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Corpo e Tecnologia:

    Os Dispositivos Tecnológicos como Extensão ou Distensão do Homem?



                     Maria Julianna Formiga Moura Sinval1




                                         “Existir é, de maneira crescente, estar
                                         ligado a tela e interconectado nas redes”


                                                      Gilles Lipovetsky, 2007, p.257


          A citação de Gilles Lipovetisky aponta com clareza uma situação
comum nos dias de hoje. Estamos vivendo a era da tela/ecrã global, isto é, a
“ecrãnoosfera”, onde um fluxo de imagens circula em telas. Nos aeroportos,
restaurantes, bares, elevadores, metrôs, carro, aviões, por todos os lugares
encontramos telas, sejam telas planas ou portáteis, elas se proliferaram em
todas as dimensões.

        Dentro dessa moldura, como se reconfigura o corpo humano na
onipresença de telas que se interconectam? Qual a relação do nosso corpo
com a tecnologia? Que corpo é esse no mundo das redes, já que é um único
corpo que trabalha em dois ambientes: on line e off line? Desde logo, o corpo,
como objeto de estudo apresenta-se do ponto de vista da teoria corpomídia
(Katz e Greiner, 2005), onde a mídia à qual a teoria se refere diz respeito ao
processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo, isto
é, a informação é transmitida em processo de contaminação.

         Esse corpo sob constante interrogação tornou-se um problema na
entrada do sec. XXI e tem ocupado o centro dos questionamentos sobre o que
é ser humano diante de tantas invenções tecnológicas. O corpo biocibernético,
o corpo interfacetado, pós-humano e tudo que tange a relação corpo-tecnologia
foram discutidos a exaustão, mas pouco espaço é dedicado para as mudanças
de ordem cognitiva promovidas pelas distintas tecnologias, ou seja, pouco se
1
  Jornalista, Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC SP. Professora de
semiótica      e    Cibercultura  da   FANOR     -   Faculdades     Nordeste.    E-mail:
juliannaformiga@gmail.com
investiga sobre a transformação do corpo diante das formas de comunicação
que continuam a ser inventadas. Portanto, para lidar com o mundo das redes
sociais na internet, alguns conceitos devem ser rearticulados, já que esse
corpo ativo e em constante transformação, a partir das relações com o meio
ambiente, reconfigura-se na vida permanentemente on line.


“TODO CORPO É CORPOMÍDIA”



        A palavra corpo pode ser empregada em sentidos distintos. Portanto,
ao tratar do corpo é preciso deixar claro de que corpo se fala. No presente
artigo, devemos compreender o corpo “como sendo um contínuo entre o
mental, o neuronal, o carnal e o ambiental” (GREINER, KATZ, 2001, p.89). Não
se separa corpo, mente, self e psique. De acordo com Greiner (2005) o
corpomídia é um conjunto de informações, que se esforça para compreender
como funciona. Explica a autora:


                         O corpo não é um meio por onde a informação
                         simplesmente passa, pois toda informação que
                         chega entra em negociação com as que já estão. O
                         corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um
                         lugar onde as informações são apenas abrigadas. É
                         com esta noção de mídia de si mesmo que o
                         corpomídia lida, e não com a idéia de mídia
                         pensada como veículo de transmissão. A mídia à
                         qual o corpomídia se refere diz respeito ao
                         processo evolutivo de selecionar informações que
                         vão constituindo o corpo. A informação se transmite
                         em processo de contaminação.




          Portanto, não é um corpo embalagem, moldado, mas um corpo em
fluxo, em constante transformação. Também não se trata da noção de corpo-
máquina, onde uma informação de fora é processada por uma máquina e logo
depois é devolvida ao ambiente, ou seja, a teoria corpomídia se opõe ao
modelo computacional de comunicação.
        Trata-se do corpo relacionado com o ambiente. Isso significa que
aquele ambiente é assim por causa daqueles corpos e vice-versa. Essa
conexão corpo-ambiente acontece através dos processos co-evolutivos e
produz uma rede de pré-disposições perceptuais, motoras, de aprendizado e
emocionais. Devemos compreender este movimento como sentido de
adaptação a novas situações. Helena Katz2 explica que “o desejo de
permanecer leva à necessidade de fazer outro a partir de si mesmo, e só pode
se realizar porque no mundo onde vivemos, as informações tendem a operar
dentro de um processo permanente de comunicação”.
         Se todo corpo é corpomídia de si mesmo, devemos deixar de lado a
compreensão habitual de mídia e não tratá-la como um meio de transmissão.
Pois na mídia que o corpomídia ocupa-se a informação é preservada no corpo
e se torna corpo. Mas há um limite de preservação que garante a sobrevivência
de cada ser vivo em meio a essa constante transformação. Portanto, não
podemos afirmar que o corpo é, mas que o corpo está sendo, o corpo é um
estado dessa coleção de informações que vai mudando, isto é, corpomídia da
evolução.


QUAL O AMBIENTE DO CORPO HOJE?



