SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 16
Entre flores e claustrosAs poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
(por Renata Bomfim)
Florbela Espanca (1894-1930) Rosalía de Castro (1837- 1885)
• Tenho pena hoje que vou envelhecendo,
de ter fugido a sete pés de todas as
cabotinagens e de ter vivido mais para
mim, segundo o meu gosto, do que para os
outros. [...] Tudo desdenhei: as
homenagens baratas e os clamores do
rebanho. Enchi o meu gabinete de
trabalho de livros bons, a minha vida moral
com a minha arte, a meu gosto, sem me
preocupar com o sucesso, com o mercado,
com a publicidade, coisas imprescindíveis a
quem quer vencer, e rodeei-me duma
dúzia e amigos fanáticos cuja admiração
me orgulha e me faz bem. (ESPANCA,
1996, p. 240).
• “Uma poeta ou escritora
não pode viver
humanamente em paz
sobre a terra, posto que
além das agitações do
seu espírito, tem as que
levantam em torno dela
todos que a rodeiam”
(Castro, 1866)
Florbela Espanca
(1894- 1930)
Vila Viçosa/Évora/Portugal
Obras poéticas:
-Trocando olhares (1916)
- Livro de Mágoas (1919)
- Livro de Sóror Saudade (1923)
-Charneca em flor (1931- póstumo)
-Juvenilha (1931)
Obras em Prosa:
- As máscaras do destino (1931)
- Cartas de Florbela Espanca (1949)
- Diário do último ano (1981)
- O dominó preto (1982)
- Trocando Olhares (1994)
-Correspondência amorosa
Perdidamente (2008)
-Fez traduções para o francês
Rosalía de Castro
(1837- 1885)
Santiago de Compostela/ Galícia/
Espanha
Obras poéticas:
-La flor (1857) (em castelhano)
- A mi madre (1863)
-Cantares galegos (1863)
-Folhas novas (1880)
- Em las orillas del Sar (1884)
Obras em Prosa:
-El cavallero de las botas azules (1867)
La hija del mar (1859)
Flávio (1861)
Ruínas (1866)
El primer loco (1881)
Conto Galego (1923- póstumo)
Fez tradução e escreveu artigos
Negra sombra
Quando penso que te foste,
Negra sombra que me assombras,
Ao pé dos meus travesseiros
Retornas fazendo mofa.
Quando t’imagino ida,
No próprio sol se tu me mostras,
E és a estrela que brilha,
E és o vento que zoa.
Se cantam, és tu que cantas,
Se choram, és tu que choras;
E és o murmúrio do rio,
E és a noite, e és a aurora.
Em tudo estás e tu és tudo,
Pra mim e em mim mesma moras,
Nem me abandonarás nunca,
Sombra que sempre me assombras.
Negra sombra
Cando penso que te fuches,
negra sombra que me asombras,
ó pé dos meus cabezales
tornas facéndome mofa.
Cando maxino que es ida,
no mesmo sol te me amostras,
i eres a estrela que brila,
i eres o vento que zoa.
Si cantan, es ti que cantas,
si choran, es ti que choras,
i es o marmurio do río
i es a noite i es a aurora.
En todo estás e ti es todo,
pra min i en min mesma moras,
nin me abandonarás nunca,
sombra que sempre me asombras.
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...
Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!...
Portugal e Espanha
Península Ibérica
Cantares galegos (III)
Lugar mais formoso
não houve na terra
que aquele qu’eu mirava,
que aquele que me coube.
Lugar mais formoso
No mundo não acharia
Que aquele de Galiza.
Galiza encantada!
Galiza florida,
Qual ela não há:
De flores coberta
Coberta d’espumas
[...]
*
Castelhana de Castela,
Tão bonita e tão fidalga,
Mas que para ser fera
A procedência lhe basta:
Dizei-me, minha senhora,
Já que vos mostrais tão ingrata,
Se o meu rendimento humilde
Ânsia de vômito vos causa,
[...]
Dizem que na nobre Castelha,
Assim aos galegos se trata.
[...]
*
Castelhanos de Castela
Tratai bem os galegos:
Quando vão, vão como rosas;
Quando vem, vem como negros.
[...]
Foi a Castelha por pão,
E saramagos lhe deram;
Deram-lhe fel por bebida,
Peninhas por alimento.
Permita Deus, Castelhanos,
Castelhanos que detesto,
Que os galegos morram
Antes de vos pedir sustento.
Cantar-te-ei, Galiza,
Teus doces cantares,
Pois assim me pediram
na beira do Mar.
Cantar-te-ei, Galiza,
Na língua galega
Consolo dos males,
Alívio das penas.
