infinita (melhor que a Terra vazia, solidão,
memória do computador mais potente) e julga tudo como o Escuro em cima do abismo
mais justo dos juízes. Ele premia o bem e castiga o mal, às Sopro de Deus
vezes aqui na terra, mas certamente após a morte, na vida Movimentos sob as águas (Gn 1, 1-2).
12. DOSSIER
12 espiral
Mesmo os que estão pessoalmente abertos à mudança dos questões concretas que envolvem aborto só podem ser
tempos permanecem enquadrados numa estrutura resolvidas por meio de ações baseadas no princípio da
fundamentada na heteronomia. Isso se verifica nas renovadas autonomia. A sociedade tem de se mostrar capaz de enfrentar
‘guerras santas’ em torno da questão do aborto. Tomemos o com realismo os problemas que se lhe apresentam. Não basta
caso paradigmático de Recife, em Março 2009. Quando dizer às mulheres que desejam abortar que elas têm de se
ocorreu numa clínica da cidade a interrupção da gravidez de entregar ‘às mãos de Deus’ e obedecer aos desígnios divinos.
uma menina de 9 anos, D. José Cardoso Sobrinho, na época O bispo José até pode sonhar com uma Igreja santa no meio
arcebispo da cidade, excomungou prontamente os médicos da devassidão do mundo e dos erros do século, uma cidadela
que praticaram o aborto na menina. Ele justificou o seu de Deus, como aquela descrita por Santo Agostinho na sua
comportamento, dizendo que estava a seguir as leis da Igreja. obra ‘A Cidade de Deus’. Mas esse sonho não corresponde à
Desse modo, o bispo recorreu à ideia da heteronomia. A realidade. O postulado da santidade da Igreja é uma
Igreja declara estar ‘a favor da vida’, contra ‘o cultivo da morte’, elaboração teológica do século IV, baseada na aproximação
mas não sabe como lidar com casos concretos relacionados da Igreja daquele tempo com o sistema imperial romano e
com aborto. nos métodos utilizados para impressionar as pessoas. Mesmo
Decerto, o bispo recomendou compaixão para com a assim, a imagem de uma Igreja santa, intocável e inquestionável
menina abusada pelo padrasto, mas não tinha nada a declarar ainda se mantém tão poderosa nos nossos dias que é capaz
acerca da existência de centenas de clínicas clandestinas de de seduzir bispos e mesmo o papa. Em suma, atitudes como
aborto no Brasil, que vitimam cada ano milhares de mulheres. as de D. José Cardoso criam inutilmente curtos circuitos que
Ele recomendou compreensão e preces pelas pobres mulheres dificultam a passagem do pensamento cristão para o mundo
que recorrem a tais clínicas, mas não podia ir além, pois as em que vivemos.
Como sair do curto-circuito? não há nada mais louvável do que uma sociedade que caminha
para a democracia e a liberdade. Todos os cidadãos estão
«A comunidade cristã é mais que a Igreja hierárquica. Ela é sujeitos à lei, nenhuma instituição está acima da lei civil.
plural, ou seja, composta de múltiplas comunidades cristãs e Em segundo lugar, não é bom dramatizar nem exacerbar
estas são igualmente muitas pessoas, cada uma com a sua os sentimentos. Palavras de guerra como ‘mentalidade
história, as suas escolhas e decisões próprias diante da vida. medieval’, ‘obscurantismo’, ‘fanatismo’ (de um lado) e
Urge que a teologia dos bispos saia de uma concepção ‘ateísmo’, ‘agnosticismo’, ‘abandono da fé’ (de outro lado) só
hierárquica e dualista do cristianismo e perceba que é na atrasam o processo. Lançam-se farpas de ambos os lados, o
vulnerabilidade às múltiplas dores humanas que poderemos que não leva a nada. Só por meio de estudos serenos e da
estar mais próximos das ações de justiça e amor» (Ivone percepção das verdadeiras dimensões do problema é que se
Gebara, teóloga). pode avançar. Pensar com liberdade não significa abandonar
Para a Igreja, não é fácil abandonar o universo imaginário a fé. Deixar de falar em reis e rainhas, senhores e santidades,
da heteronomia. Hoje não existe caminho fora do diálogo tronos e potestades não significa trair o Evangelho.
com a modernidade. Habilitar-se para tal diálogo implica, em Acompanhar a evolução das ciências, da política e da
primeiro lugar, numa atitude de autocrítica. sociedade de hoje não é o mesmo que deixar de ser cristão.