        Já que a teoria corpomídia é corpo e ambiente, se faz necessário
compreender qual o ambiente do corpo hoje. Em tempos de agora, o homem
estar permanentemente ligado ao conjunto das telas, seja por celular ou
computador, a tela permite a conexão com outras telas, marcando atos de sua
vida cotidiana.
      De acordo com Lipovetsky (2007), o nascimento das telas se deu no
cinema3 - a tela suprema - , um portal luminoso que abriu outros mundos4 e
educou o olhar das pessoas durante muito tempo. Com as invenções
tecnológicas      houve uma      mudança      progressiva    e a     lógica high-tech




2
  Katz, Helena. Todo corpo é copo mídia. In ComCiência – Revista Eletrônica de Jornalismo
Científico http://www.comciencia.br/comciencia/ – 10/03/2006.
3
  Depende do lugar a história da tela começa pela televisão.
4
  Os stars lançaram moda: A boina de Garbo, a camiseta branca de Brando, o vestido xadrex
vichy, como também modificaram os códigos de beleza etc.
revolucionou os cenários e efeitos, tornando possível a criação de mundos e
cenas5 outrora impossíveis de visualizar, um cinema marcado pela velocidade.
         A televisão, a partir da década de 1950, penetrou nos lares e nas
décadas seguintes houve uma multiplicação exponencial de telas. No entanto,
o cinema deixa de ser a tela suprema e vai sendo traduzido para outras telas:
computador, videogames, máquinas fotográficas                 digitais, celular, telas
decorativas de plasma penduradas na parede, painéis eletrônicos, GPS na tela
de bordo do carro indicando o caminho a seguir, imagens médicas
computadorizadas, telas que mostram o interior do corpo etc.
         Nossa sociedade investe todas as fichas na criação de mais
tecnologias de conectividade. E essa hiper-conectividade mudou nossas vidas
nesse inicio de século, transformando nosso modo de viver e nossa relação
com a informação. Todos os investimentos na área da educação são
investimentos em tecnologia e para se diferenciar dos concorrentes, alguns
colégios substituíram o tradicional quadro retangular pelas lousas digitais ou
interativas.

       Em 2010 o fato de maior relevância foi o crescimento do Facebook. O
ritmo de adesão ao site concebido por Mark Zuckerberg foi bem mais rápido do
que o fenômeno Orkut. O relatório, que faz uma análise do mercado de mídias
sociais na América Latina, mostra que o uso das redes cresceu 16% na região
em 2010, enquanto o tempo gasto nesse tipo de serviço aumentou 88%6. A
cada login no Facebook, os brasileiros permanecem, no mínimo 18 minutos e
19 segundos na rede social7. 90,8% dos brasileiros com acesso à internet
usam redes sociais. Portanto, esses dados confirmam que as Redes Sociais
Facebook e Twitter se apropriam do tempo de vida das pessoas. Hoje com 800
milhões de usuários, o Facebook devora o tempo de 800 milhões de pessoas.
E num “clique para atualizar” 8 desenfreado relações estão sendo capitalizadas.
O uso abusivo das redes sociais na Internet se tornou uma prática. Ao entrar

5
  Titanic, Jurassic Park, O Senhor dos Anéis.
6
  De acordo com a pesquisa realizada pela comScore, divulgada no portal Terra (acessado em
17 de novembro de 2011).
7
  De acordo com um estudo da Experian.
8
  Essa angústia causada pela sensação de ficar off-line já tem nome: FOMO, sigla em inglês
para “fear of missing out”, ou “medo de perder alguma coisa. O comportamento Fomo já foi
considerado uma patologia a ser curada, mas hoje não podemos afirmar que um sujeito que se
conecta frequentemente possui um transtorno, é apenas um jeito de participar.
no Facebook estou aderindo a uma prática e não ao objeto. As mudanças da
tecnologia foram modificando o nosso modo de olhar o mundo, o nosso corpo.
E com o excesso de tecnologia podemos observar um novo jeito de viver on
line. Vivemos um agora que apesar de curto, se tornou mais denso.


QUE CORPO É ESSE NO MUNDO DAS REDES?



       Evolutivamente o corpo vai se transformando por conta da tecnologia.
Já há quase um consenso entre os cientistas de que a tecnologia vem
acelerando a evolução do ser humano9. Robert W. Fogel e seus coautores10
afirmam nas suas pesquisas que na maior parte do mundo o tamanho do
corpo, o formato e longevidade mudaram de forma acelerada nos últimos três
séculos. Os avanços na produção de alimentos e na saúde pública tornam
mais ágil a evolução darwiniana. Todas essas alterações acontecem em um
período de tempo curto. Pesquisas cognitivas já estão sendo realizadas em
alguns laboratórios e comprovam que os números de padrões de peso e altura
na espécie humana estão mudando rapidamente. Um norueguês de 22 anos
media 1,79 cm no final de século 20, ou seja, 14 cm a mais que a média do
final do século 18. Evolutivamente 200 anos é pouco para uma mudança.
       As teorias evolutivas facilitam o entendimento de que uma vez que o
corpo fica adaptado com o ambiente, ele tende a deixar rapidamente de ter
estímulos de investigação nesse ambiente porque ele já está adaptado, ou
seja, o ambiente já está mapeado e ele não possui mais estímulos cognitivos
exploratórios, estímulos os quais nós humanos não conseguimos viver sem.
Quando sentávamos frente ao computador rapidamente ficávamos cansados,
mas hoje não sentimos mais a dor nas costas ou arder os olhos, pois
evolutivamente a informação já foi absorvida. Outro sinal importante é de que o
corpo vai ficando treinado com sobreposições de imagens e simultaneidade, se
ele não é estimulado dessa forma, ele se fadiga e tende ao desligamento. Cada
vez mais é necessário mais estímulos para ficarmos atentos. Quando