Mimosa, suave,
Sentida, queixosa,
Encanta se ri,
Comove se chora.
Qual ela não há
Tão doce que cante
Saudades amargas,
Suspiros amantes,
Mistérios da tarde,
Murmúrios da noite:
Cantar-te-ei, Galiza,
Na beira das fontes.
Pois assim me pediram
Pois assim me mandaram
Que cante e que cante
Na língua qu’eu falo.
[...]
Cantares galegos (IV)
Charneca em flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Sóror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor.
Pobre de Cristo
Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viste o mar,
Onde tenho o meu pão e a minha casa.
Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folhas...a dormitar...
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra moirisca a arder em brasa!
Minha terra onde meu irmão nasceu
Aonde a mãe que eu tive e que morreu
Foi moça e loira, amou e foi amada!
Truz... Truz... Truz...-Eu não tenho onde me
acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite,
Terra, quero dormir, dá-me pousada!...
A minha Dor
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal ...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias ...
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve ... ninguém vê ... ninguém ...
Castelã da tristeza
Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor ...
E nunca em meu castelo entrou alguém!
Castelã da Tristeza, vês? ... A quem? ...
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr ...
Chora o silêncio ... nada ... ninguém vem ...
Castelã da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais? ...
À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? ... Porque anseias? ...
Que sonho afagam tuas mãos reais? ...
Nasci quando as plantas nascem
No das flores nasci,
N’uma alvorada mansinha,
N’uma alvorada de abril.
Por isso me chamam Rosa,
Mas a do triste sorrir,
Com espinho pra todos,
Sem nenhum para ti.
Desde que te quis, ingrato,
Tudo acabou para mim,
Pois tu para mim eras tudo,
Minha glória e meu viver.
*
Paz, paz desejada:
Pra mim, onde esta?
Talvez não hei de tê-la...
Não a tive jamais!
Sossego, descanso,
Onde hei de acha-lo?
Nos males que me matam,
Na dor que me dão.
Paz, Paz, tu és mentira!
Pra mim não existes!
Uma vez tive um cravo
Cravado no coração,
E eu já não me recordo se era aquele cravo
De oiro, de ferro, ou de amor.
Só sei que me fez um mal tão fundo,
Que tanto me atormentou
Que eu de dia e de noite sem cessar chorava
qual chorou Madalena na Paixão.
“Irmã, Sóror Saudade me chamaste…
E na minh'alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.”
*
Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por Ele? Não... não vale a
pena...
(Ódio?)
“Que doce, mas também,
Que triste é a solidão”
*
Já nem rancor nem desprezo
Já nem temos de mudanças,
Tão só uma sede..., uma sede
D’um não sei de quê que me mata
Rios da vida, onde estais?
Ar! Pois o ar me falta.
V
Esse vai e aquele se vai,
E todos, todos se vão,
Galiza, sem homens ficas
Que te possam trabalhar.
Tens, em compensação, órfãs e órfãs
E campos de solidão,
E mães que não tem filhos
E filhos que não tem pais.
E tens corações que sofrem
Longas ausências mortais,
Viúvas de vivos e mortos
Que ninguém consolará.
Sei lá
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo...um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
Morte
“Alejandra, abre a janela, quero
ver o mar...”
Cala, cão negro, não uives,
A porta de quem bem quero,
[...]
Se é que queres que alguém morra,
Eu sei d’um são que contente
Por ele vos dará a vida
E irá convosco aos infernos.”
(Rosalía de Castro. Basta uma morte)
Eu quero, quando morrer, ser enterrada
Ao pé do Oceano ingénuo e manso,
Que reze à meia-noite em voz magoada
As orações finais do meu descanso…
[...]
E a Lua há de dizer-me em voz
mansinha:
- Ai, não te assustes… dorme… foi o Mar
Que gemeu… não foi nada… ‘stá
quietinha…
(Florbela Espanca. A minha morte)
Obrigada!
www.letraefel.com

