Em homenagem ao Dia Internacional
da Mulher (celebrado em 8 de
março) e ao ano em que o Brasil tem
pela primeira vez na sua história uma
presidente mulher – Dilma Roussef,
a Revista DOC conversou com presidentes
de cinco grandes sociedades
brasileiras – Cardiologia; Ginecologia
e Obstetrícia; Neurologia; Anestesiologia;
e Geriatria e Gerontologia,
além de duas médicas referências
em suas áreas de atuação.
2. Agora é que
SÃO ELAS por Gabriela Lopes | Fotos de André Feltes, André Lima, Drika Barbosa,
Elaine Balata, Leo Chaves, Pedro Vilela e Divulgação
E
m um universo ainda homens representavam 66,43% dos pela primeira vez na sua história uma
considerado “masculino”, profissionais paulistas. Vinte anos presidente mulher – Dilma Roussef,
é cada vez maior a presença depois, em 2000, a presença mascu- a Revista DOC conversou com pre-
feminina entre as diversas lina já havia diminuído, mas ainda sidentes de cinco grandes sociedades
especialidades médicas. É o que era predominante, com 55,39% brasileiras – Cardiologia; Ginecolo-
comprova uma recente pesquisa dos novos inscritos no Cremesp. gia e Obstetrícia; Neurologia; Anes-
desenvolvida pelo Conselho Federal Portanto, o cenário mudou na pri- tesiologia; e Geriatria e Gerontolo-
de Medicina (CFM). No período de meira década do século XXI. gia, além de duas médicas referências
2000 a 2009, a dimensão de médicas Atualmente, as mulheres desta- em suas áreas de atuação.
entre os profissionais credenciados no cam-se em áreas como Cardiolo- Nesta reportagem especial, Vera
Brasil subiu mais de quatro pontos gia, Dermatologia, Endocrinologia, Lúcia Fonseca, Márcia Barbosa, Elza
percentuais – de 35,5% para 39,9%, Ginecologia e Pediatria, onde são, Dias da Silva, Nádia Duarte, Ma-
o que aponta para uma tendência à proporcionalmente, cerca de quatro rianela de Hekman, Rosa Célia Pi-
“feminilização” da profissão. vezes mais numerosas do que os ho- mentel e Meri Baran contam como
De acordo com o Conselho Re- mens. Além disso, nota-se a partici- trilharam o caminho de sucesso na
gional de Medicina do Estado de pação efetiva das médicas em cargos profissão – das primeiras experiências
São Paulo (Cremesp), a quantidade de liderança, o que representa um de- na universidade e adaptações na vida
de profissionais inscritas já consoli- safio diário para estas profissionais. pessoal e familiar até as barreiras que
da uma mudança expressiva: entre Em homenagem ao Dia Interna- superaram rumo a uma carreira bem-
os 3.029 formandos de 2009, 54% cional da Mulher (celebrado em 8 de sucedida. Afinal, qual é o toque femi-
são mulheres. Nos anos de 1980, os março) e ao ano em que o Brasil tem nino que elas trazem à Medicina?
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3. “Até os meus 40 anos me
dediquei integralmente
à Medicina. É preciso
muito estudo e trabalho”.
Márcia de Melo Barbosa
Elas por elas
Vigor e altruísmo na “A médica deve valorizar a
vida pessoal e familiar, além
Cardiologia
de estudar e alinhar-se às en-
tidades médicas, que lutam
por melhores salários”.
