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SUMÁRIO
Páginas
1- INTRODUÇÃO:
1.1- APRESENTAÇÃO.................................. 2
1.2- OBJETIVO ..................................... 3
1.3- DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ........................ 3
1.4- RELEVÂNCIA ................................... 3
1.5- DEFINIÇÃO DE TERMOS .......................... 4
2- REFERENCIAL TEÓRICO:
2.1- O JOGO E O MÉTODO ............................ 6
2.2- A ORGIA.
DIONÍSIO: SEMENTE DO TEATRO E DA BIODANZA .... 10
2.3- DAS CARAS E DAS MÁSCARAS...................... 16
2.4- A ORGIA E O JOGO ............................. 21
3- METODOLOGIA:
3.1- À PROCURA DO DEUS ESQUECIDO-
O interesse pelo tema......................... 27
3.2- DIONÍSIO NA POLIS-
O encontro com o grupo........................ 29
3.3- NOVOS RITOS-
Mecanismos de Ação ........................... 30
3.4- UM DEUS EM MOVIMENTO-
Para não concluir ............................ 32
4- CONSIDERAÇÕES E SUGESTÕES ..................... 34
5- BIBLIOGRAFIA .................................. 36
ANEXOS
ANEXO A- MODELO TEÓRICO .......................... 39
ANEXO B- INTERSEÇÃO .............................. 40
2
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1.1- APRESENTAÇÃO:
O presente trabalho é fruto de um
movimento para estabelecer diálogo entre duas
paixões na vida da autora: Biodanza e Teatro.
A vivência como Facilitadora de Biodanza
concomitante à de integrante do Centro de Teatro
do Oprimido do Rio de Janeiro, possibilitou_
embora reconhecendo as especificidades inerentes a
cada sistema_ a experiência do encontro entre as
duas práticas.
Grande parte da pesquisa de campo foi
realizada em parceria com a Facilitadora Denizis
Trindade, querida companheira dos tempos de
formação, e cúmplice, durante dois intensos anos,
na dor e delícia de facilitar um grupo regular de
Biodanza.
A sistematização de dados e redação do
trabalho contou com a orientação do Facilitador
Didata Antônio Sarpe, cuja competência
profissional e vitalidade intelectual, somadas à
prática democrática do diálogo , tornaram ainda
mais prazeiroso e visceral o exercício de
reflexão.
3
1.2- OBJETIVO:
Registrar a origem comum entre a Biodanza
e o Teatro, potencializando o jogo entre os
aspectos apolíneo e dionisíaco, presentes nos dois
sistemas, como forma de resgatar a expressão
integrada do Ser Humano.
1.3- DELIMITAÇÃO DO ESTUDO:
O objetivo deste trabalho é registrar
aproximações, vários caminhos possíveis que levam
ao encontro entre a genialidade do sistema criado
por Rolando Toro e a teatralidade, prática tão
antiga quanto a humanidade.
1.4- RELEVÂNCIA:
O presente trabalho apresenta-se como um
dos milhares fios com os quais se tecem redes de
diálogo em favor de uma cultura biocêntrica.
4
1.5- DEFINIÇÃO DE TERMOS:
Arquétipos – Formas instintivas de imaginar.
Depósitos das impressões deixadas por vivências
comuns a todos os seres humanos. Matrizes
arcaicas, onde configurações análogas ou
semelhantes tomam forma.
Catarse – Purgação, purificação. Liberação de
pensamentos, idéias que estavam reprimidos no
inconsciente, seguindo-se de alívio emocional.
Ditirambo – Canto coral, acompanhado ou não de
coreografia, realizado na Grécia Antiga em honra
ao deus Dionísio.
Gnosis – Conhecimento esotérico da divindade.
Komos – Procissões festivas, realizadas na Grécia
Antiga, em honre ao deus Dionísio.
Médium – Pessoa através da qual algo se realiza ou
é mostrado.
Mimetismo – Propriedade de fundir-se pela forma ou
pela cor com o meio ambiente ou com indivíduos de
qualquer espécie.
Nume – Intensa energia vinda do inconsciente;
podendo ser personificada por divindades
mitológicas.
Palco Italiano – Palco com estrutura tipo „caixa‟,
com laterais e fundo fechados, oferecendo apenas o
ângulo frontal à visão da platéia.
Persona – Termo latino, referido às máscaras
teatrais da Antiguidade; recebiam tal denominação
por possuírem, em seu interior, uma forma que
ampliava a voz. Per sonare = para soar.
5
Polis - nome dado às cidades-estado gregas; o
apogeu da organização em cidades autônomas, na
Grécia antiga, deu-se no século V aC.
Protagonista – Personagem principal de uma ação
teatral. Foco para o qual converge toda a ação.
Tragédia – Do Grego Antigo – tragos oidia = canto
do bode. Peça teatral, originariamente em versos,
e que termina, em regra, por acontecimentos
fatais.
6
CAPÍTULO 2
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1- O JOGO E O MÉTODO
“A vontade de um deus tem muitas formas
e muitas vezes ele surpreende-nos
na realização de seus desígnios.
Não acontece o que era de esperar
E vemos no momento culminante
O inesperado.”
Eurípedes, As Bacantes
O único fator constante na Vida é o
movimento.
Nossa espécie está sujeita a uma
multiplicidade espantosa de forças e energias.
Desde os campos gravitacionais, magnéticos e
elétricos aos campos mais sutis como o
comportamento humano ou sistema de crenças.
A percepção que a vida transcende o mundo
imediato, aparente, e que é possível ultrapassar
os limites do corpo e do tempo, pode ser captada
nos diversos registros deixados pela humanidade.
Inúmeros métodos foram desenvolvidos, ao longo dos
séculos, para a compreensão ou, até mesmo, para o
controle desse movimento vital; a Ciência é um
deles.
Entretanto, por mais que a comunidade
científica tenha buscado ultrapassar a visão
teocêntrica, segundo a qual conhecer o deus _ a
Teologia _ permitiria o conhecimento do mundo
criado por este, substituindo-o por conhecimento
7
que se pretende sagrado por si _ a Teoria, ainda
assim, a enorme complexidade da Vida escapa à
análise definitiva.
A Natureza joga ...
Mário Novello1
, físico, conclui que a
Natureza (a physis) ama jogar com o cientista. À
cada teoria proposta, a Natureza joga outras
vertentes.
A percepção do aspecto lúdico na relação
Vida e Conhecimento já se encontra em Heráclito de
Éfeso: “A Natureza ama esconder-se”.2
Heidegger considera Heráclito o filósofo
do jogo; “O pensamento de Heráclito sempre se
determina pela proximidade do jogo, revelando-se
na forma do pensamento a-se-pensar.”3
Essa qualidade lúdica da Natureza,
revelando-se/ocultando-se, convida-nos a ir “além
do caminho” (meta hodos) já trilhado, pondo-nos em
constante movimento.
Johan Huizinga observa que as sociedades
primitivas celebram seus ritos sagrados, seus
sacrifícios, consagrações, destinados a
assegurarem a tranquilidade do mundo, dentro de um
espírito de puro jogo.4
As grandes atividades arquetípicas da
humanidade, desde o início, são marcadas pelo
lúdico. O ritual é um espetáculo, uma
representação dramática, uma figuração imaginária
de uma realidade desejada: “a humanidade „joga‟,
1
Em entrevista concedida a Jô Soares, no dia 20/08/2003, na Rede Globo de Televisão.
2
Heráclito de Éfeso in BORNHEIM, Gerd (org), Os Filósofos Pré-Socráticos São Paulo: Ed. Cultrix,
p.43
3
HIDEGGER, Heráclito São Paulo: Editora Relume Dumará.
4
HUIZINGA, Johan, Homo Ludens – o jogo como elemnto da cultura. São Paulo: Ed. Perspectiva,
1996
8
representa a ordem da natureza tal como ela está
impressa em sua consciência”.5
A existência in ludere (no jogo) é fato
mais antigo que a cultura e transcende, mesmo, a
esfera da vida humana. É categoria primária da
vida, identificável desde o próprio nível animal.
“Bastará que se observe cachorrinhos
para constatar que, em suas alegres
evoluções, encontram-se presentes
todos os elementos essenciais do jogo
humano. Convidam-se uns aos outros
para brincar mediante um certo ritual
de atitudes e gestos. Respeitam a
regra que os proíbe morderem, ou pelo
menos com violência, a orelha do
próximo. Fingem ficar zangados e, o
que é mais importante, experimentam
grande prazer de divertimento.6
No jogo, existe “algo” que transcende as
necessidades imediatas da vida e implica a
presença de um elemento não material. Contribui
para a prosperidade do grupo social, mas de modo
diferente da aquisição de elementos de
subsistência. Situa-se fora dos mecanismos de
satisfação imediata das necessidades e dos
desejos, interrompendo, mesmo, esses mecanismos.
Ornamenta a vida, ampliando-a.
Segundo Huizinga, o jogo é uma atividade
voluntária, jogado até o fim dentro de certos
limites de tempo e de espaço. Todo jogo se
processa e existe no interior de um campo
previamente delimitado, de maneira material ou
imaginária, deliberada ou espontânea. Não há,
segundo o autor, diferença formal entre o jogo e o
culto.
5
Léo Frobenius, citado por Huizinga, op.cit. p.20
6
HUIZINGA,J. Op.cit. p4
9
“A arena, a mesa de jogo, o círculo
mágico, o templo, o palco, a tela, o
campo de tênis, o tribunal etc, todos
têm a forma e a função de terrenos de
jogos, isto é, lugares proibidos,
isolados, fechados, sagrados, em cujo
interior se respeitam determinadas
regras. Todos eles são mundos
temporários dentro do mundo habitual,
dedicados à prática de uma atividade
especial.”7
No jogo se verificam as características
de: ordem, tensão, movimento, mudança, solenidade,
ritmo, entusiasmo. Em suas formas mais complexas,
na concepção de Huizinga, o jogo está saturado de
ritmo e harmonia, considerados pelo autor como “os
mais nobres dons da percepção estética de que o
homem dispõe”.
A importância do jogo como algo sagrado,
germe de intuição cósmica e de desenvolvimento
social, indispensável ao bem estar da comunidade
está presente, também, no sistema Biodanza, sendo
considerado por Rolando Toro como uma das vias de
acesso ao Inconsciente Vital.8
Como método de aproximação entre o Teatro
(termo de origem grega que significa lugar onde se
vê como os deuses vêem )e a Biodanza (Dança da
Vida ), creio ser adequado o jogo entre dois
deuses _ Dionísio e Apolo.
A forma apolínea necessita estar nutrida
pela força dionisíaca e, em contrapartida, o
dionisíaco precisa do apolíneo para expressar-se.
É a vitalidade dionisíaca em harmonia com a forma
apolínea que se nutre a arte.
7
HUIZINGA, op.cit p13
8
TORO, Rolando- Definicion y Princípio Biocêntrico in Curso de Actualizacion y Formacion de
Didactas, Internacional Biocentric Foudation, Chile , 1998
10
É no jogo pulsante entre o desmedido e
medida, entre a fusão orgiástica e a consciência,
que as formas teatrais permitem um aproximação com
“o lugar onde se vê com a visão dos deuses”. Esse
mesmo jogo pulsante encontra-se no sistema
Biodanza; não para ver, mas para sentir, dançar o
que os deuses dançam...
Em todo jogo há uma forma, em constante
mutação, que funciona como continente para a
energia. Em teatro essa forma apresenta-se como
drama e personagens; em Biodanza essa forma
apresenta-se nos movimentos que se revelam
mediante uma mergulho no Inconsciente Vital.
2.2- A ORGIA
DIONÍSIO: SEMENTE DO TEATRO E DA BIODANZA
“Leva-nos para lá, deus poderoso,
Diôniso, Diôniso, Evoé,
guia seguro para as Bacanais !
(...)
Nosso desejo é adotar também
a fé que a maioria das pessoas
mais simples recebeu e põe em prática.”
Eurípedes. As Bacantes
Foi na Grécia que o teatro, como hoje
conhecemos no Ocidente, assume sua feição
definitiva. O teatro grego teve raízes
profundamente religiosas _ os ritos dionisíacos.
Os mesmos ritos, séculos depois, inspiraram
Rolando Toro na criação do sistema Biodanza.
Uma aproximação entre Biodanza e teatro
passa por um encontro com a origem comum aos dois:
Dionísio e seus ritos.
Dionísio é um deus que está sempre em
movimento, penetra em todos os lugares, terras,
povos e meios religiosos, associando-se a
11
divindades diversas e até mesmo antagônicas. Surge
repentinamente para desaparecer em seguida de
maneira misteriosa. Tais manifestações e
desaparecimentos refletem o ciclo contínuo da
vida, colocando-o entre os deuses da vegetação.
Suas festas mais populares inscrevem-se no
calendário agrícola, estando relacionadas com a
totalidade da vida _ água, sementes, sangue ou
esperma.
Segundo um mito Tebano, Dionísio é filho
de Zeus e de uma princesa, Sêmele, filha de Cadmo,
rei de Tebas. Devido às constantes infidelidades
de Zeus, Hera, sua esposa, prepara uma armadilha
para sua rival Sêmele e, disfarçada de ama, sugere
a esta que peça a Zeus que se mostre em toda a sua
plenitude celeste. A imprudência custa a vida de
Sêmele, fulminada que é por um raio. A criança vem
à luz antes do temo. Zeus, no entanto, costura-a
dentro de sua coxa e, no momento certo, Dionísio
nasce. Assim ele é “duas vezes nascido”.
Outra visão do nascimento de Dionísio,
também chamado Zagreu, o considera filho de Zeus e
Perséfone, da Luz (Zeus) e do interior do Hades,
da escuridão (Perséfone). Zagreu nasce e é
colocado no monte Ida sob os cuidados dos sátiros
e coribantes. Hera manda que os Titãs despedacem
Zagreu e este quando perseguido se transforma em
bode que é pego, despedaçado e comido pelos Titãs.
Atena (a sabedoria, filha de Zeus) retira o
coração da criança e leva a Zeus, que com ele irá
fecundar Sêmele.
