1. 3
1. EM BUSCA DE UMA FUNDAMENTAÇÃO ANTROPOLÓGICA DO DESPORTO
A Antropologia refere-se ao estudo do Homem, em geral. Assim, divide-se em:
→ Antropologia Física (estudo do Homem, em termos biológicos)
→ Antropologia Social
→ Antropologia Cultural.
De acordo com Vogler e Gadamer:
Não são fundamentos antropológicos, mas devemos percebê-los
→ Homem
→ Cultura
→ Desporto
“O desporto só existe porque existem pessoas”
Olha-se para o desporto e vê-se cultura. O desporto é uma chave para ler o ser
humano, é como uma janela onde podemos ver o passado e perceber que são
atividades carregadas de significados humanos. A antropologia do desporto, tenta
compreender o ser humano, através do desporto, como um ser cultural. É para este
desporto, que diz respeito às pessoas, que devemos dirigir o nosso olhar.
Domínios
Antropologia
Biológica
Social
Cultural
Filosófica
Psicológica
2. 4
1.1.CONCEITO DO HOMEM
Para além do homem se constituir como fundamento, ou base, do desporto,
assume-se também como a sua finalidade (telos). Não é pelo fato de ser difícil de
traduzi-lo por palavras que o homem deixa de o ser. Mais importante que a sua
definição é, sem dúvida, a sua plena existência. O Homem encontra-se numa
interação entre a razão e o sentido.
O homem:
O Homem é o ser que se constrói no tempo e no espaço, pelo que não nos é difícil
aceitá-lo como um ser situado temporal e topograficamente.
→ Temporal: Há um tempo no qual e mediante o qual o homem se realiza.
→ Topográfico: Porque se concretiza num lugar próprio, que lhe imprime
determinadas caraterísticas.
O Homem é um ser que procura sempre a transcendência, ou seja, procura,
constantemente, algo para além daquilo que se podia esperar. É fascinante o facto
de ser um ser animal, que não necessita de correr, de saltar, de lançar nem de lutar
para sobreviver (talvez o único destino da animalidade), mas que procura situações
onde tenha de correr, saltar, lançar e lutar para se ultrapassar/transcender. É um ser
que faz desporto.
Homem Transcendência
Correr, Saltar
Lançar, Lutar
Aristóteles Animal Político
(Vive na “polis”/sociedade)
Platão Bípede sem penas
Séneca Realidade Sagrada
(único ser que busca
razões para além do seu
pragmático)
Estóicos-Escolásticos
Animal Racional
“o facto de ser racional, faz com
que deixem de ser animais)
3. 5
O desporto é uma forma de o homem se transcender e expressar esse seu
desejo. Mais que uma manifestação de carater físico ou biológico, é o sentido de
uma vontade própria. Assim, apenas as ciências humanas, porque são construídas
em referência a valores, poderão descobrir e aprofundar os seus significados mais
internos, compreendendo o desporto.
Desde há seculos que se tenta chegar a uma definição geral. No entanto,
esta deve ser inclusiva e exclusiva. Normalmente, há sempre algo que não é
exclusivo do desporto (logo não pode incorporar a definição) ou há sempre algo
que fica por dizer. Das imensas definições, dizendo que o homem é um ser pensante
(Descartes), que é um bípede sem pernas (Platão), que é um animal racional
(Estóicos), entre outros. Sponville achou que ao dizer que o Homem é qualquer ser
nascido de dois seres humanos, estava a dar a tal definição inclusiva e exclusiva. No
entanto, a ciência refutou com a clonagem. Outros formulam a hipótese de sermos
animais. Partilhamos 99% dos genes com eles, porém, é esse 1% de diferença que
permite configurar um gesto ou atividade em algo provido de sentido humano,
cultural e pleno de valores. Um animal não é cultural. Houve quem tenha levado esta
questão mais longe. Kröeber dizia que a cultura é tudo aquilo que acrescentamos à
natureza. Popper defendia a existência de 3 mundos:
→ o material
→ o psicológico
→ o humano.
1.2.COMPREENSÃO DO CONCEITO CULTURA
O desporto é para todos, para se praticar tudo, ao longo de toda a vida e
através de todas as formas possíveis. É a noção mais esplendorosa da pessoa. É um
lugar avistado por outros lugares. Cada ciência é um miradouro de onde se avista
uma paisagem. De cada miradouro podemos observar a mesma paisagem por
ângulos diferentes e daí percebemos também pormenores diferentes. Mas há algo
comum nesses horizontes – a pessoa. O desporto é um excelente contributo para
que nos conheçamos a nós próprios.