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela EspancaAna Tapadas
 
sophia, natália correia e vinicius
sophia, natália correia e viniciussophia, natália correia e vinicius
sophia, natália correia e viniciusRosário Cunha
 
Florbela espanca fanatismo
Florbela espanca fanatismoFlorbela espanca fanatismo
Florbela espanca fanatismoLuzia Gabriele
 
Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela EspancaAna Tapadas
 
Eugénio de Andrade, Mário de Sá Carneiro
Eugénio de Andrade, Mário de Sá CarneiroEugénio de Andrade, Mário de Sá Carneiro
Eugénio de Andrade, Mário de Sá CarneiroRosário Cunha
 
Poemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudo
Poemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudoPoemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudo
Poemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudoTATIANACANONICI1
 
Mário cesariny
Mário cesarinyMário cesariny
Mário cesariny2611998
 
Florbela espanca
Florbela espancaFlorbela espanca
Florbela espancaliofer21
 
Mário Cesariny de Vasconcelos
Mário Cesariny de VasconcelosMário Cesariny de Vasconcelos
Mário Cesariny de VasconcelosDina Baptista
 
Apresentação de Sofia de Mello Breyner Andresen
Apresentação  de  Sofia de Mello Breyner AndresenApresentação  de  Sofia de Mello Breyner Andresen
Apresentação de Sofia de Mello Breyner AndresenMaria Costa
 
Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela EspancaJosé Alves
 
Eugenio de andrade
Eugenio de andradeEugenio de andrade
Eugenio de andradeliofer21
 
Florbela Espanca (DADOS BIOGRÁFICOS)
Florbela Espanca  (DADOS BIOGRÁFICOS)Florbela Espanca  (DADOS BIOGRÁFICOS)
Florbela Espanca (DADOS BIOGRÁFICOS)Pibid-Letras Córdula
 

Mais procurados (20)

Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela Espanca
 
sophia, natália correia e vinicius
sophia, natália correia e viniciussophia, natália correia e vinicius
sophia, natália correia e vinicius
 
Florbela espanca 2
Florbela espanca 2Florbela espanca 2
Florbela espanca 2
 
Florbela espanca fanatismo
Florbela espanca fanatismoFlorbela espanca fanatismo
Florbela espanca fanatismo
 
Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela Espanca
 
Eugénio de Andrade, Mário de Sá Carneiro
Eugénio de Andrade, Mário de Sá CarneiroEugénio de Andrade, Mário de Sá Carneiro
Eugénio de Andrade, Mário de Sá Carneiro
 
Poemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudo
Poemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudoPoemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudo
Poemas e poesias a poesia tem tudo a ver com tudo
 
Florbela Espanca
Florbela Espanca Florbela Espanca
Florbela Espanca
 
Mário cesariny
Mário cesarinyMário cesariny
Mário cesariny
 
Trabalho de portugues
Trabalho de portuguesTrabalho de portugues
Trabalho de portugues
 
O mito florbela espanca
O mito florbela espancaO mito florbela espanca
O mito florbela espanca
 
Eugenio de andrade
Eugenio de andradeEugenio de andrade
Eugenio de andrade
 
Florbela espanca
Florbela espancaFlorbela espanca
Florbela espanca
 
Mário Cesariny de Vasconcelos
Mário Cesariny de VasconcelosMário Cesariny de Vasconcelos
Mário Cesariny de Vasconcelos
 