Nascido o filho, Zeus confiou-o aos
cuidados de Sátiros e Ninfas. Em sombria gruta,
cercada de exuberante vegetação, Dionísio um dia
colheu cachos de uvas e espremeu-lhes as frutinhas
em taças de ouro e bebeu o suco em companhia de
sua corte. Nascia, então, o vinho. Bebendo-o
repetidas vezes, Dionísio e seu séquito de Ninfas
e Sátiros começaram a dançar vertiginosamente.
12
Embriagados pelo delírio báquico, todos caíram por
terra semi desfalecidos.
Sendo o movimento um dos atributos
marcantes do deus, é inútil tentar abordá-lo sob
um único aspecto. Suas múltiplas faces ecoam na
multiplicidade de personagens teatrais.
Através de registros da literatura, artes
e fragmentos de registros de culto, Dionísio era
identificado como deus do vinho e de suas
maravilhas, aquele que concedeu a vinha a
humanidade, ensinando-lhe o fabrico do vinho; deus
da natureza selvagem, particularmente associado ao
crescimento luxuriante da vegetação e a alguns
animais selvagens _ leão, serpente, touro,
cultuado em procissões solenes em que se escoltava
um falo, assinalando o poder do deus sobre a
sexualidade e fertilidade; deus da possessão
extática, caracterizada pelo comportamento das
mênades _ mulheres seguidoras do culto; deus da
dança, em companhia de sátiros, ninfas ou mênades;
deus do mascaramento e do disfarce, geralmente
representado em vasos por máscara como objeto de
culto; deus da iniciação mística, oferecendo a
seus seguidores a possibilidade de bençãos pela
eternidade.
O culto a Dionísio surge na Grécia,
possivelmente durante os séculos VII e VI a.C.
Considerado um deus estrangeiro por ser cultuado
na Trácia e na Frígia, expandindo-se para o
restante da Grécia, tomando inclusive outros
nomes, como o de Bákheios .
Segundo Junito Brandão, na Grécia, todas
as correntes religiosas confluem para uma bacia
comum: a gnôsis__ sede de conhecimento
contemplativo e a Kátharsis _ purificação da
vontade para receber o divino, tocando, com isso,
a imortalidade.
13
Esse religare catártico, preconizado por
mitos naturalistas de divindades da vegetação,
contemplava o pulsar de morte e ressurreição. Tais
divindades, principalmente Dionísio, eram
essencialmente populares, chocavam-se com a
religião oficial e aristocrática da Polis grega,
cujos deuses olímpicos estavam sempre atentos a
qualquer desmedida.
Integrados em Dionísio, homens e mulheres
se libertavam de certos condicionamentos e de
ordem ética, política e social.
Os devotos de Dionísio, após dança
vertiginosa, embriagados, à luz dos archotes ao
som dos címbalos, caíam desfalecidos. Nesse estado
acreditavam sair de si pelo processo do ékstasis _
êxtase. Sair da condição humana implicava em um
mergulho em Dionísio e este no seu adorador pelo
processo do entheosiasmos _ entusiasmo.
A aceitação do culto dionisíaco não foi
nada fácil, pois a experiência religiosa que
suscitava punha em risco todo um estilo de vida e
um universo de valores olímpicos. Seu culto
tornava a religião menos hierarquizada, mais
próxima do comum das pessoas e também mais festiva
e alegre.
Por ocasião da vindima, celebrava-se a
cada ano, em Atenas e por toda a Ática a festa do
vinho novo, em que os participantes disfarçavam-se
em sátiros e se embriagavam e começavam a cantar e
dançar. Os sátiros eram concebidos pela imaginação
popular como homens-bodes. Teria nascido assim o
vocábulo tragédia (tragoídia = “tragos”, bode +
“oidé”, canto).9
As primeiras representações trágicas, por
volta do século VI a.C., desenvolveram-se na época
das festas mais importantes do deus, as Grandes
9
BRANDÃO, Junito de Souza Teatro Grego- Tragédia e Comédia , Rio de Janeiro : Ed.. Vozes, 1984
14
Dionísias Urbanas, celebradas no começo da
primavera, na encosta da Acrópole, marcando a
abertura dos barris de vinho,. Eram chamadas
urbanas para distinguí-las das Dionísias ditas
rústicas, cujos cortejos alegres, coros, torneios
de dança e canto animavam as aldeias e os
vilarejos dos campos áticos, no meio do inverno,
marcando o fim do trabalho anual nas lavouras.
Ao contrário das Dionísias rústicas, as
Dionísia Urbanas passam pelo crivo da medida da
Pólis, seguiam um roteiro pré-determinado:
iniciava-se com uma procissão escoltando uma
antiga imagem de Dionísio ao longo da estrada que
conduzia à cidade de Eleutíria; num segundo
momento do festival, regressava ao altar do deus
em Atenas, onde um bode era sacrificado.
Nesse trajeto, um bando de foliões,
denominado Kômos (daí o termo “comédia”) carregava
um falo de grandes proporções e cantava canções
para Dionísio. Já no momento do sacrifício do
bode, o ritual tomava um caráter mais solene e
reflexivo.
Ao som de flautas e realizando uma dança
coral acompanhada de gestos e movimentos
ilustrativos, os Cantos Ditirâmbicos, os
participantes usavam máscaras simbolizando a
transformação e a perda da identidade.
A partir do desenvolvimento do gênero
teatral, com o fortalecimento de poder da Pólis ,
as Dionísias Urbanas passaram a ser mais
regulamentadas, passando a durar seis dias, sendo
que nos dois últimos aconteciam os concursos
trágicos. Neles, cada autor apresentava três
tragédias e um drama satírico. Presentes, os
elementos fundamentais do drama grego, tanto na
tragédia quanto na comédia – o coro e os atores.
Com o passar do tempo a função do coro se
enfraquece, ao passo em que cresce a importância
15
dos atores. Esta tendência de diminuição do coro
faz com que este se reduza dos seus cinquenta
componentes originais a quinze ou doze e, por fim,
extingue-se.
Dionísio é, portanto, a essência do
teatro, os diversos personagens são sua
manifestação, seu jogo. No canto ditirâmbico
_origem do teatro ocidental _ o entusiasmo ( ser
tomado pelo deus) era atingido mediante transes
rítmicos. Os ritos eram realizados fora da Polis,
pois esta era o lugar da medida. Era um canto
coletivo. Com o fortalecimento da polis e a
substituição dos cantos ditirâmbicos pelas
tragédias, o deus passa a se mascarar nos diversos
personagens.
Podemos estabelecer um paralelo entre os
personagens, nos quais o deus se esconde e se
revela, e o jogo da Natureza, mencionado por
Heráclito.10
Existem as mais estreitas relações entre a
Orgia Dionisíaca e o jogo. Ambos implicam um
intervalo na vida quotidiana. Em ambos predominam
o entusiasmo. Ambos são limitados no tempo e no
espaço. Em ambos encontramos uma combinação de
regras estritas com a mais autêntica liberdade. E,
novamente valendo-me de citação de Huizinga, “o
modo mais íntimo de união de ambos parece poder
encontrar-se na dança”.
10
Ver capítulo 1 – O Jogo como Método
16
2.3- DAS CARAS E DAS MÁSCARAS
“Mesmo constrangida,
esta cidade terá de reconhecer
a grande falta que lhe fazem minhas danças
e meus mistérios.”
Eurípedes. As Bacantes
Mestre Caetano, o Veloso, já dizia que
“Você diz a verdade e a verdade é o seu dom de
mentir...” jogando com a verdade e poesia do
disfarce. Rapte-me Camaleoa !
Dedos incorpóreos apontam “Mascarado (a) !
Você está teatralizando !”
Dois modos de lidar com o Ser quando este
se apresenta sob várias formas não usuais, longe
da coerência exigida por nossa cultura de controle
travestido de permissividade.
Usar o termo mascarado como sinônimo de
falso, significa não levar em consideração o uso
sagrado das máscaras. Desde os tempos antigos,
estas eram utilizadas em transes rituais,
cerimônias de iniciação, festas e no teatro,
mostrando energias conjuradas, aspectos do ser a
serem magnificados.
Jung resgata o papel informativo das
máscaras utilizadas nos antigos dramas gregos em
seu conceito de Persona. Para Jung, a Persona é
parte do Ser. É a forma pela qual nos apresentamos
ao mundo, os papéis sociais e estilo de expressão
pessoal, sendo instrumento precioso de
comunicação. Não é o Self, mas faz parte deste.11
Ao rotular o teatro como falso, tomamos
como referencial um tipo específico de espetáculo,
11
WHITMONT, Edward C. A Busca do Símbolo, Conceitos básicos de Psicologia Analítica.. São
Paulo Ed. Cultrix, 1990
17
produzido por cultura repleta de mandatos anti-
vida. Um teatro fragmentado, onde seus
profissionais, pressionados pelo mercado perderam
a conexão com o sagrado, com o jogo. Perderam,
justamente, a ilusão, no sentido de in ludere – no
jogo ( mesma raíz da palavra lúdico e jogo, do
latim jocus – alegre, travesso).
O princípio da dramaturgia é a própria
vida e, antes desta se constituir como realização
de uma peça escrita, os seres humanos já
praticavam o teatro como um jogo sagrado ou um
ritual lúdico. O gesto é gerado antes da palavra.
A representação dramática e a dança _ é
importante ressaltar que em culturas diversas da
ocidental, não existe separação entre teatro e
dança_-_ são vivências tão antigas quanto a
humanidade, tendo sua origem no próprio limiar das
culturas.
A representação sagrada, mais do que a
realização de uma aparência ou uma realização
simbólica, é uma realização mística. Possibilita a
aproximação, dentro uma forma bela, real e
sagrada, de algo que é invisível, inefável. Os
partícipes desta representação estão certos de que
tal ato faz surgir uma ordem de coisas mais
elevada do que aquela em que vivem habitualmente.
Estão certos de que o ato efetua e concretiza uma
certa beatificação.
As primeiras ações dramáticas da
humanidade provavelmente foram miméticas.
Nos ritos mágicos originais da caça,
por exemplo, as ações dramáticas
devem , certamente, ter-se inclinado
ao domínio da presa. O caçador-mago
duplicava, dramaticamente, com suas
ações, o animal apetecido, pouco a
pouco foi adquirindo uma grande
perícia mímico-gestual nesses atos de
18
duplicação até conseguir encarnar e,
a partir daí, propiciar
religiosamente os atos profanos que,
com grande habilidade, logo
executaria na prática da caça.
A partir das primeiras ações
dramáticas, o homem ofereceu a si
mesmo e compartilhou com sua
comunidade um método eficaz e
original que lhe permitiu começar a
organizar sua realidade e tentar uma
aproximação com o mistério insondável
do mundo em que vivia e no qual
estava não apenas situado, mas
profundamente imerso.12
O sentido comunitário do teatro perde-se
nas montagens realizadas em palcos italianos,
afastadas da platéia. O público _ os que podem
pagar _ confinado às poltronas perde o sentido de
participação ritual e lúdica com os oficiantes-
atores. Os dramas encenados perdem cada vez mais
seu cunho arquetípico.
Dentro do que hoje chamamos teatro,
aparecem diferentes maneiras que as pessoas que o
fazem encontram para agrupar-se e gerá-lo: pessoas
podem se agrupar para gerar apenas um espetáculo;
atores podem ser contratados para realizar alguma
montagem; diretores podem ser contratados para
realizar montagem com grupo de atores já definidos
e, existe, finalmente, o conceito de companhia ou
grupo estável, que pressupõe um trabalho a longo
prazo.13
Os cuidados às vezes excessivos, porém
compreensíveis com a produção _ cenários,
figurinos, local para encenar, etc _ na maioria
12
MENEGAZO, Carlos M. Magia, Mito e representação dramática in Magia, Mito e Psicodrama.. São
Paulo. Ed. Ágora, 1994
13
Esta classificação toma como base o texto de Diego Cazabat , O Teatro e seus Refúgios in
http;//grupo.moitara.sites.uol.com.br/encontros/enc_perpl02b.htm
19
das vezes sobrepuja o sentido comunitário , a
vivência do entusiasmo. A fragmentação do trabalho
teatral em diretores, produtores, atores,
cenógrafos e demais funções se, por um lado
permitem a elaboração de formas cada vez mais
sofisticadas e efeitos cada vez mais especiais,
por outro lado dificultam o resgate da sacralidade
do ofício teatral.
Fayga Ostrower, indagando sobre o sentido
da criação artística em uma sociedade voltada para
o consumo, vê uma valorização concentrada apenas
no produto final, desconsiderando-se, às vezes,
por completo, o processo de fazer, pois apenas o
produto poderia tornar-se mercadoria e ser
negociado, enquanto o processo criativo não o é.
Segundo a autora:
“...criar é essencialmente um
processo, um caminho de crescimento,
de aprender, conhecer e compreender,
de compreender-se e desenvolver-se,
de realizar-se naquilo que cada um
traz de melhor dentro de si em termos
de potencial.”14
Augusto Boal, teatrólogo, descreve como
uma postura cultural sufocou o sentido comunitário
do teatro:
“No princípio era o canto
ditirâmbico: o povo cantando livre.
O carnaval. A festa. Depois as
classes dominantes se apropriaram do
Teatro e construíram muros
divisórios. Primeiro dividiram o
povo, separando atores de
espectadores: gente que faz e gente
que observa. Terminou a festa.
Segundo, entre atores, separou os
14
OSTROWER, Fayga, Prefácio de Acasos e Criação Artística Rio de Janeiro : Ed. Campus, 1999.