Leitura do desporto a partir da conceção enunciada por Kröeber:
O desporto, enquanto cultura, é que acrescento à natureza:
→ Estrutura de sentidos
→ É tudo aquilo que em cada momento dizemos que é desporto.
Kröeber dizia que “A cultura é tudo aquilo que acrescentamos à natureza”, isto é,
tudo aquilo para além do “puro” dado. O desporto é, então, tudo aquilo que de
humano se acrescenta à prática em si mesma (regras, normas, valores, sentimentos).
Toda uma pluralidade de sentidos culturais.
IMPORTANTE
4. 6
Tylor, deu uma definição de cultura etnocêntrica, onde a cultura
corresponderia à civilização. A cultura é uma aquisição de padrões de
comportamento pelo Homem, a partir de uma sociedade (tradição).
Karl Popper:
→ Mundo Material e Psíquico - Parte integrante do Homem, mas não exclusiva
→ Mundo Cultural Homem - Desporto
Kluckhohn diz que a cultura é baseada nos valores da sociedade
- > Aceitação de uma punição em caso de incumprimento dos mesmos.
É algo típico do homem. A cultura humana diferencia-se da vida animal pelo poder
de raciocínio e pelo uso da linguagem. As grandes mudanças das sociedades
animais têm uma fundamentação biológica, nos genes, enquanto nas sociedades
humanas uma grande mudança social pode ocorrer sem qualquer mudança
biológica. O Desporto é uma expressão cultural mediatizada por um corpo biológico.
1.3.CONCEITO DO DESPORTO
Uma definição de desporto tem que possuir duas caraterísticas primárias:
→ ser abrangente (deve considerar tudo aquilo que lhe diz respeito)
→ ser limitativa (tem de excluir do seu enunciado tudo o que não faça parte do
seu universo)
Qualquer interpretação de desporto não deve reduzir-se ao imediatismo da prática,
mas tentar compreender o praticante. “O desporto existe porque existem pessoas”.
O desporto vive o mesmo drama de temporalidade do Homem. Aquilo que ontem
era entendido como verdade, hoje pode parecer ultrapassado.
O desporto é tudo aquilo que, em cada momento, se considera ser desporto. Ou
seja, configura-se e reconfigura-se em função da visão que temos do homem.
Elementos Motores + Elementos Humanos (Lúdico, Rendimento, Superação) + Sentido
Os elementos motores (correr, saltar, lançar e lutar) – não são exclusivos do
homem, temos de acrescentar o sentido cultural. Tendo em conta que a cultura é
exclusivamente humana e o desporto é cultural, temos que acrescentar um sentido
cultural a estes elementos.
Os elementos humanos – não são específicos do desporto, mas sim do
homem. Nenhum destes elementos é especificamente humano. Nem cada um,
individualmente ou de forma associada, define o desporto. Desporto é aquilo que
nós acrescentamos à natureza (cultura).
Se correr, saltar, lançar e lutar são atividades naturais, desporto é aquilo que
acrescentamos a esses gestos, ou seja, é o sentido cultural que o homem dá em
cada momento a esses elementos. É uma estrutura de sentido proporcionado pela
IMPORTANTE
5. 7
cultura que atribui determinados significados e valores aos diferentes movimentos
humanos, numa relação entre os planos individual e social.
O desporto vai utilizá-los:
→ Lúdico – ter alegria, prazer e até um certo sentimento de brincadeira. Varia o
grau de intensidade relativa em cada uma delas. Mesmo o desporto de alto
rendimento e realizado no local mais estandardizado, não é indiferente a esta
categoria.
→ Rendimento - surge como uma verdadeira condição humana, pelo que terá
que ser desenvolvido numa perspetiva humanista, pois tem um valor que
passa todos os homens. É intrínseca ao ser humano e revela-se através de um
inúmeras formas, inclusive as desportivas. Fazer cada vez melhor.