Apresentação de Sofia de Mello Breyner Andresen
Apresentação  de  Sofia de Mello Breyner AndresenApresentação  de  Sofia de Mello Breyner Andresen
Apresentação de Sofia de Mello Breyner Andresen
 
Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela Espanca
 
Eugenio de andrade
Eugenio de andradeEugenio de andrade
Eugenio de andrade
 
Eugénio de Andrade
Eugénio de AndradeEugénio de Andrade
Eugénio de Andrade
 
Florbela Espanca (DADOS BIOGRÁFICOS)
Florbela Espanca  (DADOS BIOGRÁFICOS)Florbela Espanca  (DADOS BIOGRÁFICOS)
Florbela Espanca (DADOS BIOGRÁFICOS)
 
Manuel Bandeira
Manuel BandeiraManuel Bandeira
Manuel Bandeira
 

Destaque

Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela Espancasin3stesia
 
Yasmina Varela. Romanticismo Rosalía De Castro
Yasmina Varela. Romanticismo Rosalía De CastroYasmina Varela. Romanticismo Rosalía De Castro
Yasmina Varela. Romanticismo Rosalía De Castrocurradbc
 
ROSALÍA DE CASTRO
ROSALÍA DE CASTROROSALÍA DE CASTRO
ROSALÍA DE CASTROopapaventos
 
Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela EspancaPedro Pires
 
Romanticismo lenguaje
Romanticismo lenguajeRomanticismo lenguaje
Romanticismo lenguajeGerlin Funez
 
Quevedo y Góngora: rivales
Quevedo y Góngora: rivalesQuevedo y Góngora: rivales
Quevedo y Góngora: rivalesalmujarillo
 
san miguel de cora
san miguel de corasan miguel de cora
san miguel de coracurradbc
 

Destaque (7)

Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela Espanca
 
Yasmina Varela. Romanticismo Rosalía De Castro
Yasmina Varela. Romanticismo Rosalía De CastroYasmina Varela. Romanticismo Rosalía De Castro
Yasmina Varela. Romanticismo Rosalía De Castro
 
ROSALÍA DE CASTRO
ROSALÍA DE CASTROROSALÍA DE CASTRO
ROSALÍA DE CASTRO
 
Florbela Espanca
Florbela EspancaFlorbela Espanca
Florbela Espanca
 
Romanticismo lenguaje
Romanticismo lenguajeRomanticismo lenguaje
Romanticismo lenguaje
 
Quevedo y Góngora: rivales
Quevedo y Góngora: rivalesQuevedo y Góngora: rivales
Quevedo y Góngora: rivales
 
san miguel de cora
san miguel de corasan miguel de cora
san miguel de cora
 

Semelhante a Entre flores e claustros: As poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro

Semelhante a Entre flores e claustros: As poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro (20)

95
9595
95
 
20120803 caderno poemas_ciclo_3
20120803 caderno poemas_ciclo_320120803 caderno poemas_ciclo_3
20120803 caderno poemas_ciclo_3
 
POETAS E POESIA
POETAS E POESIAPOETAS E POESIA
POETAS E POESIA
 
Poetas e poesia
Poetas e poesiaPoetas e poesia
Poetas e poesia
 
olavo bilac - via láctea
 olavo bilac - via láctea olavo bilac - via láctea
olavo bilac - via láctea
 
Poetas
PoetasPoetas
Poetas
 
Poetas
PoetasPoetas
Poetas
 
Mestresda poesiapps
Mestresda poesiappsMestresda poesiapps
Mestresda poesiapps
 
Mestres da Poesia
Mestres da PoesiaMestres da Poesia
Mestres da Poesia
 
Mestres Da Poesia
Mestres Da PoesiaMestres Da Poesia
Mestres Da Poesia
 
O Floral Poético - Com outra apresentação mais atual.
O Floral Poético - Com outra apresentação mais atual.O Floral Poético - Com outra apresentação mais atual.
O Floral Poético - Com outra apresentação mais atual.
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas
PoetasPoetas
Poetas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas An
Poetas AnPoetas An
Poetas An
 

