1. Programa de Pós Graduação em Psicologia
Semestre 2015.2
Jan/2016
Professora: Elsa de Mattos
2. Programa da Disciplina
Essa disciplina explora novas abordagens do self e da subjetividade emergentes
a partir da virada linguística/narrativa nas ciências sociais, sobretudo a partir
das décadas de 1980/90.
Nos últimos anos, as perspectivas socioculturais e narrativistas vêm se
tornando cada vez mais influentes na Psicologia. Vamos analisar formas de
conceber a subjetividade que substituem concepções auto-referenciadas e
autônomas de "si" por noções que compreendem a subjetividade como
narrativas, construções sociais, processos relacionais e dialógicos.
Estudaremos autores como, Kenneth Gergen, Jerome Bruner, Michael
Bamberg, Rom Harré, Humbert Hermans, Alex Gillespie, Tania Zittoun, Jaan
Valsiner (entre outros), como pontos de partida para orientar nossas reflexões
sobre os "processos subjetivos".
A ideia é fazer uma crítica de concepções que enfatizam os processos
intrasubjetivos como percepções auto-referenciadas para dar lugar a
concepções que enfatizam os processos intersubjetivos na construção de
concepções dinâmicas de si que emergem nos contextos nos quais a pessoa
interage.
3. Conteúdo Programático
Vamos ter 5 módulos de conteúdo, cada um com aproximadamente 3
aulas, nos quais iremos abordar os seguintes temas:
1) A virada narrativa nas Ciências Sociais e na Psicologia;
2) Self Narrativo;
3) Intersubjetividade e Dialogismo;
4) Self Dialógico;
5) Desdobramentos recentes.
4. Avaliação
Em 3 momentos:
1) Relato Autobiográfico (narrativa da vida acadêmica) –
2 pontos
2) Análise de trechos de uma entrevista
narrativa/texto autobiográfico (em dupla) – 3 pontos
3) Revisão da Literatura do Curso (individual): A partir
do seu interesse de pesquisa, escolha 6 textos dentre os que
foram trabalhados no curso e escreva uma revisão dessa
literatura (máximo de 8 páginas) para inserir (ou não) no
seu projeto de pesquisa. – 5 pontos
5. Introdução
Textos de apoio:
Guanaes, C., & Japur, M. (2003). Construcionismo social e
metapsicologia: Um diálogo sobre o conceito de self.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 19(2), 135-143
Macedo, L. S. R. & Silveira, A. C. (2012). Self: Um conceito
em desenvolvimento. Paideia, 22(52), 281-289.
Kirschner, S. (2010). Sociocultural subjectivities: Progress,
prospects, problems. Theory & Psychology, 20(6), 765-780.
6. Introdução
O conceito de self é um tema complexo. Atualmente,
diversas definições de self, que surgiram em momentos
históricos diferentes, coexistem.
É importante reconhecer qual as diferentes
perspectivas epistemológicas adotadas para se falar
de self.
As abordagens teóricas fundamentam-se em diferentes
concepções para compreender o ser humano, o que
traz implicações diretas na maneira de descrever o self.
7. Introdução
As diferentes compreensões acerca do self, como frutos
da capacidade reflexiva humana, foram influenciadas
pelos demais movimentos na produção de
conhecimento da humanidade.
Nossa disciplina foca nas compreensões de self e
subjetividade(s) que são mais influentes para a
Psicologia contemporânea.
8. As noções de Self ao longo da história
Até o século XVII, a visão de mundo no ocidente era a de
uma realidade duradoura na qual cada ciclo de vida era
determinado em termos do lugar que a pessoa ocupava na
sociedade.
Havia pouca demanda para os indivíduos buscarem
autodefinições para as suas próprias vidas.
Por essa razão, a arte e a literatura expressavam narrativas
coletivas da cultura, e não as vidas específicas de
indivíduos.
Os indivíduos tinham pouco incentivo para compor um
passado individualizado e um projeto único de aspirações
individuais para o futuro.
Não havia uma demanda para construir uma história sobre
o próprio self.
9. A situação muda a partir do século XVIII, quando surge uma
perspectiva individualista para a existência humana, a qual terá
repercussões na origem de importantes teorias psicológicas.
Na Psicologia, passa então a vigorar a visão de self que se origina
da tradição filosófica que começa em Descartes, passa por Kant e
chega em Piaget.
Trata-se do self como "si mesmo", como uma tomada de
consciência de ser uma entidade independente e autônoma em
relação ao outro.
Uma visão racionalista do psiquismo, que ressalta uma
perspectiva individualista, pois descreve algo que se passa no
interior do sujeito.
10. No século XIX, há uma visão romântica do self que atribui a cada
indivíduo traços de personalidade, emoções, moralidade e criatividade.
No século XX, emerge e ganha força a visão modernista e racionalista
do self, que valoriza a capacidade de raciocínio para resolver problemas,
desenvolver conceitos, opiniões e intenções conscientes. Ao mesmo
tempo, começam a surgir concepções alternativas – p. ex. a Psicanálise
– que questionam a centralidade da consciência e a razão na atividade
psíquica humana.
Essas visões influenciaram o pensamento científico sobre o homem até
o final do século XX, quando entram em colapso devido,
principalmente, às transformações decorrentes das tecnologias
midiáticas e das transformações na relação do indivíduo com mundo
social.
11. Kenneth Gergen (1991) propôs que essas transformações
conduziram à erosão do self identificável.
O autor explica que a cultura é constituída por um sistema de
significados, ações, artefatos e instituições, que são reconhecíveis
e compartilhados por um determinado grupo social.
Ao longo do tempo, esse compartilhar gera um senso de
submissão ou pertencimento, que auxilia os indivíduos a se
diferenciarem como membros de um grupo e não-membros de
outro.
