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Escritos Espirituais

AUGUSTO DE FRANCO

2013

1
Escritos Espirituais
Augusto de Franco, 2013.
Versão Beta, sem revisão.

A versão digital desta obra foi entregue ao Domínio Público.
Domínio Público, neste caso, significa que não há, em relação a versão digital desta
obra, nenhum direito reservado e protegido, a não ser o direito moral de o autor ser
reconhecido pela sua criação. É permitida a sua reprodução total ou parcial, por
quaisquer meios, sem autorização prévia. Assim, a versão digital desta obra pode ser –
na sua forma original ou modificada – copiada, impressa, editada, publicada e
distribuída com fins lucrativos (vendida) ou sem fins lucrativos. Só não pode ser
omitida a autoria da versão original.

FRANCO, Augusto de
Escritos Espirituais / Augusto de Franco. – São Paulo: 2013.
68 p. A4 – (Augusto de Franco 1)
1. Redes sociais. 2. Espiritualidade. 3. Augusto de Franco. I. Título.

http://www.augustodefranco.org

2
POR QUE ESCRITOS ESPIRITUAIS

Estes escritos espirituais recolhem quinze textos publicados por mim no
Facebook e na Escola-de-Redes no ano de 2013, que já vai acabando.
É preciso entender o sentido em que emprego a palavra "espiritual". Não
é na acepção religiosa de algo sagrado por oposição a profano, muito
menos na concepção espiritualista de folhetim de algo sutil em
contraposição ao denso, nem no sentido moral derivado de algo
necessariamente bom. Via de regra, o que se diz que é espiritual é ruim
mesmo e é, ademais, uma perversão, quando expressa o domínio de um
programa sacerdotal - e, portanto, de um poder hierárquico - sobre a vida
material dos seres humanos comuns: corpóreos, imperfeitos, que não
querem escapar da humanidade pela via do heroísmo ou da santidade.
Espiritualidade para mim é tudo que nos conecta à nossa humanidade,
que nos torna mais-humanos e não mais-que-humanos.
Dito isto...

São Paulo, 13-20 de novembro de 2013

3
SUMÁRIO

Por que a hierarquia é espiritual (13--16/02/2013)
Se eu fundasse uma religião (12/03/2013)
Nós somos as pessoas comuns (09/06/2013)
Reaprender a brincar (19/06/2013)
O barulho do sapo pulando na água (15/08/2013)
Varrendo para dentro? (28/08/2013)
Eu, caçador de mim (22/09/2013)
Imaginando o simbionte social (26/09/2013)
Passado, futuro, presente (27/09/2013)
Aviso (17/10/2013)
Empowerfulness (31/10/2013)
Rede não é religião (11/11/2013)
Méfiez-vous l'ironie (12/11/2013)

4
O que morre em nós enquanto vivemos (12/11/2013)
A bolha (13/11/2013)
P. S. Epigramas para um não-credo (14-20/11/2013)

5
POR QUE A HIERARQUIA É ESPIRITUAL

Recuperando trechos de comentários em conversações sobre hierarquia no
Facebook e na Escola-de-Redes de 13 a 16 de fevereiro de 2013

1 - Post de Augusto de Franco no Facebook replicado na Escola-de-Redes
Algumas pessoas não entenderam por que escrevi no livro Hierarquia
(2012):
"O processo chegará ao paroxismo quando, ao lado da igreja e de outras
organizações confessionais ou devocionais (seitas, associações religiosas,
sociedades,

irmandades,

fraternidades),

entrarem

em

cena

as

organizações esotéricas (como as maçonarias realmente clandestinas e as
organizações secretas de cunho iniciático, em especial as ordens religiosomilitares que ecoam tradições templárias, por meio das quais o programa
será instalado então na sua versão hard, quer dizer, na sua versão
profissional, para desenvolvedores)"
Mas nas recorrentes conversações sobre redes e hierarquias que ocorrem
aqui no Face, no Twitter e na Escola-de-Redes, isso tem ficado cada vez
mais claro. Há sempre uma metafísica influente orientando aquelas

6
pessoas que querem salvar a hierarquia de qualquer jeito. Quando a
conversação se adensa e quando esprememos os argumentos, não tardam
a surgir hipóteses sobre o caráter divino, sagrado, cosmogônico, da
hierarquia. Segundo tais alegações, a hierarquia entre os humanos seria,
no fundo, um "reflexo" (nas versões mais benevolentes, um reflexo
degenerado) de uma hierarquia "pura" (um poder sagrado, um princípio
sagrado) inerente à organização oculta do cosmos e da vida. Seria algo
assim "espiritual" (e os que dizem isso entendem que, por alguma razão, o
espiritual é superior ao material, et pour cause).
Outro dia fiz aqui um comentário jocoso sobre aquelas pessoas que
ficaram surpresas com o estupro coletivo na Índia. Elas estavam surpresas
porque não conseguiam entender como em um país com cultura tão
espiritualizada podia ocorrer tal barbaridade). Disse, provocativamente,
que foi por isso mesmo, porque a cultura era espiritualizada. Muita gente
não entendeu. E não entendeu porque fomos impregnados pela
mistificação de que o espiritual seria o bom e o material o mal, que o
espiritual, o sutil, o elevado, seria evolutivamente mais avançado do que o
material, o denso, o rebaixado. Ora, tudo isso faz parte da mesma
perversão do programa de controle daquilo que, metaforicamente,
chamei de "Matrix realmente existente". Sim, a hierarquia é espiritual
mesmo (para além de um sentido hegeliano do termo), e justamente por
isso é problema!
Aplicado assim, o conceito de evolução é também uma perversão
hierárquica. O mundo todo estaria organizado em uma escada (a Escada
de Jacob): nos degraus superiores (do mundo da emanação) teríamos

7
deus (ou as diversas qualidades do divino), nos degraus intermediários (do
mundo da criação) teríamos toda a hierarquia angélica (serafins,
querubins, tronos, dominações, potestades, virtudes, principados,
arcanjos e anjos) e também os seres humanos que se elevaram, que
evoluíram mais do que os outros. Em um mundo mais abaixo (o mundo da
formação) teríamos ainda parte dessa hierarquia angélica se manifestando
ocultamente na esfera da psique, no mundo dos sonhos e da magia. E
abaixo de tudo (no mundo do produzir) teríamos os miseráveis seres
humanos (também dispostos nos degraus da grande escada por graus
evolutivos: os mais espiritualizados acima dos mais materializados). O
esquema descrito acima (da Kabbalah, essa ideologia de professores
judaicos) é basicamente o mesmo em outras tradições espirituais,
espiritualistas e ocultistas. Alguns são mais refinados (mais "sutis", como
eles gostam de dizer), mas, em última instância, expressam o mesmíssimo
padrão.
Há sempre algum fragmento desse "DNA de desenvolvedor" nos
defensores da hierarquia. Mesmo quando essas pessoas nada têm de
religiosas (ou "espiritualistas"), elas precisam acreditar que existe uma
ordem pré-existente. Não suportam a ideia de que o universo seja criativo
e se crie à medida que avance. Não! Tem que haver uma ordem oculta,
primordial, primeva, que tudo organiza. É uma resposta conveniente à
desesperança diante da finitude da vida humana tomada como um
atributo individual.
A crença fica mais grave quando essas pessoas acreditam que existem
seres vivos que são "mais evoluídos" do que outros. Numa clara agressão

8
à biologia da evolução, pensam que um ser humano (como espécie
biológica) é mais evoluído do que uma bactéria. Claro que isso é um
absurdo de vez que todos os seres vivos são igualmente evoluídos na
medida em que todos os seres vivos descendem da primeira célula viva
surgida há 3,9 bilhões de anos. Mas a crença assume o caráter de
abominação quando algumas dessas pessoas começam a acreditar que
mesmo entre os seres humanos uns seriam mais evoluídos do que outros
(em geral dizem que uns são mais "espiritualizados", estão mais acima na
escada da evolução).
Percebam que há aqui um padrão.
Tenho concluído que não adianta esgrimir argumentos com essas pessoas.
Não adianta também apresentar evidências que corroborem hipóteses
aceitas pela ciência. Não adianta dizer que os pássaros que voam em
bandos não são liderados pelo que vai na frente. Não adianta dizer que as
colmeias não têm rainhas (no sentido sociológico-político do termo). Não
adianta dizer que os formigueiros não têm qualquer coisa que se possa
chamar de administração. Não adianta dizer que a incidência do machoalfa entre canídeos e primatas não significa hierarquia (porque hierarquia
é descentralização e não mando centralizado). Elas não querem saber de
ciência. Não se trata disso. Elas precisam acreditar.
Então os caminhos devem ser outros. Há tempos tenho tentado resolver
essas controvérsias propondo um acordo prático. Digo assim: você pode
acreditar no que quiser. Basta, para nos sintonizarmos na conversação,
que você concorde em não reproduzir comportamentos que impliquem

9
mandar nos outros (ou obedecer a alguém). Tudo bem? Do outro lado
ouço geralmente um silêncio que significa: espanto!
Sim, porque, no final é isso que importa. Ideias não mudam
comportamentos: só comportamentos mudam comportamentos. Se,
acreditando no que quiser, alguém concorda em não reproduzir
comportamentos para comandar e controlar os semelhantes (e de não se
sujeitar à obediência), beleza! Beleza?

2 - Comentário do Marcelo Maceo (que originou este post)
Beleza de texto Augusto de Franco! Gostaria de aprofundar com quatro
coisas.
1) Ao citar os tipos de organizações que gerariam um paroxismo ao tema,
você fala da maçonaria, mas parece se referir somente às "realmente
clandestinas". Discordo. A meu ver, isso ocorre com toda maçonaria, de
qualquer tipo e origem, que ainda teima existir nos dias de hoje. Por que
não ocorreria? A farinha é do mesmo saco, a estrutura de pensamento é a
mesma, e sua política de ação também.
2) Concordo com seu texto, o achei muito esclarecedor, mas sendo eu
uma pessoa que teve um "DNA de Desenvolvedor" (talvez com alguns
resquícios ainda, rsrsr), me pergunto qual foi o lado positivo de termos
mais de 5 mil anos de história e civilização baseada neste pensamento.
Houve algum aprendizado? Qual o valor deste passado para com o que
estamos falando hoje?

10
3) Pedir ao outro que não replique comportamentos de comando-controle
é eficiente? Não é mais fácil simplesmente agirmos dessa forma e esperar
que o nosso comportamento influencie a um, a outro, e logo todos
estamos "replicando" comportamento de redes mais distribuídas?
4) Ao citar a questão do macho-alfa, temos "porque hierarquia é
descentralização e não mando centralizado". O mando centralizado,
mesmo não constituindo hierarquia, não geraria comportamento e
replicações de comando-controle, ou poderíamos ter um mando
centralizado que, mesmo funcionando nesta topologia, não gerasse o
exercício de poder como descrito? O ponto em questão é a constituição
de uma topologia na forma de hierarquia ou as relações de poder
constituídas?
Valeu Augusto!

3 - Comentário de Carlos Boyle
Augusto, en todos estos textos tuyos sobre jerarquía parecería que están
escritos del lado bueno de algo malo, oscuro, oculto.
He estado investigando sobre servicios secretos, servicios de inteligencia y
llegé a esta página http://www.rand.org/pubs/monographs/MG126.html
(recomiendo bajar el sum resumen).

11
En esas páginas se explica cómo surgen los patrones en el caos de
información. Es como si esa desorganización estuviese organizada de
alguna forma y es preciso saber cómo interpretarla.
Finding the dots, linking the dots y understanding the dots, son los tres
procesos esenciales para entender como funciona cualquier cosa.
Lo interesante de esto es lo de secret, o secreto, poder leer los datos y
después apropiárselos esconderlos, hacerlos secretos, ese es el único
problema, hegemonizarlos.
Los puntos allí dispersos se gobiernan solos. ellos no son culpables.

4 - Resposta de Augusto de Franco a Marcelo Maceo
Marcelo Maceo, indo por partes, hehehe:
1) Você tem razão. Toda maçonaria é templária e, assim, é um servidor de
programas verticalizadores. No livro (lembre que esse trecho é uma
citação do livro) quis enfatizar que existem versões do programa ainda
mais "profissionais" (hehe, se se pode falar assim). Nas maçonarias mais
"profanas" (olha eu reincidindo também), estão disponíveis executáveis
com versões básicas. Nas outras, às quais me referi, você pode também
programar: o código é open (para os "aceitos", êpa!). Acho que você
entendeu.
2) Não sei qual o "valor" desse passado. Valor é o que valorizado por
alguém, certo? Por outro lado, como você também sabe, esse passado
12
ainda não passou (do contrário não estaríamos conversando sobre isso
aqui). A tradição é composta por ondas temporais que nos atingem
intermitentemente. É replicação de padrões para outras regiões de
tempo, não um conjunto de eventos pretéritos... Aprendizado, a meu ver,
com certeza está havendo (do contrário - novamente - não estaríamos
conversando sobre isso aqui). Do ponto de vista da hierarquia houve
ensinagem (reprodução) e por isso houve o que houve e continua
havendo! Lado positivo, entretanto, é uma pergunta que não cabe do
ponto de vista da aprendizagem (só da ensinagem): é como imaginar que
a experiência tenha servido a um propósito pré-existente, entendeu?
3) Pedir ao outro que não replique comportamentos de comando-econtrole não é eficiente. Oferecer o próprio exemplo individual, a rigor,
também não é muito eficiente (a palavra "eficiente" é ruim, mas vá-lá).
Eficiente é gerar ambientes onde tais comportamentos não incidam. Esses
ambientes são redes (mais distribuídas do que centralizadas), quer dizer,
são emaranhados pessoais.
4) Sim, hierarquia é descentralização. Por isso postei lá no Face, no
domingo, o seguinte: "Por que hierarquia = centralização. Quando falamos
de rede genericamente fica implícito que estamos tratando de topologias
mais distribuídas do que centralizadas: mais próximas do diagrama (C). O
diagrama (B) - desenhado a mão pelo próprio Baran (1964), no famoso
texto "On distributed communications" se referia a uma topologia com
alto grau de centralização. Por definição hierarquias são estruturas
descentralizadas (quer dizer, multicentralizadas). O diagrama (A) se refere
a uma estrutura com 100% de centralização mas não configura uma

13
hierarquia porque todos os nodos têm acesso direto ao centro. Para haver
hierarquia é necessário que haja intermediação. Hierarquia é o poder da
obstrução de fluxos, é a escassez de caminhos artificialmente gerada pelo
padrão de organização..." Você tem razão quando afirma que o mando
centralizado gera comando-e-controle, mas se trata de uma forma
instável, na qual os papéis podem ser trocados a qualquer momento e por
isso não gera um padrão-replicante. É como o "poder" do cacique
Yanomami: tem que ser negociado e renegociado a cada momento porque
como todos os membros da tribo têm acesso ao cacique, o chefe (o centro
da rede centralizada) está permanentemente vulnerável à interação,
entendeu? Isso não gera poder institucionalizado, pode gerar no máximo
influência culturalmente aceita. Além disso, se você observar atentamente
verá que o chefe em questão não costuma mandar os outros fazer coisas
contra sua vontade. Caciques e pajés, no nosso exemplo, são espécies de
referências sócio-culturais (alguns diriam espirituais), não comandantes
stricto sensu. Ainda que possam exercer funções de comando em conflitos
eventuais,

aqueles

cosmos

sociais

onde

exprimem

a

função

empowelfulness não está organizado em função da guerra como
instituição permanente (tal como nas civilizações patriarcais e guerreiras
derivadas do que chamei de protótipo sumeriano). Então, para concluir,
estou tratando mesmo da hierarquia (sacerdotal-militar em sua origem) e
não de uma ou outra forma de mando implicada na influência eventual de
um ator particular em uma topologia fortemente centralizada.

14
5 - Resposta de Augusto de Franco a Carlos Boyle
Sim, oculto é o que foi ocultado. Esse é o único problema, como você diz.
Mas por que foi ocultado? Qual a topologia que permite a prorrogação da
ocultação? Quem faz isso, caro Boyle, são estruturas descentralizadas,
quer dizer, hierarquias! Não é bom nem mau quem faz isso. Na tentativa
de separar o bem do mal, a tentativa é, em si, o mal: a separação :)

6 - Comentário de Marcelo Maceo
1) Capisco!
2) Muito legal isso aí. Ao dizer que "A tradição é composta por ondas
temporais que nos atingem intermitentemente. É replicação de padrões
para outras regiões de tempo, não um conjunto de eventos pretéritos..."
me veio a idéia (to viajando aqui) de que passado na verdade não existe,
ou melhor, existe somente a idéia que fazemos dele. O mesmo vale ao
futuro. O que passou, só é real através do que mantemos em nossas
cabeças. Seria o mesmo que dizer que história (no seu sentido factual) não
é o que passou, mas somente o que estamos fazendo aqui e agora, e que
a memória (a experiência, o sentimento que guardamos) seria o que
chamamos de passado. Então, o que é o passado? Se meu
comportamento

hoje

mudar

minha

visão

de

mundo

(e

consequentemente, recontextualizar toda minha memória), naturalmente
não estaria alterando todo o passado? Os fatos são os fatos, mas creio que
90% da interpretação que damos a eles decorrem de como nos

15
comportamos, de como enxergamos a Matrix. Sinceramente, me parece
que a transformação que eu mesmo passo entre o DNA da Tradição e o
que articulamos aqui, tem me feito descobrir uma história completamente
diferente em minha memória... E quantas realidades diferentes do que foi
e será não existem simultaneamente neste multiverso?
Destaco também a idéia de que em ambientes de aprendizagem não
existe lado positivo ou negativo, não se espera resultado, aprende-se com
o que é vivido no momento, seja como for (ZEN?).
3) Ao gerar tais ambientes, como eles ocorrem? Uma pessoa pode querer
começar a fazer algo assim, e observar se possui e o quanto possui seu
comportamento replicado? Ou se for assim, não vai rolar (parece uma
hierarquia, uma direção dada ao que não tem direção). Ou seja, isso só
ocorre se for espontâneo, nos pegar de surpresa, e por isso mesmo, pode
ocorrer de forma coletiva, simultaneamente com várias pessoas? Talvez
devamos pensar não em gerar tais ambientes ou comportamentos, mas
em como não-manter qualquer inércia que iniba a formação de redes em
qualquer ambiente. Como permitir ambiência, abertura, ao fluzz?
Ambientes de cocriação?
4) Augusto, ótima analogia aos caciques e pajés, me lembrou muita a
experiência que tive com eles no Xingu e com Xavantes (sim, ainda há
quem se salve, não infectado pelo vírus da Matrix, mas sim, a hierarquix já
avança por lá), nestes últimos 5 anos em que estive pelo MT. Poderíamos
dizer que tais centralizações (como a citada) são fenômenos naturais das

16
redes (e não interferências culturais que deformam a dinâmica, como as
redes descentralizadas)?
E gostaria de trazer algo, resgatando um pouco a questão de que "acredite
no que quiser, não importa", ou seja, hoje existem múltiplos mundos, faça
o seu. Mas, faça desde que você não replique comportamentos
hierárquicos? Eu me pergunto (e estendo a todos nós), se quero mudar
isso, ou se não me importo e "cada um no seu quadrado". Está feliz
obedecendo ao papa? Seja feliz? Ou não? Você está se enganando, veja
aqui... Em outras palavras Augusto e demais membros da E=R, onde está a
linha que separa a liberdade de cada um viver como preferir e uma
interferência nossa (ainda que apenas comportamental, "passiva") sobre a
escolha de cada um? (Libertá-los do vírus da Matrix?). São perguntas que
me faço, não tenho resposta, mas compartilho com todos.

