2. Consulta
médica
pelo
whats?As mensagens de texto facilitam o contato com o pediatra
ou obstetra quando surge aquela preocupação ou
dúvida de última hora. Alguns médicos ainda resistem,
outrosjá aderiram à comunicação via aplicativo.
Entenda por que o bom senso é a melhor medida para evitar
riscos tanto para os profissionais como para os pacientes
TEXTO - Sabrina Ongaratto
EDIÇÃO - Vanessa Lima
FOTO: THANASISZOVOILIS/GETTY IMAGES
3. SAÚDE
Você pausa para um lanche, abre,
inocentemente, um arquivo que
recebeu pelo celular e se depara com
algo que tem todo o potencial para
acabar com seu apetite em questão
de segundos. A cena é comum na
rotina de muitos médicos. “Recebo
muitas fotos de vômito e as mães
escrevem: ‘Essa cor é normal?’. Tem
também milhares de fotos de cocô,
na fralda, na privada...”. O relato é
da pediatra Ana Escobar, professora
da Universidade de São Paulo
(USP) e colunista da CRESCER.
Assim como muitos profissionais
de saúde, ela também teve de aderir
ao WhatsApp no dia a dia. “E
impossível não usar. Ali, você pode
esclarecer as dúvidas de pacientes
que já acompanha”, afirma.
Impossível mesmo. O aplicativo
de mensagens instantâneas soma
1,5 bilhão de usuários mensais em
todo o mundo - e os brasileiros se
destacam. O país é o segundo da
lista dos que mais usam, perdendo
apenas para a África do Sul,
segundo levantamento do Mobile
Ecosystem Forum (MEF). E ele
não serve apenas para conversas
informais entre amigos e familiares.
O novo hábito vem mudando
a maneira como as pessoas se
comunicam nas mais diversas áreas,
inclusive na saúde. Os números
comprovam: 87% dos médicos
brasileiros utilizam o app com
frequência para se comunicar com os
seus pacientes. Para se ter uma ideia,
nos Estados Unidos, apenas 4% dos
profissionais aderiram às mensagens
de texto para essa finalidade e, no
Reino Unido, 2%. Os dados são
da última pesquisa realizada pela
consultoria britânica Cello Health
Insight, que traz números de 2015
- ou seja, é provável que, hoje, eles
sejam ainda maiores.
Ter disponibilidade para
responder pelo aplicativo virou,
inclusive, pré-requisito para muitas
pessoas, como a engenheira Karen
Guedes, 43, mãe de Gael, 1 ano e 8
meses. “Como é meu primeiro bebê,
é importante para tirar dúvidas.
Não teria um pediatra que não
atendesse por WhatsApp”, afirma.
A nutricionista Erin Fonseca Veiga,
37 anos, mãe de José Paulo, 1 ano
e 4 meses, que sofre de epilepsia,
já até mudou de médico por causa
da demora para receber respostas.
“Não sou desesperada, mas a pouca
atenção me rendeu sustos”, diz.
E o que chega no celular dos
médicos, além das imagens
escatológicas mencionadas por
Ana Escobar? “As mães perguntam
“NÃO FARIA O
PRÉ-NATAL
COMUM
MÉDICO
QUE NÃO ME
PASSASSE O
WHATSAPP”
DANIELA AZEVEDO, FONOAUDIÓLOGA E MÃE
DE CLARA. 3. E BEATRIZ, 1
freqüentemente sobre doses de
medicações, tiram dúvidas sobre
alimentação, explicam sintomas
como febre e tosse, e questionam
se devem ir ao pronto-socorro
ou agendar consulta de urgência.
Enviam fotos de lesões de pele,
hematomas, escoriações e, menos
frequentemente, fazem vídeos sobre
comportamento e interação com
outras crianças”, diz a pediatra
Andreza Maria Reis de Sá, do
I Iospital São Paulo (SP).
CONFORTO NO PRÉ-NATAL
O contato, aliás, pode começar
bem antes de o bebê nascer, com
outro especialista que recebe muitas
mensagens das pacientes, a qualquer
hora do dia: o obstetra. “Boa noite,
doutor! Saiu um pouco de líquido.
Preciso ir ao pronto-socorro?”
