SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 47
Tinha que ser daquele jeito
Renato Cardoso
Estávamos fazendo uma das práticas que mais apreciávamos: andar a cavalo.
A princípio relutamos um pouco, tendo em vista o tempo que se mostrava mais para temporal emergente do que para sol para brigadeiro navegar.
Mas a vontade de curtir momentos como tantos outros vividos anteriormente era tão grande, que ignoramos tudo e fomos em frente.
Fizemos tudo como se recomenda. Aquecemos os animais com passos lentos, enquanto concluíamos um assunto iniciado na noite anterior.
Aliás a noite anterior já tinha sido o início de um belo final de semana, pois tínhamos dormido na sede da fazenda e a chuva suave que caiu, serviu para que entrássemos em sono profundo, depois de muitas trocas de carinho.
Estávamos prontos para uma longa cavalgada até o que restou de uma colônia de empregados, de tempos em que meus avós viviam do plantio do café e, para tanto, precisavam de muitos empregados na fazenda.
Eu particularmente gostava muito daquele local, pois além de me ver obrigado a percorrer uma linda estrada com muito verde até chegar ao meu destino, ainda, de sobra, podia manter contato com um pouco daquilo que fez parte da vida de meus antepassados.
Nosso hábito era quase que um ritual: chegávamos, “apeávamos” dos cavalos, deixávamos os animais a pastar em um pequeno piquete frente às casas e sentávamos sob uma linda árvore ainda intacta, apesar dos seus mais de duzentos anos de existência.
Sei não, mas naquela manhã algo me dizia que algo muito estranho estaria por acontecer.
Umas nuvens negras, um vento vindo do norte (o que não era normal), um assovio do vento mais forte do que aquele que gostávamos, e que já tínhamos apelidado de “mensagem do silêncio”.
Meio atentos à nossa conversa, meio atentos ao que de diferente acontecia, já estávamos ali por mais de duas horas, quando começaram a cair os pequenos pingos da chuva.
Leves a princípio e aumentando à cada minuto até tornar-se de fato um temporal com raios e trovões que chegaram a nos assustar.
Corremos para termos proteção até uma das pequenas casas da antiga colônia.
Com seu telhado em desacordo, pelo tempo de abandono, muito da água que caia, vinha até nós e ficamos completamente molhados.
Os cavalos relinchavam de forma diferente, mostrando um medo incomum, pois o temporal já persistia por mais de uma hora e na mesma intensidade.
No auge de nossa preocupação (e por que não medo?), aquele algo de muito estranho previsto, aconteceu.
Alguém da casa ao lado falou em alto e bom som: “precisam de alguma coisa? Tenho aqui uns cobertores que podem ajudar.”  (Nunca tivemos informações de que alguém morava naquela pequena casa).
Ainda com mais medo, mas a única alternativa era responder positivamente.
E eis que surge completamente molhado, um velho de barbas muito grisalhas e com roupas muito simples, trazendo dois cobertores protegidos por sacos de plástico (aqueles que entregam em supermercados).
- “Trouxe também um bebida quente, que seu avô sempre tomava quando vinha por esses lados a acompanhar a plantação de milho, que tínhamos anualmente em forma de parceria (meeiro).  ”
- “Mas, quem é o senhor afinal, de quem nunca tivemos notícia da existência e de quem nunca alguém falou por essas bandas?” Retruquei ao humilde senhor.
- “Sou na verdade seu tio indireto, de quem você nunca teria conhecimento, não fosse esse momento de necessidade. Sou filho de seu avô com a empregada da família (Dona Zica).
Fiquei por aqui meio às escondidas, por ordem do “patrão” e para não comprometer a família”. Respondeu-me o senhor.
-  “Mas fiquem tranqüilos, continuarei por aqui, seu pai me dá um dinheirinho todos os meses para algumas compras e ainda posso usar dois alqueires para plantar minha horta, meu pomar e até criar minhas galinhas.
Sabia que um dia viria a conhecer meu único sobrinho, a quem tive em meus braços apenas por uns momentos, quando casualmente encontrei-me com seu pai, no mercado.
Ficava observando a alegria de vocês dois sempre que vinham descansar sob a sombra da figueira. A alegria e a forma como vocês conversavam, me faziam lembrar das conversas que tinha com meu pai (seu avô), por muitas vezes.
Procurei cumprir o que havia prometido e jamais pretendi ser um motivo de discórdia em sua família.
O que mais poderia querer em minha vida além desse pequeno pedaço de terra, uma casa para meu abrigo e uns suprimentos pagos por seu pai?”
E fica aqui meu pedido: não modifiquem as coisas. Continuemos assim. Venham me visitar sempre que puderem.
Mas façam-no em silêncio e aqui sempre terão um café quente a esperá-los.  A você, meu sobrinho, e também à sua jovem e bela esposa”.
Fiquei quieto por uns instantes, refleti sobre aquela situação acoberta por tantos anos e me decidi. Vou continuar o combinado e desfrutar da amizade desse tio da melhor forma possível.
E foi assim que passamos (eu e minha esposa) a dedicar mais tempo àquela cavalgada tão deliciosa e agora com uma recepção familiar no local mais belo que pensava ser somente nosso (e era mais nosso que imaginava).
Nosso passeio passou a ter um ingrediente de prazer a mais. Sempre levamos pães, torradas e outras guloseimas para saborear junto com o tio sob aquela significativa figueira. E com o café com leite que ele prepara com carinho.
A figueira, agora sim passou a ser ainda mais o símbolo da tradição da família. Sob sua sombra, quanto nos é dito pelo tio, quanto não é revelado. E como sabemos mais sobre meus avós, seus pais, o início de tudo!
Como sou afeito a coisas do antigamente, aquele tio do coração passou a ser o livro de família que não encontraria em qualquer livraria.
E pude entender o porque do meu avô sempre dizer que ao lado daquela antiga colônia tinha uma figueira, de mais de duzentos anos, e que um dia seria um de meus portos seguros.
Como de fato passou a sê-lo. Meu tio passa horas contando coisas que nunca imaginava que tivesse acontecido, fala de minha mãe, de quem pouco sei, pois morreu quando eu ainda era muito criança.
E fala do amor que meu avô e Dona Zica (sua mãe) tinham um pelo outro, porém proibido naqueles tempos.  Uma daquelas casas era o reduto dos encontros.
Meu tio também conta de como foram seus dias naquele local. Fala de um amor que teve, mas que cedo foi-se embora. Que é muito feliz com aquela sua vida. Que é nas coisas simples que adquire sua sabedoria.
Conta também dos seus sonhos e desejos. Adora o silêncio do local e, como eu, escuta o assovio do vento, sempre querendo dizer alguma coisa.
E agora somos mais felizes, uns com os outros. Às vezes ele nos prepara alguma surpresa e faz com que nossos encontros sejam ainda mais completos.
E temos uma certeza absoluta. Esse tio passou a ser o meu elo com os meus antepassados. Ele me faz lembrar o valor que os índios adultos têm nas aldeias: “eles trazem consigo a história.”
Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência
Texto e apresentação por Renato Cardoso
www.vivendobauru.com.br