Durante longos séculos, a Igreja Católica dominou a cultura São Paulo não deixou de ser judeu quando escreveu: «Sim,
ocidental e ficou intocável. Há apenas cinquenta anos, na todos fomos imersos num sopro único, num corpo único,
abertura do Vaticano II, o domínio do pensamento católico Judeus ou Gregos, escravos ou livres, e todos vivemos
sobre as consciências ainda era tão poderoso que criticar um animados por um sopro único (1Cor 12, 13). Nesses versos,
representante da Igreja Católica era quase o mesmo que criticar São Paulo escreve que somos todos feitos do mesmo barro
o próprio Deus. A Igreja julgava-se superior a todas as demais humano e ao mesmo tempo animados pelo mesmo sopro
organizações. Mas, recentemente, quando apareceu a pedofilia de Deus, quer sejamos Judeus ou Gregos, homens ou mulheres,
praticada por padres, percebeu-se que a Igreja não é tão santa bispos ou fiéis, heterónomos ou autónomos.
como o papa e os bispos desejariam que fosse. Os padres são As mulheres que praticam o planeamento familiar são feitas
humanos (por vezes demasiadamente humanos), feitos de uma do mesmo barro que os bispos que as rejeitam. Não se pode
matéria comum a todos os seres humanos. dizer que o planeamento familiar seja uma questão de fé. Se
Diante da pedofilia, por exemplo, a mentalidade moderna durante séculos falámos de Deus em termos de heteronomia,
não suporta mais os métodos de intimidação, ocultamento e porque não será possível falar Dele hoje em termos de
manipulação que ainda eram aceites pelos nossos pais e avós autonomia? A modernidade religiosa consiste na passagem
num passado não muito distante. A nossa percepção do que para a imagem de um Deus que encontra a sua auto-expressão
deve ser uma sociedade democrática, igualitária e justa vai-se no universo em que vivemos. Na figura de um universo em
aperfeiçoando e um número crescente de pessoas acha que contínua gestação vislumbra-se o rosto de Deus.
13. fraternitas
fraternit
ternitas
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espiral 13
Encontro Nacional PROGRAMA
Curso de Actualização DO ENCONTRO
Teológica Dia 29 de Abril (6.ª-feira)
20h00 – Jantar, antecedido de acolhimento
Tema: VERBUM DOMINI, Exortação Apostólica de Bento XVI 21h15 – Informações.
sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja Diálogo sobre a(s) vida(s) na Fraternitas
22h00 – Descanso
ORIENTADOR: D. Gilberto Canavarro (bispo de Setúbal)
Dia 30 de Abril (sábado)
Lugar: Casa N.ª Sr.ª das Dores, Fátima 8h30 – Pequeno-almoço
9h00 – Laudes. Exposição do Santíssimo
Data: de 29 de Abril (ao jantar) a 1 de Maio (ao almoço) 10h15 – Intervalo
10h45 – Encontro e trabalho de grupo
Organização: Associação FRATERNITAS Movimento 13h00 – Almoço
15h00 – Encontro e trabalho de grupo
INSCRIÇÃO 16h30 – Intervalo
Deverá ser feita, através do secretariado, até 20 de Abril: 17h00 – Encontro e trabalho de grupo
Secretária: Urtélia Silva 18h15 – Plenário sobre os trabalhos de grupo
Rua Prof. Carlos Alberto Pinto de Abreu, 33, 2.º Esq. 19h00 – Vésperas e Eucaristia
3040-245 Coimbra 20h00 – Jantar
secretariado@fraternitas.pt 21h15 – Tertúlia fraternal
(Até às 21h15): Tel.: 239 00 16 05 ou Tlm.: 91 47 5 47 06
N.B: A Casa N.ª Sr.ª das Dores solicita a inscrição até 10 dias antes do Dia 1 de Maio (domingo)
dia da chegada. As desistências deverão ser comunicadas até ao dia anterior 8h30 – Pequeno-almoço
à chegada. Caso contrário, a organização suportará o pagamento de 90% 9h00 – Laudes