20
protagonistas das massas, começou o
doutrinamento coercitivo.”15
Antonin Artaud fala de uma busca da magia,
do centro caótico perdido pelo teatro na
atualidade:
“Nossa idéia petrificada do teatro
vai ao encontro da nossa idéia
petrificada de uma cultura sem
sombras (...) O teatro que não está
em nada mas que se serve de todas as
linguagens _ gestos, sons, palavras,
fogo, grito _ encontra-se exatamente
no ponto em que o espírito precisa de
uma linguagem para produzir suas
manifestações (...) Romper a
linguagem para tocar a vida é fazer
ou refazer o teatro (...) Do mesmo
modo, quando pronunciamos a palavra
vida, deve-se entender que não se
trata da vida reconhecida pelo
exterior dos fatos, mas dessa espécie
de centro frágil e turbulento que as
formas não alcançam.16
É de Nietzche uma das mais pungentes
citações, que podemos aplicar em grande parte das
produções artísticas, de um modo geral, e ao
teatro, em particular: “E porque abandonaste
Dionísio, por isso Apolo também te abandonou.” 17
Michel Maffesoli adverte que nenhuma
cultura, em nenhuma época, pode abrir mão do
dionisíaco sem perder sua saúde, sua força vital;
ainda que pareça que Dionísio esteja morto, sua
sombra está por aí.18
15
BOAL, Augusto, O Teatro do Oprimido e outras poéticas política, Rio de janeiro : Ed. Civilização
Brasileira p.135
16
ARTAUD, Antonin, O Teatro e seu Duplo, Lisboa: Edições Minotauro , s/d pags 6/7
17
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo São Paulo
Companhia das Letras, pág. 72
18
MAFFESOLI, Michel, A Sombra de Dionísio. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1985.
21
O contato com o que Artaud considera
centro turbulento, que as formas não alcançam é,
em minha opinião, a grande contribuição da
Biodanza para a expressão teatral. Não como busca
de uma “verdade” em oposição à falsidade do “como
se”, mas para que o contato com a orgia, com o
indiferenciado, propicie a vivência arquetípica,
expressando-a em formas plenas de significado.
2.4- A ORGIA E O JOGO
“Não temos pretensões quanto ao conhecimento
de tudo que é divino. Nenhum pensamento
afetará as tradições que recebemos
de nossos ancestrais, antigas como o tempo
e resistentes aos sutis raciocínios
dos cérebros sofísticos.”
Eurípedes. As Bacantes
Nossa cultura, cada vez mais perde sua
organização instintiva, seu poder criativo
visceral. A Biodanza, por postular a auto-
regulação dos instintos _ tendo uma relação lúdica
com a Natureza _ entra em contato com as pulsões,
fazendo-as aflorar, através do movimento,
integrando-as. Esse trânsito entre a pulsão e a
forma poderia ser considerado como o jogo dos
deuses Dionísio e Apolo.
Embora saibamos que a poesia do encontro e
a sacralidade do momento vivido, que é a Biodanza,
não possa ser captada em palavras, cumpre
apresentar sua definição como
“um sistema de integração
afetiva, renovação orgânica e
reaprendizagem das funções originais
de vida, baseada em vivências
22
induzidas pela dança, o canto e
situações de encontro em grupo.”19
O Princípio Biocêntrico, este novo
paradigma e, no entanto, tão antigo quanto nossos
instintos saudáveis, inspirado na vivência de um
universo organizado em função da Vida, restabelece
o sagrado em todas as manifestações vitais _
incluindo, aí, o teatro _ é uma proposta
transgressora dos valores da cultura
contemporânea, consumista, totalitária.
Rolando Toro considera a criatividade
integrante da transformação cósmica, sendo a
criação de uma obra o expressivo resultado do ato
de viver e propõe, através da Biodanza a expressão
dos impulsos naturais criativos. A vida é
superabundância, é riqueza gratuita, luxo e
luxúria. Essa riqueza, essa abundância de
potenciais profundos existem em todas as pessoas:
o artista seria aquele que tem a coragem de
expressar suas potencialidades.
Um dos grandes desafios em se trabalhar
Biodanza com grupos teatrais, é trabalhar a
criatividade como patrimônio de qualquer vivente,
junto a pessoas que, em uma sociedade fragmentada,
são reconhecidos como depositários dessa
criatividade. É diluir uma auto-imagem
estereotipada, que inibe o vivenciar; é diluir,
muitas vezes, relações hierarquizadas.
Dentro do modelo teórico da Biodanza,
apresentado no Anexo A, vemos que o impulso
criador é inato. O próprio ato de viver já seria
uma criação de um mundo. O ato criativo se produz
como uma pulsação entre os dois pólos do modelo: a
identidade _ consciência, percepção seletiva,
coordenação viso-motora ( que seria o estilo) e a
regressão ao primordial _ estados de transe e
semi-transe. O desenvolvimento do potencial
19
TORO, Rolando , Definição e Princípio Biocêntrico, in Curso de Actualizacion y Formacion de
Didactas, Chile: International Biocentric Foundation, 1998
23
criativo através da existência (ontogênesis) se
articula com os ecofatores que estimulam ou inibem
o potencial criativo, sendo o processo criativo
uma sequência de atos integrativos que dão força,
expressividade e riqueza formal às obras.
Ainda segundo Toro, o conceito elitista
que separa os criadores das pessoas comuns, não
representa senão um dos tantos prejuízos culturais
que, no fundo, reforçam a trágica dissociação do
homem e sua obra. Essa dissociação, em minha
opinião, é a mesma que vigora, atualmente, entre
palco/platéia, produtor/dramaturgo/elenco etc.
O grande abismo entre o formal e o
vivencial é o que dá hoje, às nossas produções
teatrais “formais”, o sabor artificial, estéril.
Comparando as linguagens artísticas ocidentais com
a expressão estética de alguns povos africanos do
Congo e Costa do Marfim, Toro observa que nestas,
o resultado surge de profundas vivências
interiores de êxtase, confronto com a morte, do
parto e a maternidade, o terror, o erotismo, do
mistério religioso, da identificação com os
animais.
A abordagem da Biodanza frente à
criatividade é vivencial e não formalista. A obra
surge de vivências induzidas pela música, a dança,
o contato, o erotismo e a experiência do
maravilhoso.
A vivência, definida por Toro como o
instante vivido, enraizada nas sensações
biológicas dos sistemas viventes, resgata a
memória filogenética da humanidade, podendo ser
evocada, mas não dirigida pela vontade.
Isa Freire, dissertando sobre o Mito como
Vivência, nos mostra que a vivência “emerge no
instante em que se está vivendo com todo o poder
do numes, do sagrado, dotando aquele momento de um
24
poderoso significado pessoal – o coletivo se
encarna no indivíduo.”20
No Projeto Minotauro _uma das extensões
mais importantes em Biodanza, inspirada nos ritos
iniciáticos dos povos da Grécia Arcaica _ as
cerimônias de iniciação, através de desafios,
propiciam a vivência da entrada nos infernos, o
mundo do caos, do labirinto, entrando em contato
com o abismal e o retorno vitorioso. Induzem uma
mudança radical na visão do mundo e da vida.
Constituem um renascimento.
Rolando Toro coloca que “o mundo, no plano
arquetípico, se apresenta como um gigantesco
teatro onírico, onde se desenvolve a dramática
luta entre os heróis e monstros do inconsciente
coletivo.”21
Aquele que está realizando o desafio é um
médium para a vivência de cada participante do
projeto, sendo o protagonista do momento. O grupo
é co-participante, incentivando, dando continente,
recebendo-o, comungando sua vivência.
A presença do dionisíaco é marcante no
Projeto Minotauro, pois há, no momento do desafio,
o pulsar no sombrio, no caos, e há o retorno para
a luz, para o continente grupal, para uma nova
forma. É um “desaprender padrões culturais anti-
vida e restaurar as fontes primordiais de
organização”.22
O ator, em seu ofício, é um médium dos
arquétipos do inconsciente coletivo e, ao
mergulhar no primordial da espécie, emerge em uma
forma que tenha ressonância com a assistência: o
drama, a personagem. Promove, assim, a comunhão da
20
FREIRE, Isa, Oficina das emoções – A vivência do Mito na Biodança , monografia apresentada no 3
º Encontro da Regional II, para a obtenção do grau de Facilitadora titular pela ALAB 1994
21
TORO,R. citado por FREIRE, Isa. Op.cit. p.8
22
TORO, Rolando. Projeto Minotauro; abordagem terapêutica do Sistema Biodança . Petrópolis, Ed.
Vozes, 1988.
25
platéia com a Vida, em sua sombra e sua
luminosidade.
O Projeto Minotauro, radicalização da
proposta da poética do instinto, confronta o pavor
do homem comum de retomar sua origem animal _ medo
do caos primordial. Nos antigos cultos
dionisíacos, a origem animal de nossa espécie
estava personificada nos sátiros( metade homens,
metade bodes).
O ponto de partida para a expressão
existencial da humanidade está, portanto, no
potencial genético do indivíduo, em sua afetiva
vinculação, consigo, com sua espécie e com o
Cosmo.
“Mobilizando esses potenciais de
energia disponíveis no sistema
vivente humano, as vivências podem
resgatar, de forma apropriada e
integradora, metáforas cujos símbolos
se (re)produzem nos mitos e
movimentos rituais de todos os
povos”.23
É essa regressão ao potencial genético,
esse trânsito ao primordial, onde a vida se
organiza, à esse Inconsciente Vital, anterior à
qualquer arquétipo, que possibilita a renovação da
vida e a expressão coerente com a origem.
A vivência, dentro do sistema Biodanza,
trabalha com esse inconsciente vital, que se nutre
da memória cósmica e organiza a matéria. A
comunicação entre os três níveis do inconsciente:
Pessoal, Coletivo e Vital, se dá através de
“umbrais dissipativos”. Entre o Inconsciente
Pessoal e o Inconsciente Coletivo se estabelecem
os processos que vão do instinto ao arquétipo.
Entre o Inconsciente Coletivo e o Inconsciente
Vital se estabelecem os processos que vão do
23
Idem, Ibdem
26
arquétipo aos sistemas de integração biológica e
de autorregulação.24
Podemos fazer analogia entre pulsação
consciência intensificada / regressão, existente
no Modelo Teórico de Biodanza, com a pulsação
Apolo / Dionísio.
Essa interação provoca a energia necessária à
expressão da forma vital, que experimenta e
transforma-se.25
24
Toro, Rolando Op. Cit.
25
FREIRE,Isa. Op.cit.
Consciência__________________________Regressão/Fusão
(Apolo) (Dionísio)
Volta abastecida
em uma nova forma Consciência se dilui
e...
(Consciência ampliada,
intensificada)
27
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA
3.1- À PROCURA DO DEUS ESQUECIDO – O interesse
pelo tema.
“De nossa parte é tempo de exaltar Diôniso,
(...)
Onde é conveniente dar início às danças?
Em que lugar?”
Eurípedes. As Bacantes
A experiência pessoal da autora deste
trabalho é como integrante de um grupo teatral
estável _ o Centro de Teatro do Oprimido do Rio de
Janeiro _ onde foi possível realizar um bem
sucedido encontro entre o teatro e a Biodanza. Tal
encontro resultou no sketch “A Mulher antes de
Eva” , baseado no mito de Lilith e apresentado na
estação Carioca do metrô, por ocasião do Dia
Internacional da Mulher; no encontro de Biodanza
“Novas Alianças para uma Cultura de Vida”, no Rio
de Janeiro e no Espaço Cultural Casa do Tá Na Rua.
Esse foi o ponto de partida para pesquisar
a possibilidade de aproximar movimento, música e
emoção ao palco através da Biodanza, uma vez que
esta autora acredita que personagens, dramas e
tramas estão no inconsciente coletivo, instância
onde as culturas simbolizam suas vivências
biológicas.
Mais tarde, já em período de estágio
supervisionado, facilitando juntamente com Denizis
28
Trindade um grupo de Biodanza no Teatro Gláucio
Gill, em Copacabana_ experiência denominada
Biodanzarte _ apresentou-se cenicamente uma poesia
de Rolando Toro. O trabalho é apresentado aqui
segundo descrição elaborada por Denizis Trindade:
“O grupo é formado
por atrizes, escritoras, uma
programadora visual e uma musicista.
Trabalhamos os passos da
criatividade. Durante dois meses
fechávamos as aulas criando músicas e
movimentos despertados através da
vivência. A musicista improvisava com
seus instrumentos de percussão e
sopro, tocando com ritmo, harmonia e
melodia, e as outras participantes
iam se deixando penetrar pela música
e, dançando livremente, incorporavam
a palavra poética em uma criação
grupal.
(...)
E na elaboração
criativa unimos a palavra poética e o
palco, trabalhando em cima do poema
“Gênesis”, de Rolando Toro, que
apresentamos ao público durante o
IFestival Carioca de Poesia, no
Teatro Gláucio Gill.”
Contudo, sentia o desejo de experimentar a
união de Biodanza e teatro em outro contexto. Até
então, tanto o grupo do Centro de Teatro do
Oprimido quanto o grupo Biodanzarte possuíam em
comum o fato de serem grupo já formado, com forte
vínculo entre seus integrantes e a disponibilidade
para novas experimentações. A entrada de uma
proposta de Biodanza no grupo de teatro, e de uma
proposta teatral em um grupo de Biodanza fluiu,
nessas circunstâncias, sem maiores obstáculos.
29
3.2- DIONÍSIO NA PÓLIS – O encontro com o grupo
“Acolhe aqui
o deus recém chegado
e nunca mais o esqueças
em tuas libações.”
Eurípedes. As Bacantes
A proposta inicial de pesquisa seria
formar um grupo, com o objetivo de através de
vivências de Biodanza, fosse trabalhada a questão
teatral _ atores, imagens cênicas, etc.
Um novo e instigante desafio, contudo, se
apresentou: uma atriz, integrante do Biodanzarte,
havia passado nos testes para peça “Interseção,
Você nunca soube o que é desejo.” E havia agendado
com o diretor um encontro para que pudéssemos
inserir nosso trabalho de Biodanza nos ensaios.
Dionísio na Pólis !
Uma equipe que se formara com o objetivo
de uma montagem teatral, com todas as preocupações
de produção, teatro, bilheteria... Um encontro
entre Biodanza e o teatro em sua forma mais
“convencional.”
“Es verdad que no todos los lugares son los más propícios
para entrar en lo eterno, pero quien es guiado por el
Princípio Biocêntrico tiene la llave que abre todas las
puertas.”
Rolando Toro
Quando se propõe a deixar o ninho grupal
para levar Biodanza a lugares outros, junto a
pessoas que desconhecem o sistema, e em situações
onde é necessário dialogar com outras propostas de
30
trabalho, as chances de encontrar as condições
propícias são pequenas.
Para ilustrar, reproduz-se, uma parte do
“diário de campo” da autora, escrito após o
primeiro encontro com o grupo da peça Interseção,
que constitui o Anexo B.