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.
Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.
Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.Fábio Fontana de Souza
 
Missão na montanha dezembro de 2016
Missão na montanha dezembro de 2016Missão na montanha dezembro de 2016
Missão na montanha dezembro de 2016Bruno Da Montanha
 
Seja a diferença mensagem
Seja a diferença mensagemSeja a diferença mensagem
Seja a diferença mensagemjosihy
 
Jornal vivencias agosto setembro11
Jornal vivencias  agosto setembro11Jornal vivencias  agosto setembro11
Jornal vivencias agosto setembro11merufe123
 
Pescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte Preta
Pescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte PretaPescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte Preta
Pescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte Pretagueste596a0
 
INACP News 25/Maio/2014
 INACP  News 25/Maio/2014 INACP  News 25/Maio/2014
INACP News 25/Maio/2014Paulo Moral
 
A terceira margem do rio
A terceira margem do rioA terceira margem do rio
A terceira margem do rioNatalia Toda
 
Analise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - Guaruja
Analise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - GuarujaAnalise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - Guaruja
Analise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - GuarujaColetivo Alternativa Verde
 
Pirinéus Ago 09
Pirinéus  Ago 09Pirinéus  Ago 09
Pirinéus Ago 09Maria João
 
A Maria Castanha
A Maria CastanhaA Maria Castanha
A Maria Castanhaguest6c5ce0
 

Mais procurados (17)

Tela Do Tempo
Tela Do TempoTela Do Tempo
Tela Do Tempo
 
Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.
Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.
Prado Conversaparaboidormir MarcoauréLio Cia.
 