Mais de Renata Bomfim

Marly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave PanteraMarly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave PanteraRenata Bomfim
 
20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFES20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFESRenata Bomfim
 
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...Renata Bomfim
 
Arcano dezenove renata bomfim
Arcano dezenove  renata bomfimArcano dezenove  renata bomfim
Arcano dezenove renata bomfimRenata Bomfim
 
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014Renata Bomfim
 
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)Renata Bomfim
 
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014Renata Bomfim
 
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…Renata Bomfim
 
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...Renata Bomfim
 
Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)Renata Bomfim
 
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha spPdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha spRenata Bomfim
 
Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012Renata Bomfim
 
Poemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino SchneiderPoemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino SchneiderRenata Bomfim
 
Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011Renata Bomfim
 

Mais de Renata Bomfim (19)

Marly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave PanteraMarly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave Pantera
 
20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFES20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFES
 
Defesa da tese
Defesa da teseDefesa da tese
Defesa da tese
 
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
 
O beijo de sangue
O beijo de sangue O beijo de sangue
O beijo de sangue
 
Arcano dezenove renata bomfim
Arcano dezenove  renata bomfimArcano dezenove  renata bomfim
Arcano dezenove renata bomfim
 
Mina renata bomfim
Mina renata bomfimMina renata bomfim
Mina renata bomfim
 
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
 
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
 
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
 
Convite haquira
Convite haquiraConvite haquira
Convite haquira
 
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
 
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
 
Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)
 
Canção do mar
Canção do marCanção do mar
Canção do mar
 
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha spPdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
 
Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012
 
Poemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino SchneiderPoemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino Schneider
 
Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011
 

Entre flores e claustros: As poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro

  • 1. Entre flores e claustrosAs poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro (por Renata Bomfim) Florbela Espanca (1894-1930) Rosalía de Castro (1837- 1885)
  • 2. • Tenho pena hoje que vou envelhecendo, de ter fugido a sete pés de todas as cabotinagens e de ter vivido mais para mim, segundo o meu gosto, do que para os outros. [...] Tudo desdenhei: as homenagens baratas e os clamores do rebanho. Enchi o meu gabinete de trabalho de livros bons, a minha vida moral com a minha arte, a meu gosto, sem me preocupar com o sucesso, com o mercado, com a publicidade, coisas imprescindíveis a quem quer vencer, e rodeei-me duma dúzia e amigos fanáticos cuja admiração me orgulha e me faz bem. (ESPANCA, 1996, p. 240). • “Uma poeta ou escritora não pode viver humanamente em paz sobre a terra, posto que além das agitações do seu espírito, tem as que levantam em torno dela todos que a rodeiam” (Castro, 1866)
  • 3. Florbela Espanca (1894- 1930) Vila Viçosa/Évora/Portugal Obras poéticas: -Trocando olhares (1916) - Livro de Mágoas (1919) - Livro de Sóror Saudade (1923) -Charneca em flor (1931- póstumo) -Juvenilha (1931) Obras em Prosa: - As máscaras do destino (1931) - Cartas de Florbela Espanca (1949) - Diário do último ano (1981) - O dominó preto (1982) - Trocando Olhares (1994) -Correspondência amorosa Perdidamente (2008) -Fez traduções para o francês
  • 4. Rosalía de Castro (1837- 1885) Santiago de Compostela/ Galícia/ Espanha Obras poéticas: -La flor (1857) (em castelhano) - A mi madre (1863) -Cantares galegos (1863) -Folhas novas (1880) - Em las orillas del Sar (1884) Obras em Prosa: -El cavallero de las botas azules (1867) La hija del mar (1859) Flávio (1861) Ruínas (1866) El primer loco (1881) Conto Galego (1923- póstumo) Fez tradução e escreveu artigos
  • 5. Negra sombra Quando penso que te foste, Negra sombra que me assombras, Ao pé dos meus travesseiros Retornas fazendo mofa. Quando t’imagino ida, No próprio sol se tu me mostras, E és a estrela que brilha, E és o vento que zoa. Se cantam, és tu que cantas, Se choram, és tu que choras; E és o murmúrio do rio, E és a noite, e és a aurora. Em tudo estás e tu és tudo, Pra mim e em mim mesma moras, Nem me abandonarás nunca, Sombra que sempre me assombras. Negra sombra Cando penso que te fuches, negra sombra que me asombras, ó pé dos meus cabezales tornas facéndome mofa. Cando maxino que es ida, no mesmo sol te me amostras, i eres a estrela que brila, i eres o vento que zoa. Si cantan, es ti que cantas, si choran, es ti que choras, i es o marmurio do río i es a noite i es a aurora. En todo estás e ti es todo, pra min i en min mesma moras, nin me abandonarás nunca, sombra que sempre me asombras.
  • 6. Eu Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada ... a dolorida ... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida! ... Sou aquela que passa e ninguém vê ... Sou a que chamam triste sem o ser ... Sou a que chora sem saber porquê ... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou! Vaidade Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho...E não sou nada!...
  • 8. Cantares galegos (III) Lugar mais formoso não houve na terra que aquele qu’eu mirava, que aquele que me coube. Lugar mais formoso No mundo não acharia Que aquele de Galiza. Galiza encantada! Galiza florida, Qual ela não há: De flores coberta Coberta d’espumas [...] * Castelhana de Castela, Tão bonita e tão fidalga, Mas que para ser fera A procedência lhe basta: Dizei-me, minha senhora, Já que vos mostrais tão ingrata, Se o meu rendimento humilde Ânsia de vômito vos causa, [...] Dizem que na nobre Castelha, Assim aos galegos se trata. [...] * Castelhanos de Castela Tratai bem os galegos: Quando vão, vão como rosas; Quando vem, vem como negros. [...] Foi a Castelha por pão, E saramagos lhe deram; Deram-lhe fel por bebida, Peninhas por alimento. Permita Deus, Castelhanos, Castelhanos que detesto, Que os galegos morram Antes de vos pedir sustento.
  • 9. Cantar-te-ei, Galiza, Teus doces cantares, Pois assim me pediram na beira do Mar. Cantar-te-ei, Galiza, Na língua galega Consolo dos males, Alívio das penas. Mimosa, suave, Sentida, queixosa, Encanta se ri, Comove se chora. Qual ela não há Tão doce que cante Saudades amargas, Suspiros amantes, Mistérios da tarde, Murmúrios da noite: Cantar-te-ei, Galiza, Na beira das fontes. Pois assim me pediram Pois assim me mandaram Que cante e que cante Na língua qu’eu falo. [...] Cantares galegos (IV)