Chega-se à conclusão de que se precisa
realizar alguns ajustes, renegociar alguns
limites. Sabe-se que em um grupo regular de
Biodanza, todos estão envolvidos no processo,
participando; no caso deste ensaio teatral,
diretor e produtor manifestaram desejo de assistir
a uma sessão. Tendo em vista a especificidade do
trabalho, concordou-se. Ao término do encontro,
contudo, ambos integraram-se à roda final.
3.3- NOVOS RITOS – Mecanismos de Ação
“Vem cá ! Deixa-me coroar a tua fronte
com estes ramos frescos de hera verdejante !
Vem homenagear conosco o novo deus!”
Eurípedes. As Bacantes
Dada a proposta da peça e a limitação de
tempo _ 8 encontros _ determinamos como eixo do
trabalho o erotismo, o puro prazer, a questão do
desejo, a capacidade de se desmanchar. Para tanto,
planejamos trabalhar a capacidade de sentir, do
desmanchar-se, da capacidade fusional, orgiástica.
Entraria aí o entusiasmo de Dionísio, o desmedido,
a orgia promovendo integração sensual. A cada
encontro, trabalharíamos um sentido.
O primeiro encontro, relatado acima, teve
como objetivo a apresentação do trabalho. A partir
do segundo encontro, apenas os três atores
31
participavam da vivência. Éramos observados pelo
diretor.
Os temas dos demais encontros foram:
Visão –exercício-chave: Dançar para o outro.
Tato _ exercício-chave: Acariciamento
Olfato e paladar _ exercício-chave: Sentir o odor
e o paladar da pele do outro
Audição _ exercício-chave: Ouvir os sons do outro
(respiração, coração, vísceras).
Uma vez que a visão é considerada “o”
sentido em uma produção teatral, é uma das
vivências mais propensas ao estereótipo. Os dois
atores bailarinos ao utilizarem suas respectivas
técnicas _ Flamenco e Dança Contemporânea _ no
momento de dançarem para o grupo, apresentaram
movimentos bastante estereotipados.
Em contrapartida, a vivência do
olfato/paladar remeteu a autora a um ritual
antropofágico, com o sujeito/objeto de prazer
sendo devorado eroticamente/sensivelmente pelos
demais. O ato de “devorar” a carne crua e pulsante
da oferenda sacrificial, que consente
prazeirosamente em ser devorada pode ser
acompanhado em quase todas as religiões antigas26
.
A comunhão com o deus se dá no banquete
ritualizado, um torna-se alimento para o grupo; a
oferta, a doação de si, mantém a
unidade/solidariedade/vida do grupo. Naquele
momento, tocamos o dionisíaco.
Além disso, um encontro foi dedicado ao
trabalho com a Serpente, permitindo, assim, a
vivência do deslizar, aproximar, enrodilhar,
envolver e enroscar.
26
E atualmente, também, ainda que de maneira simbólica: “Tomai e comei, esse é o meu corpo...”, é dito
pelo sacerdote católico no ponto máximo da míssa, consagrando a hóstia.
32
Trabalhou-se, também, no sentido de
desenvolver entrega e confiança uma vez que, em
cena estariam entregues uns aos outros.
Colocou-se como fundamental a experiência
em um grupo regular de Biodanza, disponibilizando
o Biodanzarte. Além da atriz, que já integrava o
grupo regular, mais um ator passou a frequentar o
mesmo.
3.4- UM DEUS EM MOVIMENTO – Para não concluir...
“Queiram os céus que toda a nossa vida
transcorra em comunhão com a beleza,
e dia e noite (...)
adoremos os deuses, desprezando
as práticas contrárias à justiça !”
Eurípedes. As Bacantes
Até o quarto encontro, os ensaios
mantiveram-se em local e horário local combinado.
O quinto encontro foi realizado no Teatro
Gláucio Gill, uma hora antes de se começar o grupo
regular. Os ensaios haviam sido transferidos para
outro espaço, em horário que se estava
impossibilitada de participar.
Denizis compareceu ao sexto encontro.
A produção entrou, então, na reta final.
Frente às “sérias questões” do Deus Mercado,
Dionísio era dispensado...
Foi comunicado que frente às necessidades
da produção, os encontros restantes não seriam
realizados, que a participação havia sido muito
útil para a montagem, mas...
Esta autora ficou bastante frustrada;
primeiro pela mudança de horário, que a
33
impossibilitou continuar; segundo, pela “dispensa”
velada do trabalho.
Hoje, com o distanciamento, percebe-se que
o trabalho com o grupo havia contagiado os atores
mas, para o diretor, que já possuía uma idéia pré-
concebida quanto aos caminhos que a peça deveria
seguir, um trabalho vivencial seria um trabalho
supérfulo.
Entretanto,, não se obteve documentos
fotográficos ou avaliações por escrito de atores e
diretor. Assim, não foi possível aprofundar mais
em opiniões, sem que apresentasse aqui as dos
demais envolvidos.
Embora, aparentemente, não tenha sido uma
experiência que possa rotular como bem sucedida;
foi, com certeza, a mais desafiadora; é a que mais
forneceu instrumentos de repensar o trabalho no
qual esta autora continua apostando.
34
4- CONSIDERAÇÕES E SUGESTÕES
“Em muitas regiões distantes
organizei meus coros, implantei meus ritos,
para manifestar-me aos homens como um deus.”
Eurípedes. As Bacantes
Existe hoje, em teatro, uma retomada da
integração com o público, algumas produções,
buscando maior interatividade, envolvendo a
platéia, estão saindo da forma “italiana” do
palco, buscando maior participação, atuando em
meio à assistência. Lembrando também dos herdeiros
da tradição itinerante de Dionísio _ o Teatro de
Rua, onde a comunhão atores/assistência é vital
para sua realização.
Contudo, o jogo entre caos e forma; ou
entre Dionísio e Apolo, para os antigos gregos; ou
entre o indiferenciado e a consciência para nós,
no sistema Biodanza, vai além da produção
considerada artística, em nossa cultura; significa
a Arte da Vida, patrimônio de qualquer vivente.
Como facilitador@s de um sistema que busca
a integração com nossas funções originárias de
vida, é desajável que estarmos atent@s aos dois
princípios, honrando aos dois deuses.
É grande nossa responsabilidade, uma vez
que em nosso ofício facilitamos o contato com as
pulsões vitais (dionisíacas), fazendo-as aflorar
através do movimento. Creio que devemos honrar
também Apolo, através da progressividade, da justa
medida, pois trabalhamos com uma cultura que
35
perdeu a confiança na auto-regulação dos
instintos, que os acha desorganizados.
Tirar Dionísio das sombras, honrar ao
desmedido, ao vital, ao não controlável por
qualquer dogma_ não como seres do passado,
tentando um retorno impossível às orgias gregas,
mas como mulheres e homens do século XXI _ é uma
das grandes contribuições do Sistema Biodanza para
um século que se iniciou de maneira tão conturbada
para a humanidade.
Que o fio de Ariadne, macio e consistente,
possa ser tecido em todos os grupos regulares,
para que possamos contribuir cada vez mais na arte
da Vida.
36
BIBLIOGRAFIA:
ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo, Lisboa: Edições
Minotauro, s/d.
BOAL, Augusto. O Teatro do Oprimido e outras poéticas
Políticas. Rio de Janeiro: Editora
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Editora Cultrix.
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Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
_______________. Teatro Grego- origem e evolução.
São Paulo: Editora Ars Poética, 1992.
CHACRA, Sandra. Natureza e Sentido da Improvisação Teatral.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1991.
DANIÉLOU, Alain. Shiva e Dioniso – A Religião da Natureza e
do Eros. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 1989
EURÍPEDES . Ifigênia em Áulis; As Fenícias; As Bacantes.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1993.
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Rio de Janeiro:
Editora Nova
Fronteira, 2000
FREIRE, Isa. Oficina das Emoções- a vivência do Mito na
Biodança .Monografia apresentada à ALAB, 1994.
37
HEIDEGGER. Heráclito. São Paulo: Editora Relume Dumará, s/d
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens- O Jogo como elemento da
Cultura. São Paulo: Editora
Perspectiva,1996.
KERÉNYI, Carl. Dioniso- Imagem arquetípica da vida
indestrutível. São Paulo: Editora Odysseus,
2002.
MAFFESOLI, Michel. A Sombra de Dioniso. Rio de Janeiro:
Editora Graal, 1985
MENEGAZO, Carlos M. Magia, Mito e Psicodrama. São Paulo:
Editora Ágora, 1994.
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MINDELL, Arnold. O Corpo Onírico; o papel do corpo no
revelar do si mesmo. São Paulo: Summus
Editorial, 1989.
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e Pessimismo. São Paulo: Companhia da
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OSTROWER, Fayga. Acasos e Criação Artística. 2 ª
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tabuleiro segundo a magia e a arte
divinatória. São Paulo: Editora Mercuryo,
1992.
ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1998.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o teatro contemporâneo. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
38
TORO, Rolando. Projeto Minotauro; abordagem terapêutica do
Sistema Biodanza. Petrópolis: Editora Vozes,
1988.
_____________. Teoria da Biodanza; coletânea de textos.
Fortaleza: Editora ALAB, 1992.
TORO, Rolando. Curso de Actualizacion y Formacion de
Didactas. Chile: International Biocentric
Foundation, 1998.
WHITMONT, Edward. A busca do Símbolo; conceitos básicos de
Psicologia Analítica. São Paulo: Editora
Cultrix, 1990.
39
ANEXO A:
Modelo Teórico de Biodanza
Rolando Toro
Fonte: Toro, Curso de Actualizacion y Formacion de
Didactas. Chile, 1998
40
ANEXO B:
Interseção
(Um monólogo tragicômico)
Prólogo
E então, finalmente, a oportunidade
de trabalhar oficialmente Biodanza em
uma montagem teatral... Sentia ser
diferente do que trabalhar com o grupo
de Centro de Teatro do Oprimido, do
qual sou parceira em alguns trabalhos.
Sob as bençãos de Dionísio, Tatiana,
integrante do grupo regular que
facilito em parceria com Denizis
Trindade, foi convidada a participar do
elenco da peça Interseção: Você nunca
soube o que é desejo. Falou com o
diretor e o produtor a respeito do
trabalho de Biodanza e de como este
havia contribuído para seu desempenho
41
nos testes. O diretor mostrou-se
interessado em conhecer o trabalho e
talvez integrá-lo aos ensaios.
Ficou acertado que não haveria
remuneração em espécie. O trabalho
seria feito em troca de divulgação e de
direitos de imagem e entrevistas para a
elaboração de monografia; seria
desenvolvido em oito encontros, uma vez
por semana, no Liceu de Artes e Ofícios
do Rio de Janeiro.
Beijos... Abraços... Promessas de
amor eterno...
1 º Ato
(Cena 1: Central do Brasil _ a
verdadeira, não a imortalizada por
Fernanda Montenegro _ facilitaroras
vivenciam o instinto de luta e fuga)
Ah! Como é sublime uma roda de
Biodanza!
(sons de harpas e sinos).
Como nos põe em contato com o
prazer!
(sons de saxofone).
42
Só que, neste caso, o caminho para e
chegar a esse ninho de conforto
implicava em passar pela Central do
Brasil, interseção de trabalhadores que
chegam e partem para os subúrbios do
Rio, ponto de encontro de jovens
excluídos que lá se reúnem para cheirar
cola e promover a redistribuição ilegal
de renda, assaltando os passantes. A
Central do brasil é o tipo de local que
só o Tigre salva...
(sonoplastia caótica)
(Cena 2: Auditório do Liceu de Artes
e Ofícios)
Após a corrida na Central do Brasil,
finalmente o local de trabalho...
Chego com o coração disparando,
parte pelo susto do trajeto, parte pela
expectativa de, finalmente, poder
experimentar, fora do ninho do meu
grupo de teatro, uma proposta de
trabalho que creio ser possível.
O auditório me traz recordações do
meu trabalho em escolas: está decorado
com flores de papel crepom _ quem teve
a oportunidade de entrar em uma escola
sabe que o crepom é o substituto da
43
natureza, com ele se fabricam falsas
flores, falsa relva para a falsa vida
ensinada em nossas escolas..
Enquanto aguardo a chegada dos
atores vou rememorando minha chegada a
um grupo de Biodanza, em 1989. Enquanto
escrevo esse texto, mais imagens me
ocorrem... Uma greve de meses dos
professores das escolas municipais do
Rio de Janeiro... Eu fazendo parte do
comando de greve das escolas do bairro
onde moro... Entrando em processo
alérgico, com a pele coberta por placas
vermelhas e uma intensa queda de
cabelos... Fazendo Yoga para tentar
controlar uma raiva que não sabia de
onde vinha e decidindo fazer Biodanza _
que não sabia o que era _ para relaxar;
afinal, pensava, uma “dancinha” não
faria o menor mal.
No palco, as lembranças de um grande
salto: a primeira oficina de teatro que
participei, em 1992. Naquele espaço de
papel crepom e palco, me vejo...
Coração disparando, cumprimento o
diretor, espero a chegada de um
ator...Finalmente todos ali, preparamos
o som, ligamos na tomada e...
Não funcionou !
44
Um defeito na tomada impedia que a
aula fosse dada no auditório. São
Rolando Toro, derramai suas bençãos
sobre mim ! Ajudai-me nessa hora de
aflição !
Após longos instantes, finalmente
encontramos uma sala que estivesse
livre e que possuía aparelho de som.
Fomos para lá...
2 º Ato
Cena Única
( Cenário: ao fundo, um espelho
ocupando toda a parede da sala. Ao
centro, em destaque, uma passarela em
“T” , revestida de carpete vermelho,
impávida. Na parede oposta ao espelho,
um aparelho de som cravejado de botões
e ao lado, atrás de uma mesa de design
moderno e tampo de cristal, um homem
impecavelmente vestido, com pose do
“Pensador”, de Rodin, nos aguardava...
Foi apresentado como um dos produtores
da peça e, no Liceu, chefiava o
Departamento de Moda. )
45
Iniciei, como não poderia deixar de
ser, com uma roda, solicitando a todos
que fechassem os olhos. Meu principal
objetivo, naquele momento, era tentar
fazer com que meu coração voltasse para
seu devido lugar na caixa toráxica e
pensar em uma solução para o caminhar
com aquela passarela vermelha, alta, no
meio da sala.
