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NOSSO
CONTEMPORÂNEO
NOSSO
CONTEMPORÂNEO
ConselhoEjdíPorialdaIMEJZP
que aprovou este livro
Mmir Rosa. í Uuilio HL-nru|iiL- Morau Ma/oni AnJiaile. Darct nu-ilck. Pü1l>r ilir Sou/a I ima.
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Mvrtcs Mathias. Oswalclo Paüii Junior. Salem HcmarJii. V-baMião l crreira, W jIu t Sanitft Ifaplisla
ISALTINO GOMES C. FILHO
I I A Q C A
CONTEMPORÂNEO
Um estudo contextualizado do livro de Miquéias
A
JUERP
Todos os direitos reservados. Copyright © 1995 da Junta de Educação
Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira.
Coelho Filho, Isaltino Gomes
C672m Miquéias: nosso contemporâneo: um estudo
contextualizado do livro de Miquéias/Isaltino
Gomes Coelho Filho. Rio de Janeiro: JUERP, 1995.
132p.; 20,5 cm.
1. Miquéias — Comentário. 2. Miquéias — Profecia.
I. Título.
CDD — 224.9
Coordenação Editorial
Josemar de Souza Pinto
Revisão Textual
Alexandre Emilio SilvaPires
Luiz Paulo de Lira Moraes
Jorge Luiz Luz de Carvalho
Copidesque
Marcos José da Cunha
Edição de Arte
Nilcéa Pinheiro
Capas
Valdecy Ferreira
Código para pedidos: 215040
Junta de Educação Religiosa éPublicações da
Convenção Batista Brasileira
Caixa Postal 320 — CEP: 20001-970
Rua SilvaVale, 781 — Cavalcanti — CEP: 21370-360
Rio de Janeiro, RJ — Brasil
3.000/1995
Impresso em gráficas próprias.
À memória de Eurico Alfredo Nelson, o apóstolo da
Amazônia.Porquasemeioséculo,doMaranhãoaoPferueàBolívia,
a Amazônia ouviu sua voz proclamando Jesus Cristo como Sal­
vador dos homens. Um homem incomum.
À Primeira Igreja Batista de Manaus, por ele fundada em
5de outubrode 1900, a pioneiradaevangelização do Amazonas,
e que cultiva avisão evangelística e missionáriado seu fundador.
Que nunca se esqueça de suas origens.
SUMÁRIO
Apresentação.................................................................... 9
1. Miquéias: Quem É Ele?.................................................... 11
2. O Anúncio do Juízo.......................................................... 19
3. O Porquê do Juízo............................................................ 25
4. Um Abismo Chama Outro Abismo................................ 33
5. A Reação Contra o Profeta............................................. 39
6. O Preço da Iniqüidade..................................................... 47
7. Boas Notícias!................................................................... 55
8. Mais Vislumbres do Futuro............................................. 63
9. Um Vislumbre do Messias............................................... 71
10. Vislumbres da EraMessiânica......................................... 79
11. Repreensões e Ameaças................................................... 87
12. O Processo se Amplia...................................................... 95
13. A Corrupção Moral da Nação......................................... 103
14. Levantando-se dos Escombros......................................... 109
15. Esperança, a Força que Impulsiona a Vida..................... 117
16. O Desafio de Miquéias..................................................... 125
Referências Bibliográficas............................................... 129
APRESENTAÇÃO
Eis aqui mais uma obra da série “Nosso Contemporâneo”.
À semelhança dos seus outros livros, o pastor Isaltino nos apre­
senta um estudo sério e minucioso, fazendo-nos ver na realidade
de hoje as revelações de Deus pelo profeta, que, embora escritas
há cerca de 2.700 anos, nunca deixaram de ser presentes e opor­
tunas. Se porvezes nosesquecemosdovalor deste profetamenor,
em Miquéias, Nosso Contemporâneo temos a oportunidade de
ver resgatadas numa linguagem clara e precisa as mensagens de
profundo valor espiritual para nós nos dias atuais.
OautorépastordaPrimeiraIgrejaBatistadeManaus,tendo
jáexercidoopastoradoemSãoPauloeemBrasília.Temumavasta
experiêncianadocênciateológica: foidiretordaFaculdadeTeoló­
gicaBatistadeBrasíliae professornaFaculdadeTeológicaBatista
deSãoPaulo.AtualmentelecionanaFaculdadeBatistadeTeologia
doAmazonasepresideaABIBET (AssociaçãoBrasileiradeInsti­
tuições Batistasde Ensino Teológico). É profundoconhecedor do
Antigo Testamento e da língua hebraica.
Porém, acima de qualquer predicado, o pastor Isaltinoé um
servodo Senhor. Tendo tido o privilégiode compartilhar com ele
o ministério na PIB de Manaus, tenho apreciado nele a maneira
apaixonante e vibrante de exercer sua missão.
Comcerteza,o nossoDeus,pelainstrumentalidadedestelivro,
há de nos enriquecer e abençoar.
Anderson Silveira Motta
1
MIQUÉIAS: QUEM É ELE?
A palavra do Senhor que veio a Miquéias, morastita, nos
dias de Jotão, AcazeEzequias, reis de Judá, a qualele viu sobre
Samária e Jerusalém (1.1).
É assim que Miquéias se apresenta em seu livro. Seu nome
era bastante comum no seu tempo. Sua transliteração seria
Myqayah, cujo sentido seria “Quem é como Ya?”, entendendo-se
Ya como abreviaturaou contração de Yahweh, o nome de Deus.