Marilene Melo
H
á quatro anos, a cardiologista plantão. Aos 56 anos, ela também par- “A mulher tem perfil relacio-
Márcia de Melo Barbosa, ticipa do projeto Cidadão Sabará, des-
vice-presidente da Sociedade tinado a crianças carentes, e é uma das nado ao imaginário maternal
Brasileira de Cardiologia (SBC), deu fundadoras da Associação Sabarense de e compreende o paciente
uma reviravolta em sua vida profissional. Proteção aos Animais.
pelo fato de ser sensível e
A médica diminuiu o ritmo intenso de Antes de assumir a vice-presidência de
trabalho no Hospital Socor, em Belo uma das maiores sociedades médicas do delicada. Mas, acima dessas
Horizonte (MG), onde é chefe do serviço país, Márcia foi presidente da seccional qualidades, deve ser compe-
de Ecocardiografia desde 1983, para se de Minas Gerais e diretora de departa-
dedicar mais aos projetos da sociedade mentos da SBC. Segundo ela, o fato de
tente no que faz”.
e às pesquisas na área acadêmica. Hoje, ter acumulado diversas funções em mais Nádia Duarte
ela é também colaboradora do curso de de 20 anos de carreira lhe proporcionou a
pós-graduação da Universidade Federal experiência para o atual cargo de lideran-
de Minas Gerais (UFMG). ça. “Esta oportunidade é a mola que pode
“As mulheres têm mais capa-
Márcia confessa que no início da carreira impulsionar cada vez mais o desenvolvi- cidade de administrar múl-
sacrificou algumas etapas de sua vida mento da minha carreira”, vislumbra. tiplos trabalhos. Nunca fui
pessoal em detrimento da profissão. Sobre suas conquistas profissionais,
“Voltei a trabalhar quando meu primei- ela afirma com propriedade que todos privilegiada ou menospreza-
ro filho ainda era recém-nascido. Lembro os seus esforços não foram em vão. “Até da por ser médica e mulher.
que durante os plantões no CTI o levava os meus 40 anos me dediquei integral-
Sempre me impus e tive o
para o estacionamento do hospital só para mente à Medicina. Para atingir esse ama-
amamentá-lo. Até hoje guardo um retrato durecimento, é preciso muito estudo e respeito como retorno des-
com o filho no braço e um livro de Medi- trabalho. Em vista de tudo o que recebi, ta atitude”.
cina no outro”, recorda ela, aos risos. o mínimo que posso fazer é contribuir
Vera Lúcia Fonseca
Dona de personalidade forte, Márcia com as causas sociais, a exemplo dos tra-
Barbosa encontra nos esportes a fonte balhos nas ONGs. No final, há sempre
de energia para enfrentar 60 horas de uma recompensa”, acredita.
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4. Disciplina espartana na
Neurologia
“Jamais permiti que
problemas pessoais
influenciassem a vida
profissional. Agradeço aos
colegas por reconhecerem
o valor da minha
dedicação”.
Elza Dias da Silva
A
neurologista carioca Elza Dias The National Hospital for Neurology Disease,
da Silva chegou a Brasília referência em Sistema Nervoso.
(DF) em uma temporada A médica conta que acompanhou de
39,9%
chuvosa de 1972 com a promessa perto o surgimento da tomografia com-
de atuar no Hospital Público dos putadorizada e atribui à experiência que
Servidores da União – um então novo obteve em um hospital de ponta como o
modelo de hospital desenvolvido fator que abriu seus horizontes. O que a
pela Universidade de Brasília (UnB).
“Olhava através da janela e me
diferenciou dos demais neurologistas foi
a postura disciplinada. “Jamais permiti
dos médicos
perguntava ‘o que estou fazendo aqui’?