Fecho os olhos... Respiro... Conecto
comigo mesma, com o grupo que está ali
e, principalmente com a Vida, que
acredito deva ser o ponto de partida e
de chegada para qualquer manifestação
artística...
Começo, então, a falar do porque
iniciar o trabalho com uma roda, com a
lembrança dos antigos rituais; lembro
das origens rituais do teatro e que, ao
optarmos por ele, estávamos optando por
uma forma de honrar aos deuses. A
medida que vou falando e percebendo o
brilho nos olhos dos atores, sinto
renovar meu entusiasmo. Não me
importava mais a passarela, nem o estar
sendo observada pelo diretor e pelo
produtor da peça... Havia atingido
aquele estágio e fluidez alerta, que
faz com que estejamos totalmente no
aqui / agora, no qual quem quer que
esteja presente é a pessoa certa; seja
46
quando for que comece é o tempo certo;
o que quer que aconteça, é a única
coisa que poderia Ter acontecido e,
quando acaba, acaba...
Logo começamos um caminhar por toda
a sala, inclusive subindo e descendo a
passarela vermelha; “Hello, Goodbye !”
vamos cantando...
Fim do encontro, trabalho aprovado,
exaustão gostosa...
Valeu !
47

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A Orgia e o Jogo | Por Eliane Nunes

  • 1. 1 SUMÁRIO Páginas 1- INTRODUÇÃO: 1.1- APRESENTAÇÃO.................................. 2 1.2- OBJETIVO ..................................... 3 1.3- DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ........................ 3 1.4- RELEVÂNCIA ................................... 3 1.5- DEFINIÇÃO DE TERMOS .......................... 4 2- REFERENCIAL TEÓRICO: 2.1- O JOGO E O MÉTODO ............................ 6 2.2- A ORGIA. DIONÍSIO: SEMENTE DO TEATRO E DA BIODANZA .... 10 2.3- DAS CARAS E DAS MÁSCARAS...................... 16 2.4- A ORGIA E O JOGO ............................. 21 3- METODOLOGIA: 3.1- À PROCURA DO DEUS ESQUECIDO- O interesse pelo tema......................... 27 3.2- DIONÍSIO NA POLIS- O encontro com o grupo........................ 29 3.3- NOVOS RITOS- Mecanismos de Ação ........................... 30 3.4- UM DEUS EM MOVIMENTO- Para não concluir ............................ 32 4- CONSIDERAÇÕES E SUGESTÕES ..................... 34 5- BIBLIOGRAFIA .................................. 36 ANEXOS ANEXO A- MODELO TEÓRICO .......................... 39 ANEXO B- INTERSEÇÃO .............................. 40
  • 2. 2 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO 1.1- APRESENTAÇÃO: O presente trabalho é fruto de um movimento para estabelecer diálogo entre duas paixões na vida da autora: Biodanza e Teatro. A vivência como Facilitadora de Biodanza concomitante à de integrante do Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro, possibilitou_ embora reconhecendo as especificidades inerentes a cada sistema_ a experiência do encontro entre as duas práticas. Grande parte da pesquisa de campo foi realizada em parceria com a Facilitadora Denizis Trindade, querida companheira dos tempos de formação, e cúmplice, durante dois intensos anos, na dor e delícia de facilitar um grupo regular de Biodanza. A sistematização de dados e redação do trabalho contou com a orientação do Facilitador Didata Antônio Sarpe, cuja competência profissional e vitalidade intelectual, somadas à prática democrática do diálogo , tornaram ainda mais prazeiroso e visceral o exercício de reflexão.
  • 3. 3 1.2- OBJETIVO: Registrar a origem comum entre a Biodanza e o Teatro, potencializando o jogo entre os aspectos apolíneo e dionisíaco, presentes nos dois sistemas, como forma de resgatar a expressão integrada do Ser Humano. 1.3- DELIMITAÇÃO DO ESTUDO: O objetivo deste trabalho é registrar aproximações, vários caminhos possíveis que levam ao encontro entre a genialidade do sistema criado por Rolando Toro e a teatralidade, prática tão antiga quanto a humanidade. 1.4- RELEVÂNCIA: O presente trabalho apresenta-se como um dos milhares fios com os quais se tecem redes de diálogo em favor de uma cultura biocêntrica.
  • 4. 4 1.5- DEFINIÇÃO DE TERMOS: Arquétipos – Formas instintivas de imaginar. Depósitos das impressões deixadas por vivências comuns a todos os seres humanos. Matrizes arcaicas, onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma. Catarse – Purgação, purificação. Liberação de pensamentos, idéias que estavam reprimidos no inconsciente, seguindo-se de alívio emocional. Ditirambo – Canto coral, acompanhado ou não de coreografia, realizado na Grécia Antiga em honra ao deus Dionísio. Gnosis – Conhecimento esotérico da divindade. Komos – Procissões festivas, realizadas na Grécia Antiga, em honre ao deus Dionísio. Médium – Pessoa através da qual algo se realiza ou é mostrado. Mimetismo – Propriedade de fundir-se pela forma ou pela cor com o meio ambiente ou com indivíduos de qualquer espécie. Nume – Intensa energia vinda do inconsciente; podendo ser personificada por divindades mitológicas. Palco Italiano – Palco com estrutura tipo „caixa‟, com laterais e fundo fechados, oferecendo apenas o ângulo frontal à visão da platéia. Persona – Termo latino, referido às máscaras teatrais da Antiguidade; recebiam tal denominação por possuírem, em seu interior, uma forma que ampliava a voz. Per sonare = para soar.
  • 5. 5 Polis - nome dado às cidades-estado gregas; o apogeu da organização em cidades autônomas, na Grécia antiga, deu-se no século V aC. Protagonista – Personagem principal de uma ação teatral. Foco para o qual converge toda a ação. Tragédia – Do Grego Antigo – tragos oidia = canto do bode. Peça teatral, originariamente em versos, e que termina, em regra, por acontecimentos fatais.
  • 6. 6 CAPÍTULO 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1- O JOGO E O MÉTODO “A vontade de um deus tem muitas formas e muitas vezes ele surpreende-nos na realização de seus desígnios. Não acontece o que era de esperar E vemos no momento culminante O inesperado.” Eurípedes, As Bacantes O único fator constante na Vida é o movimento. Nossa espécie está sujeita a uma multiplicidade espantosa de forças e energias. Desde os campos gravitacionais, magnéticos e elétricos aos campos mais sutis como o comportamento humano ou sistema de crenças. A percepção que a vida transcende o mundo imediato, aparente, e que é possível ultrapassar os limites do corpo e do tempo, pode ser captada nos diversos registros deixados pela humanidade. Inúmeros métodos foram desenvolvidos, ao longo dos séculos, para a compreensão ou, até mesmo, para o controle desse movimento vital; a Ciência é um deles. Entretanto, por mais que a comunidade científica tenha buscado ultrapassar a visão teocêntrica, segundo a qual conhecer o deus _ a Teologia _ permitiria o conhecimento do mundo criado por este, substituindo-o por conhecimento
  • 7. 7 que se pretende sagrado por si _ a Teoria, ainda assim, a enorme complexidade da Vida escapa à análise definitiva. A Natureza joga ... Mário Novello1 , físico, conclui que a Natureza (a physis) ama jogar com o cientista. À cada teoria proposta, a Natureza joga outras vertentes. A percepção do aspecto lúdico na relação Vida e Conhecimento já se encontra em Heráclito de Éfeso: “A Natureza ama esconder-se”.2 Heidegger considera Heráclito o filósofo do jogo; “O pensamento de Heráclito sempre se determina pela proximidade do jogo, revelando-se na forma do pensamento a-se-pensar.”3 Essa qualidade lúdica da Natureza, revelando-se/ocultando-se, convida-nos a ir “além do caminho” (meta hodos) já trilhado, pondo-nos em constante movimento. Johan Huizinga observa que as sociedades primitivas celebram seus ritos sagrados, seus sacrifícios, consagrações, destinados a assegurarem a tranquilidade do mundo, dentro de um espírito de puro jogo.4 As grandes atividades arquetípicas da humanidade, desde o início, são marcadas pelo lúdico. O ritual é um espetáculo, uma representação dramática, uma figuração imaginária de uma realidade desejada: “a humanidade „joga‟, 1 Em entrevista concedida a Jô Soares, no dia 20/08/2003, na Rede Globo de Televisão. 2 Heráclito de Éfeso in BORNHEIM, Gerd (org), Os Filósofos Pré-Socráticos São Paulo: Ed. Cultrix, p.43 3 HIDEGGER, Heráclito São Paulo: Editora Relume Dumará. 4 HUIZINGA, Johan, Homo Ludens – o jogo como elemnto da cultura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1996
  • 8. 8 representa a ordem da natureza tal como ela está impressa em sua consciência”.5 A existência in ludere (no jogo) é fato mais antigo que a cultura e transcende, mesmo, a esfera da vida humana. É categoria primária da vida, identificável desde o próprio nível animal. “Bastará que se observe cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano. Convidam-se uns aos outros para brincar mediante um certo ritual de atitudes e gestos. Respeitam a regra que os proíbe morderem, ou pelo menos com violência, a orelha do próximo. Fingem ficar zangados e, o que é mais importante, experimentam grande prazer de divertimento.6 No jogo, existe “algo” que transcende as necessidades imediatas da vida e implica a presença de um elemento não material. Contribui para a prosperidade do grupo social, mas de modo diferente da aquisição de elementos de subsistência. Situa-se fora dos mecanismos de satisfação imediata das necessidades e dos desejos, interrompendo, mesmo, esses mecanismos. Ornamenta a vida, ampliando-a. Segundo Huizinga, o jogo é uma atividade voluntária, jogado até o fim dentro de certos limites de tempo e de espaço. Todo jogo se processa e existe no interior de um campo previamente delimitado, de maneira material ou imaginária, deliberada ou espontânea. Não há, segundo o autor, diferença formal entre o jogo e o culto. 5 Léo Frobenius, citado por Huizinga, op.cit. p.20 6 HUIZINGA,J. Op.cit. p4
  • 9. 9 “A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc, todos têm a forma e a função de terrenos de jogos, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade especial.”7 No jogo se verificam as características de: ordem, tensão, movimento, mudança, solenidade, ritmo, entusiasmo. Em suas formas mais complexas, na concepção de Huizinga, o jogo está saturado de ritmo e harmonia, considerados pelo autor como “os mais nobres dons da percepção estética de que o homem dispõe”. A importância do jogo como algo sagrado, germe de intuição cósmica e de desenvolvimento social, indispensável ao bem estar da comunidade está presente, também, no sistema Biodanza, sendo considerado por Rolando Toro como uma das vias de acesso ao Inconsciente Vital.8 Como método de aproximação entre o Teatro (termo de origem grega que significa lugar onde se vê como os deuses vêem )e a Biodanza (Dança da Vida ), creio ser adequado o jogo entre dois deuses _ Dionísio e Apolo. A forma apolínea necessita estar nutrida pela força dionisíaca e, em contrapartida, o dionisíaco precisa do apolíneo para expressar-se. É a vitalidade dionisíaca em harmonia com a forma apolínea que se nutre a arte. 7 HUIZINGA, op.cit p13 8 TORO, Rolando- Definicion y Princípio Biocêntrico in Curso de Actualizacion y Formacion de Didactas, Internacional Biocentric Foudation, Chile , 1998
  • 10. 10 É no jogo pulsante entre o desmedido e medida, entre a fusão orgiástica e a consciência, que as formas teatrais permitem um aproximação com “o lugar onde se vê com a visão dos deuses”. Esse mesmo jogo pulsante encontra-se no sistema Biodanza; não para ver, mas para sentir, dançar o que os deuses dançam... Em todo jogo há uma forma, em constante mutação, que funciona como continente para a energia. Em teatro essa forma apresenta-se como drama e personagens; em Biodanza essa forma apresenta-se nos movimentos que se revelam mediante uma mergulho no Inconsciente Vital. 2.2- A ORGIA DIONÍSIO: SEMENTE DO TEATRO E DA BIODANZA “Leva-nos para lá, deus poderoso, Diôniso, Diôniso, Evoé, guia seguro para as Bacanais ! (...) Nosso desejo é adotar também a fé que a maioria das pessoas mais simples recebeu e põe em prática.” Eurípedes. As Bacantes Foi na Grécia que o teatro, como hoje conhecemos no Ocidente, assume sua feição definitiva. O teatro grego teve raízes profundamente religiosas _ os ritos dionisíacos. Os mesmos ritos, séculos depois, inspiraram Rolando Toro na criação do sistema Biodanza. Uma aproximação entre Biodanza e teatro passa por um encontro com a origem comum aos dois: Dionísio e seus ritos. Dionísio é um deus que está sempre em movimento, penetra em todos os lugares, terras, povos e meios religiosos, associando-se a
  • 11. 11 divindades diversas e até mesmo antagônicas. Surge repentinamente para desaparecer em seguida de maneira misteriosa. Tais manifestações e desaparecimentos refletem o ciclo contínuo da vida, colocando-o entre os deuses da vegetação. Suas festas mais populares inscrevem-se no calendário agrícola, estando relacionadas com a totalidade da vida _ água, sementes, sangue ou esperma. Segundo um mito Tebano, Dionísio é filho de Zeus e de uma princesa, Sêmele, filha de Cadmo, rei de Tebas. Devido às constantes infidelidades de Zeus, Hera, sua esposa, prepara uma armadilha para sua rival Sêmele e, disfarçada de ama, sugere a esta que peça a Zeus que se mostre em toda a sua plenitude celeste. A imprudência custa a vida de Sêmele, fulminada que é por um raio. A criança vem à luz antes do temo. Zeus, no entanto, costura-a dentro de sua coxa e, no momento certo, Dionísio nasce. Assim ele é “duas vezes nascido”. Outra visão do nascimento de Dionísio, também chamado Zagreu, o considera filho de Zeus e Perséfone, da Luz (Zeus) e do interior do Hades, da escuridão (Perséfone). Zagreu nasce e é colocado no monte Ida sob os cuidados dos sátiros e coribantes. Hera manda que os Titãs despedacem Zagreu e este quando perseguido se transforma em bode que é pego, despedaçado e comido pelos Titãs. Atena (a sabedoria, filha de Zeus) retira o coração da criança e leva a Zeus, que com ele irá fecundar Sêmele. Nascido o filho, Zeus confiou-o aos cuidados de Sátiros e Ninfas. Em sombria gruta, cercada de exuberante vegetação, Dionísio um dia colheu cachos de uvas e espremeu-lhes as frutinhas em taças de ouro e bebeu o suco em companhia de sua corte. Nascia, então, o vinho. Bebendo-o repetidas vezes, Dionísio e seu séquito de Ninfas e Sátiros começaram a dançar vertiginosamente.