7 - Comentário de Nilton Lessa
Marcelo,
Não sei se entendi muito bem o que você escreveu aqui: "Ou seja, isso só
ocorre se for espontâneo, nos pegar de surpresa, e por isso mesmo, pode
ocorrer de forma coletiva, simultaneamente com várias pessoas?"; vou
escrever sobre o que acho que entendi.
Ninguém é uma "ilha isolada" de quereres e desejos; então o
"espontâneo" para mim só faz sentido para mim se entendido como
"Ninguém te obrigou" a fazer/querer. Mas isto não significa que não

17
houve "influências" (por definição, para mim, sempre as há, o ser humano
como "pessoa" é, de certo modo, um coletivo (estou falando aqui como
"mente humana" mesmo). Esta é uma grande confusão que existe: entre
influência e poder (no sentido clássico que a sociologia define; por
exemplo, qualquer tentativa de conversa entre A e B implica que um está
influenciando o outro; porque quando dois conversam, a conversa só é
possível se A fizer o movimento de, ao ouvir o que B diz, se colocar na
posição de B; e vice-versa; fazendo uso daquela capacidade empática e
simpática "entranhada" na biologia da maioria dos seres vivos e, em
especial, dos mamíferos). Obviamente quando biologicamente um ser
constrói sua nuvem de pensamentos "se colocando na posição de outro"
está sendo "influenciado"; isto é, há relações intrínsecas, emaranhadas,
entre a mente de A e B. Mas o problema conceitual é a confusão entre
influência e poder (um alguém que tem capacidade de obrigar outro a
fazer ou não-fazer algo. Do ponto de vista da interação isto é equivalente,
sempre, a alguém que pode obstruir fluxos interacionais. Mas alguém que
pode obstruir fluxos interacionais só existe em ambientes sociais regidos
de modo hierárquico.) E como a sociologia parece só tratar e estudar
ambientes sociais hierárquicos, fica tentando "mapear" automaticamente
"influência" para seu significado. Mas isto é errado, pois trata-se de dois
conceitos bem diferentes. O interessante é: do ponto de vista da ciência
das redes consegue-se deduzir o conceito "poder que a sociologia trata";
mas o contrário parece não ser verdade.
Então, conviver, trabalhar e produzir em ambientes não-hierárquicos não
significa o ser humano não poder fazer planos, não tecer metas etc;

18
significa o ser humano não tecer metas para o outro; não fazer planos
para outros.
É simples assim.

8 - Resposta de Marcelo Maceo a Nilton Lessa
Grande Nilton, desculpe o texto confuso, vou escrevendo na correria por
aqui, mas também gero a possibilidade de vocês exercitarem a imaginação
ao tentar adivinhar o que quis dizer, kkkkk.
Muito bem esclarecido, realmente, confundo estes conceitos, e
esclarecendo aqui fica mais fácil de prosearmos. Sendo assim, aproveito
para perguntar se uma influência que seja dirigida intencionalmente para
um fim específico (para vender uma idéia ou converter alguém) não seria
um tipo de exercício de poder (a política também não teria relação com
isso? Quem sabe a publicidade também?).

9 - Resposta de Augusto de Franco a Marcelo Maceo
Acho que não, Marcelo. Concordo com o que disse Nilton no texto acima.
Um dos problemas da análise sociológica do poder é que ela introduz uma
apreciação equívoca e, com isso, desviriliza (essa palavra, sei, vai me dar
problema então vou trocá-la pela expressão) ou 'torna impotente' o
conceito de poder quando este se refere ao poder de mandar alguém
fazer alguma coisa contra sua vontade. E esse equívoco é introduzido toda
19
vez que se desliza o conceito de poder para significar "influência" ou
mesmo quando se fala de um "poder simbólico", de um "poder cultural"
(como se todo poder não o fosse), de um poder das lideranças
emergentes ou, ainda, quando se aplica o conceito de poder a interações
não-humanas (poder chimpanzé, por exemplo).
A conversa é particularmente difícil porque usamos no cotidiano a palavra
poder para designar a capacidade de fazer qualquer coisa: poder de
realizar, poder de juntar pessoas e por aí vai.
Somente com a ciência das redes o termo poder ganhou a acepção
inequívoca de obstrução de fluxos, eliminação de atalhos ou exclusão de
nodos (que são, ao fim e ao cabo, a mesma coisa: condicionamentos
impostos à livre interação, que então deixa de ser livre). Nesse sentido
Marcelo, não há um "bom poder", um poder exercido para divulgar boas
ideias... Não cabe nem julgar se é do bem ou do mal. Simplesmente é
assim. É um fenômeno da interação, não uma intenção do sujeito que se
possa avaliar eticamente.
Agora, se tomarmos como referencial do desejável tudo que aumenta os
graus de liberdade (como tomam os democratas) e a cooperação (como
tomam os que ensaiam redes distribuídas), então o poder (no sentido da
ciência das redes, tal como alguns de nós a apreendem) é sempre
indesejável. Porque liberdade é não poder e poder é uma medida de nãorede (distribuída), quer dizer, de não cooperação. Ambos - liberdade e
cooperação - são atributos da forma como nos organizamos e nada mais

20
(Arendt já havia dito isto sobre a liberdade e eu acrescentei a
cooperação).
Mas noto, Marcelo, que esta mesma questão já foi trazida à conversação
por você, pelo menos mais de duas vezes. O que é sinal, interpreto, de que
a questão não foi esgotada e que você continua com uma inquietação.
Se você influencia uma pessoa com suas ideias ou seu comportamento
mas não move uma palha para restringir os caminhos dessa pessoa, então
no sentido acima você não exerce poder sobre ela. Se você não verticaliza
(ou deforma anisotropicamente) o campo em que ela se move, você não
exerce poder sobre ela. Este é o sentido de poder como poder de mandar.
É claro que se pode sempre argumentar que quem faz isso também
conduz as pessoas usando outros instrumentos coercitivos ou restritivos
(por exemplo, permitindo que apenas circule um jornal, um canal de TV
etc). Neste caso, quem faz isso desse modo está exercendo poder, não
porque está influenciando com suas ideias e sim porque está restringindo
caminhos (proibindo, por exemplo, que o influenciado também influencie
outras pessoas e até mesmo o influenciador).
Desgraçadamente a confusão entre influência e poder (e os outros
deslizamentos do conceito mencionados no início deste comentário) é
urdida por alguns, conscientemente, para dizer que todos os líderes
exercem poder, que os hubs são uma função de poder, que os
articuladores e animadores de redes têm mais poder do que os outros.
Tudo isso, quando é feito assim, como um expediente instrumental, serve
ao propósito de validar hierarquias, dizer que elas são naturais, que elas

21
emergem da interação, que elas são uma fenomenologia social,
automática, ou que tudo obedece a uma lei cósmica.

13-16/02/2013

22
SE EU FUNDASSE UMA RELIGIÃO

Se eu fundasse uma religião ela não exigiria a inclusão das pessoas em
clusters fechados dos que professam a mesma fé. E nem invalidaria todas
as conversações místicas diferentes das suas. Não se declararia como
único caminho verdadeiro, apavorando os outros com a sentença de que
fora dela não há salvação.
Se eu fundasse uma religião ela não teria doutrina oficial, dogma ou
símbolo. Não erigiria igrejas e, assim, não separaria uma igreja docente
(um corpo sacerdotal) de uma igreja discente (composta pelo rebanho de
fiéis, os leigos). Porque ela não teria sacerdotes, nem qualquer burocracia
de intermediários.
Se eu fundasse uma religião, ela não pavimentaria com a crença um
caminho para o futuro alheio. Nem se constituiria como um artifício para
proteger as pessoas da experiência de deus.
Sim, se eu fundasse uma religião haveria deuses, claro, qual o problema?
Mas seriam mais ou menos assim, mal comparando, como aqueles deuses
da democracia grega, deuses da conversação, quer dizer, deuses-fluzz,
deuses da interação, como talvez tenha sido prefigurado pelo Zeus

23
Agoraios (divindade tutelar que protegia as conversações na praça do
mercado de Atenas) e a deusa Peitho (a persuasão deificada).
Que fique bem claro! Minha religião inventada não teria deuses prépatriarcais (naturais) e muitos menos deuses patriarcais (sobrenaturais)
mas, quem sabe, poderia ter deuses pós-patriarcais (sociais), desde que
incapazes de exigir culto dos humanos e, sobretudo de escravizá-los ou
submetê-los à servidão. Seriam deuses humanizados, mais-humanos
porque sociais e não mais-que-humanos, super-humanos, extra-humanos,
antissociais. Não seriam tais deuses potestades unitárias criadoras de
qualquer ordem pré-existente e sim entidades compostas pela interação,
simbiontes constelados fractalmente por nós.
Se eu fundasse uma religião um cara como Paulo de Tarso estaria fora.
Nada de codificadores de doutrina. E um cara como Inácio de Antioquia
estaria fora: nada de supervisores (ou episcopos). E nada de padres: todos
seriam diáconos. Seria uma religião de garçons: uns servindo aos outros
animados pelo espírito santo (que seria santo a não ser enquanto
estivesse expressando essa emoção amorosa).
Se eu fundasse uma religião ela não teria templos, nem ritos, rituais,
liturgias... e também nada de muros, escadas, portas, colunas, altares,
lugares mais sagrados e outros símbolos templários. Não teria cerimônias
de iniciação, ordenação, sagração, consagração ou qualquer outro script
maligno que pudesse programar as pessoas lesionando suas almas.
Mas uma coisa exigiria minha religião: que as pessoas que a ela se
conectassem

apostassem

na

democracia

24

como

movimento

de
desconstituição de autocracia. Sim, seria uma religião para quem não
aceita a autocracia, para quem está disposto a desobedecer e, portanto,
para quem não acata nem reproduz hierarquia de nenhum tipo, sobretudo
espiritual. Uma religião para quem não segue líderes, não se deixa
arrebanhar em massas de filiados, nem compõe quadros de sequazes ou
militantes de uma causa. Sim, é isto mesmo: uma religião para quem não
quer ser cavalgado.
É claro que você já percebeu que minha religião inventada seria uma nãoreligião. Seria uma simples rede aberta de pessoas dispostas a polinizar
mutuamente os modos pelos quais experimentam sua mística ou sua
espiritualidade, compartilhando as formas semelhantes como vivem um
domínio mais amplo de relações de existência e celebrando suas
afinidades e amorosidades mutuas.
Se eu fundasse uma religião... 'Se' é uma hipótese especulativa, não um
projeto. Como não vou mesmo fundar uma religião e nem uma nãoreligião, não serei fundador de nada.
Mas ninguém me impeça de provocar.

12/03/2013

25
NÓS SOMOS AS PESSOAS COMUNS

Nós não somos os anônimos. Somos aqueles que têm muitos nomes. E
temos nossos próprios rostos. Não somos mais um indivíduo numa massa
uniforme de mascarados com a mesma máscara. Não queremos ser mais
uma parte em qualquer coletivo: queremos ser o todo naquela parte que
somos porque cada um de nós é unique.
Não queremos substituir o velho mundo por outro que também seja
único. Sabemos que muitos mundos são possíveis, desde que consigamos
construí-los em nossa convivência.
Somos muitos, sim, mas um-a-um: nada de rebanho, nada de seguimento
de lideranças, nada de caminhos pré-traçados para um porvir radiante,
nada de revoluções épicas, nada de transformações cósmicas capazes de
produzir um novo céu e uma nova terra. O novo céu será a composição
fractal de muitas terras, de muitas redes tecidas por nós: liricamente!
Nós somos os que desobedecem, no dia a dia, nos pequenos gestos,
salvando os mundos em que interagimos um instante de cada vez e não
em formidáveis batalhas episódicas. Nós não achamos que todo mal que
nos assola será redimido quando vencermos algum grande inimigo.

26
Sabemos que o único inimigo que existe é aquele que constrói inimigos
para lutar contra eles.
Não somos nem queremos ser heróis ou santos, que fugiram da
humanidade porque não se achavam bons o bastante. Heroísmo ou
santidade não convêm a seres humanos.
Não temos mais raízes: temos antenas. Não pertencemos a grupos e não
erigimos organizações, não construímos diques e não lançamos âncoras
para nos proteger da correnteza, para escapar do fluxo caudaloso... Não
temos medo do abismo da interação. Quando o abismo nos olha, pulamos
nele.
Nós somos as pessoas comuns.

09/06/2013

27
REAPRENDER A BRINCAR

Sobre a alegria da convivência na Avenida Paulista na noite de 18/06/2013

Vocês já viram crianças brincando? Pois é. Elas não ficam calculando para
quê servem suas brincadeiras. Simplesmente fluem, se comprazendo na
fruição da convivência.
Não há um objeto oculto, externo, urdido, planejado, uma engenharia,
uma instrumentalização do tipo: estou fazendo isso para alcançar aquilo.
Quando brincam, estão se apossando do presente, vivendo-o em
plenitude. E se alegram (porque - como cantou o Vinicius no Samba da
Bênção - é melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que
existe, ela é assim como a luz no coração).
Bem... depois as crianças são ensinadas de que isso não leva à nada, que
pessoas responsáveis, sérias, não devem brincar, desperdiçar seu tempo
com bobagens. E aí viramos adultos e não brincamos mais, perdemos a
capacidade de fazer alguma coisa pelo que ela é e nos pomos então a
organizar a nossa vida para alcançar objetivos imaginários e abstratos que
não estão contidos no ato em si.

28
Quando acontece alguma coisa boa, inédita, nem percebemos o potencial
transformador da novidade que se constelou porque ficamos logo
pensando para onde aquilo vai nos levar, como vai ser o amanhã e o
depois de amanhã. Essa alienação do presente acomete, sobretudo, os
que querem organizar os outros, conduzi-los para algum lugar (que, na
verdade, eles não sabem onde é).
Na Paulista, ontem a noite (18/06/2013), me contou a Guta de Franco,
configurou-se um ambiente parecido com uma TAZ (Zona Autônoma
Temporária do Hakim Bey), mas creio que muitos não perceberam o
potencial revolucionário do que se constelou ali. Em virtude da termos
sido infectados, desde a primeira infância, com a ideia instrumental de
alcançar objetivos (e de organizar os outros), não nos permitimos viver o
que de fato pode mudar o firmware da sociedade de controle. É quase
uma tara, muito comum em militantes (esses seres deformados que
querem conduzir os outros para algum lugar no futuro: que não existe e
não pode existir na medida em que só temos o presente).
Refletindo sobre isso, acho que devemos prestar atenção ao que dizia
aquele judeu marginal de Nazaré e nos tornar crianças outra vez.
Reaprender a brincar.

19/06/2013

29
O BARULHO DO SAPO PULANDO NA ÁGUA

Um post dedicado aos meus amigos

O algoritmo do Facebook calculou que sou uma Figura Pública. Não sou.
Sou ainda uma pessoa privada tentando ser uma pessoa comum. Nesse
caminho fico meio atordoado e, às vezes, desolado.
Acontece o seguinte. Querendo ou não a gente vai se conectando a mais
gente diretamente, com 1 grau de separação (mais amigos). Quando isso
acontece também aumentam os nodos do nosso emaranhado em 2 graus
de separação (os amigos dos amigos), em 3 graus de separação (os amigos
dos amigos dos amigos) e assim por diante. Todo esse campo mais
próximo a nós (em especial até 3 graus de separação) começa então a
interagir com a gente. Bem... aí muda muito a nossa vida.
Como sou um cara aberto à interação com quem não conheço (do
contrário não estaria tentando ser uma pessoa comum, no sentido de
commons), minha timeline deu para ficar cada vez mais caudalosa. Então,
para conversar com todo mundo, gasto horas aqui no Face, no Twitter, na
Escola-de-Redes e em outras plataformas, no Gmail etc. Sem falar dos

30
contatos e conversas pessoais que mantenho diariamente com cada vez
mais gente também, aqui no LABE=R e em todo lugar onde vou. E por
telefone, skype, hangout...
É claro que se eu quisesse continuar sendo uma pessoa privada, incomum,
eu selecionaria as minhas interações, usaria as mídias sociais para fazer
broadcasting e auto-propaganda. Não responderia a todo mundo. Não
entraria em bola dividida, iria só na boa, publicaria só coisas que não
despertassem contrariedade, falaria do bem, do belo, do verdadeiro.
Espalharia boas vibrações... Falaria, quem sabe, de coisas como o Dharma
de Buddah (sem responder como aquela velha pessoa-zen: "DharmaBuddah? Não passa de esterco seco"). Mas, incorrigível que sou, quando
alguém me pergunta coisas assim, retruco como Yun-men: "Bosta". Os
caras podem achar que estou xingando, mas não estou: é apenas o
barulho da pedra caindo no rio ou do sapo pulando na água...
Enfim - não é assim que as figuras públicas fazem? - construiria uma
persona (sobretudo aqui neste Personabook) para vender geral, calcularia
o que pode me dar mais popularidade, aumentar o meu prestígio e
influência, eventualmente conquistar mais pessoas dispostas a me seguir
ou a me contratar para palestras e consultorias.
Porque, afinal, é disso que eu vivo.
Aí seria só beleza! Uma pessoa que construiu uma persona tão lhana, tão
bacana, tem pouco risco de nos trazer problemas (é o que deve pensar,
imagino, a média dos contratadores).

31
Entretanto, não consigo fazer isso. Ou melhor (ou pior): faço exatamente
o contrário. Entro em todo tipo de disputa (de ideias) quando acho que é
relevante, enfrento os grandes preconceitos e invisto contra tabus: critico
a família monogâmica, a escola, a igreja, os sindicatos, os partidos, as
empresas-pirâmides, o Estado-nação e as organizações hierárquicas em
geral.
Porque, afinal, é disso que eu sou.
"Pô cara! Mas você critica tudo? Assim você vai acabar sozinho". Mas o
diabo é que não acabo e cada vez aumenta mais o número de pessoas que
interagem comigo.
No entanto, meu tempo para trabalhar (no sentido de ganhar dinheiro
para sobreviver) está cada vez mais reduzido. Como prezo demais a
interação e mantenho firmemente a decisão de interagir com qualquer
pessoa (conhecida ou não) que comenta ou propõe qualquer coisa, a
porcentagem da minha atividade pro bono (faço cada vez mais isso
também) e das atividades sem perspectiva de lucro (como interagir aqui,
por exemplo) tem aumentado bastante. Se já era 90% agora deve estar
beirando os 95%. Sim, somente 5% (mais ou menos) do meu tempo é
gasto em atividades cujo retorno financeiro me permite pagar as contas.
Até aí tudo bem (ou não, mas vou levando: pelo menos enquanto estiver
respirando). O problema é a desolação que surge quando nos desiludimos
ao ver que nem todo mundo está mais ou menos sintonizado com a gente.
Não está mesmo. Nem era para estar. Mas sempre nos iludimos (e por
isso nos desiludimos). Aumentos bruscos do raio da "mancha interativa"

32
que nos afeta (porque nela estamos imersos e somos - o que somos e
como somos), acarretam, não raro, desacoplamentos estruturais. Ou seja,
um número crescente de pessoas não se comunica propriamente com a
gente mas interage adversarialmente, às vezes para provocar ou para
assacar falsas acusações e alegações infundadas.
A porcentagem dos que fazem isso, felizmente, ainda é bem pequena.
Mas, repito, é crescente. A maior parte desses provocadores é composta
por militantes partidários. Não conseguem entender que possa haver
alguém que não pratique a política como arte da guerra ou como questão
de lado. Então eles dizem:
"De que lado você está afinal? Se não está do nosso lado deve estar do
lado dos inimigos (dos exploradores, dos capitalistas, dos neoliberais). Se
não é do PT (ou dos partidos de esquerda aliados e subordinados ao PT)
deve ser um tucano. Ah! Já sei: você é um tucano disfarçado; se finge de
neutro mas é também um militante igualzinho a nós". Como argumentar
com essa gente?
Mas o mais angustiante são aquelas pessoas que interagem de boavontade, levantando questões que estamos investigando e sobre as quais
estamos conversando há anos, quem sabe há décadas. A maneira como os
investigadores tradicionais se livravam dessas dificuldades era simples:
eles simplesmente não respondiam. Aliás, eles nem tomavam ciência das
perguntas. Se você é Carnap no Círculo de Viena só conversa com Tarski,
com Quine, com Ayer, com Gödel, com Hempel (vá-lá). As pessoas que
não são do seu inner circle nem sabem o seu telefone, seu endereço, seu

33
e-mail (porque você não divulga geral, porque você é um cara
diferenciado, porque você não pode perder tempo com qualquer um do
povo).
E isso vale para todo mundo que se diferenciou, que alcançou o que
chamam de sucesso porque fez seu próprio açude para acumular poder,
riqueza, conhecimento atestado por títulos e fama. Não, eles não podem
se misturar, não podem se aproximar dos outros depois de todo esforço
que fizeram para se diferenciar, para não-ser pessoas comuns.
Mas para quem quer pular no abismo do fluxo interativo, tal fórmula não
funciona. Se você quiser viver no fluxo, não lhe resta alternativa senão
tentar ser uma pessoa comum. E aí não pode se fechar ao outroimprevisível.
Mas permanecer aberto ao outro-imprevisível incomoda quando o outro
incomoda.
Posso dar alguns exemplos, diretamente ligados aos meus principais
temas de interesse nas duas últimas décadas mais ou menos: rede
(distribuída) como movimento de desconstituição de hierarquia e
democracia como processo de desconstituição de autocracia. Sim, tudo
que penso, estudo, investigo, falo e experimento é sobre isso.
É disso, afinal, que eu trato. Nesta altura da minha trajetória de
adaptações (ou da minha história fenotípica) este é o resultado da minha
alostase cultural: é isso que eu sou agora.