9
   COHEN, Patrícia. Tecnologia acelerou a evolução do homem, Patrícia Cohen. Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br.
10
   Roderick Floud, Bernad Harris e Sok Chul Hong.
assistimos a um filme que não trabalha com a velocidade, desligamos a tensão
e dormimos.
           De acordo com Helena Katz11, está acontecendo cognitivamente uma
mudança, ou seja, uma necessidade frequente de muita estimulação para
manter a atenção. Pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento -
psicologia, comunicação, ciências cognitivas etc – buscam entender que tipo
de corpo somos nós, usuários (dependentes e intensivos) do computador? Pois
o nosso corpo hoje, que funciona mediado por telas é outro tipo de corpo, ele
exercita o dom da ubiquidade. Ao mesmo tempo em que responde um e-mail,
compartilha um link no facebook, troca mensagens rápidas no MSN e ver um
site. E todas essas atividades realizadas ao mesmo tempo possuem
consequências cognitivas. Permanecer durante horas na frente da tela é um
treino. E isso nos habilita.
       Portanto, um corpo que vai treinando cada vez mais fazer mais de uma
mesma coisa ao mesmo tempo, aos poucos domina essa habilidade e fica
confortável. Essa agilidade se materializa no corpo e hoje somos impacientes
com a lentidão. O que praticamos socialmente é muito mais do que
cognitivamente treinamos no computador, pois esse corpo não é de agora, ele
foi se constituindo.
       Não podemos afirmar que há uma ruptura do analógico com o digital,
pois não estanca, não rompe, não empobrece, mas desenvolve-se outra
habilidade. Fluxos de antes viram agora. É o caso da Tv que não aboliu o rádio,
apenas redefiniu. Por que no tablet é preciso fazer de conta que virou a página
lendo o jornal? Porque o corpo é uma coleção de informações que se
modificam dentro do ambiente e precisa se adaptar para sobreviver. E com a
necessidade de sobrevivência surge a necessidade de fazer parte do mundo
on line.
       A relação do homem com a tecnologia possui a mesma natureza ao
longo da história. O que se renova é a materialidade da tecnologia e não a
nossa relação com a tecnologia. Mas nossa tendência é sempre olhar para o
que está acontecendo no momento como algo que está sendo inaugurado. O
mundo até aquela tecnologia não é mais suficiente, não dá pra continuar
11
  Comentários da Profª Helena Katz nas aulas do programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Semiótica na Puc SP no 2º semestre 2011.
vivendo nele. É preciso passar para o novo mundo que aquela tecnologia
inaugurou, pois desautoriza o mundo até então existente.
          Que tipo de provocação a fotografia trouxe para a pintura? Que tipo de
provocação o cinema trouxe para a fotografia? Que tipo de provocação a
televisão trouxe para o rádio? É a mesma natureza, ou seja, a desautorização.
Obrigando a outra tecnologia a especificar-se. Tem um pedaço da nova
tecnologia que ainda é vinculado à anterior. A televisão começa muito mais
sendo um rádio com poucas imagens. Mas logo o rádio foi obrigado a se
singularizar, ou seja, era necessário descobrir o que é que só o rádio tinha que
a televisão não poderia ter. E o rádio descobriu que tinha a possibilidade de ser
mais ágil por conta do tipo de tecnologia. E a televisão buscou a espacialidade
dela, pois não podia mais ser só um rádio com imagens, pois o rádio com sua
velocidade já tinha dado a notícia.
           Os hábitos de um telespectador se repetem diariamente. E o corpo
acaba se habituando. Estudos mostram que até o final dos anos 80 os blocos
de intervalos eram de 8 minutos. Do final dos anos 80 para os anos 90 em
diante foi caindo até os blocos serem de 4 minutos. O corpo que estava
habituado a ficar sentado prestando atenção por bloco de 8 min, encurta o
tempo de treino que fica sentado prestando atenção. À medida que vai sendo
encurtado, cria uma familiaridade rítmica no modo de lidar com a informação. E
isso vai padronizando as outras emissoras. Vai diminuindo o treino da atenção,
tornando o corpo indisponível para situações aonde a atenção é exigida por
mais tempo até o intervalo. O encurtamento dos blocos na tevê produziu
cognitivamente um comprometimento de atenção. Acontece uma troca entre o
corpo e a informação que implica numa familiarização de hábitos perceptivos,
que ficam no corpo, vira o corpo e vão consolidando o jeito de olhar o mundo.

          A introdução dos tablets como material pedagógico na escola, em
substituição ao livro, vai criar outros hábitos perceptivos. É um tipo de cognição
que vai sendo horizontalizada, transformando vários hábitos corporais.
                                                    12
Portanto, se o “tablet substitui livros”              , estamos iniciando mudanças
importantes em termos cognitivos. Mas é claro que isso não vai se expandir em



12
     Campanha publicitária de uma escola que causou polêmica em Fortaleza Ce.
grande velocidade e nem vai atingir tantas pessoas ao mesmo tempo. Mas a
quem atingir, produzirá alguma transformação.