  • 12. 12 Embriagados pelo delírio báquico, todos caíram por terra semi desfalecidos. Sendo o movimento um dos atributos marcantes do deus, é inútil tentar abordá-lo sob um único aspecto. Suas múltiplas faces ecoam na multiplicidade de personagens teatrais. Através de registros da literatura, artes e fragmentos de registros de culto, Dionísio era identificado como deus do vinho e de suas maravilhas, aquele que concedeu a vinha a humanidade, ensinando-lhe o fabrico do vinho; deus da natureza selvagem, particularmente associado ao crescimento luxuriante da vegetação e a alguns animais selvagens _ leão, serpente, touro, cultuado em procissões solenes em que se escoltava um falo, assinalando o poder do deus sobre a sexualidade e fertilidade; deus da possessão extática, caracterizada pelo comportamento das mênades _ mulheres seguidoras do culto; deus da dança, em companhia de sátiros, ninfas ou mênades; deus do mascaramento e do disfarce, geralmente representado em vasos por máscara como objeto de culto; deus da iniciação mística, oferecendo a seus seguidores a possibilidade de bençãos pela eternidade. O culto a Dionísio surge na Grécia, possivelmente durante os séculos VII e VI a.C. Considerado um deus estrangeiro por ser cultuado na Trácia e na Frígia, expandindo-se para o restante da Grécia, tomando inclusive outros nomes, como o de Bákheios . Segundo Junito Brandão, na Grécia, todas as correntes religiosas confluem para uma bacia comum: a gnôsis__ sede de conhecimento contemplativo e a Kátharsis _ purificação da vontade para receber o divino, tocando, com isso, a imortalidade.
  • 13. 13 Esse religare catártico, preconizado por mitos naturalistas de divindades da vegetação, contemplava o pulsar de morte e ressurreição. Tais divindades, principalmente Dionísio, eram essencialmente populares, chocavam-se com a religião oficial e aristocrática da Polis grega, cujos deuses olímpicos estavam sempre atentos a qualquer desmedida. Integrados em Dionísio, homens e mulheres se libertavam de certos condicionamentos e de ordem ética, política e social. Os devotos de Dionísio, após dança vertiginosa, embriagados, à luz dos archotes ao som dos címbalos, caíam desfalecidos. Nesse estado acreditavam sair de si pelo processo do ékstasis _ êxtase. Sair da condição humana implicava em um mergulho em Dionísio e este no seu adorador pelo processo do entheosiasmos _ entusiasmo. A aceitação do culto dionisíaco não foi nada fácil, pois a experiência religiosa que suscitava punha em risco todo um estilo de vida e um universo de valores olímpicos. Seu culto tornava a religião menos hierarquizada, mais próxima do comum das pessoas e também mais festiva e alegre. Por ocasião da vindima, celebrava-se a cada ano, em Atenas e por toda a Ática a festa do vinho novo, em que os participantes disfarçavam-se em sátiros e se embriagavam e começavam a cantar e dançar. Os sátiros eram concebidos pela imaginação popular como homens-bodes. Teria nascido assim o vocábulo tragédia (tragoídia = “tragos”, bode + “oidé”, canto).9 As primeiras representações trágicas, por volta do século VI a.C., desenvolveram-se na época das festas mais importantes do deus, as Grandes 9 BRANDÃO, Junito de Souza Teatro Grego- Tragédia e Comédia , Rio de Janeiro : Ed.. Vozes, 1984
  • 14. 14 Dionísias Urbanas, celebradas no começo da primavera, na encosta da Acrópole, marcando a abertura dos barris de vinho,. Eram chamadas urbanas para distinguí-las das Dionísias ditas rústicas, cujos cortejos alegres, coros, torneios de dança e canto animavam as aldeias e os vilarejos dos campos áticos, no meio do inverno, marcando o fim do trabalho anual nas lavouras. Ao contrário das Dionísias rústicas, as Dionísia Urbanas passam pelo crivo da medida da Pólis, seguiam um roteiro pré-determinado: iniciava-se com uma procissão escoltando uma antiga imagem de Dionísio ao longo da estrada que conduzia à cidade de Eleutíria; num segundo momento do festival, regressava ao altar do deus em Atenas, onde um bode era sacrificado. Nesse trajeto, um bando de foliões, denominado Kômos (daí o termo “comédia”) carregava um falo de grandes proporções e cantava canções para Dionísio. Já no momento do sacrifício do bode, o ritual tomava um caráter mais solene e reflexivo. Ao som de flautas e realizando uma dança coral acompanhada de gestos e movimentos ilustrativos, os Cantos Ditirâmbicos, os participantes usavam máscaras simbolizando a transformação e a perda da identidade. A partir do desenvolvimento do gênero teatral, com o fortalecimento de poder da Pólis , as Dionísias Urbanas passaram a ser mais regulamentadas, passando a durar seis dias, sendo que nos dois últimos aconteciam os concursos trágicos. Neles, cada autor apresentava três tragédias e um drama satírico. Presentes, os elementos fundamentais do drama grego, tanto na tragédia quanto na comédia – o coro e os atores. Com o passar do tempo a função do coro se enfraquece, ao passo em que cresce a importância
  • 15. 15 dos atores. Esta tendência de diminuição do coro faz com que este se reduza dos seus cinquenta componentes originais a quinze ou doze e, por fim, extingue-se. Dionísio é, portanto, a essência do teatro, os diversos personagens são sua manifestação, seu jogo. No canto ditirâmbico _origem do teatro ocidental _ o entusiasmo ( ser tomado pelo deus) era atingido mediante transes rítmicos. Os ritos eram realizados fora da Polis, pois esta era o lugar da medida. Era um canto coletivo. Com o fortalecimento da polis e a substituição dos cantos ditirâmbicos pelas tragédias, o deus passa a se mascarar nos diversos personagens. Podemos estabelecer um paralelo entre os personagens, nos quais o deus se esconde e se revela, e o jogo da Natureza, mencionado por Heráclito.10 Existem as mais estreitas relações entre a Orgia Dionisíaca e o jogo. Ambos implicam um intervalo na vida quotidiana. Em ambos predominam o entusiasmo. Ambos são limitados no tempo e no espaço. Em ambos encontramos uma combinação de regras estritas com a mais autêntica liberdade. E, novamente valendo-me de citação de Huizinga, “o modo mais íntimo de união de ambos parece poder encontrar-se na dança”. 10 Ver capítulo 1 – O Jogo como Método
  • 16. 16 2.3- DAS CARAS E DAS MÁSCARAS “Mesmo constrangida, esta cidade terá de reconhecer a grande falta que lhe fazem minhas danças e meus mistérios.” Eurípedes. As Bacantes Mestre Caetano, o Veloso, já dizia que “Você diz a verdade e a verdade é o seu dom de mentir...” jogando com a verdade e poesia do disfarce. Rapte-me Camaleoa ! Dedos incorpóreos apontam “Mascarado (a) ! Você está teatralizando !” Dois modos de lidar com o Ser quando este se apresenta sob várias formas não usuais, longe da coerência exigida por nossa cultura de controle travestido de permissividade. Usar o termo mascarado como sinônimo de falso, significa não levar em consideração o uso sagrado das máscaras. Desde os tempos antigos, estas eram utilizadas em transes rituais, cerimônias de iniciação, festas e no teatro, mostrando energias conjuradas, aspectos do ser a serem magnificados. Jung resgata o papel informativo das máscaras utilizadas nos antigos dramas gregos em seu conceito de Persona. Para Jung, a Persona é parte do Ser. É a forma pela qual nos apresentamos ao mundo, os papéis sociais e estilo de expressão pessoal, sendo instrumento precioso de comunicação. Não é o Self, mas faz parte deste.11 Ao rotular o teatro como falso, tomamos como referencial um tipo específico de espetáculo, 11 WHITMONT, Edward C. A Busca do Símbolo, Conceitos básicos de Psicologia Analítica.. São Paulo Ed. Cultrix, 1990
  • 17. 17 produzido por cultura repleta de mandatos anti- vida. Um teatro fragmentado, onde seus profissionais, pressionados pelo mercado perderam a conexão com o sagrado, com o jogo. Perderam, justamente, a ilusão, no sentido de in ludere – no jogo ( mesma raíz da palavra lúdico e jogo, do latim jocus – alegre, travesso). O princípio da dramaturgia é a própria vida e, antes desta se constituir como realização de uma peça escrita, os seres humanos já praticavam o teatro como um jogo sagrado ou um ritual lúdico. O gesto é gerado antes da palavra. A representação dramática e a dança _ é importante ressaltar que em culturas diversas da ocidental, não existe separação entre teatro e dança_-_ são vivências tão antigas quanto a humanidade, tendo sua origem no próprio limiar das culturas. A representação sagrada, mais do que a realização de uma aparência ou uma realização simbólica, é uma realização mística. Possibilita a aproximação, dentro uma forma bela, real e sagrada, de algo que é invisível, inefável. Os partícipes desta representação estão certos de que tal ato faz surgir uma ordem de coisas mais elevada do que aquela em que vivem habitualmente. Estão certos de que o ato efetua e concretiza uma certa beatificação. As primeiras ações dramáticas da humanidade provavelmente foram miméticas. Nos ritos mágicos originais da caça, por exemplo, as ações dramáticas devem , certamente, ter-se inclinado ao domínio da presa. O caçador-mago duplicava, dramaticamente, com suas ações, o animal apetecido, pouco a pouco foi adquirindo uma grande perícia mímico-gestual nesses atos de
  • 18. 18 duplicação até conseguir encarnar e, a partir daí, propiciar religiosamente os atos profanos que, com grande habilidade, logo executaria na prática da caça. A partir das primeiras ações dramáticas, o homem ofereceu a si mesmo e compartilhou com sua comunidade um método eficaz e original que lhe permitiu começar a organizar sua realidade e tentar uma aproximação com o mistério insondável do mundo em que vivia e no qual estava não apenas situado, mas profundamente imerso.12 O sentido comunitário do teatro perde-se nas montagens realizadas em palcos italianos, afastadas da platéia. O público _ os que podem pagar _ confinado às poltronas perde o sentido de participação ritual e lúdica com os oficiantes- atores. Os dramas encenados perdem cada vez mais seu cunho arquetípico. Dentro do que hoje chamamos teatro, aparecem diferentes maneiras que as pessoas que o fazem encontram para agrupar-se e gerá-lo: pessoas podem se agrupar para gerar apenas um espetáculo; atores podem ser contratados para realizar alguma montagem; diretores podem ser contratados para realizar montagem com grupo de atores já definidos e, existe, finalmente, o conceito de companhia ou grupo estável, que pressupõe um trabalho a longo prazo.13 Os cuidados às vezes excessivos, porém compreensíveis com a produção _ cenários, figurinos, local para encenar, etc _ na maioria 12 MENEGAZO, Carlos M. Magia, Mito e representação dramática in Magia, Mito e Psicodrama.. São Paulo. Ed. Ágora, 1994 13 Esta classificação toma como base o texto de Diego Cazabat , O Teatro e seus Refúgios in http;//grupo.moitara.sites.uol.com.br/encontros/enc_perpl02b.htm
  • 19. 19 das vezes sobrepuja o sentido comunitário , a vivência do entusiasmo. A fragmentação do trabalho teatral em diretores, produtores, atores, cenógrafos e demais funções se, por um lado permitem a elaboração de formas cada vez mais sofisticadas e efeitos cada vez mais especiais, por outro lado dificultam o resgate da sacralidade do ofício teatral. Fayga Ostrower, indagando sobre o sentido da criação artística em uma sociedade voltada para o consumo, vê uma valorização concentrada apenas no produto final, desconsiderando-se, às vezes, por completo, o processo de fazer, pois apenas o produto poderia tornar-se mercadoria e ser negociado, enquanto o processo criativo não o é. Segundo a autora: “...criar é essencialmente um processo, um caminho de crescimento, de aprender, conhecer e compreender, de compreender-se e desenvolver-se, de realizar-se naquilo que cada um traz de melhor dentro de si em termos de potencial.”14 Augusto Boal, teatrólogo, descreve como uma postura cultural sufocou o sentido comunitário do teatro: “No princípio era o canto ditirâmbico: o povo cantando livre. O carnaval. A festa. Depois as classes dominantes se apropriaram do Teatro e construíram muros divisórios. Primeiro dividiram o povo, separando atores de espectadores: gente que faz e gente que observa. Terminou a festa. Segundo, entre atores, separou os 14 OSTROWER, Fayga, Prefácio de Acasos e Criação Artística Rio de Janeiro : Ed. Campus, 1999.
  • 20. 20 protagonistas das massas, começou o doutrinamento coercitivo.”15 Antonin Artaud fala de uma busca da magia, do centro caótico perdido pelo teatro na atualidade: “Nossa idéia petrificada do teatro vai ao encontro da nossa idéia petrificada de uma cultura sem sombras (...) O teatro que não está em nada mas que se serve de todas as linguagens _ gestos, sons, palavras, fogo, grito _ encontra-se exatamente no ponto em que o espírito precisa de uma linguagem para produzir suas manifestações (...) Romper a linguagem para tocar a vida é fazer ou refazer o teatro (...) Do mesmo modo, quando pronunciamos a palavra vida, deve-se entender que não se trata da vida reconhecida pelo exterior dos fatos, mas dessa espécie de centro frágil e turbulento que as formas não alcançam.16 É de Nietzche uma das mais pungentes citações, que podemos aplicar em grande parte das produções artísticas, de um modo geral, e ao teatro, em particular: “E porque abandonaste Dionísio, por isso Apolo também te abandonou.” 17 Michel Maffesoli adverte que nenhuma cultura, em nenhuma época, pode abrir mão do dionisíaco sem perder sua saúde, sua força vital; ainda que pareça que Dionísio esteja morto, sua sombra está por aí.18 15 BOAL, Augusto, O Teatro do Oprimido e outras poéticas política, Rio de janeiro : Ed. Civilização Brasileira p.135 16 ARTAUD, Antonin, O Teatro e seu Duplo, Lisboa: Edições Minotauro , s/d pags 6/7 17 NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo São Paulo Companhia das Letras, pág. 72 18 MAFFESOLI, Michel, A Sombra de Dionísio. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1985.