34
Primeiro exemplo. Há 5 anos venho tentando refutar a visão (generalizada
ou quase) da hierarquia ser uma coisa que advém da natureza ou que
sobrevém de alguma instância super-humana (divina, angélica), a
hierarquia como algo imanente ou transcendente. A conversa não tem
fim. Você acaba de argumentar com um e vem outro em seguida expondo
as mesmas alegações do primeiro, as mesmas concepções primárias, as
mesmas crenças, os mesmos exemplos furados, as mesmas hipóteses que
a ciência já desmascarou... dizendo que se a hierarquia não fosse natural
as abelhas não tinham rainha e outras tolices (como a daqueles caras que
acham que o pássaro que vai na frente num voo em formação delta está
liderando o conjunto). Não tem fim.
Como o programa (da Matrix realmente existente) foi carregado em todo
mundo (o mesmo programa, ressalto), a rigor você teria que argumentar
durante milênios, com 1000000 de pessoas (para ficar ainda nos três graus
de separação).
Outro exemplo é o da democracia. Chega a ser cruel. Noventa por cento
(ou mais) das pessoas parecem estar convencidas de que democracia é
sinônimo de eleição ou que democracia é a prevalência da vontade da
maioria. E quando você mostra que não é, com argumentos racionais,
pouco importa. Para cada pessoa que é capaz de refletir sobre os
argumentos e evidências que você apresentou aparecem centenas,
milhares, que voltam com as mesmas e surradas questões.
Sei que é assim mesmo. A gente não sentia tanto quando nosso
emaranhado era menor porque o mundo era menos distribuído, menos

35
conectado e menos interativo. Mas agora, que aquele manso córrego
virou uma enxurrada avassaladora, faz muito barulho. Chega a ser
ensurdecedor.
A solução que encontrei - quando a conversação racional não tem mais
chances de progredir - foi a seguinte. Digo: não importa o que você pense,
no que você acredita, não importam os seus valores. Estaremos de acordo
se você se recusar a estruturar ou a operar ambientes configurados para
mandar nos outros (ou para obedecer a alguém). Você concorda?
Sim, como ideias não mudam comportamentos (só comportamentos
mudam comportamentos), isso para mim - que estou dedicado a
desconstituir hierarquias e autocracias - é o fundamental: deixar de
mandar nos outros e não obedecer a ninguém.
Em geral, porém, quando faço tal proposta, "ouço" do outro lado apenas o
silêncio. Um silêncio desolador.

15/08/2013

36
VARRENDO PARA DENTRO?

Sobre as circularidades da corrente interativa que não queremos deixar
escapar

Há três anos alguns amigos estamos repetindo uma frase que à primeira
vista pode parecer surpreendente: nós já descobrimos a "fórmula" e a
"fórmula" é a rede. Esta frase quer dizer que não há caminho para a rede,
pois a rede é o caminho; ou seja: que para chegar a novas formas de
convivência e de organização mais distribuídas do que centralizadas, não
há alternativa senão começar a praticar - hoje, não amanhã - formas de
convivência e de organização mais distribuídas do que centralizadas.
Isto é a transição para a rede. Não há como adotar formas de convivência
e de organização mais centralizadas do que distribuídas como estratégia
para se chegar a formas de convivência e de organização mais distribuídas
do que centralizadas. Não há como usar uma organização fechada como
meio para se chegar a uma organização aberta.
Apesar disso, mesmo os que afirmamos essas coisas, somos
surpreendidos, não raro, fazendo o oposto do que apregoamos. Sob o

37
pretexto de que a cultura de determinado ambiente não está ainda
preparada para a rede, adotamos modos de relacionamento e padrões de
organização que fecham em vez de abrir.
E aí, mesmo protestando o contrário, fazemos grupos proprietários, com
marcas distintivas e tentamos capturar fluxos para ficar rodando dentro
dos ambientes que estruturamos.
O que é mais incrível é que fazemos isso declarando o oposto: que
estamos estruturando ambientes abertos à interação ou em rede. Ser
aberto, ser em rede mais distribuída do que centralizada, acaba virando
marketing, no melhor dos casos branding - mas tudo como elementos de
uma estratégia. O que revela que há uma estratégia na cabeça dos que
fazemos isso. E enquanto houver uma estratégia, uma maneira - por mais
doce, suave e gentil que seja - de ganhar os outros, seduzir os outros,
utilizar os outros para atingir um objetivo urdido por nós antes da
interação, estaremos caminhando na contra-mão do que divulgamos.
Só há uma maneira de resistir à tentação de formar um grupo ou
pertencer a um grupo: pertencer a vários grupos simultaneamente. Então,
se alguém frequenta sempre o mesmo lugar, conversa sempre com as
mesmas pessoas ou até conversa com todas as pessoas que chegam (ou se
conectam) mas sempre a partir de um núcleo recorrente de pessoas - as
mesmas - formando um inner circle (conquanto informal e nãointencional), pode-se apostar sem grande risco de errar: quem faz isso
está formando um grupo mais estratégico do que os demais grupos, está
selecionando fluxos e valorizando um fluir interno de modo aumentativo

38
em relação aos outros fluxos que ocorrem no seu ecossistema mais
ampliado (o que fecha em vez de abrir). E o mais curioso, repito, é que
quem faz isso, o faz proclamando o contrário. Fica até parecido com
aqueles militantes de organizações autocráticas que vivem fazendo
discursos elogiando a democracia.
Isso acontece nas mais diversas atividades. Pessoas que defendem a livreaprendizagem acabam estruturando algum tipo de escola. Pessoas que
vivem propagandeando (e tentando vender) propostas de rede adotam
ferramentas fechadas aos outros, com níveis baixos de interatividade
(basta espiar seus sites para constatar o óbvio). Pessoas que fazem
propostas de empreender em rede e de viver no fluxo do rio interativo
sobrevivem, na verdade, dos açudes que construíram. Pessoas que
pregam a democratização da democracia, organizam grupos de militantes
em prol de uma causa exercitando modos de regulação que produzem
artificialmente escassez.
Mas o pior de tudo é que essas pessoas, mesmo quando proferindo
discursos que exalçam a colaboração, acabam adotando uma prática
competitiva. E elas competem, sobretudo, com quem está mais próximo,
porque avaliam que quem está mais próximo pode ameaçar mais a sua
estratégia, as suas iniciativas, a sua liderança (sim, quando há competição,
sempre há competição pela liderança, pela influência sobre as pessoas
que são usadas pelo líder para implantar a sua estratégia ou levar ao
sucesso suas iniciativas).

39
A competição, por certo, não é um objetivo, não é nem mesmo uma
escolha racional: é apenas a consequência do modo como nos
relacionamos. Se você faz um grupo (mesmo dizendo que não é um grupo
fechado, mesmo dizendo que é uma rede aberta, mesmo jurando por
deus que não está fazendo isso e que não quer fazer isso), a competição
surgirá.
Mas a competição não é natural. Não é um defeito nem uma característica
intrínseca à natureza humana. Não emerge da livre interação. Ela só brota
quando se captura fluxos para fazê-los rodar em um mesmo ambiente. É
um atributo do fluir recorrente, em looping, daquelas circularidades da
corrente interativa que, por algum motivo, não queremos deixar escapar!
E aí... bem, aí começamos a ficar preocupados com outros fluxos que
ocorrem em nossa vizinhança. Queremos trazê-los para dentro do nosso
ambiente. Com a melhor das boas intenções, tudo parece fazer sentido:
afinal, queremos atrair mais pessoas, adensar o fluxo daquilo que estamos
empreendendo com tanto amor no coração, muitas vezes com sacrifício,
frequentemente colocando nossos próprios recursos para configurar o
ambiente ideal inicial que, então, poderá (como ansiamos) gerar
iniciativas mais autônomas, capazes de andar com suas próprias pernas.
Então, começamos a avaliar outras iniciativas como riscos "externos",
como algo que pode drenar energias que julgamos necessárias para a
consecução da nossa estratégia.
Minha experiência e minhas reflexões indicam que tudo isso acontece
quando não conseguimos resistir à tentação de pertencer a um grupo. E

40
indica também que - quando isso acontece - é sinal de que não estamos
adotando a "fórmula" que já descobrimos: fazer redes, sem a
preocupação de capturar ou direcionar fluxos para um objetivo pré-fixado,
não importa se tal objetivo só é conhecido inicialmente por nós,
intimamente. Dá no mesmo. Quando só nós temos claro um objetivo préfixado, não conseguimos evitar que se formem - a partir de nós ou até
independentemente de nós - círculos mais fechados com seus próprios
objetivos pré-fixados. A onda se propaga a partir da direção imprimida
pelo movimento inicial. É assim que uma coisa projetada para ser fora do
eixo acaba dentro do eixo.
A solução, portanto, não é nos isolarmos dos outros. Pelo contrário, a
solução é interagir mais, não menos. Mas interagir em vários ambientes,
interagir com vários grupos, sem eleger um deles como mais estratégico
do que os demais. Evitar, a todo custo, ser alguém identificado com uma
única iniciativa, com um único nome, com uma única marca. Não capturar
pessoas e não capturar fluxos (em certo sentido, é a mesma coisa). Não se
deixar capturar por pessoas e não se deixar capturar em fluxos já
condicionados a percorrer determinadas trajetórias. Não tratar os outros
como objetos, como se fossem peças importantes de nossa estratégia ou
do nosso empreendimento. Não querer ganhar, não seduzir, não "varrer
para dentro"; enfim: não usar o outro. Para concluir. Há espaço de sobra e haverá cada vez mais numa sociedade-em-rede - para várias iniciativas,
para

vários

empreendimentos,

inclusive

conexos,

conectados,

interligados, interagentes. Não é como no filme Highlander: "Só pode

41
haver um". Não é necessário disputar nada com ninguém. Só fazer ou nãofazer (percebendo o fluxo e o refluxo). E se alegrar.

28/08/2013

42
EU, CAÇADOR DE MIM

1 - Defendo em qualquer circunstância a democracia. Tomo a democracia
no sentido "forte" do conceito, como movimento de desconstituição de
autocracia. Por isso, não sou marxista ou liberal, não sou de esquerda nem
de direita (acho tal divisão uma besteira e um anacronismo), não sou
aderente ao politicamente correto e odeio ditaduras, protoditaduras e
"manipuladuras"

(democracias

formais

parasitadas

por

governos

neopopulistas manipuladores).
2 - Creio que somente a paz é revolucionária. Entendo a paz como
pazeamento das relações, como modo de caminhar (e não como objetivo
final da caminhada). Por isso, sou contra qualquer tipo de ação violenta,
de luta ou de guerra (penso que não existe o bom combate ou a guerra
justa porque avalio que a guerra, em quaisquer de suas formas - quente,
fria ou continuada como política adversarial - é, em si, o mal) e acho que
só existe um inimigo: o fazedor de inimigos.
3 - Há dez anos meu objetivo e minha ocupação principal tem sido o
netweaving, quer dizer, a articulação e animação de redes (mais
distribuídas do que centralizadas). Entendo as redes como movimentos de
desconstituição de hierarquia.

43
4 - Não pertenço a nenhum grupo, nem sou subordinado a qualquer
organização hierárquica (seja empresarial, governamental ou social incluindo partidos, corporações, igrejas, seitas ou ordens de qualquer
tipo).
5 - Não tenho nenhum mestre, líder ou chefe. Não sou nem serei mestre
de alguém e não quero liderar ou chefiar ninguém. Não obedeço nem
exijo ou aceito obediência.
6 - Não tenho emprego, salário, aposentadoria, pensão ou qualquer
propriedade (ou açude) que me permita viver (fora do fluxo) sem
trabalhar. Vivo do que ganho como palestrante e consultor.
7 - Não coleciono diplomas, não apresento certificados, não pertenço a
qualquer escola (universidade ou academia) e nunca fundei uma escola
(stricto ou lato sensu: no sentido de escola de pensamento). A Escola-deRedes - da qual sou um dos cocriadores - é uma não-escola (e seu lema é
"A escola é a rede").
8 - Meu desejo é ser uma pessoa comum (mas sei que posso estar ainda
bem longe disso).
Em 15 de agosto de 2013 publiquei um artigo mais detalhado sobre os
dramas vividos por quem, como eu, quer ficar aberto à interação com o
outro-imprevisível: "O barulho do sapo pulando na água".

22/09/2013

44
IMAGINANDO O SIMBIONTE SOCIAL

Imagine que as outras pessoas fazem parte de você; ou seja, que você e as
outras pessoas fazem parte de um mesmo organismo.
Cada pessoa, por certo, é diferente das demais, é sempre unique, inclusive
porque desempenha, a cada momento, uma função particular nesse
organismo, ainda que não determinada pela sua posição no organismo.
Assim, as funções particulares de cada pessoa não são fixas, mas variam
com o fluxo interativo que rege o metabolismo do organismo e que, em
certo sentido, é o próprio organismo.
O organismo em questão não é uma hierarquia, mas uma rede. O
organismo é composto por pessoas, não por indivíduos. Isso significa que
o organismo é social, não biológico.
O organismo é fractal, não unitário: cada pessoa faz parte do organismo,
mas também é o próprio organismo, em prefiguração. Ou seja, as pessoas
só existem como tais enquanto estão prefigurando o organismo.
O organismo não existe, porém existirá. Não porque só possamos
percebê-lo movendo-se solidariamente, dançando como um corpo, como
um organismo mesmo, a partir de níveis altíssimos de interatividade que

45
ainda não foram alcançados, mas porque seu tempo ou modo-de-ser é o
futuro. No presente, porém, existem as pessoas.

Escrevi este texto em 25 minutos, na primeira parte de um voo CongonhasConfins no dia 25 de setembro de 2013, manhã bem cedo. Usei as páginas
finais da revista da TAM e uma caneta ecco pigment (sucedânea da velha
nanquim). Naqueles 25 minutos fluíram 25 anos... Daqui pode sair uma
espécie de continuidade do meu livro Fluzz (2011). Cada frase, um capítulo.

26/09/2013

46
PASSADO, FUTURO, PRESENTE

Só o presente existe (passado e futuro são modos de narrá-lo). No modo
futuro existe o simbionte social, mas no presente só as pessoas. Quando o
futuro da não-hierarquia chegar, será presente. O presente das pessoas.

27/09/2013

47
A V IS O

Aee, sou apenas uma pessoa interagindo. Não sou mestre nem modelo de
ninguém. Ninguém deve me seguir ou seguir minhas ideias e depois ficar
espreitando para ver se sou coerente com o modelo que idealizou de
mim. Só há desilusão quando há ilusão.
Quando um repórter perguntou a K (Krishnamurti) quantos seguidores
tinha, ele respondeu: "Não me preocupo com isso... ainda que apenas
haja um homem tornado livre, isto será o bastante". E em outra ocasião
acrescentou:
"Por que você precisa de um guru? Queira você me fazer ou não de guru,
que me importa, eu não estou me fazendo de guru para você nem para
ninguém. É por isso que o seguidor é o destruidor, o seguidor é o
explorador".
Quando uma pessoa começa a me chamar de mestre, ou de chefe, ou a
dizer que segue minhas ideias, ligo logo o alerta vermelho. Sei que boa
coisa não virá por aí. Mais cedo ou mais tarde se quebrará dentro dela a
imagem que construiu de mim e ficará ressentida quando constatar que a
pessoa real que sou não corresponde ao que foi imaginado. Não raro

48
voltará às suas convicções anteriores (como alguém que lança âncoras por
não saber para onde ir no mar revolto).
Por isso, meu conselho é: não siga! Pense com sua própria cabeça e
caminhe no seu próprio passo. Não há ninguém mais importante do que
você.

(17/10/2013)

49
EMPOWERFULNESS

Estava conversando outro dia com o Mario Salimon. Minha neta e sua
filha (ou filho, talvez me engane) se dedicam ao mesmo mister: ficam
digitando direto no WhatsApp desde que levantam até a hora de deitar.
Seria relevante o conteúdo que trocam? Cremos que não. A mensagem
não está no conteúdo e sim no padrão de interação (frequência,
recursividade, responsividade etc). Estão adensando o fluxo, entretecendo
o emaranhado, não importa se estão reclamando da diretora da escola, do
pênalti não marcado no jogo do Flamengo, da saia justa da colega, da
piada sem graça do véi ou dizendo apenas um para o outro algo como
"cola com nóis, mano, que tu brilha!". O que resultará daí? Em termos de
produto, provavelmente nada. Em termos de processo, muito. Algo está
sendo alterado no tecido e isso está mudando não apenas a
fenomenologia mas a própria natureza do que chamamos de sociedade. A
singularidade (no campo ou tecido) que chamamos de pessoa
("remoinhos num rio de água sempre a correr", para usar a bela expressão
de Norbert Wiener) está cada vez mais social (e quando digo 'social' não
estou me referindo, é claro, à coleções de indivíduos da espécie Homo e
sim ao que está entre eles, dentro deles e ao que propriamente os
constitui como tais: pessoas-que-já-são-rede). Se há alguma coisa como a

50
que chamamos (inadequadamente) de inteligência coletiva, é essa coisa
que está sendo gestada com o aumento de Fluzz (conceito que criei para
designar o fluxo interativo da convivência social). O resultado que é o
processo se chama empowerfulness (outro neologismo que cometi para
tentar designar o que está dito acima).