→ Superação – intimamente ligado ao rendimento. O ir mais depressa, mais
longe ou mais rápido constitui-se um imperativo ético da vida humana. Eterna
aspiração à transcendência. Surge como um sentimento de conquista e
satisfação
Lúdico, rendimento e superação entrelaçam-se naturalmente. Então, o
primeiro conjunto formado pela capacidade de deslocamento, saltar, arremessar e
lutar (condições externas), elucida-nos sobre as ações desenvolvidas no desporto. O
segundo conjunto (valores intrínsecos), o lúdico, rendimento e superação, fornece-
nos uma pista sobre o porquê e para quê do desporto (remete-nos para o praticante
– ser humano!)
O rendimento e a superação estão normalmente ligados aos campeões. No
entanto, por exemplo, no idoso também está presente o triângulo dos elementos,
uma vez que idosos mais ativos parecem ter índices de força maiores. Assim, a
superação e o rendimento coexistem nesta forma particularizada de desporto, que
se desenvolve com uma forte componente lúdica, ou seja, através de brincadeiras.
Envelhecer “mais lentamente” é uma manifestação de rendimento. Ser ativo durante
mais tempo é superar a natureza imposta pela coordenação antropológica
temporal.
O desporto tem que ser percebido enquanto prática humana, não ficando
definido a um único momento das nossas vidas. Hoje em dia, o homem já não precisa
de nenhum dos elementos motores para sobreviver (porque a sociedade inventou
tudo o que era preciso para suprimir essas necessidades). No entanto, o homem
inventou o desporto, para poder continuar a exercê-las. É uma atividade supra-
orgânica, ou seja, está para além do biológico.
Desporto é uma cultura de sentidos. Por exemplo: no hipismo é o cavaleiro
que faz desporto, não o cavalo.
6. 8
1.3.1. O QUE É O DESPORTO?
A vida como transcendência da matéria. O homem como consequência dessa
transcendência.
→ A história humana é uma história de superação.
→ Objetivo – ser melhor que ontem.
→ Aretê - busca da excelência. Treino e superação como formas de atingir a
excelência (aretê). Desporto como transcendência humana.
Não devemos, nem podemos dissociar o desporto da cultura. Surge a pergunta
fundamental: “O que é o desporto?”.
Temos de ter em conta no horizonte espaço temporal do mesmo. O que era
ontem, hoje pode não ser, tal como o que é hoje, amanhã também pode não ser.
Então devemos procurar uma definição universal do desporto, que se encaixe
sempre nestes parâmetros. Então, o que é desporto?
Outrora campeonatos de cuspe em distância foram considerados desporto. O
mesmo se passa com o skate: de movimento “contra-cultura”, eternizado pelo boné
ao lado e típico ambiente underground americano, saltou para as pistas estilizadas
da competição, com um quadro competitivo internacional. Tendo em conta este
tipo de mudanças que ocorreram até aos dias de hoje, e que nós acreditamos que
continuem a ocorrer no futuro, não há, para já, melhor definição do que
“Desporto é tudo aquilo que em cada momento se considera ser desporto.”
No entanto, podemos ir mais longe na questão! O desporto pode ser dividido em dois
grandes grupos de elementos:
→ os elementos motores
→ os elementos humanos.
Sem dúvida que qualquer pessoa, seja ela como for, pode ser praticante de
desporto. O desporto é para todos. Desde a alta competição, aos amadores, aos
idosos, aos bebés, grávidas, pessoas com deficiência, etc..
A sociedade encarregou-se de criar condições para que todos pudessem
participar, sem ninguém ser excluído. Conseguiu-se verificar que em todos os tipos
de desporto existem elementos motores comuns:
→ os deslocamentos (correr, caminhar, nadar, etc.)
→ os saltos (em potência, em altura, etc.)
→ os arremessos (ideia de lançar)
→ a luta.
7. 9
Logicamente estes elementos não têm que se encontrar num só desporto. No
entanto, no mínimo dois deles estão sempre presentes, não sendo nenhum deles
exclusivamente humano.
Há todo um conjunto de regras, físicas e morais, que diferenciam o Desporto de
qualquer outra atividade humana. Como dizia Kröeber “a cultura é tudo aquilo que
acrescentamos à natureza”.
O desporto é então, tudo aquilo que de humano se acrescenta à prática em si
mesma. Regras, normas, valores, sentimentos. Toda uma pluralidade de sentidos
culturais. Sendo assim, o que confere tudo isto ao desporto, são, não por si só, os
elementos humanos. Então o desporto assume-se como a soma dos elementos
motores e dos elementos humanos, com o sentido cultural que apenas o Homem é
capaz de lhe atribuir.