Os meios de comunicação como extensão ou distensão do homem?


     Nas reflexões de Marshall McLuhan (1989), compreendemos os meios de
comunicação, como extensão do homem, isto é, em contato com cada nova
tecnologia, o corpo torna-se dependente como se a extensão sempre tivesse
feito parte dele. Assim, McLuhan argumenta:


                         Qualquer invenção ou tecnologia é uma extensão
                         ou auto-amputação de nosso corpo, e essa
                         extensão exige novas relações e equilíbrios entre
                         os demais órgãos e extensões do corpo. (...) Como
                         extensão e aceleração da vida sensória, todo meio
                         afeta de um golpe o campo total dos sentidos.
                         (MCLUHAN, 1989, p. 63).


          Clarck (2001) considera que há processos cognitivos no mundo que
acoplam a mente. Não existe um ambiente interno totalmente apartado do
ambiente externo. O autor afirma que a mente não é só do dentro, ela está
distendida, portanto, objetos supostamente separados do corpo podem ser
distendidos como mente, isto é, uma ação internalizada. Portanto, o que
McLuhan chamava de extensão, podemos chamar de distensão, pois o corpo
não acaba.

         Existem alguns mecanismos perceptuais e cognitivos que são
distendidos em objetos externos. Temos como exemplo a luneta ou os óculos,
que vão distendendo e ampliando a nossa percepção, no caso a visão. Os
óculos não é uma extensão. O olho com os óculos vai aprendendo como é que
funciona. E quando está sem os óculos ele tem outro treino de reconhecer o
mundo. O corpo está sempre se distendendo e dependendo dos hábitos
cognitivos que possuímos, lemos o mundo de um jeito ou de outro.

        Marshall McLuhan (1989) chamou atenção para essas tecnologias em
relação ao corpo, na medida em que elas colocavam o corpo em locais onde o
corpo não tinha estado antes e ele chamava de extensão. Mas extensão é algo
que é acoplado a algo existente para aumentar o desempenho, o alcance.
Extensão na tecnologia é um tipo de dispositivo de acoplamento. O corpo não
acaba no limite onde ele acabava. A informação modifica o comportamento e o
jeito de olhar.
         A teoria corpomídia deixa claro que as informações que são repetidas
no corpo, se estabilizam nesse corpo. O corpo vai distendendo as habilidades,
portanto, não é uma extensão que se acopla. Dentro desse viés podemos
entender o iPhone não como um acessório da memória, mas como memória.
Katz (2011) nos conta que David Chalmers, no prefácio que escreveu para o
mais recente livro de Andy Clarck13, relata que seus amigos se impressionavam
com a mudança que o iPhone havia produzido no seu cérebro e muitas vezes
sugeriam que ele implantasse o iPhone no cérebro, mas David Chalmers
percebeu que o implante não precisaria ser feito, pois o iPhone já fazia parte do
seu corpo, já havia transformado seu comportamento. O dispositivo de
memória não precisa ser colocado dentro do corpo para fazer parte do corpo e
ser considerado mente, o dispositivo mesmo corporeamente separado é uma
distensão da mente.
      De acordo com Christine Greiner14, o objeto transforma a capacidade de
memória, que é uma habilidade interna, portanto, o instrumento também possui
uma ação cognitiva. Greiner explica que para Andy Clarck a técnica é um
artefato cognitivo. O organismo produz artefatos, que não precisam ser
exatamente objetos, mas modelos cognitivos. Mas não é algo que está sendo
colocado no organismo. A ação do sujeito em relação ao ambiente e do
ambiente em relação ao sujeito não pode ser separada, são ações
indistinguíveis.
      Vamos à direção de um comportamento do mundo off line, mas com
outros mecanismos. Portanto, não podemos separar o mundo virtual do mundo
real. São demandas e desejos transitivos. A comunidade digital pauta o nosso
comportamento via nosso corpo e o nosso corpo pauta essas especificidades
das mídias em relação ao seu suporte. Portanto, ler o jornal no computador



13
 Supersizing the mind; embodiment, action, and cognitive extension (2008).
14
  Comentários da Profª Christine Greiner na aula do programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Semiótica na PUC SP em 21 de outubro de 2011.
com a página virando faz um hábito cognitivo e mantém uma ponte aberta para
o papel. Ao mesmo tempo em que se avança, também conserva.
       A mudança ocorre nos dois ambientes. Tanto nas máquinas como em
nós. Por isso evitamos utilizar a expressão “pós-humano”. Pois é como se
existisse um certo projeto humano que acabou e agora vem outro, mas não
rompe, a proposta é que vai se distendendo. E todas as informações que
configuram o mundo hoje nos contaminam e vão sendo por nós contaminadas.



                                 Referencias Bibliográficas



CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 2000.

GLEICK, James. The Information. A History. A Theory. A Flood. New York: Phanteon Books,
2011.

GREINER, Christine. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume,
2005.

GREINER, Christine, KATZ, Helena. A natureza cultural do corpo. In: PEREIRA, R. SOTER,
S.(orgs.). Lições de Dança 2. Rio de Janeiro: Ed. Centro Universitário Cidade, 2001. p. 77-102.