  • 21. 21 O contato com o que Artaud considera centro turbulento, que as formas não alcançam é, em minha opinião, a grande contribuição da Biodanza para a expressão teatral. Não como busca de uma “verdade” em oposição à falsidade do “como se”, mas para que o contato com a orgia, com o indiferenciado, propicie a vivência arquetípica, expressando-a em formas plenas de significado. 2.4- A ORGIA E O JOGO “Não temos pretensões quanto ao conhecimento de tudo que é divino. Nenhum pensamento afetará as tradições que recebemos de nossos ancestrais, antigas como o tempo e resistentes aos sutis raciocínios dos cérebros sofísticos.” Eurípedes. As Bacantes Nossa cultura, cada vez mais perde sua organização instintiva, seu poder criativo visceral. A Biodanza, por postular a auto- regulação dos instintos _ tendo uma relação lúdica com a Natureza _ entra em contato com as pulsões, fazendo-as aflorar, através do movimento, integrando-as. Esse trânsito entre a pulsão e a forma poderia ser considerado como o jogo dos deuses Dionísio e Apolo. Embora saibamos que a poesia do encontro e a sacralidade do momento vivido, que é a Biodanza, não possa ser captada em palavras, cumpre apresentar sua definição como “um sistema de integração afetiva, renovação orgânica e reaprendizagem das funções originais de vida, baseada em vivências
  • 22. 22 induzidas pela dança, o canto e situações de encontro em grupo.”19 O Princípio Biocêntrico, este novo paradigma e, no entanto, tão antigo quanto nossos instintos saudáveis, inspirado na vivência de um universo organizado em função da Vida, restabelece o sagrado em todas as manifestações vitais _ incluindo, aí, o teatro _ é uma proposta transgressora dos valores da cultura contemporânea, consumista, totalitária. Rolando Toro considera a criatividade integrante da transformação cósmica, sendo a criação de uma obra o expressivo resultado do ato de viver e propõe, através da Biodanza a expressão dos impulsos naturais criativos. A vida é superabundância, é riqueza gratuita, luxo e luxúria. Essa riqueza, essa abundância de potenciais profundos existem em todas as pessoas: o artista seria aquele que tem a coragem de expressar suas potencialidades. Um dos grandes desafios em se trabalhar Biodanza com grupos teatrais, é trabalhar a criatividade como patrimônio de qualquer vivente, junto a pessoas que, em uma sociedade fragmentada, são reconhecidos como depositários dessa criatividade. É diluir uma auto-imagem estereotipada, que inibe o vivenciar; é diluir, muitas vezes, relações hierarquizadas. Dentro do modelo teórico da Biodanza, apresentado no Anexo A, vemos que o impulso criador é inato. O próprio ato de viver já seria uma criação de um mundo. O ato criativo se produz como uma pulsação entre os dois pólos do modelo: a identidade _ consciência, percepção seletiva, coordenação viso-motora ( que seria o estilo) e a regressão ao primordial _ estados de transe e semi-transe. O desenvolvimento do potencial 19 TORO, Rolando , Definição e Princípio Biocêntrico, in Curso de Actualizacion y Formacion de Didactas, Chile: International Biocentric Foundation, 1998
  • 23. 23 criativo através da existência (ontogênesis) se articula com os ecofatores que estimulam ou inibem o potencial criativo, sendo o processo criativo uma sequência de atos integrativos que dão força, expressividade e riqueza formal às obras. Ainda segundo Toro, o conceito elitista que separa os criadores das pessoas comuns, não representa senão um dos tantos prejuízos culturais que, no fundo, reforçam a trágica dissociação do homem e sua obra. Essa dissociação, em minha opinião, é a mesma que vigora, atualmente, entre palco/platéia, produtor/dramaturgo/elenco etc. O grande abismo entre o formal e o vivencial é o que dá hoje, às nossas produções teatrais “formais”, o sabor artificial, estéril. Comparando as linguagens artísticas ocidentais com a expressão estética de alguns povos africanos do Congo e Costa do Marfim, Toro observa que nestas, o resultado surge de profundas vivências interiores de êxtase, confronto com a morte, do parto e a maternidade, o terror, o erotismo, do mistério religioso, da identificação com os animais. A abordagem da Biodanza frente à criatividade é vivencial e não formalista. A obra surge de vivências induzidas pela música, a dança, o contato, o erotismo e a experiência do maravilhoso. A vivência, definida por Toro como o instante vivido, enraizada nas sensações biológicas dos sistemas viventes, resgata a memória filogenética da humanidade, podendo ser evocada, mas não dirigida pela vontade. Isa Freire, dissertando sobre o Mito como Vivência, nos mostra que a vivência “emerge no instante em que se está vivendo com todo o poder do numes, do sagrado, dotando aquele momento de um
  • 24. 24 poderoso significado pessoal – o coletivo se encarna no indivíduo.”20 No Projeto Minotauro _uma das extensões mais importantes em Biodanza, inspirada nos ritos iniciáticos dos povos da Grécia Arcaica _ as cerimônias de iniciação, através de desafios, propiciam a vivência da entrada nos infernos, o mundo do caos, do labirinto, entrando em contato com o abismal e o retorno vitorioso. Induzem uma mudança radical na visão do mundo e da vida. Constituem um renascimento. Rolando Toro coloca que “o mundo, no plano arquetípico, se apresenta como um gigantesco teatro onírico, onde se desenvolve a dramática luta entre os heróis e monstros do inconsciente coletivo.”21 Aquele que está realizando o desafio é um médium para a vivência de cada participante do projeto, sendo o protagonista do momento. O grupo é co-participante, incentivando, dando continente, recebendo-o, comungando sua vivência. A presença do dionisíaco é marcante no Projeto Minotauro, pois há, no momento do desafio, o pulsar no sombrio, no caos, e há o retorno para a luz, para o continente grupal, para uma nova forma. É um “desaprender padrões culturais anti- vida e restaurar as fontes primordiais de organização”.22 O ator, em seu ofício, é um médium dos arquétipos do inconsciente coletivo e, ao mergulhar no primordial da espécie, emerge em uma forma que tenha ressonância com a assistência: o drama, a personagem. Promove, assim, a comunhão da 20 FREIRE, Isa, Oficina das emoções – A vivência do Mito na Biodança , monografia apresentada no 3 º Encontro da Regional II, para a obtenção do grau de Facilitadora titular pela ALAB 1994 21 TORO,R. citado por FREIRE, Isa. Op.cit. p.8 22 TORO, Rolando. Projeto Minotauro; abordagem terapêutica do Sistema Biodança . Petrópolis, Ed. Vozes, 1988.
  • 25. 25 platéia com a Vida, em sua sombra e sua luminosidade. O Projeto Minotauro, radicalização da proposta da poética do instinto, confronta o pavor do homem comum de retomar sua origem animal _ medo do caos primordial. Nos antigos cultos dionisíacos, a origem animal de nossa espécie estava personificada nos sátiros( metade homens, metade bodes). O ponto de partida para a expressão existencial da humanidade está, portanto, no potencial genético do indivíduo, em sua afetiva vinculação, consigo, com sua espécie e com o Cosmo. “Mobilizando esses potenciais de energia disponíveis no sistema vivente humano, as vivências podem resgatar, de forma apropriada e integradora, metáforas cujos símbolos se (re)produzem nos mitos e movimentos rituais de todos os povos”.23 É essa regressão ao potencial genético, esse trânsito ao primordial, onde a vida se organiza, à esse Inconsciente Vital, anterior à qualquer arquétipo, que possibilita a renovação da vida e a expressão coerente com a origem. A vivência, dentro do sistema Biodanza, trabalha com esse inconsciente vital, que se nutre da memória cósmica e organiza a matéria. A comunicação entre os três níveis do inconsciente: Pessoal, Coletivo e Vital, se dá através de “umbrais dissipativos”. Entre o Inconsciente Pessoal e o Inconsciente Coletivo se estabelecem os processos que vão do instinto ao arquétipo. Entre o Inconsciente Coletivo e o Inconsciente Vital se estabelecem os processos que vão do 23 Idem, Ibdem
  • 26. 26 arquétipo aos sistemas de integração biológica e de autorregulação.24 Podemos fazer analogia entre pulsação consciência intensificada / regressão, existente no Modelo Teórico de Biodanza, com a pulsação Apolo / Dionísio. Essa interação provoca a energia necessária à expressão da forma vital, que experimenta e transforma-se.25 24 Toro, Rolando Op. Cit. 25 FREIRE,Isa. Op.cit. Consciência__________________________Regressão/Fusão (Apolo) (Dionísio) Volta abastecida em uma nova forma Consciência se dilui e... (Consciência ampliada, intensificada)
  • 27. 27 CAPÍTULO 3 METODOLOGIA 3.1- À PROCURA DO DEUS ESQUECIDO – O interesse pelo tema. “De nossa parte é tempo de exaltar Diôniso, (...) Onde é conveniente dar início às danças? Em que lugar?” Eurípedes. As Bacantes A experiência pessoal da autora deste trabalho é como integrante de um grupo teatral estável _ o Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro _ onde foi possível realizar um bem sucedido encontro entre o teatro e a Biodanza. Tal encontro resultou no sketch “A Mulher antes de Eva” , baseado no mito de Lilith e apresentado na estação Carioca do metrô, por ocasião do Dia Internacional da Mulher; no encontro de Biodanza “Novas Alianças para uma Cultura de Vida”, no Rio de Janeiro e no Espaço Cultural Casa do Tá Na Rua. Esse foi o ponto de partida para pesquisar a possibilidade de aproximar movimento, música e emoção ao palco através da Biodanza, uma vez que esta autora acredita que personagens, dramas e tramas estão no inconsciente coletivo, instância onde as culturas simbolizam suas vivências biológicas. Mais tarde, já em período de estágio supervisionado, facilitando juntamente com Denizis
  • 28. 28 Trindade um grupo de Biodanza no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana_ experiência denominada Biodanzarte _ apresentou-se cenicamente uma poesia de Rolando Toro. O trabalho é apresentado aqui segundo descrição elaborada por Denizis Trindade: “O grupo é formado por atrizes, escritoras, uma programadora visual e uma musicista. Trabalhamos os passos da criatividade. Durante dois meses fechávamos as aulas criando músicas e movimentos despertados através da vivência. A musicista improvisava com seus instrumentos de percussão e sopro, tocando com ritmo, harmonia e melodia, e as outras participantes iam se deixando penetrar pela música e, dançando livremente, incorporavam a palavra poética em uma criação grupal. (...) E na elaboração criativa unimos a palavra poética e o palco, trabalhando em cima do poema “Gênesis”, de Rolando Toro, que apresentamos ao público durante o IFestival Carioca de Poesia, no Teatro Gláucio Gill.” Contudo, sentia o desejo de experimentar a união de Biodanza e teatro em outro contexto. Até então, tanto o grupo do Centro de Teatro do Oprimido quanto o grupo Biodanzarte possuíam em comum o fato de serem grupo já formado, com forte vínculo entre seus integrantes e a disponibilidade para novas experimentações. A entrada de uma proposta de Biodanza no grupo de teatro, e de uma proposta teatral em um grupo de Biodanza fluiu, nessas circunstâncias, sem maiores obstáculos.
  • 29. 29 3.2- DIONÍSIO NA PÓLIS – O encontro com o grupo “Acolhe aqui o deus recém chegado e nunca mais o esqueças em tuas libações.” Eurípedes. As Bacantes A proposta inicial de pesquisa seria formar um grupo, com o objetivo de através de vivências de Biodanza, fosse trabalhada a questão teatral _ atores, imagens cênicas, etc. Um novo e instigante desafio, contudo, se apresentou: uma atriz, integrante do Biodanzarte, havia passado nos testes para peça “Interseção, Você nunca soube o que é desejo.” E havia agendado com o diretor um encontro para que pudéssemos inserir nosso trabalho de Biodanza nos ensaios. Dionísio na Pólis ! Uma equipe que se formara com o objetivo de uma montagem teatral, com todas as preocupações de produção, teatro, bilheteria... Um encontro entre Biodanza e o teatro em sua forma mais “convencional.” “Es verdad que no todos los lugares son los más propícios para entrar en lo eterno, pero quien es guiado por el Princípio Biocêntrico tiene la llave que abre todas las puertas.” Rolando Toro Quando se propõe a deixar o ninho grupal para levar Biodanza a lugares outros, junto a pessoas que desconhecem o sistema, e em situações onde é necessário dialogar com outras propostas de
  • 30. 30 trabalho, as chances de encontrar as condições propícias são pequenas. Para ilustrar, reproduz-se, uma parte do “diário de campo” da autora, escrito após o primeiro encontro com o grupo da peça Interseção, que constitui o Anexo B. Chega-se à conclusão de que se precisa realizar alguns ajustes, renegociar alguns limites. Sabe-se que em um grupo regular de Biodanza, todos estão envolvidos no processo, participando; no caso deste ensaio teatral, diretor e produtor manifestaram desejo de assistir a uma sessão. Tendo em vista a especificidade do trabalho, concordou-se. Ao término do encontro, contudo, ambos integraram-se à roda final. 3.3- NOVOS RITOS – Mecanismos de Ação “Vem cá ! Deixa-me coroar a tua fronte com estes ramos frescos de hera verdejante ! Vem homenagear conosco o novo deus!” Eurípedes. As Bacantes Dada a proposta da peça e a limitação de tempo _ 8 encontros _ determinamos como eixo do trabalho o erotismo, o puro prazer, a questão do desejo, a capacidade de se desmanchar. Para tanto, planejamos trabalhar a capacidade de sentir, do desmanchar-se, da capacidade fusional, orgiástica. Entraria aí o entusiasmo de Dionísio, o desmedido, a orgia promovendo integração sensual. A cada encontro, trabalharíamos um sentido. O primeiro encontro, relatado acima, teve como objetivo a apresentação do trabalho. A partir do segundo encontro, apenas os três atores
  • 31. 31 participavam da vivência. Éramos observados pelo diretor. Os temas dos demais encontros foram: Visão –exercício-chave: Dançar para o outro. Tato _ exercício-chave: Acariciamento Olfato e paladar _ exercício-chave: Sentir o odor e o paladar da pele do outro Audição _ exercício-chave: Ouvir os sons do outro (respiração, coração, vísceras). Uma vez que a visão é considerada “o” sentido em uma produção teatral, é uma das vivências mais propensas ao estereótipo. Os dois atores bailarinos ao utilizarem suas respectivas técnicas _ Flamenco e Dança Contemporânea _ no momento de dançarem para o grupo, apresentaram movimentos bastante estereotipados. Em contrapartida, a vivência do olfato/paladar remeteu a autora a um ritual antropofágico, com o sujeito/objeto de prazer sendo devorado eroticamente/sensivelmente pelos demais. O ato de “devorar” a carne crua e pulsante da oferenda sacrificial, que consente prazeirosamente em ser devorada pode ser acompanhado em quase todas as religiões antigas26 . A comunhão com o deus se dá no banquete ritualizado, um torna-se alimento para o grupo; a oferta, a doação de si, mantém a unidade/solidariedade/vida do grupo. Naquele momento, tocamos o dionisíaco. Além disso, um encontro foi dedicado ao trabalho com a Serpente, permitindo, assim, a vivência do deslizar, aproximar, enrodilhar, envolver e enroscar. 26 E atualmente, também, ainda que de maneira simbólica: “Tomai e comei, esse é o meu corpo...”, é dito pelo sacerdote católico no ponto máximo da míssa, consagrando a hóstia.