A transferência
A transferênciaA transferência
A transferência
 
Missão na montanha dezembro de 2016
Missão na montanha dezembro de 2016Missão na montanha dezembro de 2016
Missão na montanha dezembro de 2016
 
Duas vezes meu
Duas vezes meuDuas vezes meu
Duas vezes meu
 
Seja a diferença mensagem
Seja a diferença mensagemSeja a diferença mensagem
Seja a diferença mensagem
 
Jornal vivencias agosto setembro11
Jornal vivencias  agosto setembro11Jornal vivencias  agosto setembro11
Jornal vivencias agosto setembro11
 
Pescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte Preta
Pescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte PretaPescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte Preta
Pescaria - Sérgio Porto, o Stalislaw Ponte Preta
 
INACP News 25/Maio/2014
 INACP  News 25/Maio/2014 INACP  News 25/Maio/2014
INACP News 25/Maio/2014
 
A terceira margem do rio
A terceira margem do rioA terceira margem do rio
A terceira margem do rio
 
A Maria Castanha
A Maria CastanhaA Maria Castanha
A Maria Castanha
 
Maria castanha
Maria castanhaMaria castanha
Maria castanha
 
Chimarrão
ChimarrãoChimarrão
Chimarrão
 
Analise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - Guaruja
Analise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - GuarujaAnalise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - Guaruja
Analise socio-historica da comunidade caicara de Conceicaozinha - Guaruja
 
Pirinéus Ago 09
Pirinéus  Ago 09Pirinéus  Ago 09
Pirinéus Ago 09
 
A Maria Castanha
A Maria CastanhaA Maria Castanha
A Maria Castanha
 
A moça das maças
A moça das maçasA moça das maças
A moça das maças
 

Destaque

Communicationjonc
CommunicationjoncCommunicationjonc
Communicationjoncdel12
 
Piaf – Um Hino Ao Amor Chega Ao Brasil
Piaf –  Um  Hino Ao  Amor Chega Ao  BrasilPiaf –  Um  Hino Ao  Amor Chega Ao  Brasil
Piaf – Um Hino Ao Amor Chega Ao BrasilRenato Cardoso
 
Realidade Alternativa
Realidade AlternativaRealidade Alternativa
Realidade Alternativaeddyjay
 
Как защитить себя от СПАМа?
Как защитить себя от СПАМа?Как защитить себя от СПАМа?
Как защитить себя от СПАМа?kostich
 
Presentacion RegióN De Los Lagos 1
Presentacion RegióN De Los Lagos 1Presentacion RegióN De Los Lagos 1
Presentacion RegióN De Los Lagos 1Sitessal
 
Tata Nano Cartoons
Tata Nano CartoonsTata Nano Cartoons
Tata Nano Cartoonskrishnadase
 
Materiales de construcción Tema 2
Materiales de construcción Tema 2Materiales de construcción Tema 2
Materiales de construcción Tema 2anabe.y.sirvya
 
Pre-Cal 40S Slides January 17, 2008
Pre-Cal 40S Slides January 17,  2008Pre-Cal 40S Slides January 17,  2008
Pre-Cal 40S Slides January 17, 2008Darren Kuropatwa
 
Computer Shopping
Computer ShoppingComputer Shopping
Computer Shoppingshadow20
 
P Mercado Financiero
P Mercado FinancieroP Mercado Financiero
P Mercado FinancieroAlicia_C
 
Rn Skript 2
Rn   Skript 2Rn   Skript 2
Rn Skript 2Atze69
 

Destaque (18)

Communicationjonc
CommunicationjoncCommunicationjonc
Communicationjonc
 
Piaf – Um Hino Ao Amor Chega Ao Brasil
Piaf –  Um  Hino Ao  Amor Chega Ao  BrasilPiaf –  Um  Hino Ao  Amor Chega Ao  Brasil
Piaf – Um Hino Ao Amor Chega Ao Brasil
 
Charles E Camila
Charles E  CamilaCharles E  Camila
Charles E Camila
 
Realidade Alternativa
Realidade AlternativaRealidade Alternativa
Realidade Alternativa
 
Trem Campos
Trem CamposTrem Campos
Trem Campos
 
Angelinajolie
AngelinajolieAngelinajolie
Angelinajolie
 
SomeSlides
SomeSlidesSomeSlides
SomeSlides
 
Как защитить себя от СПАМа?
Как защитить себя от СПАМа?Как защитить себя от СПАМа?
Как защитить себя от СПАМа?
 