  • 10. Charneca em flor Enche o meu peito, num encanto mago, O frêmito das coisas dolorosas... Sob as urzes queimadas nascem rosas... Nos meus olhos as lágrimas apago... Anseio! Asas abertas! O que trago Em mim? Eu oiço bocas silenciosas Murmurar-me as palavras misteriosas Que perturbam meu ser como um afago! E, nesta febre ansiosa que me invade, Dispo a minha mortalha, o meu burel, E já não sou, Amor, Sóror Saudade... Olhos a arder em êxtases de amor, Boca a saber a sol, a fruto, a mel: Sou a charneca rude a abrir em flor. Pobre de Cristo Ó minha terra na planície rasa, Branca de sol e cal e de luar, Minha terra que nunca viste o mar, Onde tenho o meu pão e a minha casa. Minha terra de tardes sem uma asa, Sem um bater de folhas...a dormitar... Meu anel de rubis a flamejar, Minha terra moirisca a arder em brasa! Minha terra onde meu irmão nasceu Aonde a mãe que eu tive e que morreu Foi moça e loira, amou e foi amada! Truz... Truz... Truz...-Eu não tenho onde me acoite, Sou um pobre de longe, é quase noite, Terra, quero dormir, dá-me pousada!...
  • 11. A minha Dor A minha Dor é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos têm dobres de agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal ... E todos têm sons de funeral Ao bater horas, no correr dos dias ... A minha Dor é um convento. Há lírios Dum roxo macerado de martírios, Tão belos como nunca os viu alguém! Nesse triste convento aonde eu moro, Noites e dias rezo e grito e choro, E ninguém ouve ... ninguém vê ... ninguém ... Castelã da tristeza Altiva e couraçada de desdém, Vivo sozinha em meu castelo: a Dor! Passa por ele a luz de todo o amor ... E nunca em meu castelo entrou alguém! Castelã da Tristeza, vês? ... A quem? ... – E o meu olhar é interrogador – Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr ... Chora o silêncio ... nada ... ninguém vem ... Castelã da Tristeza, porque choras Lendo, toda de branco, um livro de horas, À sombra rendilhada dos vitrais? ... À noite, debruçada, plas ameias, Porque rezas baixinho? ... Porque anseias? ... Que sonho afagam tuas mãos reais? ...
  • 12. Nasci quando as plantas nascem No das flores nasci, N’uma alvorada mansinha, N’uma alvorada de abril. Por isso me chamam Rosa, Mas a do triste sorrir, Com espinho pra todos, Sem nenhum para ti. Desde que te quis, ingrato, Tudo acabou para mim, Pois tu para mim eras tudo, Minha glória e meu viver. * Paz, paz desejada: Pra mim, onde esta? Talvez não hei de tê-la... Não a tive jamais! Sossego, descanso, Onde hei de acha-lo? Nos males que me matam, Na dor que me dão. Paz, Paz, tu és mentira! Pra mim não existes! Uma vez tive um cravo Cravado no coração, E eu já não me recordo se era aquele cravo De oiro, de ferro, ou de amor. Só sei que me fez um mal tão fundo, Que tanto me atormentou Que eu de dia e de noite sem cessar chorava qual chorou Madalena na Paixão.
  • 13. “Irmã, Sóror Saudade me chamaste… E na minh'alma o nome iluminou-se Como um vitral ao sol, como se fosse A luz do próprio sonho que sonhaste.” * Ódio seria em mim saudade infinda, Mágoa de o ter perdido, amor ainda! Ódio por Ele? Não... não vale a pena... (Ódio?) “Que doce, mas também, Que triste é a solidão” * Já nem rancor nem desprezo Já nem temos de mudanças, Tão só uma sede..., uma sede D’um não sei de quê que me mata Rios da vida, onde estais? Ar! Pois o ar me falta.
  • 14. V Esse vai e aquele se vai, E todos, todos se vão, Galiza, sem homens ficas Que te possam trabalhar. Tens, em compensação, órfãs e órfãs E campos de solidão, E mães que não tem filhos E filhos que não tem pais. E tens corações que sofrem Longas ausências mortais, Viúvas de vivos e mortos Que ninguém consolará. Sei lá Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem... Sou um reflexo...um canto de paisagem Ou apenas cenário! Um vaivém Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem De um doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!... Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro... Uma chaga sangrenta do Senhor... Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de maldades e pecados, Sou mais um mau, sou mais um pecador...
  • 15. Morte “Alejandra, abre a janela, quero ver o mar...” Cala, cão negro, não uives, A porta de quem bem quero, [...] Se é que queres que alguém morra, Eu sei d’um são que contente Por ele vos dará a vida E irá convosco aos infernos.” (Rosalía de Castro. Basta uma morte) Eu quero, quando morrer, ser enterrada Ao pé do Oceano ingénuo e manso, Que reze à meia-noite em voz magoada As orações finais do meu descanso… [...] E a Lua há de dizer-me em voz mansinha: - Ai, não te assustes… dorme… foi o Mar Que gemeu… não foi nada… ‘stá quietinha… (Florbela Espanca. A minha morte)