31/10/2013

51
REDE NÃO É RELIGIÃO

Uma coisa que penso que não se deve fazer (porque entra naquela
categoria de conversação decaída em estado de não-verdade) é falsificar
teorias da nova ciência das redes para agradar o interlocutor, conquistar o
cliente ou capturar o seguidor. Uma das falsificações que tem aparecido é
dizer que uma rede é ao mesmo tempo centralizada, descentralizada e
distribuída. Para justificar tal visão já ouvi gente apelando para razões
metafísicas do tipo: "O universo respira e, assim, ora se contrai, ora se
expande; quando se contrai a rede se centraliza, quando se expande ela se
distribui". Ora, isso é uma falsificação grosseira (como se o grau de
distribuição não dependesse da interatividade fortuita mas já estivesse
determinado por leis, como se o que acontecerá obedecesse a um ritmo
cósmico já estabelecido). É possível aferir - dentro de certos limites: por
exemplo,

em

um

cluster

delimitado

por

grau

de

separação

arbitrariamente escolhido - o grau de distribuição de uma rede (e esse
grau - entre outras coisas - depende do número de nodos, do número de
nodos desconectados com a eliminação do nodo mais conectado e do
número de conexões idem). Uma rede centralizada (ou mais centralizada
do que distribuída) não passa a ser distribuída (ou mais distribuída do que
centralizada) em virtude de alguma imanência da estrutura ou da

52
dinâmica do "universo" (seja lá o que isso for) e nem por razões
transcendentes, cósmicas, espirituais ou o que o valha. Isto não é ciência:
falta, para tanto, atender ao critério epistemológico da verificabilidade. É
mais ou menos como inventar uma teoria para a gravitação universal
dizendo que existem partículas indetectáveis, emitidas pelos quasars
(quasi-stellar radio sources), que empurram todos os objetos para baixo
(ou para o centro de gravidade de um corpo celeste).
Outra falsificação, mais frequente - há cinco anos me debato com isso
quase diariamente -, é afirmar que a hierarquia é natural, que é um
princípio sagrado (numa interpretação forçada e conveniente da
etimologia da palavra: hierarquia = hieros + arché), que existe uma
hierarquia no cosmos organizando os seres em ordens progressivas, do
plano mais denso (da matéria) aos planos mais sutis (do espírito). Acredite
nisso quem quiser, não tem a menor importância. Todo mundo tem o
direito de ter suas crenças religiosas, místicas, espirituais (ainda que essa
interpretação de denso x sutil seja própria de um espiritualismo de
folhetim: os velhos alquimistas da família (hehehe) morreriam de dar
risadas quando se lhes fosse explicar que uma pedra é menos "espiritual"
do que um anjo). Mas tudo bem... Entretanto, quando se usa tal
argumento para convencer um hierarca de que ele não deve se preocupar
com a deformação acarretada na rede pela hierarquia que ele mesmo
mantém ou reproduz, de que a hierarquia que ele montou para mandar
nos outros ou na qual se inseriu para obedecer a alguém é natural e não
será abalada em sua essência ou de que ele pode ficar tranquilo na sua
condição pois só terá a ganhar se também puder chegar diretamente à

53
mais gente ao adotar, adicionalmente, uma estrutura mais distribuída... aí
é mais grave! É melhor dizer a verdade: hierarquias são necessárias, sim,
para as organizações hierárquicas. Mas hierarquias não são redes.
Hierarquias não convivem harmonicamente com redes. Hierarquias não
podem gerar redes (semente de rede é rede). Hierarquias não podem
comandar e controlar e, nem mesmo, monitorar redes. É sempre
preferível dizer a verdade do que urdir uma metafísica para satisfazer
clientes e atrair seguidores.
Rede não pode gerar uma religião substituta. Não podemos inventar uma
grande narrativa baseada numa meta-explicação coerente (segundo nossa
conveniência) para o mundo, na qual no lugar do velho deus colocamos
agora a rede. Qualquer pessoa pode devanear com hipóteses como estas.
Isso é válido no campo da livre especulação e pode ter até um importante
papel heurístico, mas se usamos esse tipo de truque para não assustar
clientes ou admiradores que não aceitariam bem a ideia de ter que deixar
de mandar nos outros a partir da ocupação de posições de poder numa
estrutura centralizada (ou hierárquica), aí então já é enganação deliberada
ou fraude.

11/11/2013

54
MÉFIEZ-VOUS L'IRONIE

Caminha a passos largos aqui no Facebook a fundação da nova religião das
pessoas comuns do último dia depois do fim do mundo e a ereção da
igreja universal da rede-mãe...

12/11/2013

55
O QUE MORRE EM NÓS ENQUANTO VIVEMOS

Terceira idade? Como na piada do chifre, isso foi uma coisa ruim que
botaram na sua cabeça. Não existe, simplesmente não existe terceira
idade, assim como não existem primeira e segunda idades.
Quando descobrimos que uma geração não é uma faixa etária e sim o que
ela gera, descobrimos que pessoas consideradas da terceira idade podem
pertencer à nova geração. Para ser da nova geração basta gerar novas
coisas. Não adianta ser jovem: enquanto um jovem não gera novas coisas
então ele é da - porque repete a - velha geração.
A ideologia produtivista que considera (pejorativamente) velha uma
pessoa com mais idade (porque não está mais em condições de produzir)
leva ao ageísmo dos jovens-velhos tolos que acham que a época de quem
viveu mais já passou. Mas uma época não passa para quem não passa.
Enquanto uma pessoa está viva, sua época não passou.
Se a idade muda a pessoa, isso é bom (não é ruim): mais idade significa
mais tempo de vida, mais tempo de vida significa mais chances de
pessoalização. Sim, a pessoa é uma construção realizada ao longo da vida,
ou melhor, é uma trajetória fenotípica de adaptações no fluxo da
convivência social.

56
Ninguém nasce pessoa, se torna. Começa a se tornar pessoa no exato
momento em que mergulha no fluxo da convivência social. O indivíduo
biológico da espécie Homo (portador do genoma humano) é apenas
humanizável. Mas a consumação do humano é o processo de tornar-se
pessoa. Um indivíduo da espécie humana se torna pessoa (ou seja, ser
humano propriamente dito: como complexo biológico-cultural) quando é
humanizado por outros seres humanos. Somente seres humanos (em
consumação) podem humanizar seres humanos (em prefiguração).
Mesmo em termos biológicos, se estamos inseridos na holarquia fractal de
seres interdependentes que chamamos de vida, então não há perda de
vida com a morte e sim mais vida: a autorregulação - o metabolismo do
simbionte natural - continua gloriosamente se realizando e isso é motivo
para alegria e celebração e não para tristeza e revolta.
Em termos sociais, se estamos inseridos em outra holarquia, prefigurada
pelas redes de seres humanos, então também não há perda humana com
a morte e sim mais convivência social (haverá mais com a nossa partida do
que havia antes da nossa chegada): a autorregulação - o metabolismo do
simbionte social - continua gloriosamente se prefigurando. E quanto mais
vivermos a nossa convivência mais fluxo haverá e mais vida propriamente
humana, quer dizer, social, haverá.
Portanto, os conceitos (quer dizer, os preconceitos) e as medidas voltadas
à chamada terceira idade são, em geral, inadequados e prejudiciais ao
processo de humanização. Eles são remanescências da velha ideia míticosacerdotal-hierárquico-autocrática da civilização patriarcal de que a vida é

57
o contrário da morte. Não é. Morte e vida fazem parte de um mesmo
processo.
Desse ponto de vista, bem mais inteligente (e de uma inteligência
tipicamente humana), a morte é uma realização suprema da vida, não
uma falência da vida. O problema não é a morte e sim - como disse certa
vez Albert Schweitzer - "o que morre dentro do homem enquanto ele
vive".
Deveríamos nos preocupar com isso: com o que pode morrer em nós
enquanto vivemos. Assim uma pessoa jovem pode carregar - por falta de
amor - muitas mortes dentro de si. Ela é jovem, mas está mais morta, bem
mais morta, do que outra pessoa considerada velha. Daquela morte que
ela teme, não se escapa com a vida e sim com o amor.

12/11/2013

58
A BOLHA

A metáfora da bomba e da bolha foi um recurso que empreguei em meu
livro Small Bangs (2012) para mostrar que o mundo é uma totalidade de
fatos, não de coisas (a subproposição 1.1. do Tractatus LogicoPhilosophicus de Ludwig Wittgenstein (1918): “O mundo é a totalidade dos
fatos, não das coisas”). Assim, o mundo é determinado pelos eventos
(Idem, 1.11: “O mundo é determinado pelos fatos, e por serem todos os
fatos”). A bomba-fluzz é uma bomba de eventos que ocorrerão em uma
bolha. A bolha fornece a imagem de uma coisa fugaz, temporária, delicada
e frágil, que pode desaparecer a qualquer momento. Foi uma maneira de
dizer que não se deve ter a expectativa de duração indeterminada, de
continuidade, de construção que se aperfeiçoa com o tempo, de evolução
ou de transformação conduzida por vontade do sujeito ou por algum fator
imanente à história. Os mundos têm, por outro lado, certa autonomia:
abrem e fecham em função de vários fatores. Podem ressurgir, mas não
como desdobramento e sim como reflorescimento, em outras regiões do
tempo, quando uma configuração particularíssima (não necessariamente
semelhante, mas com algum fator com poder de evocá-los – ou de invocálos) torna a se constelar. Na verdade, tudo isso foi uma metáfora para o
netweaving, descrita assim:

59
"Uma bomba criativa (ou bomba-fluzz) produz uma singularidade no
campo social deformado pela hierarquia tornando possível o nascimento
de um mundo mais distribuído do que centralizado.
Quando a bomba-fluzz explode abre uma bolha no espaço-tempo dos
fluxos permitindo que se configure um Highly Connected World. Esse
mundo altamente conectado é um Small World: um mundo-bebê em
gestação.
É uma bomba porque essa irrupção criativa ocorre de uma vez, como uma
explosão, um bang. Mas uma explosão que não pode ser tão grande a
ponto de provocar a readequação do sistema hierárquico como um todo
impedindo a formação da bolha. Tem que ser uma pequena explosão, ou
melhor, várias pequenas explosões que vão se irradiando a partir de
pontos distintos, de localização imprevisível, sobretudo nas bordas dos
sistemas hierárquicos. Sim, são perturbações na periferia dos campos
deformados, não ataques aos seus centros. Por isso que não é um (único)
Big Bang e sim vários Small Bangs, gerando uma diversidade de mundosbebês.
Cada mundo-bebê que vem à luz é sempre temporário e localizado; ou
melhor, glocalizado. A bolha se desfaz quando o seu metabolismo não
consegue mais sustentá-la: se desconstitui quando seus próprios
“habitantes” adotam comportamentos que geram escassez, centralizando
a rede ou verticalizando o campo social no seu interior ou é destruída de
fora para dentro se não consegue continuar resistindo à pressão
ambiental do mundo hierárquico. De qualquer modo, mais cedo ou mais

60
tarde, o novo mundo se desconstituirá. Outra bomba criativa deverá
então ser construída. A intermitência é da natureza do processo...
A explosão é criativa, não destrutiva. Para que possa abrir uma
singularidade no campo social deformado pela hierarquia, permitindo o
surgimento e a expansão da bolha, o processo – além de imprevisível e
intermitente – deve ser aberto, distribuído e interativo (não participativo).
Se tais requisitos forem atendidos, pronto! Está feita a bomba criativa.
Quando a primeira criação for realizada a bomba explodirá abrindo a
bolha. Outras pessoas poderão entrar na bolha, conectando-se à rede de
modo distribuído. Os desejos dessas novas pessoas suscitarão novas
criações.
Enquanto novas criações estiverem surgindo a bolha existirá. Enquanto a
bolha durar você poderá com-viver nela. Mas as regras são bem diferentes
daquelas que lhe ensinaram para viver no mundo hierárquico. Se você
insistir nas velhas maneiras de interagir poderá destruir a bolha
prematuramente.
A bolha pode murchar, desaparecer, se extinguir, se autodestruir,
implodir, se desintegrar, se cristalizar e quebrar ou inflar e romper sua fina
película se surgirem no seu interior deformações próprias de mundos
hierárquicos:
ensinamentos,

caminhos
exigência

pré-traçados,
de

mestres

obediência,

luta

para

transmitir

contra

inimigos,

direcionamento de esforços para alcançar sucesso, tentativas de
transformar pessoas no que elas não são, conduzi-las ou organizá-las top
down e propaganda".

61
Pois bem. Desde que essa imagem (da bolha) passou a ser utilizada por
várias pessoas, começamos a descobrir que seu potencial heurístico era
maior do que pensávamos inicialmente. Nas conversações em que nos
envolvemos nos últimos dois anos, foi ficando cada vez mais evidente que
a metáfora se aplica bem a muitas e variadas situações.
Por exemplo, a bolha serve para mostrar que teremos múltiplos mundos.
Toda vez que criticamos uma instituição do mundo hierárquico - seja a
escola, a igreja, a corporação, o partido, o quartel, a empresa hierárquica
ou o Estado - as pessoas invariavelmente retrucam: "Mas como será
então, o que vamos colocar no lugar?" É uma pergunta automática.
Ora, não sabemos como será. Podemos, no máximo, abrir bolhas nessas
instituições, mas não sabemos o que vai ser gerado a partir das interações
que nelas ocorrerão. Além disso - eis o ponto - é importante que não
saibamos. Só precisa saber (de antemão) como será quem quer
predeterminar como será, quem quer cavar um sulco para fazer escorrer
por ele as coisas que ainda virão. Isso era importante para o mundo único
hierárquico - estabelecido em termos locais ou globais (ou seja, como se
diz, "universalizado") - mas não para múltiplos mundos glocais
emergentes em uma sociedade-em-rede. Não há mais um modelo a ser
imposto, uma experiência fundante a ser generalizada: com o
estilhaçamento do mundo único, miríades de experiências florescerão.
Então alguém pergunta: "É fato que a escola está ultrapassada e coisa e
tal, mas o que colocaremos no seu lugar?" Ora, é uma pergunta sem
sentido. Primeiro porque não vamos substituir a escola por outra coisa.

62
Isso é impossível. Escolas, mesmo se tornando, em grande parte,
obsoletas (em razão da multiplicação de processos de aprendizagem
acessíveis a todos) remanescerão por muito tempo. Não serão
substituídas, mesmo porque não há uma autoridade central (do mundo)
capaz de ordenar tal substituição (mesmo porque não há mais um mundo:
é a replicação dessas instituições hierárquicas que constitui o mundo
único hierárquico). Em segundo lugar, porque não queremos - os que já
vivemos nos múltiplos mundos altamente conectados - colocar nada no
lugar (da escola, no caso). Colocar alguma coisa no lugar, se fosse possível,
significaria reconstruir o mundo velho único a partir de um modelo
centralizado (ou seja, hierárquico). Então vão coexistir e, em alguns casos,
conviver, várias experiências: a velha escola heterodidata baseada em
adesão, as novas escolas baseadas em adesão e participação (em variadas
combinações), os processos não-escolares mais ou menos baseados em
participação e interação (idem), os velhos e os novos processos
autodidáticos e os novíssimos processos alterdidáticos de aprendizagem
baseados em interação.
O mesmo vale para as demais instituições atuais que constituem e
reproduzem o mundo único hierárquico. Não há novos modelos para
colocar no lugar dos velhos, simplesmente porque replicar modelos
significaria manter um mundo hierárquico. Isso não ocorrerá somente
com estruturas, mas também com dinâmicas ou "metabolismos"
associados à padrões de organização; por exemplo, ocorrerá com modos
de regulação como a democracia. Ao que tudo indica uma terceira
invenção da democracia (depois da invenção dos atenienses e da

63
reinvenção dos modernos), será glocal: ela terá diversas "fórmulas" glocais
e não mais uma única fórmula pretensamente global (ou internacional,
como ocorreu com a segunda democracia, a democracia representativa,
inventada pela segunda vez pelos modernos). Ou seja, serão zilhões de
sociosferas democráticas: uma terceira democracia será realizada em
miríades de sociosferas e não em apenas menos de duas centenas de
unidades político-territoriais centralizadas (chamadas de países ou
Estados-nações, que seguem o modelo único do Estado-nação europeu
que foi fruto da guerra, da paz de Westfália). Serão ilhas democráticas na
rede: a democracia que vem coexistirá marginalmente e por tempo
indeterminado com as democracias realmente existentes (incluindo as
democracias

plenas,

as

democracias

parasitadas

por

regimes

manipuladores e as democracias em processo de autocratização) e
também com protoditaduras florescentes e ditaduras remanescentes.
Uma segunda evidência do potencial heurístico da metáfora da bolha é a
compreensão - cada vez mais corroborada pela observação das dinâmicas
organizacionais em ambientes de alta interatividade - de que mundos são
eventos. O conceito de evento evoca uma certa impermanência, uma
noção de contingência da durabilidade temporária. Claro, tudo é
temporário mesmo, mas a expectativa de quem ordena é a de que as
coisas ordenadas durem (como foram ordenadas) para sempre ou
indefinidamente. A partir daí começamos a pensar que o que dá certo é o
que dura. A imagem da bolha ajuda a entender que as coisas que dão
certo não duram; é aceitar, como diz um dos princípios do Open Space,
que "quando uma coisa termina, ela termina". Querer esticar a duração do

64
que não deve durar mais do que deve - pois perdurar é sempre conservar é como antepor obstáculos ao fluxo interativo, colocando-se contra a
mudança.
A compreensão de que os mundos são bolhas de eventos é uma
compreensão propriamente revolucionária porque vai à raiz do conceito.
Revolução não é substituição de uma ordem por outra ordem (top down)
e sim abertura para novas ordens emergentes (bottom up).
Uma terceira evidência do potencial heurístico da imagem da bolha tem a
ver, exatamente, com essa ideia de ordem emergente. É uma nova
compreensão da ideia de ordem que afeta diretamente as concepções
místicas ou espirituais que têm se replicado há seis milênios, desde que se
configurou um ambiente hierárquico-autocrático com o início da chamada
civilização patriarcal. Todas as concepções espirituais, sobretudo as
classificadas como espiritualistas, baseiam-se na ideia de que existe uma
ordem preexistente e que a jornada do buscador é (re)sintonizar-se com
essa Unimatrix One. Ora, uma nova espiritualidade não previamente
ordenada (por deus ou algum ser superior e por sua burocracia sacerdotal
que é, na verdade, a hierarquia), começa com a descoberta de que não
existe nada disso, de que o universo (também uma bolha) é criativo e se
cria à medida que avança. Que não há uma ordem preexistente porque a
ordem está sempre sendo criada no presente da interação.
Que, como escrevi em Fluzz (2011), "em mundos altamente conectados a
busca não existe sem a polinização. Não há um mainframe (como se fosse
um diretório de registros akashikos) onde você possa buscar respostas

65
para suas perguntas. Se houver, tais respostas não lhe servirão. Serão
respostas do passado que foi arquivado. Revelarão ordens pregressas.
Conhecimento morto. A busca, qualquer busca, inclusive a busca
espiritual, é sempre uma interação. Nos Highly Connected Worlds toda
busca é P2P: no seu mundo e nos interworlds pelos quais você está
navegando. A mesma busca, quando repetida, fornece respostas
necessariamente diferentes. E deixa o rastro da pergunta. De sorte que as
respostas são, no limite, combinações das perguntas que estão sendo
feitas. Perguntas interagindo e se polinizando mutuamente para criar
ordens inéditas.
O buscador é um polinizador. É um criador de mundos. O buscadorpolinizador é uma pessoa-fluzz. Uma pessoa-fluzz é mais ou menos o que
deveria ser uma pessoa-zen nas condições de um mundo de alta
interatividade.
Mas enquanto víamos a pessoa-zen como um indivíduo-no-caminho
(conquanto ela não fosse isso realmente, posto que a descoberta-zen é a
descoberta do ‘não-caminho’), a pessoa-fluzz não pode ser vista assim: ela
é enxame. O enxame muda continuamente sua configuração, o que
significa que os caminhos também mudam continuamente com a
interação: o que era caminho em um momento já não é mais no momento
seguinte. A pessoa, como disse Protágoras (c. 430 a. E. C.) – ou a ele se
atribui – “é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são,
das coisas que não são, enquanto não são”. Assim seja (ou não-seja). Let it
be (ou not to be – o que é a mesma coisa)".