Assim, por mensagem de texto, a
fonoaudióloga Daniela Azevedo,
35 anos, informou ao seu médico
que estava entrando em trabalho
de parto da primogênita, Clara,
hoje com 3 anos. Foi pouco antes
da meia-noite. Por ali mesmo, ele
orientou que ela fosse ao hospital
e, em seguida, já perguntou: “Você
quer doula? Vai colher célula-
tronco?”. O mesmo aconteceu no
nascimento da caçula, Beatriz, 1
ano. “Tive contato com o obstetra
durante as duas gestações. Isso me
deixou bem mais tranquila. Não
faria o pré-natal com um médico que
não me passasse o WhatsApp”, diz.
A jornalista e empresária Paula
Blaas, 29 anos, grávida dos gêmeos
Mariano e Pietro, também mantém
uma relação muito próxima com
o obstetra por causa do app. “Já
precisei confirmar se podia tomar
remédio para cólica, informei que
46 CRESCER
4. estava com infecção urinária e contei
sobre uma ameaça de desmaio.
Quando é um sintoma normal
da gravidez, ele me dá retorno
pelo próprio aplicativo, o que me
tranquiliza. O médico sempre me
responde muito rápido, dando a
segurança de que preciso”, explica.
DO OUTRO LADO DA TELA
Entre os profissionais, o tema
divide opiniões. Para o pediatra
Cláudio Barsanti, presidente da
Sociedade de Pediatria de São
Paulo (SP), os maiores problemas
são os mal-entendidos. “A palavra
escrita não tem entonação e pode ser
mal interpretada pelos dois lados.
Ê diferente de um telefonema.
Mensagem de texto não é a forma
com a qual eu trabalho. Os riscos
são grandes”, alerta.
O pediatra, que também é
advogado, afirma que têm sido
cada vez mais frequentes os casos
na Justiça relacionados a erros de
interpretação. “São pacientes que
acreditam ter sido lesados. Hoje,
mensagem de texto é considerada
provajudicial lícita”, diz Barsanti.
Alguns médicos são mais flexíveis
e até acreditam que o app ajuda
na relação com os pacientes. “O
WhatsApp pode ser um bom aliado
no auxílio aos pais, principalmente
em momentos em que eles não têm
acesso ao atendimento médico,
como em viagens, evitando idas
desnecessárias ao pronto-socorro
ou amenizando sintomas até
que consigam levar a criança ao
consultório”, defende a pediatra
Andreza, do Hospital São Paulo.
“Mas a melhor orientação é
sempre presencial, com uma boa
conversa, avaliando a criança de
maneira integral”, ressalta a médica.
FOTO: KIDSTOCK / GETTY IMAGES
5. SAÚDE
SOBRECARREGADOS
Para os pais e as gestantes, a
conversa pelo aplicativo é a
possibilidade de tirar dúvidas a
qualquer momento. Já para alguns
médicos, um excesso de trabalho.
“A pediatra da minha filha sofreu
nos primeiros meses. Era mensagem
todos os dias, a qualquer hora,
para tirar dúvidas bobas”, admite a
empresária Larissa Bonetti, 36 anos,
mãe de Cecília, 1 ano e 3 meses.
A pediatra Andreza, que costuma
disponibilizar o número do celular
aos pais dos pacientes, reconhece
que nem sempre é fácil organizar
a rotina em função da quantidade
de mensagens. “Às vezes, acordo e
já tem várias. Tento responder nos
intervalos das consultas, quando
estou parada no trânsito ou à noite,
quando chego em casa. Nem sempre
consigo dar retorno a todas ou não
da maneira que gostaria”, diz.
É complicado equilibrar a rotina
que inclui mais uma tarefa - a de
atender pelo app. “Uma vez, rompeu
a bolsa de uma paciente e ela
passou a madrugada me relatando”,
lembra o obstetra Guilherme
Bicca, do Hospital Universitário
São Francisco de Paula, em Pelotas
(RS). “O aplicativo é muito eficiente
para determinadas situações, como
essa. Mas, por vezes, elas querem
respostas imediatas e você está
trabalhando com a agenda lotada.
Vou respondendo ao longo do
dia, quando dá. Tento não deixar
acumular. Ê uma situação que, para
o paciente, é muito cômoda, mas,
para o médico, é extremamente
desgastante”, admite.
Para evitar problemas, a pediatra
Ana Escobar costuma fazer os
combinados desde a primeira
consulta. “Você não pode ser um
pronto-socorro aberto 24 horas
por dia, 365 dias por semana.