KATZ, Helena. De que fala o corpo hoje?. In: ALTEMEYER, Fernando; BOMBONATTO, Vera
(orgs.). São Paulo: Paulinas, 2011. P. 15-27. Teologia e Comunicação: corpo, palavra e
interface cibernéticas.

LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. O Ecrã Global. Editora 70, 2007.

MARTINS, Francisco Menezes e MACHADO da SILVA, Juremir, orgs. A Genealogia do
Virtual. Comunicação, Cultura e Tecnologias do Imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2004.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad. Décio
Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1964.

SHIRKY, Clay. A Cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo
conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

SODRÉ, Muniz. Sociedade, Mídia e Violência. Porto Alegre: Editora Salina/Edipucrs, 2006.

THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna. Petrópolis: Vozes, 2007

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Artigo Julianna Formiga

  • 1. Corpo e Tecnologia: Os Dispositivos Tecnológicos como Extensão ou Distensão do Homem? Maria Julianna Formiga Moura Sinval1 “Existir é, de maneira crescente, estar ligado a tela e interconectado nas redes” Gilles Lipovetsky, 2007, p.257 A citação de Gilles Lipovetisky aponta com clareza uma situação comum nos dias de hoje. Estamos vivendo a era da tela/ecrã global, isto é, a “ecrãnoosfera”, onde um fluxo de imagens circula em telas. Nos aeroportos, restaurantes, bares, elevadores, metrôs, carro, aviões, por todos os lugares encontramos telas, sejam telas planas ou portáteis, elas se proliferaram em todas as dimensões. Dentro dessa moldura, como se reconfigura o corpo humano na onipresença de telas que se interconectam? Qual a relação do nosso corpo com a tecnologia? Que corpo é esse no mundo das redes, já que é um único corpo que trabalha em dois ambientes: on line e off line? Desde logo, o corpo, como objeto de estudo apresenta-se do ponto de vista da teoria corpomídia (Katz e Greiner, 2005), onde a mídia à qual a teoria se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo, isto é, a informação é transmitida em processo de contaminação. Esse corpo sob constante interrogação tornou-se um problema na entrada do sec. XXI e tem ocupado o centro dos questionamentos sobre o que é ser humano diante de tantas invenções tecnológicas. O corpo biocibernético, o corpo interfacetado, pós-humano e tudo que tange a relação corpo-tecnologia foram discutidos a exaustão, mas pouco espaço é dedicado para as mudanças de ordem cognitiva promovidas pelas distintas tecnologias, ou seja, pouco se 1 Jornalista, Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC SP. Professora de semiótica e Cibercultura da FANOR - Faculdades Nordeste. E-mail: juliannaformiga@gmail.com
  • 2. investiga sobre a transformação do corpo diante das formas de comunicação que continuam a ser inventadas. Portanto, para lidar com o mundo das redes sociais na internet, alguns conceitos devem ser rearticulados, já que esse corpo ativo e em constante transformação, a partir das relações com o meio ambiente, reconfigura-se na vida permanentemente on line. “TODO CORPO É CORPOMÍDIA” A palavra corpo pode ser empregada em sentidos distintos. Portanto, ao tratar do corpo é preciso deixar claro de que corpo se fala. No presente artigo, devemos compreender o corpo “como sendo um contínuo entre o mental, o neuronal, o carnal e o ambiental” (GREINER, KATZ, 2001, p.89). Não se separa corpo, mente, self e psique. De acordo com Greiner (2005) o corpomídia é um conjunto de informações, que se esforça para compreender como funciona. Explica a autora: O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não com a idéia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo. A informação se transmite em processo de contaminação. Portanto, não é um corpo embalagem, moldado, mas um corpo em fluxo, em constante transformação. Também não se trata da noção de corpo- máquina, onde uma informação de fora é processada por uma máquina e logo depois é devolvida ao ambiente, ou seja, a teoria corpomídia se opõe ao modelo computacional de comunicação. Trata-se do corpo relacionado com o ambiente. Isso significa que aquele ambiente é assim por causa daqueles corpos e vice-versa. Essa
  • 3. conexão corpo-ambiente acontece através dos processos co-evolutivos e produz uma rede de pré-disposições perceptuais, motoras, de aprendizado e emocionais. Devemos compreender este movimento como sentido de adaptação a novas situações. Helena Katz2 explica que “o desejo de permanecer leva à necessidade de fazer outro a partir de si mesmo, e só pode se realizar porque no mundo onde vivemos, as informações tendem a operar dentro de um processo permanente de comunicação”. Se todo corpo é corpomídia de si mesmo, devemos deixar de lado a compreensão habitual de mídia e não tratá-la como um meio de transmissão. Pois na mídia que o corpomídia ocupa-se a informação é preservada no corpo e se torna corpo. Mas há um limite de preservação que garante a sobrevivência de cada ser vivo em meio a essa constante transformação. Portanto, não podemos afirmar que o corpo é, mas que o corpo está sendo, o corpo é um estado dessa coleção de informações que vai mudando, isto é, corpomídia da evolução. QUAL O AMBIENTE DO CORPO HOJE? Já que a teoria corpomídia é corpo e ambiente, se faz necessário compreender qual o ambiente do corpo hoje. Em tempos de agora, o homem estar permanentemente ligado ao conjunto das telas, seja por celular ou computador, a tela permite a conexão com outras telas, marcando atos de sua vida cotidiana. De acordo com Lipovetsky (2007), o nascimento das telas se deu no cinema3 - a tela suprema - , um portal luminoso que abriu outros mundos4 e educou o olhar das pessoas durante muito tempo. Com as invenções tecnológicas houve uma mudança progressiva e a lógica high-tech 2 Katz, Helena. Todo corpo é copo mídia. In ComCiência – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico http://www.comciencia.br/comciencia/ – 10/03/2006. 