66
Novas formas pós-religiosas e pós-espiritualistas de espiritualidade vão
surgindo nas bolhas que se formam quando jogamos nossas bombas-fluzz.

13/11/2013

67
EPIGRAMAS PARA UM NÃO-CREDO

- Mas como será então? O que colocaremos no lugar de...?
- Não sabemos como será (será o que será). E não podemos colocar nada
no lugar de... antes de ser o que será (porque senão não será o que será).

- Onde isso deu certo? E se deu certo por que não durou?
- Deu certo onde deu (em outro lugar não daria, como deu). E não durou
porque deu certo (no tempo em que deu, deu; em outro tempo não daria,
como deu).

- Mas qual foi o resultado concreto? Houve mudança?
- O resultado foi um novo processo (não a coisa concreta produzida). A
mudança é sempre um novo processo que pode mudar as coisas
produzidas (para que as coisas novas não fiquem velhas).

14-20/11/2013
68

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Redes Espirituais

  • 2. Escritos Espirituais Augusto de Franco, 2013. Versão Beta, sem revisão. A versão digital desta obra foi entregue ao Domínio Público. Domínio Público, neste caso, significa que não há, em relação a versão digital desta obra, nenhum direito reservado e protegido, a não ser o direito moral de o autor ser reconhecido pela sua criação. É permitida a sua reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia. Assim, a versão digital desta obra pode ser – na sua forma original ou modificada – copiada, impressa, editada, publicada e distribuída com fins lucrativos (vendida) ou sem fins lucrativos. Só não pode ser omitida a autoria da versão original. FRANCO, Augusto de Escritos Espirituais / Augusto de Franco. – São Paulo: 2013. 68 p. A4 – (Augusto de Franco 1) 1. Redes sociais. 2. Espiritualidade. 3. Augusto de Franco. I. Título. http://www.augustodefranco.org 2
  • 3. POR QUE ESCRITOS ESPIRITUAIS Estes escritos espirituais recolhem quinze textos publicados por mim no Facebook e na Escola-de-Redes no ano de 2013, que já vai acabando. É preciso entender o sentido em que emprego a palavra "espiritual". Não é na acepção religiosa de algo sagrado por oposição a profano, muito menos na concepção espiritualista de folhetim de algo sutil em contraposição ao denso, nem no sentido moral derivado de algo necessariamente bom. Via de regra, o que se diz que é espiritual é ruim mesmo e é, ademais, uma perversão, quando expressa o domínio de um programa sacerdotal - e, portanto, de um poder hierárquico - sobre a vida material dos seres humanos comuns: corpóreos, imperfeitos, que não querem escapar da humanidade pela via do heroísmo ou da santidade. Espiritualidade para mim é tudo que nos conecta à nossa humanidade, que nos torna mais-humanos e não mais-que-humanos. Dito isto... São Paulo, 13-20 de novembro de 2013 3
  • 4. SUMÁRIO Por que a hierarquia é espiritual (13--16/02/2013) Se eu fundasse uma religião (12/03/2013) Nós somos as pessoas comuns (09/06/2013) Reaprender a brincar (19/06/2013) O barulho do sapo pulando na água (15/08/2013) Varrendo para dentro? (28/08/2013) Eu, caçador de mim (22/09/2013) Imaginando o simbionte social (26/09/2013) Passado, futuro, presente (27/09/2013) Aviso (17/10/2013) Empowerfulness (31/10/2013) Rede não é religião (11/11/2013) Méfiez-vous l'ironie (12/11/2013) 4
  • 5. O que morre em nós enquanto vivemos (12/11/2013) A bolha (13/11/2013) P. S. Epigramas para um não-credo (14-20/11/2013) 5
  • 6. POR QUE A HIERARQUIA É ESPIRITUAL Recuperando trechos de comentários em conversações sobre hierarquia no Facebook e na Escola-de-Redes de 13 a 16 de fevereiro de 2013 1 - Post de Augusto de Franco no Facebook replicado na Escola-de-Redes Algumas pessoas não entenderam por que escrevi no livro Hierarquia (2012): "O processo chegará ao paroxismo quando, ao lado da igreja e de outras organizações confessionais ou devocionais (seitas, associações religiosas, sociedades, irmandades, fraternidades), entrarem em cena as organizações esotéricas (como as maçonarias realmente clandestinas e as organizações secretas de cunho iniciático, em especial as ordens religiosomilitares que ecoam tradições templárias, por meio das quais o programa será instalado então na sua versão hard, quer dizer, na sua versão profissional, para desenvolvedores)" Mas nas recorrentes conversações sobre redes e hierarquias que ocorrem aqui no Face, no Twitter e na Escola-de-Redes, isso tem ficado cada vez mais claro. Há sempre uma metafísica influente orientando aquelas 6
  • 7. pessoas que querem salvar a hierarquia de qualquer jeito. Quando a conversação se adensa e quando esprememos os argumentos, não tardam a surgir hipóteses sobre o caráter divino, sagrado, cosmogônico, da hierarquia. Segundo tais alegações, a hierarquia entre os humanos seria, no fundo, um "reflexo" (nas versões mais benevolentes, um reflexo degenerado) de uma hierarquia "pura" (um poder sagrado, um princípio sagrado) inerente à organização oculta do cosmos e da vida. Seria algo assim "espiritual" (e os que dizem isso entendem que, por alguma razão, o espiritual é superior ao material, et pour cause). Outro dia fiz aqui um comentário jocoso sobre aquelas pessoas que ficaram surpresas com o estupro coletivo na Índia. Elas estavam surpresas porque não conseguiam entender como em um país com cultura tão espiritualizada podia ocorrer tal barbaridade). Disse, provocativamente, que foi por isso mesmo, porque a cultura era espiritualizada. Muita gente não entendeu. E não entendeu porque fomos impregnados pela mistificação de que o espiritual seria o bom e o material o mal, que o espiritual, o sutil, o elevado, seria evolutivamente mais avançado do que o material, o denso, o rebaixado. Ora, tudo isso faz parte da mesma perversão do programa de controle daquilo que, metaforicamente, chamei de "Matrix realmente existente". Sim, a hierarquia é espiritual mesmo (para além de um sentido hegeliano do termo), e justamente por isso é problema! Aplicado assim, o conceito de evolução é também uma perversão hierárquica. O mundo todo estaria organizado em uma escada (a Escada de Jacob): nos degraus superiores (do mundo da emanação) teríamos 7
  • 8. deus (ou as diversas qualidades do divino), nos degraus intermediários (do mundo da criação) teríamos toda a hierarquia angélica (serafins, querubins, tronos, dominações, potestades, virtudes, principados, arcanjos e anjos) e também os seres humanos que se elevaram, que evoluíram mais do que os outros. Em um mundo mais abaixo (o mundo da formação) teríamos ainda parte dessa hierarquia angélica se manifestando ocultamente na esfera da psique, no mundo dos sonhos e da magia. E abaixo de tudo (no mundo do produzir) teríamos os miseráveis seres humanos (também dispostos nos degraus da grande escada por graus evolutivos: os mais espiritualizados acima dos mais materializados). O esquema descrito acima (da Kabbalah, essa ideologia de professores judaicos) é basicamente o mesmo em outras tradições espirituais, espiritualistas e ocultistas. Alguns são mais refinados (mais "sutis", como eles gostam de dizer), mas, em última instância, expressam o mesmíssimo padrão. Há sempre algum fragmento desse "DNA de desenvolvedor" nos defensores da hierarquia. Mesmo quando essas pessoas nada têm de religiosas (ou "espiritualistas"), elas precisam acreditar que existe uma ordem pré-existente. Não suportam a ideia de que o universo seja criativo e se crie à medida que avance. Não! Tem que haver uma ordem oculta, primordial, primeva, que tudo organiza. É uma resposta conveniente à desesperança diante da finitude da vida humana tomada como um atributo individual. A crença fica mais grave quando essas pessoas acreditam que existem seres vivos que são "mais evoluídos" do que outros. Numa clara agressão 8
  • 9. à biologia da evolução, pensam que um ser humano (como espécie biológica) é mais evoluído do que uma bactéria. Claro que isso é um absurdo de vez que todos os seres vivos são igualmente evoluídos na medida em que todos os seres vivos descendem da primeira célula viva surgida há 3,9 bilhões de anos. Mas a crença assume o caráter de abominação quando algumas dessas pessoas começam a acreditar que mesmo entre os seres humanos uns seriam mais evoluídos do que outros (em geral dizem que uns são mais "espiritualizados", estão mais acima na escada da evolução). Percebam que há aqui um padrão. Tenho concluído que não adianta esgrimir argumentos com essas pessoas. Não adianta também apresentar evidências que corroborem hipóteses aceitas pela ciência. Não adianta dizer que os pássaros que voam em bandos não são liderados pelo que vai na frente. Não adianta dizer que as colmeias não têm rainhas (no sentido sociológico-político do termo). Não adianta dizer que os formigueiros não têm qualquer coisa que se possa chamar de administração. Não adianta dizer que a incidência do machoalfa entre canídeos e primatas não significa hierarquia (porque hierarquia é descentralização e não mando centralizado). Elas não querem saber de ciência. Não se trata disso. Elas precisam acreditar. Então os caminhos devem ser outros. Há tempos tenho tentado resolver essas controvérsias propondo um acordo prático. Digo assim: você pode acreditar no que quiser. Basta, para nos sintonizarmos na conversação, que você concorde em não reproduzir comportamentos que impliquem 9
  • 10. mandar nos outros (ou obedecer a alguém). Tudo bem? Do outro lado ouço geralmente um silêncio que significa: espanto! Sim, porque, no final é isso que importa. Ideias não mudam comportamentos: só comportamentos mudam comportamentos. Se, acreditando no que quiser, alguém concorda em não reproduzir comportamentos para comandar e controlar os semelhantes (e de não se sujeitar à obediência), beleza! Beleza? 2 - Comentário do Marcelo Maceo (que originou este post) Beleza de texto Augusto de Franco! Gostaria de aprofundar com quatro coisas. 1) Ao citar os tipos de organizações que gerariam um paroxismo ao tema, você fala da maçonaria, mas parece se referir somente às "realmente clandestinas". Discordo. A meu ver, isso ocorre com toda maçonaria, de qualquer tipo e origem, que ainda teima existir nos dias de hoje. Por que não ocorreria? A farinha é do mesmo saco, a estrutura de pensamento é a mesma, e sua política de ação também. 2) Concordo com seu texto, o achei muito esclarecedor, mas sendo eu uma pessoa que teve um "DNA de Desenvolvedor" (talvez com alguns resquícios ainda, rsrsr), me pergunto qual foi o lado positivo de termos mais de 5 mil anos de história e civilização baseada neste pensamento. Houve algum aprendizado? Qual o valor deste passado para com o que estamos falando hoje? 10
  • 11. 3) Pedir ao outro que não replique comportamentos de comando-controle é eficiente? Não é mais fácil simplesmente agirmos dessa forma e esperar que o nosso comportamento influencie a um, a outro, e logo todos estamos "replicando" comportamento de redes mais distribuídas? 4) Ao citar a questão do macho-alfa, temos "porque hierarquia é descentralização e não mando centralizado". O mando centralizado, mesmo não constituindo hierarquia, não geraria comportamento e replicações de comando-controle, ou poderíamos ter um mando centralizado que, mesmo funcionando nesta topologia, não gerasse o exercício de poder como descrito? O ponto em questão é a constituição de uma topologia na forma de hierarquia ou as relações de poder constituídas? Valeu Augusto! 3 - Comentário de Carlos Boyle Augusto, en todos estos textos tuyos sobre jerarquía parecería que están escritos del lado bueno de algo malo, oscuro, oculto. He estado investigando sobre servicios secretos, servicios de inteligencia y llegé a esta página http://www.rand.org/pubs/monographs/MG126.html (recomiendo bajar el sum resumen). 11
  • 12. En esas páginas se explica cómo surgen los patrones en el caos de información. Es como si esa desorganización estuviese organizada de alguna forma y es preciso saber cómo interpretarla. Finding the dots, linking the dots y understanding the dots, son los tres procesos esenciales para entender como funciona cualquier cosa. Lo interesante de esto es lo de secret, o secreto, poder leer los datos y después apropiárselos esconderlos, hacerlos secretos, ese es el único problema, hegemonizarlos. Los puntos allí dispersos se gobiernan solos. ellos no son culpables. 4 - Resposta de Augusto de Franco a Marcelo Maceo Marcelo Maceo, indo por partes, hehehe: 1) Você tem razão. Toda maçonaria é templária e, assim, é um servidor de programas verticalizadores. No livro (lembre que esse trecho é uma citação do livro) quis enfatizar que existem versões do programa ainda mais "profissionais" (hehe, se se pode falar assim). Nas maçonarias mais "profanas" (olha eu reincidindo também), estão disponíveis executáveis com versões básicas. Nas outras, às quais me referi, você pode também programar: o código é open (para os "aceitos", êpa!). Acho que você entendeu. 2) Não sei qual o "valor" desse passado. Valor é o que valorizado por alguém, certo? Por outro lado, como você também sabe, esse passado 12
  • 13. ainda não passou (do contrário não estaríamos conversando sobre isso aqui). A tradição é composta por ondas temporais que nos atingem intermitentemente. É replicação de padrões para outras regiões de tempo, não um conjunto de eventos pretéritos... Aprendizado, a meu ver, com certeza está havendo (do contrário - novamente - não estaríamos conversando sobre isso aqui). Do ponto de vista da hierarquia houve ensinagem (reprodução) e por isso houve o que houve e continua havendo! Lado positivo, entretanto, é uma pergunta que não cabe do ponto de vista da aprendizagem (só da ensinagem): é como imaginar que a experiência tenha servido a um propósito pré-existente, entendeu? 3) Pedir ao outro que não replique comportamentos de comando-econtrole não é eficiente. Oferecer o próprio exemplo individual, a rigor, também não é muito eficiente (a palavra "eficiente" é ruim, mas vá-lá). Eficiente é gerar ambientes onde tais comportamentos não incidam. Esses ambientes são redes (mais distribuídas do que centralizadas), quer dizer, são emaranhados pessoais. 4) Sim, hierarquia é descentralização. Por isso postei lá no Face, no domingo, o seguinte: "Por que hierarquia = centralização. Quando falamos de rede genericamente fica implícito que estamos tratando de topologias mais distribuídas do que centralizadas: mais próximas do diagrama (C). O diagrama (B) - desenhado a mão pelo próprio Baran (1964), no famoso texto "On distributed communications" se referia a uma topologia com alto grau de centralização. Por definição hierarquias são estruturas descentralizadas (quer dizer, multicentralizadas). O diagrama (A) se refere a uma estrutura com 100% de centralização mas não configura uma 13
  • 14. hierarquia porque todos os nodos têm acesso direto ao centro. Para haver hierarquia é necessário que haja intermediação. Hierarquia é o poder da obstrução de fluxos, é a escassez de caminhos artificialmente gerada pelo padrão de organização..." Você tem razão quando afirma que o mando centralizado gera comando-e-controle, mas se trata de uma forma instável, na qual os papéis podem ser trocados a qualquer momento e por isso não gera um padrão-replicante. É como o "poder" do cacique Yanomami: tem que ser negociado e renegociado a cada momento porque como todos os membros da tribo têm acesso ao cacique, o chefe (o centro da rede centralizada) está permanentemente vulnerável à interação, entendeu? Isso não gera poder institucionalizado, pode gerar no máximo influência culturalmente aceita. Além disso, se você observar atentamente verá que o chefe em questão não costuma mandar os outros fazer coisas contra sua vontade. Caciques e pajés, no nosso exemplo, são espécies de referências sócio-culturais (alguns diriam espirituais), não comandantes stricto sensu. Ainda que possam exercer funções de comando em conflitos eventuais, aqueles cosmos sociais onde exprimem a função empowelfulness não está organizado em função da guerra como instituição permanente (tal como nas civilizações patriarcais e guerreiras derivadas do que chamei de protótipo sumeriano). Então, para concluir, estou tratando mesmo da hierarquia (sacerdotal-militar em sua origem) e não de uma ou outra forma de mando implicada na influência eventual de um ator particular em uma topologia fortemente centralizada. 14
  • 15. 5 - Resposta de Augusto de Franco a Carlos Boyle Sim, oculto é o que foi ocultado. Esse é o único problema, como você diz. Mas por que foi ocultado? Qual a topologia que permite a prorrogação da ocultação? Quem faz isso, caro Boyle, são estruturas descentralizadas, quer dizer, hierarquias! Não é bom nem mau quem faz isso. Na tentativa de separar o bem do mal, a tentativa é, em si, o mal: a separação :) 6 - Comentário de Marcelo Maceo 1) Capisco! 2) Muito legal isso aí. Ao dizer que "A tradição é composta por ondas temporais que nos atingem intermitentemente. É replicação de padrões para outras regiões de tempo, não um conjunto de eventos pretéritos..." me veio a idéia (to viajando aqui) de que passado na verdade não existe, ou melhor, existe somente a idéia que fazemos dele. O mesmo vale ao futuro. O que passou, só é real através do que mantemos em nossas cabeças. Seria o mesmo que dizer que história (no seu sentido factual) não é o que passou, mas somente o que estamos fazendo aqui e agora, e que a memória (a experiência, o sentimento que guardamos) seria o que chamamos de passado. Então, o que é o passado? Se meu comportamento hoje mudar minha visão de mundo (e consequentemente, recontextualizar toda minha memória), naturalmente não estaria alterando todo o passado? Os fatos são os fatos, mas creio que 90% da interpretação que damos a eles decorrem de como nos 15
  • 16. comportamos, de como enxergamos a Matrix. Sinceramente, me parece que a transformação que eu mesmo passo entre o DNA da Tradição e o que articulamos aqui, tem me feito descobrir uma história completamente diferente em minha memória... E quantas realidades diferentes do que foi e será não existem simultaneamente neste multiverso? Destaco também a idéia de que em ambientes de aprendizagem não existe lado positivo ou negativo, não se espera resultado, aprende-se com o que é vivido no momento, seja como for (ZEN?). 3) Ao gerar tais ambientes, como eles ocorrem? Uma pessoa pode querer começar a fazer algo assim, e observar se possui e o quanto possui seu comportamento replicado? Ou se for assim, não vai rolar (parece uma hierarquia, uma direção dada ao que não tem direção). Ou seja, isso só ocorre se for espontâneo, nos pegar de surpresa, e por isso mesmo, pode ocorrer de forma coletiva, simultaneamente com várias pessoas? Talvez devamos pensar não em gerar tais ambientes ou comportamentos, mas em como não-manter qualquer inércia que iniba a formação de redes em qualquer ambiente. Como permitir ambiência, abertura, ao fluzz? Ambientes de cocriação? 4) Augusto, ótima analogia aos caciques e pajés, me lembrou muita a experiência que tive com eles no Xingu e com Xavantes (sim, ainda há quem se salve, não infectado pelo vírus da Matrix, mas sim, a hierarquix já avança por lá), nestes últimos 5 anos em que estive pelo MT. Poderíamos dizer que tais centralizações (como a citada) são fenômenos naturais das 16
  • 17. redes (e não interferências culturais que deformam a dinâmica, como as redes descentralizadas)? E gostaria de trazer algo, resgatando um pouco a questão de que "acredite no que quiser, não importa", ou seja, hoje existem múltiplos mundos, faça o seu. Mas, faça desde que você não replique comportamentos hierárquicos? Eu me pergunto (e estendo a todos nós), se quero mudar isso, ou se não me importo e "cada um no seu quadrado". Está feliz obedecendo ao papa? Seja feliz? Ou não? Você está se enganando, veja aqui... Em outras palavras Augusto e demais membros da E=R, onde está a linha que separa a liberdade de cada um viver como preferir e uma interferência nossa (ainda que apenas comportamental, "passiva") sobre a escolha de cada um? (Libertá-los do vírus da Matrix?). São perguntas que me faço, não tenho resposta, mas compartilho com todos. 7 - Comentário de Nilton Lessa Marcelo, Não sei se entendi muito bem o que você escreveu aqui: "Ou seja, isso só ocorre se for espontâneo, nos pegar de surpresa, e por isso mesmo, pode ocorrer de forma coletiva, simultaneamente com várias pessoas?"; vou escrever sobre o que acho que entendi. Ninguém é uma "ilha isolada" de quereres e desejos; então o "espontâneo" para mim só faz sentido para mim se entendido como "Ninguém te obrigou" a fazer/querer. Mas isto não significa que não 17