WhatsApp não quer dizer que o
médico está de prontidão. O que
eu faço é responder por blocos,
48 CRESCER FOTO MOMO PRODUCTIONS /GETTY IMAGES
6. por exemplo, a cada quatro horas,
e deixo claro que, em situação de
urgência, a pessoa deve ir direto para
o hospital ou marcar uma consulta.
Tem dado certo”, conta.
AFINAL, PODE OU NÃO PODE?
Os questionamentos são inúmeros.
Tanto é que, recentemente, em 2017,
o Conselho Federal de Medicina
(CFM) publicou um parecer
sobre o uso do app. Diz o texto:
“Está claro que o médico pode
receber mensagens no WhatsApp
e responder, como sempre fez,
atendendo telefonemas de pais
aflitos com o filho pequeno, cuja
febre não baixava e precisava ouvir
o pediatra com recomendações
seguras e tranquilizadoras. Todos os
regramentos dizem respeito a não
substituir as consultas presenciais
ou aquelas para complementação
diagnóstica ou evolutiva, a critério
do médico, pela troca de
informações à distância”.
Os resultados de um estudo
recente, feito com médicos pela
Universidade Estadual do Pará
(UEPA) sugerem que 62,5% dos
profissionais usam o aplicativo
de mensagens justamente para
esclarecer dúvidas dos pacientes,
enquanto 25%, para emergências.
“Já existe essa demanda. Não
temos como voltar atrás. È uma
forma rápida de comunicação.
No entanto, identificamos a
necessidade urgente de estabelecer
diretrizes para ajudar o médico a
usar corretamente essa ferramenta”,
explica a psicóloga Patrícia Regina
Bastos Neder, professora assistente
do curso de Medicina da UEPA,
responsável pela pesquisa. O estudo
constatou ainda que a ausência de
k
Etiqueta online
Para a relação médico-
paeiente, que inclui
troca de mensagens via
WhatsApp, funcionar,
segundo os médicos, a dica
é conversar abertamente
com o profissional sobre o
assunto logo na primeira
consulta. É preciso alinhar
expectativas e combinar o
que vale e o que não vale.
Aqui, algumas sugestões
de como manter uma boa
relação pelo aplicativo:
® Anote as dúvidas não
urgentes que surgirem e deixe
para esclarecê-las na próxima
consulta;
>») Quando for algo importante,
mas não urgente, tente restringir
a mensagem aos horários
comerciais;
® Videos podem lotar a
memória do telefone do médico
e sobrecarregar o aparelho.
Guarde-os e mostre somente na
consulta;
@ O mesmo vale para fotos.
Se não for urgente, mostre
no próximo encontro com o
especialista;
w Se o médico não responder,
não insista. Provavelmente, ele
está ocupado;
®E o mais importante:
lembre-se de que o profissional
não tem obrigação de responder
mensagens, por isso, quando
a situação for urgente, procure
sempre um pronto atendimento.
orientação, tanto para eles, como
para os pacientes, sobre esse tipo de
comunicação, deixa os profissionais
inseguros em aderir ao app. “Alguns
dos médicos ficaram hesitantes em
responder ao questionário devido à
falta de regulamentação específica”,
diz Patrícia.
Assim como constatou a pesquisa,
os pacientes também precisam
aprender a usar o app de forma
consciente. Para ajornalista Catia
Noronha, 39 anos, mãe de Teodoro,
6 anos, e Alice, 4, o WhatsApp foi
importante, em alguns momentos.
“Quando estávamos viajando pela
Bahia e meu filho teve uma virose
forte, e nos Estados Unidos, quando
ele caiu e torceu o pulso. A pediatra
estava o tempo todo online comigo.
Mas isso não substituiu nossa ida a
um pronto atendimento”, conta.
Segundo Ana Cristina Zollner, do
Departamento Científico de Bioética
da Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP), o assunto tem sido discutido
em congressos de pediatria no Brasil.
“As mídias sociais são uma realidade
sem retorno, não tem como fugir
dessa questão. Entendemos que o
WhatsApp existe para informações
mais rápidas, sobre algo que não seja
complicado”, diz.
Por isso, tenha em mente que a
tecnologia facilita, sim, o contato
com o seu médico ou com o do
seu filho a qualquer momento
ou em situações de emergência.
“Mas o corpo humano é muito
mais complexo do que qualquer
interpretação feita virtualmente.
Uma foto, muitas vezes, não é o
suficiente para um bom diagnóstico”,
explica Ana Cristina. Sendo assim,
use, mas com moderação. 0
CRESCER49