dos encargos do 1.º dia – almoço ou jantar e dormida.) 10h00 – ASSEMBLEIA GERAL
12h00 – Eucaristia, com ensaio prévio
FICHA DE INSCRIÇÃO (fotocopie e envie) 13h00 – Almoço
NOME ___________________________________________
Sócio n.º ____________ ou Não Sócio _____
Tlm _______________ E-Mail _________________________
ASSEMBLEIA GERAL
NOME ___________________________________________ CONV OCATÓRIA
CONVOCA
OCATÓRIA
Tlm _______________ E-Mail _________________________ Nos termos do Artigo 12.º dos Estatutos
MORADA _________________________________________ convoco todos os sócios da Associação
_________________________________________________ FRATERNITAS Movimento, para a
C. P. ______ – _____ ________________________________ Assembleia-geral a realizar no dia 1 de Maio de
2011 (domingo), pelas 10h00, na Casa Nossa
Estadia completa (2 diárias): _____ (sim ou não). Senhora das Dores, em Fátima, com a seguinte
Caso não seja completa: ordem de trabalhos: 1 – Apreciação e votação
Início e término: _________________ – ___________________ da acta da última reunião.
Adultos: ______ Crianças (idades): ________________________ 2 – Apresentação, apreciação e votação do
Obs.: Necessidade e tipo de dieta: ________________________ Relatório de Actividades e de Contas do ano de
Quarto próximo do elevador ___________________________ 2010. Leitura do Parecer do Conselho Fiscal.
3 – Apresentação, apreciação e votação do
TAXAS DE INSCRIÇÃO: Plano de Actividades e Orçamento para 2011.
Sócios: gratuita/Não Sócios: 5 euros/ por pessoa. 4 – Eleição dos titulares dos órgãos da
Diária por pessoa: - 35 euros (quarto individual / duplo ou triplo). Associação para o triénio 2011-2013.
- Gratuito – até aos 3anos (excl.) 5 – Outros assuntos.
- Meia diária (portanto 17,50 euros – 3 aos 12 anos (excl.). Se, à hora marcada, não houver quorum, nos
* Refeição – Almoço ou jantar: 10 euros; na meia-diária: 5,50 euros. termos do Artigo 15.º dos Estatutos a reunião
*1 dormida c/ peq.º alm.º: 17,50 euros; na meia-diária: 10,50 euros. terá lugar, meia hora mais tarde, com os sócios
*1 peq.º- alm.º ou merenda: 2 euros; na meia-diária: 1,80 euros. presentes.
* O pagamento far-se-á durante a estadia ao tesoureiro (Luís Cunha). O Presidente da Mesa da Assembleia,
N.B.: Que ninguém deixe de ir por dificuldades financeiras. Artur da Cunha Oliveira (2011-02-15).
14. FRATERNITAS
FRATERNIT
TERNITAS
14 espiral
PELOS MEANDROS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA
Livros dos associados da Fraternitas editados em 2009 e 2010
Vou olhando diariamente os livros dos associados (e “UM QUASE- PÉRIPLO À CAPADÓCIA”
não associados congéneres) dispostos na estante, Autor: Armando Marques da Silva (2010), Dezembro,
mesmo à minha direita. A maioria tão gentilmente Ed.Traduvarius.
oferecidos!...E fico a pensar: É muito pouco!... “Como se peregrino fosse…
“Um livro aberto é um cérebro que fala.
Não terá sido embriagado por vinho doce o autor desta
Um livro fechado é um amigo que espera.
narrativa surpreendente. Também não tenho escárnio para
Um livro esquecido é um irmão que perdoa.
Um livro destruído é um amigo que chora.” lhe oferecer, antes pelo contrário, actos das testemunhas da
(Voltaire) ventania do primeiro Pentecostes. (…) ‘Ninguém vem sem
Urtélia Silv
Urtélia Silva
ter de ir’ – eis a decisão que empurrou o narrador para o
percurso de memórias pessoais que desvenda, sem rebuço,
Recordo o que escrevi na altura do envio do último mesmo que tenha sempre à espreita a senhora da gadanha.