  • 18. houve "influências" (por definição, para mim, sempre as há, o ser humano como "pessoa" é, de certo modo, um coletivo (estou falando aqui como "mente humana" mesmo). Esta é uma grande confusão que existe: entre influência e poder (no sentido clássico que a sociologia define; por exemplo, qualquer tentativa de conversa entre A e B implica que um está influenciando o outro; porque quando dois conversam, a conversa só é possível se A fizer o movimento de, ao ouvir o que B diz, se colocar na posição de B; e vice-versa; fazendo uso daquela capacidade empática e simpática "entranhada" na biologia da maioria dos seres vivos e, em especial, dos mamíferos). Obviamente quando biologicamente um ser constrói sua nuvem de pensamentos "se colocando na posição de outro" está sendo "influenciado"; isto é, há relações intrínsecas, emaranhadas, entre a mente de A e B. Mas o problema conceitual é a confusão entre influência e poder (um alguém que tem capacidade de obrigar outro a fazer ou não-fazer algo. Do ponto de vista da interação isto é equivalente, sempre, a alguém que pode obstruir fluxos interacionais. Mas alguém que pode obstruir fluxos interacionais só existe em ambientes sociais regidos de modo hierárquico.) E como a sociologia parece só tratar e estudar ambientes sociais hierárquicos, fica tentando "mapear" automaticamente "influência" para seu significado. Mas isto é errado, pois trata-se de dois conceitos bem diferentes. O interessante é: do ponto de vista da ciência das redes consegue-se deduzir o conceito "poder que a sociologia trata"; mas o contrário parece não ser verdade. Então, conviver, trabalhar e produzir em ambientes não-hierárquicos não significa o ser humano não poder fazer planos, não tecer metas etc; 18
  • 19. significa o ser humano não tecer metas para o outro; não fazer planos para outros. É simples assim. 8 - Resposta de Marcelo Maceo a Nilton Lessa Grande Nilton, desculpe o texto confuso, vou escrevendo na correria por aqui, mas também gero a possibilidade de vocês exercitarem a imaginação ao tentar adivinhar o que quis dizer, kkkkk. Muito bem esclarecido, realmente, confundo estes conceitos, e esclarecendo aqui fica mais fácil de prosearmos. Sendo assim, aproveito para perguntar se uma influência que seja dirigida intencionalmente para um fim específico (para vender uma idéia ou converter alguém) não seria um tipo de exercício de poder (a política também não teria relação com isso? Quem sabe a publicidade também?). 9 - Resposta de Augusto de Franco a Marcelo Maceo Acho que não, Marcelo. Concordo com o que disse Nilton no texto acima. Um dos problemas da análise sociológica do poder é que ela introduz uma apreciação equívoca e, com isso, desviriliza (essa palavra, sei, vai me dar problema então vou trocá-la pela expressão) ou 'torna impotente' o conceito de poder quando este se refere ao poder de mandar alguém fazer alguma coisa contra sua vontade. E esse equívoco é introduzido toda 19
  • 20. vez que se desliza o conceito de poder para significar "influência" ou mesmo quando se fala de um "poder simbólico", de um "poder cultural" (como se todo poder não o fosse), de um poder das lideranças emergentes ou, ainda, quando se aplica o conceito de poder a interações não-humanas (poder chimpanzé, por exemplo). A conversa é particularmente difícil porque usamos no cotidiano a palavra poder para designar a capacidade de fazer qualquer coisa: poder de realizar, poder de juntar pessoas e por aí vai. Somente com a ciência das redes o termo poder ganhou a acepção inequívoca de obstrução de fluxos, eliminação de atalhos ou exclusão de nodos (que são, ao fim e ao cabo, a mesma coisa: condicionamentos impostos à livre interação, que então deixa de ser livre). Nesse sentido Marcelo, não há um "bom poder", um poder exercido para divulgar boas ideias... Não cabe nem julgar se é do bem ou do mal. Simplesmente é assim. É um fenômeno da interação, não uma intenção do sujeito que se possa avaliar eticamente. Agora, se tomarmos como referencial do desejável tudo que aumenta os graus de liberdade (como tomam os democratas) e a cooperação (como tomam os que ensaiam redes distribuídas), então o poder (no sentido da ciência das redes, tal como alguns de nós a apreendem) é sempre indesejável. Porque liberdade é não poder e poder é uma medida de nãorede (distribuída), quer dizer, de não cooperação. Ambos - liberdade e cooperação - são atributos da forma como nos organizamos e nada mais 20
  • 21. (Arendt já havia dito isto sobre a liberdade e eu acrescentei a cooperação). Mas noto, Marcelo, que esta mesma questão já foi trazida à conversação por você, pelo menos mais de duas vezes. O que é sinal, interpreto, de que a questão não foi esgotada e que você continua com uma inquietação. Se você influencia uma pessoa com suas ideias ou seu comportamento mas não move uma palha para restringir os caminhos dessa pessoa, então no sentido acima você não exerce poder sobre ela. Se você não verticaliza (ou deforma anisotropicamente) o campo em que ela se move, você não exerce poder sobre ela. Este é o sentido de poder como poder de mandar. É claro que se pode sempre argumentar que quem faz isso também conduz as pessoas usando outros instrumentos coercitivos ou restritivos (por exemplo, permitindo que apenas circule um jornal, um canal de TV etc). Neste caso, quem faz isso desse modo está exercendo poder, não porque está influenciando com suas ideias e sim porque está restringindo caminhos (proibindo, por exemplo, que o influenciado também influencie outras pessoas e até mesmo o influenciador). Desgraçadamente a confusão entre influência e poder (e os outros deslizamentos do conceito mencionados no início deste comentário) é urdida por alguns, conscientemente, para dizer que todos os líderes exercem poder, que os hubs são uma função de poder, que os articuladores e animadores de redes têm mais poder do que os outros. Tudo isso, quando é feito assim, como um expediente instrumental, serve ao propósito de validar hierarquias, dizer que elas são naturais, que elas 21
  • 22. emergem da interação, que elas são uma fenomenologia social, automática, ou que tudo obedece a uma lei cósmica. 13-16/02/2013 22
  • 23. SE EU FUNDASSE UMA RELIGIÃO Se eu fundasse uma religião ela não exigiria a inclusão das pessoas em clusters fechados dos que professam a mesma fé. E nem invalidaria todas as conversações místicas diferentes das suas. Não se declararia como único caminho verdadeiro, apavorando os outros com a sentença de que fora dela não há salvação. Se eu fundasse uma religião ela não teria doutrina oficial, dogma ou símbolo. Não erigiria igrejas e, assim, não separaria uma igreja docente (um corpo sacerdotal) de uma igreja discente (composta pelo rebanho de fiéis, os leigos). Porque ela não teria sacerdotes, nem qualquer burocracia de intermediários. Se eu fundasse uma religião, ela não pavimentaria com a crença um caminho para o futuro alheio. Nem se constituiria como um artifício para proteger as pessoas da experiência de deus. Sim, se eu fundasse uma religião haveria deuses, claro, qual o problema? Mas seriam mais ou menos assim, mal comparando, como aqueles deuses da democracia grega, deuses da conversação, quer dizer, deuses-fluzz, deuses da interação, como talvez tenha sido prefigurado pelo Zeus 23
  • 24. Agoraios (divindade tutelar que protegia as conversações na praça do mercado de Atenas) e a deusa Peitho (a persuasão deificada). Que fique bem claro! Minha religião inventada não teria deuses prépatriarcais (naturais) e muitos menos deuses patriarcais (sobrenaturais) mas, quem sabe, poderia ter deuses pós-patriarcais (sociais), desde que incapazes de exigir culto dos humanos e, sobretudo de escravizá-los ou submetê-los à servidão. Seriam deuses humanizados, mais-humanos porque sociais e não mais-que-humanos, super-humanos, extra-humanos, antissociais. Não seriam tais deuses potestades unitárias criadoras de qualquer ordem pré-existente e sim entidades compostas pela interação, simbiontes constelados fractalmente por nós. Se eu fundasse uma religião um cara como Paulo de Tarso estaria fora. Nada de codificadores de doutrina. E um cara como Inácio de Antioquia estaria fora: nada de supervisores (ou episcopos). E nada de padres: todos seriam diáconos. Seria uma religião de garçons: uns servindo aos outros animados pelo espírito santo (que seria santo a não ser enquanto estivesse expressando essa emoção amorosa). Se eu fundasse uma religião ela não teria templos, nem ritos, rituais, liturgias... e também nada de muros, escadas, portas, colunas, altares, lugares mais sagrados e outros símbolos templários. Não teria cerimônias de iniciação, ordenação, sagração, consagração ou qualquer outro script maligno que pudesse programar as pessoas lesionando suas almas. Mas uma coisa exigiria minha religião: que as pessoas que a ela se conectassem apostassem na democracia 24 como movimento de
  • 25. desconstituição de autocracia. Sim, seria uma religião para quem não aceita a autocracia, para quem está disposto a desobedecer e, portanto, para quem não acata nem reproduz hierarquia de nenhum tipo, sobretudo espiritual. Uma religião para quem não segue líderes, não se deixa arrebanhar em massas de filiados, nem compõe quadros de sequazes ou militantes de uma causa. Sim, é isto mesmo: uma religião para quem não quer ser cavalgado. É claro que você já percebeu que minha religião inventada seria uma nãoreligião. Seria uma simples rede aberta de pessoas dispostas a polinizar mutuamente os modos pelos quais experimentam sua mística ou sua espiritualidade, compartilhando as formas semelhantes como vivem um domínio mais amplo de relações de existência e celebrando suas afinidades e amorosidades mutuas. Se eu fundasse uma religião... 'Se' é uma hipótese especulativa, não um projeto. Como não vou mesmo fundar uma religião e nem uma nãoreligião, não serei fundador de nada. Mas ninguém me impeça de provocar. 12/03/2013 25
  • 26. NÓS SOMOS AS PESSOAS COMUNS Nós não somos os anônimos. Somos aqueles que têm muitos nomes. E temos nossos próprios rostos. Não somos mais um indivíduo numa massa uniforme de mascarados com a mesma máscara. Não queremos ser mais uma parte em qualquer coletivo: queremos ser o todo naquela parte que somos porque cada um de nós é unique. Não queremos substituir o velho mundo por outro que também seja único. Sabemos que muitos mundos são possíveis, desde que consigamos construí-los em nossa convivência. Somos muitos, sim, mas um-a-um: nada de rebanho, nada de seguimento de lideranças, nada de caminhos pré-traçados para um porvir radiante, nada de revoluções épicas, nada de transformações cósmicas capazes de produzir um novo céu e uma nova terra. O novo céu será a composição fractal de muitas terras, de muitas redes tecidas por nós: liricamente! Nós somos os que desobedecem, no dia a dia, nos pequenos gestos, salvando os mundos em que interagimos um instante de cada vez e não em formidáveis batalhas episódicas. Nós não achamos que todo mal que nos assola será redimido quando vencermos algum grande inimigo. 26
  • 27. Sabemos que o único inimigo que existe é aquele que constrói inimigos para lutar contra eles. Não somos nem queremos ser heróis ou santos, que fugiram da humanidade porque não se achavam bons o bastante. Heroísmo ou santidade não convêm a seres humanos. Não temos mais raízes: temos antenas. Não pertencemos a grupos e não erigimos organizações, não construímos diques e não lançamos âncoras para nos proteger da correnteza, para escapar do fluxo caudaloso... Não temos medo do abismo da interação. Quando o abismo nos olha, pulamos nele. Nós somos as pessoas comuns. 09/06/2013 27
  • 28. REAPRENDER A BRINCAR Sobre a alegria da convivência na Avenida Paulista na noite de 18/06/2013 Vocês já viram crianças brincando? Pois é. Elas não ficam calculando para quê servem suas brincadeiras. Simplesmente fluem, se comprazendo na fruição da convivência. Não há um objeto oculto, externo, urdido, planejado, uma engenharia, uma instrumentalização do tipo: estou fazendo isso para alcançar aquilo. Quando brincam, estão se apossando do presente, vivendo-o em plenitude. E se alegram (porque - como cantou o Vinicius no Samba da Bênção - é melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, ela é assim como a luz no coração). Bem... depois as crianças são ensinadas de que isso não leva à nada, que pessoas responsáveis, sérias, não devem brincar, desperdiçar seu tempo com bobagens. E aí viramos adultos e não brincamos mais, perdemos a capacidade de fazer alguma coisa pelo que ela é e nos pomos então a organizar a nossa vida para alcançar objetivos imaginários e abstratos que não estão contidos no ato em si. 28
  • 29. Quando acontece alguma coisa boa, inédita, nem percebemos o potencial transformador da novidade que se constelou porque ficamos logo pensando para onde aquilo vai nos levar, como vai ser o amanhã e o depois de amanhã. Essa alienação do presente acomete, sobretudo, os que querem organizar os outros, conduzi-los para algum lugar (que, na verdade, eles não sabem onde é). Na Paulista, ontem a noite (18/06/2013), me contou a Guta de Franco, configurou-se um ambiente parecido com uma TAZ (Zona Autônoma Temporária do Hakim Bey), mas creio que muitos não perceberam o potencial revolucionário do que se constelou ali. Em virtude da termos sido infectados, desde a primeira infância, com a ideia instrumental de alcançar objetivos (e de organizar os outros), não nos permitimos viver o que de fato pode mudar o firmware da sociedade de controle. É quase uma tara, muito comum em militantes (esses seres deformados que querem conduzir os outros para algum lugar no futuro: que não existe e não pode existir na medida em que só temos o presente). Refletindo sobre isso, acho que devemos prestar atenção ao que dizia aquele judeu marginal de Nazaré e nos tornar crianças outra vez. Reaprender a brincar. 19/06/2013 29
  • 30. O BARULHO DO SAPO PULANDO NA ÁGUA Um post dedicado aos meus amigos O algoritmo do Facebook calculou que sou uma Figura Pública. Não sou. Sou ainda uma pessoa privada tentando ser uma pessoa comum. Nesse caminho fico meio atordoado e, às vezes, desolado. Acontece o seguinte. Querendo ou não a gente vai se conectando a mais gente diretamente, com 1 grau de separação (mais amigos). Quando isso acontece também aumentam os nodos do nosso emaranhado em 2 graus de separação (os amigos dos amigos), em 3 graus de separação (os amigos dos amigos dos amigos) e assim por diante. Todo esse campo mais próximo a nós (em especial até 3 graus de separação) começa então a interagir com a gente. Bem... aí muda muito a nossa vida. Como sou um cara aberto à interação com quem não conheço (do contrário não estaria tentando ser uma pessoa comum, no sentido de commons), minha timeline deu para ficar cada vez mais caudalosa. Então, para conversar com todo mundo, gasto horas aqui no Face, no Twitter, na Escola-de-Redes e em outras plataformas, no Gmail etc. Sem falar dos 30
  • 31. contatos e conversas pessoais que mantenho diariamente com cada vez mais gente também, aqui no LABE=R e em todo lugar onde vou. E por telefone, skype, hangout... É claro que se eu quisesse continuar sendo uma pessoa privada, incomum, eu selecionaria as minhas interações, usaria as mídias sociais para fazer broadcasting e auto-propaganda. Não responderia a todo mundo. Não entraria em bola dividida, iria só na boa, publicaria só coisas que não despertassem contrariedade, falaria do bem, do belo, do verdadeiro. Espalharia boas vibrações... Falaria, quem sabe, de coisas como o Dharma de Buddah (sem responder como aquela velha pessoa-zen: "DharmaBuddah? Não passa de esterco seco"). Mas, incorrigível que sou, quando alguém me pergunta coisas assim, retruco como Yun-men: "Bosta". Os caras podem achar que estou xingando, mas não estou: é apenas o barulho da pedra caindo no rio ou do sapo pulando na água... Enfim - não é assim que as figuras públicas fazem? - construiria uma persona (sobretudo aqui neste Personabook) para vender geral, calcularia o que pode me dar mais popularidade, aumentar o meu prestígio e influência, eventualmente conquistar mais pessoas dispostas a me seguir ou a me contratar para palestras e consultorias. Porque, afinal, é disso que eu vivo. Aí seria só beleza! Uma pessoa que construiu uma persona tão lhana, tão bacana, tem pouco risco de nos trazer problemas (é o que deve pensar, imagino, a média dos contratadores). 31
  • 32. Entretanto, não consigo fazer isso. Ou melhor (ou pior): faço exatamente o contrário. Entro em todo tipo de disputa (de ideias) quando acho que é relevante, enfrento os grandes preconceitos e invisto contra tabus: critico a família monogâmica, a escola, a igreja, os sindicatos, os partidos, as empresas-pirâmides, o Estado-nação e as organizações hierárquicas em geral. Porque, afinal, é disso que eu sou. "Pô cara! Mas você critica tudo? Assim você vai acabar sozinho". Mas o diabo é que não acabo e cada vez aumenta mais o número de pessoas que interagem comigo. No entanto, meu tempo para trabalhar (no sentido de ganhar dinheiro para sobreviver) está cada vez mais reduzido. Como prezo demais a interação e mantenho firmemente a decisão de interagir com qualquer pessoa (conhecida ou não) que comenta ou propõe qualquer coisa, a porcentagem da minha atividade pro bono (faço cada vez mais isso também) e das atividades sem perspectiva de lucro (como interagir aqui, por exemplo) tem aumentado bastante. Se já era 90% agora deve estar beirando os 95%. Sim, somente 5% (mais ou menos) do meu tempo é gasto em atividades cujo retorno financeiro me permite pagar as contas. Até aí tudo bem (ou não, mas vou levando: pelo menos enquanto estiver respirando). O problema é a desolação que surge quando nos desiludimos ao ver que nem todo mundo está mais ou menos sintonizado com a gente. Não está mesmo. Nem era para estar. Mas sempre nos iludimos (e por isso nos desiludimos). Aumentos bruscos do raio da "mancha interativa" 32
  • 33. que nos afeta (porque nela estamos imersos e somos - o que somos e como somos), acarretam, não raro, desacoplamentos estruturais. Ou seja, um número crescente de pessoas não se comunica propriamente com a gente mas interage adversarialmente, às vezes para provocar ou para assacar falsas acusações e alegações infundadas. A porcentagem dos que fazem isso, felizmente, ainda é bem pequena. Mas, repito, é crescente. A maior parte desses provocadores é composta por militantes partidários. Não conseguem entender que possa haver alguém que não pratique a política como arte da guerra ou como questão de lado. Então eles dizem: "De que lado você está afinal? Se não está do nosso lado deve estar do lado dos inimigos (dos exploradores, dos capitalistas, dos neoliberais). Se não é do PT (ou dos partidos de esquerda aliados e subordinados ao PT) deve ser um tucano. Ah! Já sei: você é um tucano disfarçado; se finge de neutro mas é também um militante igualzinho a nós". Como argumentar com essa gente? Mas o mais angustiante são aquelas pessoas que interagem de boavontade, levantando questões que estamos investigando e sobre as quais estamos conversando há anos, quem sabe há décadas. A maneira como os investigadores tradicionais se livravam dessas dificuldades era simples: eles simplesmente não respondiam. Aliás, eles nem tomavam ciência das perguntas. Se você é Carnap no Círculo de Viena só conversa com Tarski, com Quine, com Ayer, com Gödel, com Hempel (vá-lá). As pessoas que não são do seu inner circle nem sabem o seu telefone, seu endereço, seu 33