Não foi nem o clima com o qual
que problemas pessoais influenciassem a
vida profissional. Estar à frente da chefia
brasileiros hoje
não me adaptei. A dificuldade era a
distância entre os pontos da cidade”,
de Neurologia tem sido uma oportuni-
dade grandiosa. Agradeço aos colegas são mulheres
recorda a atual presidente da Academia por reconhecerem o valor da minha de-
Brasileira de Neurologia (ABN). dicação”, diz ela, que concilia o cargo de
No entanto, a capital federal foi o lu-
gar ideal para a médica fincar as raízes
necessárias para o desenvolvimento de
delegada na Associação Médica de Brasí-
lia (AMBr) com a presidência da ABN,
mandato que assumiu em 2008. 54%
sua profissão. Lá, Elza conheceu reno-
mados neurologistas, que estimularam
Nos próximos dois anos de gestão,
suas propostas são aumentar o número dos formandos
o seu interesse pelo estudo no exterior. de associados da academia, promover a
Em 1979, a estudante decidiu cursar Neurologia nos cenários nacional e in- paulistas são do
Medicina na Universidade de Londres ternacional, além do desenvolvimento
e logo teve a oportunidade de atuar em de trabalho em parceria com o Ministé- sexo feminino
um dos melhores hospitais da cidade, o rio da Saúde sobre defesa profissional.
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5. Fé e entusiasmo à frente da
Ginecologia
“Interpreto toda a
gratidão que tenho
pelas pessoas e
pelas instituições
por onde passei
como concessões
divinas. O mínimo
que posso fazer é
retribuir”.
Vera Lúcia Fonseca
“S
ou muito otimista, extre- Carmela Dutra, conheci pessoas vertente. Acredito que posso con-
mamente ‘Pollyana’, que que contribuem até hoje para mi- tribuir para a melhoria do ensino
sempre pensa que tudo nha vida”, resume a médica. médico. Na Universidade Federal do
dará certo no final”. É com alusão à Recentemente, Vera Fonseca foi Rio de Janeiro (UFRJ), coordeno os
personagem de um dos clássicos da reeleita para a gestão de 2010 a residentes de Ginecologia e, na Uni-
literatura infanto-juvenil que Vera 2013 da Sgorj. Além disso, há dois versidade Gama Filho, estou à frente
Lúcia Fonseca, atual presidente da mandatos ela atua como secretá- do curso de Medicina”, diz ela.
Associação de Ginecologia e Obste- ria-executiva adjunta da Federação Casada há 23 anos, mãe de Letí-
trícia do Rio de Janeiro (Sgorj), se Brasileira das Associações de Gine- cia, de 14, e católica praticante, a gi-
define diante dos desafios de gerir as cologia e Obstetrícia (Febrasgo). necologista coordena aos domingos
variadas atividades da Medicina. Ela também é segunda vice-presi- a Pastoral Familiar da Paróquia de
Expressiva e de fala rápida, Vera dente do Conselho Federal de Me- Nossa Senhora de Fátima, no Méier,
não lembra nem um pouco a meni- dicina do Rio de Janeiro (Cremerj) zona Norte do Rio. “Toda a grati-
na tímida, fruto da criação rígida de e participante do grupo Causa Mé- dão pelas pessoas e pelas instituições
uma família tradicionalmente por- dica, que rege o conselho. por onde passei, as interpreto como
tuguesa. Logo nos primeiros anos Vera tornou-se ainda a responsável concessões divinas. O mínimo que
da vida universitária, ela percebeu a pelos projetos de educação conti- posso fazer é retribuir de alguma
importância de buscar as oportuni- nuada do Cremerj. “A profissão que forma, apesar do pouco tempo e da
dades. “Durante os quatro anos de se compara à Medicina talvez seja consciência de que minha real voca-
estágio no Hospital Maternidade o magistério, por isso sigo essa ção é ser médica”, enfatiza Vera.
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6. “O fato de uma
estrangeira assumir
a presidência de
uma sociedade por
dois anos não foi
bem visto, mas tive o
apoio dos colegas”.