Espiral: “Tem sido grande a produção literária dos associados. Nunca uma doença masculina foi tão projecto de angústia…
O secretariado desejaria ‘inventariar’ tais obras, e ir anunciando Em cada página há um desfilar encantatório dos sítios onde
no Espiral. Para o próximo número, espero fazê-lo do período se cruzam enredos teológicos. E daqui não está arredada a
referente ao último biénio, pelo que solicito tal informação esponja larvar sobre as teofanias e despautérios de Adão. Ficam
dos que ainda não o comunicaram.” traços sobre os caminhos insinuantes das espiritualidades de
Vou então basear-me apenas nos dados dos livros que o Compostela (…) O humor adensa-se repentinamente em cada
secretariado dispõe, alguns escassos por que solicitados curva que persegue Capadócia, Património Mundial da
telefonicamente. Humanidade. (…) Ninguém mais exaustivo no encontro do
Coliseu de Roma (…). Fundamental a questão posta na Cidade
EM 2010 Eterna: será que da presente Wolksvagenização da Igreja
Católica ainda poderá renascer o cristianismo? O impensável
“CÓNEGO FILIPE DE FIGUEIREDO – UMA acontece antes que se conclua um literal e onírico périplo à
VIDA AO SERVIÇO DOS OUTROS / Homenagem Capadócia. E amor dialógico. Fica, entretanto, o aviso à
Vivencial da Fraternitas Movimento”, coordenado por Alípio navegação de que com coisas sagradas não se brinca, mesmo
Martins Afonso (2010). Edição e propriedade da Fundação que sejam divinices espanholas ou nacionais. Esta é a oferta
Cónego Filipe de Figueiredo, Estarreja. do génio do escritor que não pode ficar ocultado. Nem a
“A história da actual mudança eclesial em Portugal não mulher, amor todo-o-terreno. Em espaço inter-religioso e
deixará de registar o nome do Cónego Filipe de Figueiredo, intercultural” (p. 7, Manuel Villas – Boas).
o insigne cabouqueiro e patrono da Fraternitas, bem como o
nome dos primeiros Prelados que nos têm acompanhado,
secundando a autoridade moral e intelectual deste ‘santo´
sacerdote”. (p. 6, o autor – coordenador). “O SANTUÁRIO DE N.ª Sr.ª do NASO – HISTÓRIA
“Obra-prima e pedra angular da história do sacerdócio E DEVOÇÃO”, de António Rodrigues Mourinho (2010)
católico casado em Portugal”, contracapa, Antonieta e Artur Outubro, Ed. Tipalto.
da Cunha, presidente da Assembleia-geral da Associação; “A Senhora do Naso é invocada como a `Rainha dos
“Conheci de perto e admirei de longe este Homem de Mirandeses´, que lhe dirigem muitas preces e cantigas – as
Deus (…). Dizia muitas vezes: ‘Tenho um sonho’. E as obras `lhonas´ (loas).
nasciam. Porque os seus sonhos e projectos correspondiam à …Ah, mie Virge del Naso!
vontade de Deus e ao serviço dos irmãos. (…). Os Cumo Boí n~u hai ~eigual
documentos e testemunhos recolhidos neste ‘Memorial’ falam Pur Çamora i Salamanca
por si. E bem alto. Revelam ou sublinham que toda a vida do I até pur Pertual …”,
P.e Filipe foi um poema que ele próprio foi escrevendo, que em “Nossa Senhora de Portugal/Santuários Marianos”,
os seus admiradores conhecem e que os anjos cantam” (pp. 3 J.Gil e N. Calvet, 2003, ed. Intermezzo, p. 136;
e 4, D. Serafim Ferreira e Silva). e “A CÂMARA MUNICIPAL DE MIRANDA DO
Este livro pode ser adquirido através dos membros da DOURO NO PERÍODO DA I REPÚBLICA – 1910-1927
Direcção. Foi apresentado e lançado no dia 28 de Novembro, “, de António Rodrigues Mourinho (2010), Julho, ed. Tipalto.
dia do 7.º aniversário do seu abraço pleno com o Pai.