3 Depende do lugar a história da tela começa pela televisão. 4 Os stars lançaram moda: A boina de Garbo, a camiseta branca de Brando, o vestido xadrex vichy, como também modificaram os códigos de beleza etc.
  • 4. revolucionou os cenários e efeitos, tornando possível a criação de mundos e cenas5 outrora impossíveis de visualizar, um cinema marcado pela velocidade. A televisão, a partir da década de 1950, penetrou nos lares e nas décadas seguintes houve uma multiplicação exponencial de telas. No entanto, o cinema deixa de ser a tela suprema e vai sendo traduzido para outras telas: computador, videogames, máquinas fotográficas digitais, celular, telas decorativas de plasma penduradas na parede, painéis eletrônicos, GPS na tela de bordo do carro indicando o caminho a seguir, imagens médicas computadorizadas, telas que mostram o interior do corpo etc. Nossa sociedade investe todas as fichas na criação de mais tecnologias de conectividade. E essa hiper-conectividade mudou nossas vidas nesse inicio de século, transformando nosso modo de viver e nossa relação com a informação. Todos os investimentos na área da educação são investimentos em tecnologia e para se diferenciar dos concorrentes, alguns colégios substituíram o tradicional quadro retangular pelas lousas digitais ou interativas. Em 2010 o fato de maior relevância foi o crescimento do Facebook. O ritmo de adesão ao site concebido por Mark Zuckerberg foi bem mais rápido do que o fenômeno Orkut. O relatório, que faz uma análise do mercado de mídias sociais na América Latina, mostra que o uso das redes cresceu 16% na região em 2010, enquanto o tempo gasto nesse tipo de serviço aumentou 88%6. A cada login no Facebook, os brasileiros permanecem, no mínimo 18 minutos e 19 segundos na rede social7. 90,8% dos brasileiros com acesso à internet usam redes sociais. Portanto, esses dados confirmam que as Redes Sociais Facebook e Twitter se apropriam do tempo de vida das pessoas. Hoje com 800 milhões de usuários, o Facebook devora o tempo de 800 milhões de pessoas. E num “clique para atualizar” 8 desenfreado relações estão sendo capitalizadas. O uso abusivo das redes sociais na Internet se tornou uma prática. Ao entrar 5 Titanic, Jurassic Park, O Senhor dos Anéis. 6 De acordo com a pesquisa realizada pela comScore, divulgada no portal Terra (acessado em 17 de novembro de 2011). 7 De acordo com um estudo da Experian. 8 Essa angústia causada pela sensação de ficar off-line já tem nome: FOMO, sigla em inglês para “fear of missing out”, ou “medo de perder alguma coisa. O comportamento Fomo já foi considerado uma patologia a ser curada, mas hoje não podemos afirmar que um sujeito que se conecta frequentemente possui um transtorno, é apenas um jeito de participar.
  • 5. no Facebook estou aderindo a uma prática e não ao objeto. As mudanças da tecnologia foram modificando o nosso modo de olhar o mundo, o nosso corpo. E com o excesso de tecnologia podemos observar um novo jeito de viver on line. Vivemos um agora que apesar de curto, se tornou mais denso. QUE CORPO É ESSE NO MUNDO DAS REDES? Evolutivamente o corpo vai se transformando por conta da tecnologia. Já há quase um consenso entre os cientistas de que a tecnologia vem acelerando a evolução do ser humano9. Robert W. Fogel e seus coautores10 afirmam nas suas pesquisas que na maior parte do mundo o tamanho do corpo, o formato e longevidade mudaram de forma acelerada nos últimos três séculos. Os avanços na produção de alimentos e na saúde pública tornam mais ágil a evolução darwiniana. Todas essas alterações acontecem em um período de tempo curto. Pesquisas cognitivas já estão sendo realizadas em alguns laboratórios e comprovam que os números de padrões de peso e altura na espécie humana estão mudando rapidamente. Um norueguês de 22 anos media 1,79 cm no final de século 20, ou seja, 14 cm a mais que a média do final do século 18. Evolutivamente 200 anos é pouco para uma mudança. As teorias evolutivas facilitam o entendimento de que uma vez que o corpo fica adaptado com o ambiente, ele tende a deixar rapidamente de ter estímulos de investigação nesse ambiente porque ele já está adaptado, ou seja, o ambiente já está mapeado e ele não possui mais estímulos cognitivos exploratórios, estímulos os quais nós humanos não conseguimos viver sem. Quando sentávamos frente ao computador rapidamente ficávamos cansados, mas hoje não sentimos mais a dor nas costas ou arder os olhos, pois evolutivamente a informação já foi absorvida. Outro sinal importante é de que o corpo vai ficando treinado com sobreposições de imagens e simultaneidade, se ele não é estimulado dessa forma, ele se fadiga e tende ao desligamento. Cada vez mais é necessário mais estímulos para ficarmos atentos. Quando 9 COHEN, Patrícia. Tecnologia acelerou a evolução do homem, Patrícia Cohen. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br. 10 Roderick Floud, Bernad Harris e Sok Chul Hong.