  • 34. e-mail (porque você não divulga geral, porque você é um cara diferenciado, porque você não pode perder tempo com qualquer um do povo). E isso vale para todo mundo que se diferenciou, que alcançou o que chamam de sucesso porque fez seu próprio açude para acumular poder, riqueza, conhecimento atestado por títulos e fama. Não, eles não podem se misturar, não podem se aproximar dos outros depois de todo esforço que fizeram para se diferenciar, para não-ser pessoas comuns. Mas para quem quer pular no abismo do fluxo interativo, tal fórmula não funciona. Se você quiser viver no fluxo, não lhe resta alternativa senão tentar ser uma pessoa comum. E aí não pode se fechar ao outroimprevisível. Mas permanecer aberto ao outro-imprevisível incomoda quando o outro incomoda. Posso dar alguns exemplos, diretamente ligados aos meus principais temas de interesse nas duas últimas décadas mais ou menos: rede (distribuída) como movimento de desconstituição de hierarquia e democracia como processo de desconstituição de autocracia. Sim, tudo que penso, estudo, investigo, falo e experimento é sobre isso. É disso, afinal, que eu trato. Nesta altura da minha trajetória de adaptações (ou da minha história fenotípica) este é o resultado da minha alostase cultural: é isso que eu sou agora. 34
  • 35. Primeiro exemplo. Há 5 anos venho tentando refutar a visão (generalizada ou quase) da hierarquia ser uma coisa que advém da natureza ou que sobrevém de alguma instância super-humana (divina, angélica), a hierarquia como algo imanente ou transcendente. A conversa não tem fim. Você acaba de argumentar com um e vem outro em seguida expondo as mesmas alegações do primeiro, as mesmas concepções primárias, as mesmas crenças, os mesmos exemplos furados, as mesmas hipóteses que a ciência já desmascarou... dizendo que se a hierarquia não fosse natural as abelhas não tinham rainha e outras tolices (como a daqueles caras que acham que o pássaro que vai na frente num voo em formação delta está liderando o conjunto). Não tem fim. Como o programa (da Matrix realmente existente) foi carregado em todo mundo (o mesmo programa, ressalto), a rigor você teria que argumentar durante milênios, com 1000000 de pessoas (para ficar ainda nos três graus de separação). Outro exemplo é o da democracia. Chega a ser cruel. Noventa por cento (ou mais) das pessoas parecem estar convencidas de que democracia é sinônimo de eleição ou que democracia é a prevalência da vontade da maioria. E quando você mostra que não é, com argumentos racionais, pouco importa. Para cada pessoa que é capaz de refletir sobre os argumentos e evidências que você apresentou aparecem centenas, milhares, que voltam com as mesmas e surradas questões. Sei que é assim mesmo. A gente não sentia tanto quando nosso emaranhado era menor porque o mundo era menos distribuído, menos 35
  • 36. conectado e menos interativo. Mas agora, que aquele manso córrego virou uma enxurrada avassaladora, faz muito barulho. Chega a ser ensurdecedor. A solução que encontrei - quando a conversação racional não tem mais chances de progredir - foi a seguinte. Digo: não importa o que você pense, no que você acredita, não importam os seus valores. Estaremos de acordo se você se recusar a estruturar ou a operar ambientes configurados para mandar nos outros (ou para obedecer a alguém). Você concorda? Sim, como ideias não mudam comportamentos (só comportamentos mudam comportamentos), isso para mim - que estou dedicado a desconstituir hierarquias e autocracias - é o fundamental: deixar de mandar nos outros e não obedecer a ninguém. Em geral, porém, quando faço tal proposta, "ouço" do outro lado apenas o silêncio. Um silêncio desolador. 15/08/2013 36
  • 37. VARRENDO PARA DENTRO? Sobre as circularidades da corrente interativa que não queremos deixar escapar Há três anos alguns amigos estamos repetindo uma frase que à primeira vista pode parecer surpreendente: nós já descobrimos a "fórmula" e a "fórmula" é a rede. Esta frase quer dizer que não há caminho para a rede, pois a rede é o caminho; ou seja: que para chegar a novas formas de convivência e de organização mais distribuídas do que centralizadas, não há alternativa senão começar a praticar - hoje, não amanhã - formas de convivência e de organização mais distribuídas do que centralizadas. Isto é a transição para a rede. Não há como adotar formas de convivência e de organização mais centralizadas do que distribuídas como estratégia para se chegar a formas de convivência e de organização mais distribuídas do que centralizadas. Não há como usar uma organização fechada como meio para se chegar a uma organização aberta. Apesar disso, mesmo os que afirmamos essas coisas, somos surpreendidos, não raro, fazendo o oposto do que apregoamos. Sob o 37
  • 38. pretexto de que a cultura de determinado ambiente não está ainda preparada para a rede, adotamos modos de relacionamento e padrões de organização que fecham em vez de abrir. E aí, mesmo protestando o contrário, fazemos grupos proprietários, com marcas distintivas e tentamos capturar fluxos para ficar rodando dentro dos ambientes que estruturamos. O que é mais incrível é que fazemos isso declarando o oposto: que estamos estruturando ambientes abertos à interação ou em rede. Ser aberto, ser em rede mais distribuída do que centralizada, acaba virando marketing, no melhor dos casos branding - mas tudo como elementos de uma estratégia. O que revela que há uma estratégia na cabeça dos que fazemos isso. E enquanto houver uma estratégia, uma maneira - por mais doce, suave e gentil que seja - de ganhar os outros, seduzir os outros, utilizar os outros para atingir um objetivo urdido por nós antes da interação, estaremos caminhando na contra-mão do que divulgamos. Só há uma maneira de resistir à tentação de formar um grupo ou pertencer a um grupo: pertencer a vários grupos simultaneamente. Então, se alguém frequenta sempre o mesmo lugar, conversa sempre com as mesmas pessoas ou até conversa com todas as pessoas que chegam (ou se conectam) mas sempre a partir de um núcleo recorrente de pessoas - as mesmas - formando um inner circle (conquanto informal e nãointencional), pode-se apostar sem grande risco de errar: quem faz isso está formando um grupo mais estratégico do que os demais grupos, está selecionando fluxos e valorizando um fluir interno de modo aumentativo 38
  • 39. em relação aos outros fluxos que ocorrem no seu ecossistema mais ampliado (o que fecha em vez de abrir). E o mais curioso, repito, é que quem faz isso, o faz proclamando o contrário. Fica até parecido com aqueles militantes de organizações autocráticas que vivem fazendo discursos elogiando a democracia. Isso acontece nas mais diversas atividades. Pessoas que defendem a livreaprendizagem acabam estruturando algum tipo de escola. Pessoas que vivem propagandeando (e tentando vender) propostas de rede adotam ferramentas fechadas aos outros, com níveis baixos de interatividade (basta espiar seus sites para constatar o óbvio). Pessoas que fazem propostas de empreender em rede e de viver no fluxo do rio interativo sobrevivem, na verdade, dos açudes que construíram. Pessoas que pregam a democratização da democracia, organizam grupos de militantes em prol de uma causa exercitando modos de regulação que produzem artificialmente escassez. Mas o pior de tudo é que essas pessoas, mesmo quando proferindo discursos que exalçam a colaboração, acabam adotando uma prática competitiva. E elas competem, sobretudo, com quem está mais próximo, porque avaliam que quem está mais próximo pode ameaçar mais a sua estratégia, as suas iniciativas, a sua liderança (sim, quando há competição, sempre há competição pela liderança, pela influência sobre as pessoas que são usadas pelo líder para implantar a sua estratégia ou levar ao sucesso suas iniciativas). 39
  • 40. A competição, por certo, não é um objetivo, não é nem mesmo uma escolha racional: é apenas a consequência do modo como nos relacionamos. Se você faz um grupo (mesmo dizendo que não é um grupo fechado, mesmo dizendo que é uma rede aberta, mesmo jurando por deus que não está fazendo isso e que não quer fazer isso), a competição surgirá. Mas a competição não é natural. Não é um defeito nem uma característica intrínseca à natureza humana. Não emerge da livre interação. Ela só brota quando se captura fluxos para fazê-los rodar em um mesmo ambiente. É um atributo do fluir recorrente, em looping, daquelas circularidades da corrente interativa que, por algum motivo, não queremos deixar escapar! E aí... bem, aí começamos a ficar preocupados com outros fluxos que ocorrem em nossa vizinhança. Queremos trazê-los para dentro do nosso ambiente. Com a melhor das boas intenções, tudo parece fazer sentido: afinal, queremos atrair mais pessoas, adensar o fluxo daquilo que estamos empreendendo com tanto amor no coração, muitas vezes com sacrifício, frequentemente colocando nossos próprios recursos para configurar o ambiente ideal inicial que, então, poderá (como ansiamos) gerar iniciativas mais autônomas, capazes de andar com suas próprias pernas. Então, começamos a avaliar outras iniciativas como riscos "externos", como algo que pode drenar energias que julgamos necessárias para a consecução da nossa estratégia. Minha experiência e minhas reflexões indicam que tudo isso acontece quando não conseguimos resistir à tentação de pertencer a um grupo. E 40
  • 41. indica também que - quando isso acontece - é sinal de que não estamos adotando a "fórmula" que já descobrimos: fazer redes, sem a preocupação de capturar ou direcionar fluxos para um objetivo pré-fixado, não importa se tal objetivo só é conhecido inicialmente por nós, intimamente. Dá no mesmo. Quando só nós temos claro um objetivo préfixado, não conseguimos evitar que se formem - a partir de nós ou até independentemente de nós - círculos mais fechados com seus próprios objetivos pré-fixados. A onda se propaga a partir da direção imprimida pelo movimento inicial. É assim que uma coisa projetada para ser fora do eixo acaba dentro do eixo. A solução, portanto, não é nos isolarmos dos outros. Pelo contrário, a solução é interagir mais, não menos. Mas interagir em vários ambientes, interagir com vários grupos, sem eleger um deles como mais estratégico do que os demais. Evitar, a todo custo, ser alguém identificado com uma única iniciativa, com um único nome, com uma única marca. Não capturar pessoas e não capturar fluxos (em certo sentido, é a mesma coisa). Não se deixar capturar por pessoas e não se deixar capturar em fluxos já condicionados a percorrer determinadas trajetórias. Não tratar os outros como objetos, como se fossem peças importantes de nossa estratégia ou do nosso empreendimento. Não querer ganhar, não seduzir, não "varrer para dentro"; enfim: não usar o outro. Para concluir. Há espaço de sobra e haverá cada vez mais numa sociedade-em-rede - para várias iniciativas, para vários empreendimentos, inclusive conexos, conectados, interligados, interagentes. Não é como no filme Highlander: "Só pode 41
  • 42. haver um". Não é necessário disputar nada com ninguém. Só fazer ou nãofazer (percebendo o fluxo e o refluxo). E se alegrar. 28/08/2013 42
  • 43. EU, CAÇADOR DE MIM 1 - Defendo em qualquer circunstância a democracia. Tomo a democracia no sentido "forte" do conceito, como movimento de desconstituição de autocracia. Por isso, não sou marxista ou liberal, não sou de esquerda nem de direita (acho tal divisão uma besteira e um anacronismo), não sou aderente ao politicamente correto e odeio ditaduras, protoditaduras e "manipuladuras" (democracias formais parasitadas por governos neopopulistas manipuladores). 2 - Creio que somente a paz é revolucionária. Entendo a paz como pazeamento das relações, como modo de caminhar (e não como objetivo final da caminhada). Por isso, sou contra qualquer tipo de ação violenta, de luta ou de guerra (penso que não existe o bom combate ou a guerra justa porque avalio que a guerra, em quaisquer de suas formas - quente, fria ou continuada como política adversarial - é, em si, o mal) e acho que só existe um inimigo: o fazedor de inimigos. 3 - Há dez anos meu objetivo e minha ocupação principal tem sido o netweaving, quer dizer, a articulação e animação de redes (mais distribuídas do que centralizadas). Entendo as redes como movimentos de desconstituição de hierarquia. 43
  • 44. 4 - Não pertenço a nenhum grupo, nem sou subordinado a qualquer organização hierárquica (seja empresarial, governamental ou social incluindo partidos, corporações, igrejas, seitas ou ordens de qualquer tipo). 5 - Não tenho nenhum mestre, líder ou chefe. Não sou nem serei mestre de alguém e não quero liderar ou chefiar ninguém. Não obedeço nem exijo ou aceito obediência. 6 - Não tenho emprego, salário, aposentadoria, pensão ou qualquer propriedade (ou açude) que me permita viver (fora do fluxo) sem trabalhar. Vivo do que ganho como palestrante e consultor. 7 - Não coleciono diplomas, não apresento certificados, não pertenço a qualquer escola (universidade ou academia) e nunca fundei uma escola (stricto ou lato sensu: no sentido de escola de pensamento). A Escola-deRedes - da qual sou um dos cocriadores - é uma não-escola (e seu lema é "A escola é a rede"). 8 - Meu desejo é ser uma pessoa comum (mas sei que posso estar ainda bem longe disso). Em 15 de agosto de 2013 publiquei um artigo mais detalhado sobre os dramas vividos por quem, como eu, quer ficar aberto à interação com o outro-imprevisível: "O barulho do sapo pulando na água". 22/09/2013 44
  • 45. IMAGINANDO O SIMBIONTE SOCIAL Imagine que as outras pessoas fazem parte de você; ou seja, que você e as outras pessoas fazem parte de um mesmo organismo. Cada pessoa, por certo, é diferente das demais, é sempre unique, inclusive porque desempenha, a cada momento, uma função particular nesse organismo, ainda que não determinada pela sua posição no organismo. Assim, as funções particulares de cada pessoa não são fixas, mas variam com o fluxo interativo que rege o metabolismo do organismo e que, em certo sentido, é o próprio organismo. O organismo em questão não é uma hierarquia, mas uma rede. O organismo é composto por pessoas, não por indivíduos. Isso significa que o organismo é social, não biológico. O organismo é fractal, não unitário: cada pessoa faz parte do organismo, mas também é o próprio organismo, em prefiguração. Ou seja, as pessoas só existem como tais enquanto estão prefigurando o organismo. O organismo não existe, porém existirá. Não porque só possamos percebê-lo movendo-se solidariamente, dançando como um corpo, como um organismo mesmo, a partir de níveis altíssimos de interatividade que 45
  • 46. ainda não foram alcançados, mas porque seu tempo ou modo-de-ser é o futuro. No presente, porém, existem as pessoas. Escrevi este texto em 25 minutos, na primeira parte de um voo CongonhasConfins no dia 25 de setembro de 2013, manhã bem cedo. Usei as páginas finais da revista da TAM e uma caneta ecco pigment (sucedânea da velha nanquim). Naqueles 25 minutos fluíram 25 anos... Daqui pode sair uma espécie de continuidade do meu livro Fluzz (2011). Cada frase, um capítulo. 26/09/2013 46
  • 47. PASSADO, FUTURO, PRESENTE Só o presente existe (passado e futuro são modos de narrá-lo). No modo futuro existe o simbionte social, mas no presente só as pessoas. Quando o futuro da não-hierarquia chegar, será presente. O presente das pessoas. 27/09/2013 47
  • 48. A V IS O Aee, sou apenas uma pessoa interagindo. Não sou mestre nem modelo de ninguém. Ninguém deve me seguir ou seguir minhas ideias e depois ficar espreitando para ver se sou coerente com o modelo que idealizou de mim. Só há desilusão quando há ilusão. Quando um repórter perguntou a K (Krishnamurti) quantos seguidores tinha, ele respondeu: "Não me preocupo com isso... ainda que apenas haja um homem tornado livre, isto será o bastante". E em outra ocasião acrescentou: "Por que você precisa de um guru? Queira você me fazer ou não de guru, que me importa, eu não estou me fazendo de guru para você nem para ninguém. É por isso que o seguidor é o destruidor, o seguidor é o explorador". Quando uma pessoa começa a me chamar de mestre, ou de chefe, ou a dizer que segue minhas ideias, ligo logo o alerta vermelho. Sei que boa coisa não virá por aí. Mais cedo ou mais tarde se quebrará dentro dela a imagem que construiu de mim e ficará ressentida quando constatar que a pessoa real que sou não corresponde ao que foi imaginado. Não raro 48
  • 49. voltará às suas convicções anteriores (como alguém que lança âncoras por não saber para onde ir no mar revolto). Por isso, meu conselho é: não siga! Pense com sua própria cabeça e caminhe no seu próprio passo. Não há ninguém mais importante do que você. (17/10/2013) 49
  • 50. EMPOWERFULNESS Estava conversando outro dia com o Mario Salimon. Minha neta e sua filha (ou filho, talvez me engane) se dedicam ao mesmo mister: ficam digitando direto no WhatsApp desde que levantam até a hora de deitar. Seria relevante o conteúdo que trocam? Cremos que não. A mensagem não está no conteúdo e sim no padrão de interação (frequência, recursividade, responsividade etc). Estão adensando o fluxo, entretecendo o emaranhado, não importa se estão reclamando da diretora da escola, do pênalti não marcado no jogo do Flamengo, da saia justa da colega, da piada sem graça do véi ou dizendo apenas um para o outro algo como "cola com nóis, mano, que tu brilha!". O que resultará daí? Em termos de produto, provavelmente nada. Em termos de processo, muito. Algo está sendo alterado no tecido e isso está mudando não apenas a fenomenologia mas a própria natureza do que chamamos de sociedade. A singularidade (no campo ou tecido) que chamamos de pessoa ("remoinhos num rio de água sempre a correr", para usar a bela expressão de Norbert Wiener) está cada vez mais social (e quando digo 'social' não estou me referindo, é claro, à coleções de indivíduos da espécie Homo e sim ao que está entre eles, dentro deles e ao que propriamente os constitui como tais: pessoas-que-já-são-rede). Se há alguma coisa como a 50
  • 51. que chamamos (inadequadamente) de inteligência coletiva, é essa coisa que está sendo gestada com o aumento de Fluzz (conceito que criei para designar o fluxo interativo da convivência social). O resultado que é o processo se chama empowerfulness (outro neologismo que cometi para tentar designar o que está dito acima). 31/10/2013 51
  • 52. REDE NÃO É RELIGIÃO Uma coisa que penso que não se deve fazer (porque entra naquela categoria de conversação decaída em estado de não-verdade) é falsificar teorias da nova ciência das redes para agradar o interlocutor, conquistar o cliente ou capturar o seguidor. Uma das falsificações que tem aparecido é dizer que uma rede é ao mesmo tempo centralizada, descentralizada e distribuída. Para justificar tal visão já ouvi gente apelando para razões metafísicas do tipo: "O universo respira e, assim, ora se contrai, ora se expande; quando se contrai a rede se centraliza, quando se expande ela se distribui". Ora, isso é uma falsificação grosseira (como se o grau de distribuição não dependesse da interatividade fortuita mas já estivesse determinado por leis, como se o que acontecerá obedecesse a um ritmo cósmico já estabelecido). É possível aferir - dentro de certos limites: por exemplo, em um cluster delimitado por grau de separação arbitrariamente escolhido - o grau de distribuição de uma rede (e esse grau - entre outras coisas - depende do número de nodos, do número de nodos desconectados com a eliminação do nodo mais conectado e do número de conexões idem). Uma rede centralizada (ou mais centralizada do que distribuída) não passa a ser distribuída (ou mais distribuída do que centralizada) em virtude de alguma imanência da estrutura ou da 52