Marianela de Hekman
Sabedoria que vem de
antigas gerações
C
onversar com os mais velhos é Durante o curso, ela percebeu a impor- e Gerontologia do Hospital Moinhos
uma das formas de aprendizado tância da reciclagem de conhecimentos de Vento. Questionada sobre a diferença
entre as sociedades andinas. Por ao se corresponder com colegas de ou- entre o atendimento clínico de uma médi-
seguir esta tradição, Marianela de Hekman tros países. Por meio de intercâmbio, fez ca comparada ao de um médico, Mariane-
optou pela Geriatria. Nascida em Lima, pós-graduação no Japão para aprender la se mostra neutra. “Podemos até ser mais
capital do Peru, a médica conta que desde novas técnicas em sua área. atentas aos pacientes do que os homens,
muito jovem já tinha facilidade em lidar Ao voltar para o Brasil, engravidou de pois temos instinto maternal. Porém, a
com pessoas maduras. “Fui influenciada seu primogênito e dividiu as tarefas do- afinidade do paciente é o que determina a
pelos meus avós, que apoiaram a escolha mésticas, inclusive nos finais de sema- escolha por um profissional. Não sou femi-
pela Medicina, quando meu pai queria na, com o ex-marido, também médico. nista, sou feminina”, esclarece.
que eu tivesse sido professora”, conta “Se o paciente ligava para minha casa, Marianela de Hekman já conhece a
a presidente da Sociedade Brasileira de tinha de atendê-lo. Uma situação inusi- realidade da Geriatria e Gerontologia no
Geriatria e Gerontologia do Rio Grande tada foi quando eu estava em trabalho país. Ela foi presidente da SBGG (nacio-
do Sul (SBGG-RS). de parto e a filha de um paciente conse- nal) entre 2006 e 2008. “A princípio, não
Sua caminhada profissional começou guiu o número do meu leito para falar foi bem visto o fato de uma estrangeira,
no início dos anos de 1980, quando se comigo 12 horas após ter tido o meu naturalizada brasileira, assumir a presi-
mudou de Lima para estudar na Univer- filho”, conta. dência da SBGG por dois anos, mas tive
sidade Federal de Santa Maria (UFSM), Há três anos, a geriatra é colaborado- o apoio dos colegas da categoria e honrei
a 300 quilômetros de Porto Alegre. ra do Centro Moriguchi de Geriatria minha gestão”, orgulha-se a médica.
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7. Mérito por dedicação à
causa da SBA
P “Pretendo honrar a
ela primeira vez em 62 anos de sua os momentos de descontração em sua
fundação, a Sociedade Brasileira de casa, próxima a Boa Viagem, a praia mais
Anestesiologia (SBA) nomeou uma famosa de Recife. Nos finais de tarde, ela
mulher como presidente em janeiro deste tem o hábito de caminhar na orla. Quan- função deixando mais
ano. A pernambucana Nádia da Conceição do possível, costuma receber os amigos
Duarte, filiada à sociedade há 22 anos,
acumula funções na diretoria da SBA desde
para um churrasco ou para degustar um
prato servido com um bom vinho. “Sem-
do que um simples
2006. “Meu trajeto na SBA sempre foi pre na companhia do casal de gatos Pené-
marcado por muito empenho”, afirma. lope e Tom – ou William Thomas Green retrato na galeria dos
Desde que assumiu a presidência da Morton, realizador da primeira anestesia
sociedade, Nádia Duarte precisou fazer
alguns ajustes em sua agenda. Ela reside
cirúrgica no mundo”, explica.
Em sua cerimônia de posse, a presiden-
presidentes”.
e trabalha, de segunda a quarta-feira, em te da SBA recebeu uma homenagem inu-
Recife (PE), onde é instrutora correspon- sitada: uma reprodução dela mesma em Nádia Duarte
sável pelo Centro de Ensino e Treinamen- forma de boneca de Olinda, além de uma
to em Anestesiologia do Hospital Univer- apresentação de frevo. No discurso, Nádia
sitário Oswaldo Cruz, da Universidade de Duarte confirmou seu empenho e dedi-
Pernambuco (UPE). Foco e organização cação. “Pretendo honrar a minha função
são essenciais para que a médica adminis- de presidente deixando mais do que um
tre a rotina de viagens ao Rio de Janeiro, simples retrato na galeria de presidentes.
onde é situada a sede da SBA. A presidência da SBA simboliza o coroa-
Apesar da intensidade das atividades mento de uma vida dedicada a uma insti-
profissionais, a médica jamais desprezou tuição”, conclui a anestesiologista.