  • 6. assistimos a um filme que não trabalha com a velocidade, desligamos a tensão e dormimos. De acordo com Helena Katz11, está acontecendo cognitivamente uma mudança, ou seja, uma necessidade frequente de muita estimulação para manter a atenção. Pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento - psicologia, comunicação, ciências cognitivas etc – buscam entender que tipo de corpo somos nós, usuários (dependentes e intensivos) do computador? Pois o nosso corpo hoje, que funciona mediado por telas é outro tipo de corpo, ele exercita o dom da ubiquidade. Ao mesmo tempo em que responde um e-mail, compartilha um link no facebook, troca mensagens rápidas no MSN e ver um site. E todas essas atividades realizadas ao mesmo tempo possuem consequências cognitivas. Permanecer durante horas na frente da tela é um treino. E isso nos habilita. Portanto, um corpo que vai treinando cada vez mais fazer mais de uma mesma coisa ao mesmo tempo, aos poucos domina essa habilidade e fica confortável. Essa agilidade se materializa no corpo e hoje somos impacientes com a lentidão. O que praticamos socialmente é muito mais do que cognitivamente treinamos no computador, pois esse corpo não é de agora, ele foi se constituindo. Não podemos afirmar que há uma ruptura do analógico com o digital, pois não estanca, não rompe, não empobrece, mas desenvolve-se outra habilidade. Fluxos de antes viram agora. É o caso da Tv que não aboliu o rádio, apenas redefiniu. Por que no tablet é preciso fazer de conta que virou a página lendo o jornal? Porque o corpo é uma coleção de informações que se modificam dentro do ambiente e precisa se adaptar para sobreviver. E com a necessidade de sobrevivência surge a necessidade de fazer parte do mundo on line. A relação do homem com a tecnologia possui a mesma natureza ao longo da história. O que se renova é a materialidade da tecnologia e não a nossa relação com a tecnologia. Mas nossa tendência é sempre olhar para o que está acontecendo no momento como algo que está sendo inaugurado. O mundo até aquela tecnologia não é mais suficiente, não dá pra continuar 11 Comentários da Profª Helena Katz nas aulas do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica na Puc SP no 2º semestre 2011.
  • 7. vivendo nele. É preciso passar para o novo mundo que aquela tecnologia inaugurou, pois desautoriza o mundo até então existente. Que tipo de provocação a fotografia trouxe para a pintura? Que tipo de provocação o cinema trouxe para a fotografia? Que tipo de provocação a televisão trouxe para o rádio? É a mesma natureza, ou seja, a desautorização. Obrigando a outra tecnologia a especificar-se. Tem um pedaço da nova tecnologia que ainda é vinculado à anterior. A televisão começa muito mais sendo um rádio com poucas imagens. Mas logo o rádio foi obrigado a se singularizar, ou seja, era necessário descobrir o que é que só o rádio tinha que a televisão não poderia ter. E o rádio descobriu que tinha a possibilidade de ser mais ágil por conta do tipo de tecnologia. E a televisão buscou a espacialidade dela, pois não podia mais ser só um rádio com imagens, pois o rádio com sua velocidade já tinha dado a notícia. Os hábitos de um telespectador se repetem diariamente. E o corpo acaba se habituando. Estudos mostram que até o final dos anos 80 os blocos de intervalos eram de 8 minutos. Do final dos anos 80 para os anos 90 em diante foi caindo até os blocos serem de 4 minutos. O corpo que estava habituado a ficar sentado prestando atenção por bloco de 8 min, encurta o tempo de treino que fica sentado prestando atenção. À medida que vai sendo encurtado, cria uma familiaridade rítmica no modo de lidar com a informação. E isso vai padronizando as outras emissoras. Vai diminuindo o treino da atenção, tornando o corpo indisponível para situações aonde a atenção é exigida por mais tempo até o intervalo. O encurtamento dos blocos na tevê produziu cognitivamente um comprometimento de atenção. Acontece uma troca entre o corpo e a informação que implica numa familiarização de hábitos perceptivos, que ficam no corpo, vira o corpo e vão consolidando o jeito de olhar o mundo. A introdução dos tablets como material pedagógico na escola, em substituição ao livro, vai criar outros hábitos perceptivos. É um tipo de cognição que vai sendo horizontalizada, transformando vários hábitos corporais. 12 Portanto, se o “tablet substitui livros” , estamos iniciando mudanças importantes em termos cognitivos. Mas é claro que isso não vai se expandir em 12 Campanha publicitária de uma escola que causou polêmica em Fortaleza Ce.