Belgrade
BelgradeBelgrade
Belgrade
 
Presentacion RegióN De Los Lagos 1
Presentacion RegióN De Los Lagos 1Presentacion RegióN De Los Lagos 1
Presentacion RegióN De Los Lagos 1
 
Tata Nano Cartoons
Tata Nano CartoonsTata Nano Cartoons
Tata Nano Cartoons
 
Materiales de construcción Tema 2
Materiales de construcción Tema 2Materiales de construcción Tema 2
Materiales de construcción Tema 2
 
Pre-Cal 40S Slides January 17, 2008
Pre-Cal 40S Slides January 17,  2008Pre-Cal 40S Slides January 17,  2008
Pre-Cal 40S Slides January 17, 2008
 
Computer Shopping
Computer ShoppingComputer Shopping
Computer Shopping
 
Mfinan.
Mfinan.Mfinan.
Mfinan.
 
P Mercado Financiero
P Mercado FinancieroP Mercado Financiero
P Mercado Financiero
 
Rn Skript 2
Rn   Skript 2Rn   Skript 2
Rn Skript 2
 
Tlc68
Tlc68Tlc68
Tlc68
 

Semelhante a Descoberta de um tio escondido revela histórias da família

Semelhante a Descoberta de um tio escondido revela histórias da família (20)

10 sonhos de_natal
10 sonhos de_natal10 sonhos de_natal
10 sonhos de_natal
 
Página de um diário - Leon leyson
Página de um diário -  Leon leysonPágina de um diário -  Leon leyson
Página de um diário - Leon leyson
 
O segredo
O segredoO segredo
O segredo
 
Histórias de Natal
Histórias de NatalHistórias de Natal
Histórias de Natal
 
Primeiroscontos
PrimeiroscontosPrimeiroscontos
Primeiroscontos
 
Primeiroscontos
PrimeiroscontosPrimeiroscontos
Primeiroscontos
 
Ss tuareg
Ss  tuaregSs  tuareg
Ss tuareg
 
josé a saga de um preto velho
josé a saga de um preto velhojosé a saga de um preto velho
josé a saga de um preto velho
 
Letras com rugas
Letras com rugasLetras com rugas
Letras com rugas
 
Mario de andrade_o_peru_de_natal
Mario de andrade_o_peru_de_natalMario de andrade_o_peru_de_natal
Mario de andrade_o_peru_de_natal
 
A chuva pasmada by couto mia (z lib.org).txt
A chuva pasmada by couto mia (z lib.org).txtA chuva pasmada by couto mia (z lib.org).txt
A chuva pasmada by couto mia (z lib.org).txt
 
UM OLHAR VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS - A HISTÓRIA DE UMA CORTESÃ
UM OLHAR VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS - A HISTÓRIA DE UMA CORTESÃUM OLHAR VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS - A HISTÓRIA DE UMA CORTESÃ
UM OLHAR VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS - A HISTÓRIA DE UMA CORTESÃ
 
Maristela
MaristelaMaristela
Maristela
 
Conto aventura-simbad-marujo
Conto aventura-simbad-marujoConto aventura-simbad-marujo
Conto aventura-simbad-marujo
 
A história do pinda
A história do pindaA história do pinda
A história do pinda
 
Opaodecristo
OpaodecristoOpaodecristo
Opaodecristo
 
Carta David
Carta DavidCarta David
Carta David
 
Herman hesse o lobo das estepes
Herman hesse o lobo das estepesHerman hesse o lobo das estepes
Herman hesse o lobo das estepes
 
( Espiritismo) # - anderson enrique - somos eternos!
( Espiritismo)   # - anderson enrique - somos eternos!( Espiritismo)   # - anderson enrique - somos eternos!
( Espiritismo) # - anderson enrique - somos eternos!
 
Tuareg traduzido2
Tuareg traduzido2Tuareg traduzido2
Tuareg traduzido2
 

Mais de Renato Cardoso (20)

Bauruenses queridos
Bauruenses queridosBauruenses queridos
Bauruenses queridos
 
As aquarelas sensuais de Steve Hanks
As aquarelas sensuais de Steve HanksAs aquarelas sensuais de Steve Hanks
As aquarelas sensuais de Steve Hanks
 
O cé de bauru é mais bonito
O cé de bauru é mais bonito O cé de bauru é mais bonito
O cé de bauru é mais bonito
 
No ano que vem
No ano que vemNo ano que vem
No ano que vem
 
Primavera sem flor 1
Primavera sem flor 1Primavera sem flor 1
Primavera sem flor 1
 