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8. Estrella, a pioneira
No Brasil, bate à Congregação da Escola, do caso de Maria Augusta foi
até a meta- no qual estiveram presentes tão grande que o imperador
de do século professores, alunos, diretores Pedro II decretou autorização
XIX, as mulheres eram proibi- e famílias para ouvir o questio- da matrícula das mulheres nas
das de ingressar nas universida- namento da adolescente: “Que escolas superiores por meio da
des. Isso não intimidou a estu- importa a idade se me acho reforma Leôncio de Carvalho,
dante Maria Augusta Generoso apta para os exames de sufici- em 19 de abril de 1879.
Estrella. Aos 15 anos, ela insis- ência que os senhores exigem? Ao voltar para o Brasil em 1882,
tiu para que o pai autorizasse Por que a recusa para que eu já formada, Maria Augusta foi
sua viagem aos Estados Unidos seja examinada?”, contestou. recebida em audiência por Pe-
para que tentasse uma oportu- A indagação surtiu efeito. O dro II e pela imperatriz Teresa
nidade no Medical College for exame foi marcado para o dia Cristina. A médica clinicou por
Women. Ela embarcou para o seguinte e Maria Augusta res- muitos anos no Rio de Janeiro
exterior, mas teve seu pedido pondeu o questionário com e deu ênfase ao atendimento de
negado por não ter maioridade Inglês impecável. Logo obte- mulheres e crianças, além de
para estudar. Inconformada, ve aprovação e matriculou-se ter prestado atenção especial
Maria Augusta propôs um de- em seguida. A repercussão aos desfavorecidos.
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9. Vencendo
desconfianças
A primeira médica formada no
Brasil e a segunda da América La-
tina foi a gaúcha Rita Lobato Velho
Lopes, que entrou para a Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro em
1884, aos 17 anos. No segundo ano
acadêmico, a então estudante deci-
diu ser transferida para a Faculdade
Meri Baran com de Medicina da Bahia, onde colou
os netos Daniela
e Fábio: orgulho e
grau em 1887, com um recorde sur-
qualidade de vida preendente: cursou a graduação em
apenas quatro anos, quando a dura-
ção do curso é de seis.
Um dos destaques da carreira da
Cidadã a serviço médica foi a tese de doutorado de
título Paralelo entre os métodos
da Saúde
preconizados na cesariana, sendo
criticada por muitos pelo fato de
ser a primeira mulher que tratou,
de forma pública, um tema que era
mantido em sigilo pelos colegas
de profissão. Assim, a médica de-
N
o verão de 2008, o Rio de da coordenação da Epidemiologia da dicou-se integralmente ao estudo
Janeiro se deparou com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Ginecologia, Obstetrícia e Pe-
maior epidemia de dengue do Rio e da superintendência de Vi- diatria, além de lutar diariamente
dos últimos anos. A situação exigia gilância em Saúde, experiência que
contra a desconfiança dos médicos
mais do que uma estrutura integrada ela relembra com nostalgia: “Sinto
de Saúde Pública para controle da falta da rotina do órgão público, mas e dos familiares dos pacientes.
doença, mas também uma represen- principalmente da minha equipe. Aos poucos, conquistou a con-
tante que prestaria esclarecimentos à Prestei suporte a toda a rede de Saúde fiança de todos por meio de traba-
população através da mídia: a médica do município, o que proporcionou lho intenso que prestou à comu-
Meri Baran. “Tudo o que acontecia ampla dimensão do funcionamento nidade. Rita Lobato foi também a
na cidade gerava repercussão. Cada da cidade”, diz a médica. primeira mulher eleita vereadora
entrevista era uma situação imprevi- Ao despedir-se da Prefeitura há em Rio Pardo (PR), em 1934,
sível”, conta a ex-superintendente de três anos, Meri se tornou uma refe- anos depois de as mulheres con-
Vigilância em Saúde da Prefeitura do rência em Saúde Pública. Tanto que,
quistarem o direito ao voto.