  • 32. 32 Trabalhou-se, também, no sentido de desenvolver entrega e confiança uma vez que, em cena estariam entregues uns aos outros. Colocou-se como fundamental a experiência em um grupo regular de Biodanza, disponibilizando o Biodanzarte. Além da atriz, que já integrava o grupo regular, mais um ator passou a frequentar o mesmo. 3.4- UM DEUS EM MOVIMENTO – Para não concluir... “Queiram os céus que toda a nossa vida transcorra em comunhão com a beleza, e dia e noite (...) adoremos os deuses, desprezando as práticas contrárias à justiça !” Eurípedes. As Bacantes Até o quarto encontro, os ensaios mantiveram-se em local e horário local combinado. O quinto encontro foi realizado no Teatro Gláucio Gill, uma hora antes de se começar o grupo regular. Os ensaios haviam sido transferidos para outro espaço, em horário que se estava impossibilitada de participar. Denizis compareceu ao sexto encontro. A produção entrou, então, na reta final. Frente às “sérias questões” do Deus Mercado, Dionísio era dispensado... Foi comunicado que frente às necessidades da produção, os encontros restantes não seriam realizados, que a participação havia sido muito útil para a montagem, mas... Esta autora ficou bastante frustrada; primeiro pela mudança de horário, que a
  • 33. 33 impossibilitou continuar; segundo, pela “dispensa” velada do trabalho. Hoje, com o distanciamento, percebe-se que o trabalho com o grupo havia contagiado os atores mas, para o diretor, que já possuía uma idéia pré- concebida quanto aos caminhos que a peça deveria seguir, um trabalho vivencial seria um trabalho supérfulo. Entretanto,, não se obteve documentos fotográficos ou avaliações por escrito de atores e diretor. Assim, não foi possível aprofundar mais em opiniões, sem que apresentasse aqui as dos demais envolvidos. Embora, aparentemente, não tenha sido uma experiência que possa rotular como bem sucedida; foi, com certeza, a mais desafiadora; é a que mais forneceu instrumentos de repensar o trabalho no qual esta autora continua apostando.
  • 34. 34 4- CONSIDERAÇÕES E SUGESTÕES “Em muitas regiões distantes organizei meus coros, implantei meus ritos, para manifestar-me aos homens como um deus.” Eurípedes. As Bacantes Existe hoje, em teatro, uma retomada da integração com o público, algumas produções, buscando maior interatividade, envolvendo a platéia, estão saindo da forma “italiana” do palco, buscando maior participação, atuando em meio à assistência. Lembrando também dos herdeiros da tradição itinerante de Dionísio _ o Teatro de Rua, onde a comunhão atores/assistência é vital para sua realização. Contudo, o jogo entre caos e forma; ou entre Dionísio e Apolo, para os antigos gregos; ou entre o indiferenciado e a consciência para nós, no sistema Biodanza, vai além da produção considerada artística, em nossa cultura; significa a Arte da Vida, patrimônio de qualquer vivente. Como facilitador@s de um sistema que busca a integração com nossas funções originárias de vida, é desajável que estarmos atent@s aos dois princípios, honrando aos dois deuses. É grande nossa responsabilidade, uma vez que em nosso ofício facilitamos o contato com as pulsões vitais (dionisíacas), fazendo-as aflorar através do movimento. Creio que devemos honrar também Apolo, através da progressividade, da justa medida, pois trabalhamos com uma cultura que
  • 35. 35 perdeu a confiança na auto-regulação dos instintos, que os acha desorganizados. Tirar Dionísio das sombras, honrar ao desmedido, ao vital, ao não controlável por qualquer dogma_ não como seres do passado, tentando um retorno impossível às orgias gregas, mas como mulheres e homens do século XXI _ é uma das grandes contribuições do Sistema Biodanza para um século que se iniciou de maneira tão conturbada para a humanidade. Que o fio de Ariadne, macio e consistente, possa ser tecido em todos os grupos regulares, para que possamos contribuir cada vez mais na arte da Vida.
  • 36. 36 BIBLIOGRAFIA: ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo, Lisboa: Edições Minotauro, s/d. BOAL, Augusto. O Teatro do Oprimido e outras poéticas Políticas. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1990. BORNHEIM, Gerd. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Editora Cultrix. BRANDÃO, Junito. Teatro Grego- Tragédia e Comédia. Petrópolis: Editora Vozes, 1985. _______________. Teatro Grego- origem e evolução. São Paulo: Editora Ars Poética, 1992. CHACRA, Sandra. Natureza e Sentido da Improvisação Teatral. São Paulo: Editora Perspectiva, 1991. DANIÉLOU, Alain. Shiva e Dioniso – A Religião da Natureza e do Eros. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1989 EURÍPEDES . Ifigênia em Áulis; As Fenícias; As Bacantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1993. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000 FREIRE, Isa. Oficina das Emoções- a vivência do Mito na Biodança .Monografia apresentada à ALAB, 1994.
  • 37. 37 HEIDEGGER. Heráclito. São Paulo: Editora Relume Dumará, s/d HUIZINGA, Johan. Homo Ludens- O Jogo como elemento da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva,1996. KERÉNYI, Carl. Dioniso- Imagem arquetípica da vida indestrutível. São Paulo: Editora Odysseus, 2002. MAFFESOLI, Michel. A Sombra de Dioniso. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1985 MENEGAZO, Carlos M. Magia, Mito e Psicodrama. São Paulo: Editora Ágora, 1994. . MINDELL, Arnold. O Corpo Onírico; o papel do corpo no revelar do si mesmo. São Paulo: Summus Editorial, 1989. NIETZCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. São Paulo: Companhia da Letras, 1992. OSTROWER, Fayga. Acasos e Criação Artística. 2 ª edição, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999. PENNIK, Nigel. Jogos dos Deuses- A origem dos jogos de tabuleiro segundo a magia e a arte divinatória. São Paulo: Editora Mercuryo, 1992. ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
  • 38. 38 TORO, Rolando. Projeto Minotauro; abordagem terapêutica do Sistema Biodanza. Petrópolis: Editora Vozes, 1988. _____________. Teoria da Biodanza; coletânea de textos. Fortaleza: Editora ALAB, 1992. TORO, Rolando. Curso de Actualizacion y Formacion de Didactas. Chile: International Biocentric Foundation, 1998. WHITMONT, Edward. A busca do Símbolo; conceitos básicos de Psicologia Analítica. São Paulo: Editora Cultrix, 1990.
  • 39. 39 ANEXO A: Modelo Teórico de Biodanza Rolando Toro Fonte: Toro, Curso de Actualizacion y Formacion de Didactas. Chile, 1998
  • 40. 40 ANEXO B: Interseção (Um monólogo tragicômico) Prólogo E então, finalmente, a oportunidade de trabalhar oficialmente Biodanza em uma montagem teatral... Sentia ser diferente do que trabalhar com o grupo de Centro de Teatro do Oprimido, do qual sou parceira em alguns trabalhos. Sob as bençãos de Dionísio, Tatiana, integrante do grupo regular que facilito em parceria com Denizis Trindade, foi convidada a participar do elenco da peça Interseção: Você nunca soube o que é desejo. Falou com o diretor e o produtor a respeito do trabalho de Biodanza e de como este havia contribuído para seu desempenho
  • 41. 41 nos testes. O diretor mostrou-se interessado em conhecer o trabalho e talvez integrá-lo aos ensaios. Ficou acertado que não haveria remuneração em espécie. O trabalho seria feito em troca de divulgação e de direitos de imagem e entrevistas para a elaboração de monografia; seria desenvolvido em oito encontros, uma vez por semana, no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Beijos... Abraços... Promessas de amor eterno... 1 º Ato (Cena 1: Central do Brasil _ a verdadeira, não a imortalizada por Fernanda Montenegro _ facilitaroras vivenciam o instinto de luta e fuga) Ah! Como é sublime uma roda de Biodanza! (sons de harpas e sinos). Como nos põe em contato com o prazer! (sons de saxofone).
  • 42. 42 Só que, neste caso, o caminho para e chegar a esse ninho de conforto implicava em passar pela Central do Brasil, interseção de trabalhadores que chegam e partem para os subúrbios do Rio, ponto de encontro de jovens excluídos que lá se reúnem para cheirar cola e promover a redistribuição ilegal de renda, assaltando os passantes. A Central do brasil é o tipo de local que só o Tigre salva... (sonoplastia caótica) (Cena 2: Auditório do Liceu de Artes e Ofícios) Após a corrida na Central do Brasil, finalmente o local de trabalho... Chego com o coração disparando, parte pelo susto do trajeto, parte pela expectativa de, finalmente, poder experimentar, fora do ninho do meu grupo de teatro, uma proposta de trabalho que creio ser possível. O auditório me traz recordações do meu trabalho em escolas: está decorado com flores de papel crepom _ quem teve a oportunidade de entrar em uma escola sabe que o crepom é o substituto da
  • 43. 43 natureza, com ele se fabricam falsas flores, falsa relva para a falsa vida ensinada em nossas escolas.. Enquanto aguardo a chegada dos atores vou rememorando minha chegada a um grupo de Biodanza, em 1989. Enquanto escrevo esse texto, mais imagens me ocorrem... Uma greve de meses dos professores das escolas municipais do Rio de Janeiro... Eu fazendo parte do comando de greve das escolas do bairro onde moro... Entrando em processo alérgico, com a pele coberta por placas vermelhas e uma intensa queda de cabelos... Fazendo Yoga para tentar controlar uma raiva que não sabia de onde vinha e decidindo fazer Biodanza _ que não sabia o que era _ para relaxar; afinal, pensava, uma “dancinha” não faria o menor mal. No palco, as lembranças de um grande salto: a primeira oficina de teatro que participei, em 1992. Naquele espaço de papel crepom e palco, me vejo... Coração disparando, cumprimento o diretor, espero a chegada de um ator...Finalmente todos ali, preparamos o som, ligamos na tomada e... Não funcionou !
  • 44. 44 Um defeito na tomada impedia que a aula fosse dada no auditório. São Rolando Toro, derramai suas bençãos sobre mim ! Ajudai-me nessa hora de aflição ! Após longos instantes, finalmente encontramos uma sala que estivesse livre e que possuía aparelho de som. Fomos para lá... 2 º Ato Cena Única ( Cenário: ao fundo, um espelho ocupando toda a parede da sala. Ao centro, em destaque, uma passarela em “T” , revestida de carpete vermelho, impávida. Na parede oposta ao espelho, um aparelho de som cravejado de botões e ao lado, atrás de uma mesa de design moderno e tampo de cristal, um homem impecavelmente vestido, com pose do “Pensador”, de Rodin, nos aguardava... Foi apresentado como um dos produtores da peça e, no Liceu, chefiava o Departamento de Moda. )
  • 45. 45 Iniciei, como não poderia deixar de ser, com uma roda, solicitando a todos que fechassem os olhos. Meu principal objetivo, naquele momento, era tentar fazer com que meu coração voltasse para seu devido lugar na caixa toráxica e pensar em uma solução para o caminhar com aquela passarela vermelha, alta, no meio da sala. Fecho os olhos... Respiro... Conecto comigo mesma, com o grupo que está ali e, principalmente com a Vida, que acredito deva ser o ponto de partida e de chegada para qualquer manifestação artística... Começo, então, a falar do porque iniciar o trabalho com uma roda, com a lembrança dos antigos rituais; lembro das origens rituais do teatro e que, ao optarmos por ele, estávamos optando por uma forma de honrar aos deuses. A medida que vou falando e percebendo o brilho nos olhos dos atores, sinto renovar meu entusiasmo. Não me importava mais a passarela, nem o estar sendo observada pelo diretor e pelo produtor da peça... Havia atingido aquele estágio e fluidez alerta, que faz com que estejamos totalmente no aqui / agora, no qual quem quer que esteja presente é a pessoa certa; seja
  • 46. 46 quando for que comece é o tempo certo; o que quer que aconteça, é a única coisa que poderia Ter acontecido e, quando acaba, acaba... Logo começamos um caminhar por toda a sala, inclusive subindo e descendo a passarela vermelha; “Hello, Goodbye !” vamos cantando... Fim do encontro, trabalho aprovado, exaustão gostosa... Valeu !
  • 47. 47