Em tempos de globalização e da transmissão de informações em
alta velocidade e sem fronteiras físicas, há uma constante
construção de novos significados com os quais cada indivíduo
tem de lidar, dificultando-lhe a tarefa de construir uma
identidade e de definir a que cultura o seu modo de vida
pertence.
12. A perspectiva do Construcionismo Social e a
proposição de um self discursivo
No contexto dos estudos pós-modernos, o construcionismo social surge nos
anos 1980 como uma alternativa às formas empiricistas de se conceber a ciência
e os processos de produção de conhecimento, abrindo novas reflexões no campo
das ciências humanas e sociais.
O construcionismo social busca investigar o contínuo fluxo da atividade
comunicativa humana, dando destaque aos processos lingüísticos e relacionais
que possibilitam a produção de conhecimento sobre o self e sobre o mundo em
que vivemos.
Comum às muitas propostas construcionistas é a noção de que o self depende
das práticas discursivas através das quais as pessoas dão sentido ao mundo e às
suas próprias ações.
O self é entendido enquanto uma construção social, produto das trocas
discursivas situadas. Ele é visto como expressão da capacidade para a linguagem
e a narração, sendo definido a cada momento de uma interação através dos
modos pelos quais as pessoas descrevem a si mesmas (e são descritas por
outras) em suas conversações.
13. Concepção de Linguagem
A visão de linguagem apresentada pelo
Construcionismo Social:
A linguagem passa a estar associada à ação, entendida
como prática(s) linguística(s) ou discursiva(s). A
linguagem é vista como performance, como “ato” de
linguagem. Ela é tem um caráter performático e
constitutivo (e não representativo) do ser no mundo.
14. Self Discursivo
A concepção de self como discurso baseia-se
principalmente:
(1) no Socio Interacionismo de Lev Vygotstky;
(2) na abordagem da análise do discurso (também
chamada de análise conversacional) que se originou
nas teorias etnometodológicas e centradas nos
participantes do sociólogo Harold Garfinkel;
(3) na obra de Ludwig Wittgenstein, que enfatizou a
importância das práticas humanas de construção de
significados no contexto mais amplo de formas de
viver.
15. Self Discursivo
Não existe uma única concepção de self discursivo. A perspectiva do
Construcionismo Social deu origem a diferentes concepções de como o self se
expressa no discurso.
Torna-se importante investigar o modo como as diferentes explicações e
descrições sobre o self são construídas, analisando como estas são produzidas
relacionalmente.
Um conceito importante para o entendimento de como o self se expressa no
discurso é a noção de repertórios interpretativos, entendidos como recursos
sociais ou sistemas de termos usados para caracterizar e avaliar ações, eventos
e fenômenos.
As pessoas recorrem a diferentes repertórios interpretativos para atingirem
propósitos sociais, de acordo com as particularidades dos relacionamentos nos
quais participam.
16. Repertórios interpretativos
O uso de determinados repertórios interpretativos favorece
determinadas noções de self, pois implicam
formas específicas de descrever e explicar as ações
individuais e
manutenção de determinadas relações de poder e
padrões de dominação e subordinação.
Ao construir o self de um determinado modo, outras
construções são restringidas, de forma que a criação de um
tipo de self ou subjetividade no discurso também cria um
tipo particular de sujeição.
17. As ideias de Bruner
Jerome Bruner compartilha com outros teóricos e pesquisadores a ideia
de um self narrativo (Bruner, 1991), que seria uma entidade mental que
se organiza dentro de uma perspectiva temporal através da autoria da
história do sujeito, que interconecta seu passado, presente e futuro.
Contudo, essa entidade mental é constituída pelo uso da cultura e
realizada nela, isto é, um self definido pelos significados construídos
pelo indivíduo e pela cultura em que está inserido (Bruner,
1986/1997).
Nesse contexto, a narrativa seria a moeda de troca entre o self e o
mundo social e, especificamente, as narrativas sobre o self constituem
uma versão longitudinal do si mesmo (Bruner, 1986/1997).
Bruner enfatiza a continuidade do self, mas permite vislumbrar as
transformações no self em decorrência da experiência humana.
Portanto, não há primazia de continuidade ou de mudança.
A constituição do self baseia-se na construção de significados para a
experiência individual do sujeito, especialmente, por meio de sua
capacidade narrativa.
18. Self Narrativo
Nelson (2000) defende que o self emerge a partir das trocas verbais em forma
narrativa e explanatória, com outros significativos, desde cedo na infância.
Durante essas trocas verbais, compartilham-se ou recuperam-se experiências
vividas, assim como as histórias e mitos que alicerçam a cultura. Desse modo,
uma noção de continuidade do self ao longo do tempo é construída desde o
próprio nascimento. Fivush e Haden (2003) explicam que a narrativa de vida
que cada pessoa cria está encaixada em uma estrutura sociocultural, a qual
define o que é apropriado lembrar, como algo deve ser lembrado e o que
significa ser um self com um passado autobiográfico. Nelson (2003) explica que
a ênfase relativa colocada noself nos diferentes contextos socioculturais
influencia a forma e a função da memória autobiográfica e a necessidade de
desenvolver uma narrativa unicamente pessoal de vida. As narrativas da cultura
se entrelaçam com o desenvolvimento de uma memória individual,
direcionando a construção da memória autobiográfica na qual se organizará
uma consciência sobre o si mesmo, um self.
Uma vez que a memória autobiográfica funciona como base para a construção
do self, então, além da inserção num contexto histórico-cultural, é preciso
considerar a influência direta sobre o self das experiências vividas no passado
do indivíduo, os acontecimentos importantes de sua história pessoal.