  • 8. grande velocidade e nem vai atingir tantas pessoas ao mesmo tempo. Mas a quem atingir, produzirá alguma transformação. Os meios de comunicação como extensão ou distensão do homem? Nas reflexões de Marshall McLuhan (1989), compreendemos os meios de comunicação, como extensão do homem, isto é, em contato com cada nova tecnologia, o corpo torna-se dependente como se a extensão sempre tivesse feito parte dele. Assim, McLuhan argumenta: Qualquer invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputação de nosso corpo, e essa extensão exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo. (...) Como extensão e aceleração da vida sensória, todo meio afeta de um golpe o campo total dos sentidos. (MCLUHAN, 1989, p. 63). Clarck (2001) considera que há processos cognitivos no mundo que acoplam a mente. Não existe um ambiente interno totalmente apartado do ambiente externo. O autor afirma que a mente não é só do dentro, ela está distendida, portanto, objetos supostamente separados do corpo podem ser distendidos como mente, isto é, uma ação internalizada. Portanto, o que McLuhan chamava de extensão, podemos chamar de distensão, pois o corpo não acaba. Existem alguns mecanismos perceptuais e cognitivos que são distendidos em objetos externos. Temos como exemplo a luneta ou os óculos, que vão distendendo e ampliando a nossa percepção, no caso a visão. Os óculos não é uma extensão. O olho com os óculos vai aprendendo como é que funciona. E quando está sem os óculos ele tem outro treino de reconhecer o mundo. O corpo está sempre se distendendo e dependendo dos hábitos cognitivos que possuímos, lemos o mundo de um jeito ou de outro. Marshall McLuhan (1989) chamou atenção para essas tecnologias em relação ao corpo, na medida em que elas colocavam o corpo em locais onde o corpo não tinha estado antes e ele chamava de extensão. Mas extensão é algo
  • 9. que é acoplado a algo existente para aumentar o desempenho, o alcance. Extensão na tecnologia é um tipo de dispositivo de acoplamento. O corpo não acaba no limite onde ele acabava. A informação modifica o comportamento e o jeito de olhar. A teoria corpomídia deixa claro que as informações que são repetidas no corpo, se estabilizam nesse corpo. O corpo vai distendendo as habilidades, portanto, não é uma extensão que se acopla. Dentro desse viés podemos entender o iPhone não como um acessório da memória, mas como memória. Katz (2011) nos conta que David Chalmers, no prefácio que escreveu para o mais recente livro de Andy Clarck13, relata que seus amigos se impressionavam com a mudança que o iPhone havia produzido no seu cérebro e muitas vezes sugeriam que ele implantasse o iPhone no cérebro, mas David Chalmers percebeu que o implante não precisaria ser feito, pois o iPhone já fazia parte do seu corpo, já havia transformado seu comportamento. O dispositivo de memória não precisa ser colocado dentro do corpo para fazer parte do corpo e ser considerado mente, o dispositivo mesmo corporeamente separado é uma distensão da mente. De acordo com Christine Greiner14, o objeto transforma a capacidade de memória, que é uma habilidade interna, portanto, o instrumento também possui uma ação cognitiva. Greiner explica que para Andy Clarck a técnica é um artefato cognitivo. O organismo produz artefatos, que não precisam ser exatamente objetos, mas modelos cognitivos. Mas não é algo que está sendo colocado no organismo. A ação do sujeito em relação ao ambiente e do ambiente em relação ao sujeito não pode ser separada, são ações indistinguíveis. Vamos à direção de um comportamento do mundo off line, mas com outros mecanismos. Portanto, não podemos separar o mundo virtual do mundo real. São demandas e desejos transitivos. A comunidade digital pauta o nosso comportamento via nosso corpo e o nosso corpo pauta essas especificidades das mídias em relação ao seu suporte. Portanto, ler o jornal no computador 13 Supersizing the mind; embodiment, action, and cognitive extension (2008). 14 Comentários da Profª Christine Greiner na aula do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica na PUC SP em 21 de outubro de 2011.
  • 10. com a página virando faz um hábito cognitivo e mantém uma ponte aberta para o papel. Ao mesmo tempo em que se avança, também conserva. A mudança ocorre nos dois ambientes. Tanto nas máquinas como em nós. Por isso evitamos utilizar a expressão “pós-humano”. Pois é como se existisse um certo projeto humano que acabou e agora vem outro, mas não rompe, a proposta é que vai se distendendo. E todas as informações que configuram o mundo hoje nos contaminam e vão sendo por nós contaminadas. Referencias Bibliográficas CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 2000. GLEICK, James. The Information. A History. A Theory. A Flood. New York: Phanteon Books, 2011. GREINER, Christine. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. GREINER, Christine, KATZ, Helena. A natureza cultural do corpo. In: PEREIRA, R. SOTER, S.(orgs.). Lições de Dança 2. Rio de Janeiro: Ed. Centro Universitário Cidade, 2001. p. 77-102. KATZ, Helena. De que fala o corpo hoje?. In: ALTEMEYER, Fernando; BOMBONATTO, Vera (orgs.). São Paulo: Paulinas, 2011. P. 15-27. Teologia e Comunicação: corpo, palavra e interface cibernéticas. LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. O Ecrã Global. Editora 70, 2007. MARTINS, Francisco Menezes e MACHADO da SILVA, Juremir, orgs. A Genealogia do Virtual. Comunicação, Cultura e Tecnologias do Imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2004. MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad. Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1964. SHIRKY, Clay. A Cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. SODRÉ, Muniz. Sociedade, Mídia e Violência. Porto Alegre: Editora Salina/Edipucrs, 2006. THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna. Petrópolis: Vozes, 2007