Primavera sem flor
Primavera sem florPrimavera sem flor
Primavera sem flor
 
Primavera sem flor
Primavera sem florPrimavera sem flor
Primavera sem flor
 
Primavera sem flor
Primavera sem florPrimavera sem flor
Primavera sem flor
 
Sinto muito
Sinto muitoSinto muito
Sinto muito
 
Sinto muito
Sinto muito Sinto muito
Sinto muito
 
Sinto muito -
Sinto muito - Sinto muito -
Sinto muito -
 
Sinto muito.pps
Sinto muito.ppsSinto muito.pps
Sinto muito.pps
 
Sinto muito
Sinto muitoSinto muito
Sinto muito
 
Sinto muito
Sinto muito Sinto muito
Sinto muito
 
Sinto muito
Sinto muitoSinto muito
Sinto muito
 
Aprendi
AprendiAprendi
Aprendi
 
Sinto muito
Sinto muitoSinto muito
Sinto muito
 
Untitled Presentation
Untitled PresentationUntitled Presentation
Untitled Presentation
 
Sinto muito
Sinto muitoSinto muito
Sinto muito
 
Orao do-amigo-1206903801670519-3 (3)
Orao do-amigo-1206903801670519-3 (3)Orao do-amigo-1206903801670519-3 (3)
Orao do-amigo-1206903801670519-3 (3)
 