  • 53. dinâmica do "universo" (seja lá o que isso for) e nem por razões transcendentes, cósmicas, espirituais ou o que o valha. Isto não é ciência: falta, para tanto, atender ao critério epistemológico da verificabilidade. É mais ou menos como inventar uma teoria para a gravitação universal dizendo que existem partículas indetectáveis, emitidas pelos quasars (quasi-stellar radio sources), que empurram todos os objetos para baixo (ou para o centro de gravidade de um corpo celeste). Outra falsificação, mais frequente - há cinco anos me debato com isso quase diariamente -, é afirmar que a hierarquia é natural, que é um princípio sagrado (numa interpretação forçada e conveniente da etimologia da palavra: hierarquia = hieros + arché), que existe uma hierarquia no cosmos organizando os seres em ordens progressivas, do plano mais denso (da matéria) aos planos mais sutis (do espírito). Acredite nisso quem quiser, não tem a menor importância. Todo mundo tem o direito de ter suas crenças religiosas, místicas, espirituais (ainda que essa interpretação de denso x sutil seja própria de um espiritualismo de folhetim: os velhos alquimistas da família (hehehe) morreriam de dar risadas quando se lhes fosse explicar que uma pedra é menos "espiritual" do que um anjo). Mas tudo bem... Entretanto, quando se usa tal argumento para convencer um hierarca de que ele não deve se preocupar com a deformação acarretada na rede pela hierarquia que ele mesmo mantém ou reproduz, de que a hierarquia que ele montou para mandar nos outros ou na qual se inseriu para obedecer a alguém é natural e não será abalada em sua essência ou de que ele pode ficar tranquilo na sua condição pois só terá a ganhar se também puder chegar diretamente à 53
  • 54. mais gente ao adotar, adicionalmente, uma estrutura mais distribuída... aí é mais grave! É melhor dizer a verdade: hierarquias são necessárias, sim, para as organizações hierárquicas. Mas hierarquias não são redes. Hierarquias não convivem harmonicamente com redes. Hierarquias não podem gerar redes (semente de rede é rede). Hierarquias não podem comandar e controlar e, nem mesmo, monitorar redes. É sempre preferível dizer a verdade do que urdir uma metafísica para satisfazer clientes e atrair seguidores. Rede não pode gerar uma religião substituta. Não podemos inventar uma grande narrativa baseada numa meta-explicação coerente (segundo nossa conveniência) para o mundo, na qual no lugar do velho deus colocamos agora a rede. Qualquer pessoa pode devanear com hipóteses como estas. Isso é válido no campo da livre especulação e pode ter até um importante papel heurístico, mas se usamos esse tipo de truque para não assustar clientes ou admiradores que não aceitariam bem a ideia de ter que deixar de mandar nos outros a partir da ocupação de posições de poder numa estrutura centralizada (ou hierárquica), aí então já é enganação deliberada ou fraude. 11/11/2013 54
  • 55. MÉFIEZ-VOUS L'IRONIE Caminha a passos largos aqui no Facebook a fundação da nova religião das pessoas comuns do último dia depois do fim do mundo e a ereção da igreja universal da rede-mãe... 12/11/2013 55
  • 56. O QUE MORRE EM NÓS ENQUANTO VIVEMOS Terceira idade? Como na piada do chifre, isso foi uma coisa ruim que botaram na sua cabeça. Não existe, simplesmente não existe terceira idade, assim como não existem primeira e segunda idades. Quando descobrimos que uma geração não é uma faixa etária e sim o que ela gera, descobrimos que pessoas consideradas da terceira idade podem pertencer à nova geração. Para ser da nova geração basta gerar novas coisas. Não adianta ser jovem: enquanto um jovem não gera novas coisas então ele é da - porque repete a - velha geração. A ideologia produtivista que considera (pejorativamente) velha uma pessoa com mais idade (porque não está mais em condições de produzir) leva ao ageísmo dos jovens-velhos tolos que acham que a época de quem viveu mais já passou. Mas uma época não passa para quem não passa. Enquanto uma pessoa está viva, sua época não passou. Se a idade muda a pessoa, isso é bom (não é ruim): mais idade significa mais tempo de vida, mais tempo de vida significa mais chances de pessoalização. Sim, a pessoa é uma construção realizada ao longo da vida, ou melhor, é uma trajetória fenotípica de adaptações no fluxo da convivência social. 56
  • 57. Ninguém nasce pessoa, se torna. Começa a se tornar pessoa no exato momento em que mergulha no fluxo da convivência social. O indivíduo biológico da espécie Homo (portador do genoma humano) é apenas humanizável. Mas a consumação do humano é o processo de tornar-se pessoa. Um indivíduo da espécie humana se torna pessoa (ou seja, ser humano propriamente dito: como complexo biológico-cultural) quando é humanizado por outros seres humanos. Somente seres humanos (em consumação) podem humanizar seres humanos (em prefiguração). Mesmo em termos biológicos, se estamos inseridos na holarquia fractal de seres interdependentes que chamamos de vida, então não há perda de vida com a morte e sim mais vida: a autorregulação - o metabolismo do simbionte natural - continua gloriosamente se realizando e isso é motivo para alegria e celebração e não para tristeza e revolta. Em termos sociais, se estamos inseridos em outra holarquia, prefigurada pelas redes de seres humanos, então também não há perda humana com a morte e sim mais convivência social (haverá mais com a nossa partida do que havia antes da nossa chegada): a autorregulação - o metabolismo do simbionte social - continua gloriosamente se prefigurando. E quanto mais vivermos a nossa convivência mais fluxo haverá e mais vida propriamente humana, quer dizer, social, haverá. Portanto, os conceitos (quer dizer, os preconceitos) e as medidas voltadas à chamada terceira idade são, em geral, inadequados e prejudiciais ao processo de humanização. Eles são remanescências da velha ideia míticosacerdotal-hierárquico-autocrática da civilização patriarcal de que a vida é 57
  • 58. o contrário da morte. Não é. Morte e vida fazem parte de um mesmo processo. Desse ponto de vista, bem mais inteligente (e de uma inteligência tipicamente humana), a morte é uma realização suprema da vida, não uma falência da vida. O problema não é a morte e sim - como disse certa vez Albert Schweitzer - "o que morre dentro do homem enquanto ele vive". Deveríamos nos preocupar com isso: com o que pode morrer em nós enquanto vivemos. Assim uma pessoa jovem pode carregar - por falta de amor - muitas mortes dentro de si. Ela é jovem, mas está mais morta, bem mais morta, do que outra pessoa considerada velha. Daquela morte que ela teme, não se escapa com a vida e sim com o amor. 12/11/2013 58
  • 59. A BOLHA A metáfora da bomba e da bolha foi um recurso que empreguei em meu livro Small Bangs (2012) para mostrar que o mundo é uma totalidade de fatos, não de coisas (a subproposição 1.1. do Tractatus LogicoPhilosophicus de Ludwig Wittgenstein (1918): “O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas”). Assim, o mundo é determinado pelos eventos (Idem, 1.11: “O mundo é determinado pelos fatos, e por serem todos os fatos”). A bomba-fluzz é uma bomba de eventos que ocorrerão em uma bolha. A bolha fornece a imagem de uma coisa fugaz, temporária, delicada e frágil, que pode desaparecer a qualquer momento. Foi uma maneira de dizer que não se deve ter a expectativa de duração indeterminada, de continuidade, de construção que se aperfeiçoa com o tempo, de evolução ou de transformação conduzida por vontade do sujeito ou por algum fator imanente à história. Os mundos têm, por outro lado, certa autonomia: abrem e fecham em função de vários fatores. Podem ressurgir, mas não como desdobramento e sim como reflorescimento, em outras regiões do tempo, quando uma configuração particularíssima (não necessariamente semelhante, mas com algum fator com poder de evocá-los – ou de invocálos) torna a se constelar. Na verdade, tudo isso foi uma metáfora para o netweaving, descrita assim: 59
  • 60. "Uma bomba criativa (ou bomba-fluzz) produz uma singularidade no campo social deformado pela hierarquia tornando possível o nascimento de um mundo mais distribuído do que centralizado. Quando a bomba-fluzz explode abre uma bolha no espaço-tempo dos fluxos permitindo que se configure um Highly Connected World. Esse mundo altamente conectado é um Small World: um mundo-bebê em gestação. É uma bomba porque essa irrupção criativa ocorre de uma vez, como uma explosão, um bang. Mas uma explosão que não pode ser tão grande a ponto de provocar a readequação do sistema hierárquico como um todo impedindo a formação da bolha. Tem que ser uma pequena explosão, ou melhor, várias pequenas explosões que vão se irradiando a partir de pontos distintos, de localização imprevisível, sobretudo nas bordas dos sistemas hierárquicos. Sim, são perturbações na periferia dos campos deformados, não ataques aos seus centros. Por isso que não é um (único) Big Bang e sim vários Small Bangs, gerando uma diversidade de mundosbebês. Cada mundo-bebê que vem à luz é sempre temporário e localizado; ou melhor, glocalizado. A bolha se desfaz quando o seu metabolismo não consegue mais sustentá-la: se desconstitui quando seus próprios “habitantes” adotam comportamentos que geram escassez, centralizando a rede ou verticalizando o campo social no seu interior ou é destruída de fora para dentro se não consegue continuar resistindo à pressão ambiental do mundo hierárquico. De qualquer modo, mais cedo ou mais 60
  • 61. tarde, o novo mundo se desconstituirá. Outra bomba criativa deverá então ser construída. A intermitência é da natureza do processo... A explosão é criativa, não destrutiva. Para que possa abrir uma singularidade no campo social deformado pela hierarquia, permitindo o surgimento e a expansão da bolha, o processo – além de imprevisível e intermitente – deve ser aberto, distribuído e interativo (não participativo). Se tais requisitos forem atendidos, pronto! Está feita a bomba criativa. Quando a primeira criação for realizada a bomba explodirá abrindo a bolha. Outras pessoas poderão entrar na bolha, conectando-se à rede de modo distribuído. Os desejos dessas novas pessoas suscitarão novas criações. Enquanto novas criações estiverem surgindo a bolha existirá. Enquanto a bolha durar você poderá com-viver nela. Mas as regras são bem diferentes daquelas que lhe ensinaram para viver no mundo hierárquico. Se você insistir nas velhas maneiras de interagir poderá destruir a bolha prematuramente. A bolha pode murchar, desaparecer, se extinguir, se autodestruir, implodir, se desintegrar, se cristalizar e quebrar ou inflar e romper sua fina película se surgirem no seu interior deformações próprias de mundos hierárquicos: ensinamentos, caminhos exigência pré-traçados, de mestres obediência, luta para transmitir contra inimigos, direcionamento de esforços para alcançar sucesso, tentativas de transformar pessoas no que elas não são, conduzi-las ou organizá-las top down e propaganda". 61
  • 62. Pois bem. Desde que essa imagem (da bolha) passou a ser utilizada por várias pessoas, começamos a descobrir que seu potencial heurístico era maior do que pensávamos inicialmente. Nas conversações em que nos envolvemos nos últimos dois anos, foi ficando cada vez mais evidente que a metáfora se aplica bem a muitas e variadas situações. Por exemplo, a bolha serve para mostrar que teremos múltiplos mundos. Toda vez que criticamos uma instituição do mundo hierárquico - seja a escola, a igreja, a corporação, o partido, o quartel, a empresa hierárquica ou o Estado - as pessoas invariavelmente retrucam: "Mas como será então, o que vamos colocar no lugar?" É uma pergunta automática. Ora, não sabemos como será. Podemos, no máximo, abrir bolhas nessas instituições, mas não sabemos o que vai ser gerado a partir das interações que nelas ocorrerão. Além disso - eis o ponto - é importante que não saibamos. Só precisa saber (de antemão) como será quem quer predeterminar como será, quem quer cavar um sulco para fazer escorrer por ele as coisas que ainda virão. Isso era importante para o mundo único hierárquico - estabelecido em termos locais ou globais (ou seja, como se diz, "universalizado") - mas não para múltiplos mundos glocais emergentes em uma sociedade-em-rede. Não há mais um modelo a ser imposto, uma experiência fundante a ser generalizada: com o estilhaçamento do mundo único, miríades de experiências florescerão. Então alguém pergunta: "É fato que a escola está ultrapassada e coisa e tal, mas o que colocaremos no seu lugar?" Ora, é uma pergunta sem sentido. Primeiro porque não vamos substituir a escola por outra coisa. 62
  • 63. Isso é impossível. Escolas, mesmo se tornando, em grande parte, obsoletas (em razão da multiplicação de processos de aprendizagem acessíveis a todos) remanescerão por muito tempo. Não serão substituídas, mesmo porque não há uma autoridade central (do mundo) capaz de ordenar tal substituição (mesmo porque não há mais um mundo: é a replicação dessas instituições hierárquicas que constitui o mundo único hierárquico). Em segundo lugar, porque não queremos - os que já vivemos nos múltiplos mundos altamente conectados - colocar nada no lugar (da escola, no caso). Colocar alguma coisa no lugar, se fosse possível, significaria reconstruir o mundo velho único a partir de um modelo centralizado (ou seja, hierárquico). Então vão coexistir e, em alguns casos, conviver, várias experiências: a velha escola heterodidata baseada em adesão, as novas escolas baseadas em adesão e participação (em variadas combinações), os processos não-escolares mais ou menos baseados em participação e interação (idem), os velhos e os novos processos autodidáticos e os novíssimos processos alterdidáticos de aprendizagem baseados em interação. O mesmo vale para as demais instituições atuais que constituem e reproduzem o mundo único hierárquico. Não há novos modelos para colocar no lugar dos velhos, simplesmente porque replicar modelos significaria manter um mundo hierárquico. Isso não ocorrerá somente com estruturas, mas também com dinâmicas ou "metabolismos" associados à padrões de organização; por exemplo, ocorrerá com modos de regulação como a democracia. Ao que tudo indica uma terceira invenção da democracia (depois da invenção dos atenienses e da 63
  • 64. reinvenção dos modernos), será glocal: ela terá diversas "fórmulas" glocais e não mais uma única fórmula pretensamente global (ou internacional, como ocorreu com a segunda democracia, a democracia representativa, inventada pela segunda vez pelos modernos). Ou seja, serão zilhões de sociosferas democráticas: uma terceira democracia será realizada em miríades de sociosferas e não em apenas menos de duas centenas de unidades político-territoriais centralizadas (chamadas de países ou Estados-nações, que seguem o modelo único do Estado-nação europeu que foi fruto da guerra, da paz de Westfália). Serão ilhas democráticas na rede: a democracia que vem coexistirá marginalmente e por tempo indeterminado com as democracias realmente existentes (incluindo as democracias plenas, as democracias parasitadas por regimes manipuladores e as democracias em processo de autocratização) e também com protoditaduras florescentes e ditaduras remanescentes. Uma segunda evidência do potencial heurístico da metáfora da bolha é a compreensão - cada vez mais corroborada pela observação das dinâmicas organizacionais em ambientes de alta interatividade - de que mundos são eventos. O conceito de evento evoca uma certa impermanência, uma noção de contingência da durabilidade temporária. Claro, tudo é temporário mesmo, mas a expectativa de quem ordena é a de que as coisas ordenadas durem (como foram ordenadas) para sempre ou indefinidamente. A partir daí começamos a pensar que o que dá certo é o que dura. A imagem da bolha ajuda a entender que as coisas que dão certo não duram; é aceitar, como diz um dos princípios do Open Space, que "quando uma coisa termina, ela termina". Querer esticar a duração do 64
  • 65. que não deve durar mais do que deve - pois perdurar é sempre conservar é como antepor obstáculos ao fluxo interativo, colocando-se contra a mudança. A compreensão de que os mundos são bolhas de eventos é uma compreensão propriamente revolucionária porque vai à raiz do conceito. Revolução não é substituição de uma ordem por outra ordem (top down) e sim abertura para novas ordens emergentes (bottom up). Uma terceira evidência do potencial heurístico da imagem da bolha tem a ver, exatamente, com essa ideia de ordem emergente. É uma nova compreensão da ideia de ordem que afeta diretamente as concepções místicas ou espirituais que têm se replicado há seis milênios, desde que se configurou um ambiente hierárquico-autocrático com o início da chamada civilização patriarcal. Todas as concepções espirituais, sobretudo as classificadas como espiritualistas, baseiam-se na ideia de que existe uma ordem preexistente e que a jornada do buscador é (re)sintonizar-se com essa Unimatrix One. Ora, uma nova espiritualidade não previamente ordenada (por deus ou algum ser superior e por sua burocracia sacerdotal que é, na verdade, a hierarquia), começa com a descoberta de que não existe nada disso, de que o universo (também uma bolha) é criativo e se cria à medida que avança. Que não há uma ordem preexistente porque a ordem está sempre sendo criada no presente da interação. Que, como escrevi em Fluzz (2011), "em mundos altamente conectados a busca não existe sem a polinização. Não há um mainframe (como se fosse um diretório de registros akashikos) onde você possa buscar respostas 65
  • 66. para suas perguntas. Se houver, tais respostas não lhe servirão. Serão respostas do passado que foi arquivado. Revelarão ordens pregressas. Conhecimento morto. A busca, qualquer busca, inclusive a busca espiritual, é sempre uma interação. Nos Highly Connected Worlds toda busca é P2P: no seu mundo e nos interworlds pelos quais você está navegando. A mesma busca, quando repetida, fornece respostas necessariamente diferentes. E deixa o rastro da pergunta. De sorte que as respostas são, no limite, combinações das perguntas que estão sendo feitas. Perguntas interagindo e se polinizando mutuamente para criar ordens inéditas. O buscador é um polinizador. É um criador de mundos. O buscadorpolinizador é uma pessoa-fluzz. Uma pessoa-fluzz é mais ou menos o que deveria ser uma pessoa-zen nas condições de um mundo de alta interatividade. Mas enquanto víamos a pessoa-zen como um indivíduo-no-caminho (conquanto ela não fosse isso realmente, posto que a descoberta-zen é a descoberta do ‘não-caminho’), a pessoa-fluzz não pode ser vista assim: ela é enxame. O enxame muda continuamente sua configuração, o que significa que os caminhos também mudam continuamente com a interação: o que era caminho em um momento já não é mais no momento seguinte. A pessoa, como disse Protágoras (c. 430 a. E. C.) – ou a ele se atribui – “é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”. Assim seja (ou não-seja). Let it be (ou not to be – o que é a mesma coisa)". 66
  • 67. Novas formas pós-religiosas e pós-espiritualistas de espiritualidade vão surgindo nas bolhas que se formam quando jogamos nossas bombas-fluzz. 13/11/2013 67
  • 68. EPIGRAMAS PARA UM NÃO-CREDO - Mas como será então? O que colocaremos no lugar de...? - Não sabemos como será (será o que será). E não podemos colocar nada no lugar de... antes de ser o que será (porque senão não será o que será). - Onde isso deu certo? E se deu certo por que não durou? - Deu certo onde deu (em outro lugar não daria, como deu). E não durou porque deu certo (no tempo em que deu, deu; em outro tempo não daria, como deu). - Mas qual foi o resultado concreto? Houve mudança? - O resultado foi um novo processo (não a coisa concreta produzida). A mudança é sempre um novo processo que pode mudar as coisas produzidas (para que as coisas novas não fiquem velhas). 14-20/11/2013 68