Rio de Janeiro. no ano seguinte, criou um blog sobre
Pediatra por formação e especiali- este tema e sobre Medicina de Via-
zada em Saúde Pública pela Funda- gem, uma área em expansão. “Acho
ção Oswaldo Cruz (Fiocruz) durante interessante o trabalho de divulgação
18 anos, Meri Baran esteve à frente em blogs e nas redes sociais, desde
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10. “Sinto-me feliz que feito com responsabilidade. As
pessoas mantêm a crença de que basta
Hoje, a médica de 73 anos, com
muito orgulho, valoriza a qualidade de
quando contribuo imunizar-se contra a febre amarela que vida e procura, sempre que possível,
estão aptas a fazer uma viagem inter- fazer exercícios físicos. Ela reside bem
com informações de nacional. A Medicina de Viagem ainda próximo às filhas, no Leblon, zona
é pouco divulgada, mas por meio da Sul do Rio, o que permite uma pausa
utilidade pública pela publicidade as pessoas começam a se em sua agenda para o que lhe dá mais
informar mais a respeito do assunto. prazer: visitar os quatro netos com fre-
minha vivência de Sinto-me feliz quando contribuo com quência. “Acompanhar o crescimento
informações de utilidade pública pela dos meninos é fascinante. Sempre par-
mais de 40 anos na minha vivência de mais de 40 anos na ticipei da criação deles, que têm muito
Medicina”. Medicina”, destaca Meri, que atual-
mente é consultora técnica da rede
orgulho de mim”, conta a especialista
em meio a risos que remetem à matu-
Meri Baran Prophylaxis de vacinação. ridade bem-vivida.
As médicas no Brasil
Ceará
Apresenta crescimento
de 65% no número de
formandas em cinco anos.
Alagoas
É o estado do Nordeste
que tem maior presença
das mulheres em
relação aos homens na
Medicina.
Rondônia Bahia
O número de médicas neste O estado apresenta crescimento de
estado triplicou entre 2009 e mais de 100% nos últimos cinco
2010, de 25 para 77 profissionais. anos no número de médicas.
Minas Gerais
Em 2010, houve um aumento de
55% na força de trabalho feminina.
Rio Grande do Sul
Crescimento de cerca de 30% São Paulo
no número de médicas entre As mulheres representam 38% do total de
2006 e 2010 no estado. profissionais registrados no Cremesp. Por quatro
anos consecutivos há um aumento considerável
no número de mulheres médicas no estado.
Fontes: Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)
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11. Colorindo sonhos com os
pés no chão
“Lembro-me de
D
eterminação e foco são palavras Intensivista pioneira do Hospital
que nortearam o destino da Municipal Miguel Couto, Rosa Célia
ter ouvido que era cardiologista pediátrica Rosa
Célia Pimentel. Hoje reconhecida
se recorda de situações nas quais per-
cebeu preconceito por parte da classe
diferente das outras como referência, a médica já superou
diversos obstáculos na vida. Nascida em
médica. “Preconceito sempre existiu e
vai existir. Lembro-me de ter ouvido
mulheres, mas pouco Palmeira dos Índios (AL), mudou-se
para o Rio de Janeiro ainda pequena
que era diferente das outras mulheres,
mas pouco me importava. As médicas
me importava. As e morou em um orfanato porque os
pais não tinham condições de cuidar
devem encarar a profissão com respon-
sabilidade, postura e dignidade” orien-
médicas devem dos 11 filhos, permanecendo lá até os
18 anos. Por falar em idade, a típica
ta. Após a experiência em hospitais, a
médica mudou-se para Londres, mes-
encarar a profissão nordestina prefere não revelar a sua.