Descoberta de um tio escondido revela histórias da família

  • 1. Tinha que ser daquele jeito
  • 3. Estávamos fazendo uma das práticas que mais apreciávamos: andar a cavalo.
  • 4. A princípio relutamos um pouco, tendo em vista o tempo que se mostrava mais para temporal emergente do que para sol para brigadeiro navegar.
  • 5. Mas a vontade de curtir momentos como tantos outros vividos anteriormente era tão grande, que ignoramos tudo e fomos em frente.
  • 6. Fizemos tudo como se recomenda. Aquecemos os animais com passos lentos, enquanto concluíamos um assunto iniciado na noite anterior.
  • 7. Aliás a noite anterior já tinha sido o início de um belo final de semana, pois tínhamos dormido na sede da fazenda e a chuva suave que caiu, serviu para que entrássemos em sono profundo, depois de muitas trocas de carinho.
  • 8. Estávamos prontos para uma longa cavalgada até o que restou de uma colônia de empregados, de tempos em que meus avós viviam do plantio do café e, para tanto, precisavam de muitos empregados na fazenda.
  • 9. Eu particularmente gostava muito daquele local, pois além de me ver obrigado a percorrer uma linda estrada com muito verde até chegar ao meu destino, ainda, de sobra, podia manter contato com um pouco daquilo que fez parte da vida de meus antepassados.
  • 10. Nosso hábito era quase que um ritual: chegávamos, “apeávamos” dos cavalos, deixávamos os animais a pastar em um pequeno piquete frente às casas e sentávamos sob uma linda árvore ainda intacta, apesar dos seus mais de duzentos anos de existência.
  • 11. Sei não, mas naquela manhã algo me dizia que algo muito estranho estaria por acontecer.
  • 12. Umas nuvens negras, um vento vindo do norte (o que não era normal), um assovio do vento mais forte do que aquele que gostávamos, e que já tínhamos apelidado de “mensagem do silêncio”.
  • 13. Meio atentos à nossa conversa, meio atentos ao que de diferente acontecia, já estávamos ali por mais de duas horas, quando começaram a cair os pequenos pingos da chuva.
  • 14. Leves a princípio e aumentando à cada minuto até tornar-se de fato um temporal com raios e trovões que chegaram a nos assustar.
  • 15. Corremos para termos proteção até uma das pequenas casas da antiga colônia.
  • 16. Com seu telhado em desacordo, pelo tempo de abandono, muito da água que caia, vinha até nós e ficamos completamente molhados.
  • 17. Os cavalos relinchavam de forma diferente, mostrando um medo incomum, pois o temporal já persistia por mais de uma hora e na mesma intensidade.
  • 18. No auge de nossa preocupação (e por que não medo?), aquele algo de muito estranho previsto, aconteceu.
  • 19. Alguém da casa ao lado falou em alto e bom som: “precisam de alguma coisa? Tenho aqui uns cobertores que podem ajudar.” (Nunca tivemos informações de que alguém morava naquela pequena casa).
  • 20. Ainda com mais medo, mas a única alternativa era responder positivamente.
  • 21. E eis que surge completamente molhado, um velho de barbas muito grisalhas e com roupas muito simples, trazendo dois cobertores protegidos por sacos de plástico (aqueles que entregam em supermercados).
  • 22. - “Trouxe também um bebida quente, que seu avô sempre tomava quando vinha por esses lados a acompanhar a plantação de milho, que tínhamos anualmente em forma de parceria (meeiro). ”
  • 23. - “Mas, quem é o senhor afinal, de quem nunca tivemos notícia da existência e de quem nunca alguém falou por essas bandas?” Retruquei ao humilde senhor.
  • 24. - “Sou na verdade seu tio indireto, de quem você nunca teria conhecimento, não fosse esse momento de necessidade. Sou filho de seu avô com a empregada da família (Dona Zica).
  • 25. Fiquei por aqui meio às escondidas, por ordem do “patrão” e para não comprometer a família”. Respondeu-me o senhor.
  • 26. - “Mas fiquem tranqüilos, continuarei por aqui, seu pai me dá um dinheirinho todos os meses para algumas compras e ainda posso usar dois alqueires para plantar minha horta, meu pomar e até criar minhas galinhas.
  • 27. Sabia que um dia viria a conhecer meu único sobrinho, a quem tive em meus braços apenas por uns momentos, quando casualmente encontrei-me com seu pai, no mercado.
  • 28. Ficava observando a alegria de vocês dois sempre que vinham descansar sob a sombra da figueira. A alegria e a forma como vocês conversavam, me faziam lembrar das conversas que tinha com meu pai (seu avô), por muitas vezes.
  • 29. Procurei cumprir o que havia prometido e jamais pretendi ser um motivo de discórdia em sua família.
  • 30. O que mais poderia querer em minha vida além desse pequeno pedaço de terra, uma casa para meu abrigo e uns suprimentos pagos por seu pai?”
  • 31. E fica aqui meu pedido: não modifiquem as coisas. Continuemos assim. Venham me visitar sempre que puderem.
  • 32. Mas façam-no em silêncio e aqui sempre terão um café quente a esperá-los. A você, meu sobrinho, e também à sua jovem e bela esposa”.
  • 33. Fiquei quieto por uns instantes, refleti sobre aquela situação acoberta por tantos anos e me decidi. Vou continuar o combinado e desfrutar da amizade desse tio da melhor forma possível.
  • 34. E foi assim que passamos (eu e minha esposa) a dedicar mais tempo àquela cavalgada tão deliciosa e agora com uma recepção familiar no local mais belo que pensava ser somente nosso (e era mais nosso que imaginava).
  • 35. Nosso passeio passou a ter um ingrediente de prazer a mais. Sempre levamos pães, torradas e outras guloseimas para saborear junto com o tio sob aquela significativa figueira. E com o café com leite que ele prepara com carinho.
  • 36. A figueira, agora sim passou a ser ainda mais o símbolo da tradição da família. Sob sua sombra, quanto nos é dito pelo tio, quanto não é revelado. E como sabemos mais sobre meus avós, seus pais, o início de tudo!
  • 37. Como sou afeito a coisas do antigamente, aquele tio do coração passou a ser o livro de família que não encontraria em qualquer livraria.
  • 38. E pude entender o porque do meu avô sempre dizer que ao lado daquela antiga colônia tinha uma figueira, de mais de duzentos anos, e que um dia seria um de meus portos seguros.
  • 39. Como de fato passou a sê-lo. Meu tio passa horas contando coisas que nunca imaginava que tivesse acontecido, fala de minha mãe, de quem pouco sei, pois morreu quando eu ainda era muito criança.
  • 40. E fala do amor que meu avô e Dona Zica (sua mãe) tinham um pelo outro, porém proibido naqueles tempos. Uma daquelas casas era o reduto dos encontros.
  • 41. Meu tio também conta de como foram seus dias naquele local. Fala de um amor que teve, mas que cedo foi-se embora. Que é muito feliz com aquela sua vida. Que é nas coisas simples que adquire sua sabedoria.
  • 42. Conta também dos seus sonhos e desejos. Adora o silêncio do local e, como eu, escuta o assovio do vento, sempre querendo dizer alguma coisa.
  • 43. E agora somos mais felizes, uns com os outros. Às vezes ele nos prepara alguma surpresa e faz com que nossos encontros sejam ainda mais completos.
  • 44. E temos uma certeza absoluta. Esse tio passou a ser o meu elo com os meus antepassados. Ele me faz lembrar o valor que os índios adultos têm nas aldeias: “eles trazem consigo a história.”
  • 45. Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência
  • 46. Texto e apresentação por Renato Cardoso