“Não falo e ninguém sabe porque não
mo sem conhecer o idioma, para espe-
cializar-se em Cardiologia Pediátrica.
com responsabilidade”. conto. Como diz um ditado do Norte,
quem muito quer saber, mexerico quer
“Viajei para a Inglaterra apenas com a
bolsa de estudos, sem dinheiro e com
Rosa Célia Pimentel fazer”, diverte-se. poucas roupas. Mas tinha muito foco
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12. ABMM: uma associação
em defesa das médicas
A década de 1960 foi marcada por
acontecimentos transformadores
no Brasil e no mundo, que culmi-
naram com a busca pela liberdade
de expressão e a entrada da mulher
no mercado de trabalho. Em meio
a um cenário de mudanças, foi cria-
da a Associação Brasileira de Mu-
lheres Médicas (ABMM), em 16 de
e determinação. Sempre sonhei com séria, honesta, trabalhando muito e con-
coisas maiores e coloridas, então não quistando credibilidade”, enfatiza. novembro de 1960, no Rio de Janei-
nivelei por baixo. Não dei ouvidos às Em virtude da falta de leitos car- ro. Filiada à Associação Internacio-
pessoas”, recorda Rosa. diológicos na rede pública, Rosa Cé- nal de Médicas Mulheres (Medical
Em 1989, Rosa Célia passou seis lia percebeu a necessidade de ampliar Women’s International Association
meses no Children’s Hospital Medical o trabalho desenvolvido no projeto: a – MWIA), a ABMM é resultado da
Center, nos Estados Unidos, para se construção do Hospital Pró-Criança, união de um grupo de médicas.
aprofundar em novas técnicas. “Não destinado ao atendimento de patolo- A proposta da ABMM, que reúne
havia recursos no Brasil além da con- gias de alta complexidade, que destina- 300 associadas, é oferecer o encon-
sulta, o estetoscópio e o eletrocardio- rá 40% de sua capacidade para trata-
tro entre as médicas, o intercâmbio
grama para examinar os pacientes. mento de crianças carentes. A previsão
científico, o estudo sobre problemas
Tive coragem de passar um período é que o hospital seja inaugurado em
no exterior e foi um privilégio estu- outubro deste ano. de saúde da comunidade em geral,
dar com os melhores cardiologistas do Até lá, a médica também encontra- além do auxílio mútuo para resolu-
mundo”, conta. rá tempo para se dedicar aos atendi- ção de questões sobre a vida pessoal
Ao voltar para o Brasil, Rosa Célia mentos clínicos e para suas atividades e profissional das médicas. “Incenti-
criou, em 1996, uma clínica voltada ao favoritas: a prática de atividades físi- vamos a busca pela qualificação das
atendimento gratuito de menores caren- cas e a leitura, que vão de temas bio- médicas que hoje se preocupam
tes – o Pró-Criança Cardíaca. O projeto gráficos a livros sobre administração com a carreira. O slogan da ABMM
social contempla cerca de 50 crianças (a preferência é pelo Inglês, idioma é Cuidar de si para melhor acolher o
por semana e oferece consultas clínicas e hoje por ela dominado). No livro Os
outro. Nosso propósito é incentivar
odontológicas, procedimentos cirúrgicos quatro compromissos, de Don Miguel
a qualidade de vida destas profissio-
e exames específicos. “Minha vida toda Ruiz – também médico e cirurgião,
foi dedicada às crianças. É um projeto Rosa se baseia em quatro conselhos nais para que cuidem delas mesmas
ousado, o resultado de um trabalho feito para praticar na vida: “seja verdadei- e valorizem a vida pessoal”, explica
com perseverança e determinação. Con- ro; não se faça de vítima; só culpe o Marilene Rezende Melo, presidente
segui captar tanta gente para ajudar na outro se tiver certeza e faça o melhor da ABMM e ex-diretora da Associa-
construção desse sonho sendo correta, sempre”, ensina. ção Paulista de Medicina (APM).
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