O curioso personagem de Juizes 17, chamado Mica, é portanto
seu homônimo. Onomeguardasemelhançacom Miguel, “Quem
é como El?”, sabendo-se que E li o nome comum para Deus no
Antigo Testamento.
Ele é morastita, gentílico de Morasti ou Moresete (em 1.14
chamada de Moresete-Gate). Sua cidade natal tem sido identifi­
cadacomoTellel-Gudeideh,aproximadamenteatrintaquilômetros
de Jerusalém. Outros a identificam com Beit-Jibrin, a quarenta
quilômetros a sudoeste de Jerusalém, perto de Gate, na Filístia.
Seja qual for a identificação, o sétimo dos profetas menores era
doreinodoSul,Judá. Estranhamente, Vidadosprofetas,umlivro
apócrifo escrito em grego no século I da era cristã, declara-o
membrodatribode Efraim(seriaumisraelita, então). Edizmais:
“Depois de dar muitoo que fazer a Acabe, foi eliminado por seu
filhoJeorão,queolançoudeumdespenhadeiroporquelhelançava
em rosto as impiedades de seus antepassados. Foi enterrado em
sua terra, sozinho, perto do cemitério dos gigantes”.1Embora o
relatosejafictícioe cometa umequívocodedata (trariaMiquéias
de 730 a.C. para 850 a.C.), temos uma visão bem curiosa sobre
Miquéias: seu sepultamento perto de um fictício cemitério de
gigantesserveparaindicarograndeconceitoquedesfrutavanosso
profeta nos círculos literários que produziramos livros apócrifos.
11
Foi contemporâneo de Isaias, pois profetizou nos reinados
de Jotão, Acaz c Ezequias. Em Isaias 7, vemos Isaías e Acaz. E
em Isaías 36 e capítulos seguintes, vemos este profeta servindo
no reinado de Ezequias.
Emboracontemporâneodochamado“príncipedosprofetas”,
Miquéiastrabalhouemumespaçodiferente.Isaíasfoiumhomem
da corte, era um palaciano. Miquéias era do campo e parece ter
pregadomaisnasruas(algunscomentaristaschegamapensarque
os dois não se conheceram, o que parece pouco plausível, em
virtudedascircunstânciasdaépoca), aindaquecontraaliderança
religiosaepalaciana. No entanto,suapregaçãotambémalcançou
aelitedirigente. EmJeremias26.18,eleécitadoemdefesadeJere­
mias. Nesse texto se constata que Ezequias foi influenciado por
Miquéias. Essaobservaçãonosémuitoútil.Deusprecisadeservos
fiéis entre a elite e no meio do povo. Seja onde for que Deus
coloque um servo, este deve falar o que o Senhor quiser. Pode-se
serviraDeusnasaltasesferasgovernamentaiseentreopovo.Não
é o lugar, maso conteúdo davidaque mostraráo serviço aDeus.
Aliás, quem melhor expressou isto foi outro homônimo de Mi­
quéias, o profetaMicaías (outraformadetransliteraro nome),em
IReis 22.14: “Vive o Senhor, que o que o Senhor me disser, isso
falarei.” No meio dos poderosos ou no meio do povo simples,
competeaohomemdeDeus falarapalavradeDeus. Sualealdade
máxima é para com Deus e sua palavra.
Eraumhomemdeimpressionantedeterminação. Suapalavra
em 3.8 é umamostradisto: “Quanto amim,estoucheio dopoder
do Espírito do Senhor, assim como de justiça e de coragem, para
declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado.” Isto
éconvicçãoe nãoarrogância, como muitoshoje fazem,jactando-
se de sua “espiritualidade”. Miquéias provou o que disse com a
suavida. Nessapassagem,observa-sequeo profetapregoucontra
osdoisreinos,odoSul(Judá)eodoNorte(Israel).Naleiturade 1.5
seconfirmatalobservação.OministériodeMiquéiaspodeseresti­
mado entre os anos 737 e 690 a.C. Costuma-se encaixá-lo nesse
período. Foi um ministério longo, pois alcançou três reis de Judá
(1
.1
).
A linguagem de Miquéias é dura. Ele ataca o latifúndio, a
justiça corruptae aviolência dos poderosos. Mas não é um refor­
1
2
mador social ou um agitador de massas. É um profeta que tem
uma explicação espiritual para os erros sociais. São frutos do
pecado. Muitos querem ter voz profética e até alegam possuí-la
hojeemdia,masfizeramapenasumaopçãopartidáriaepretendem
justificá-la com a Bíblia. Uma postura pouco honesta. Miquéias
não autoriza essa atitude.
Sua época explica sua mensagem. E nos desafia a entender
a nossa época para pregarmos com eficácia a vontade de Deus
aosnossoscontemporâneos. Muitasvezes,pregamosaosfalecidos,
falando de realidades do passado, falando do que não interessa
aninguém. Miquéiasfaloudascoisasdoseutempo. Analisousua
época àluzdapalavradivinae soubechamar ao arrependimento.
Nosso profeta nos é bastante oportuno. Vemos hoje a transfor­
maçãodoevangelhonumagraçabaratíssima,ordináriaefalsificada.
As pessoas são chamadas para ficar ricas, saudáveis e sem
problemas.Fscadosaiudemoda. Arrependimentoépalavraesque­
cidaemmuitaspregações.Hápúlpitosqueapenasoferecembênçãos
deumDeusquesópedeconfiançaedinheiro,masquenãoparece
ter moralidade alguma. Jesus Cristo passa a ser o distribuidor de
riquezasemvez desero homem-Deus que serve dereconciliação
e propiciação pelos nossos pecados. Precisamos ver nosso tempo
e os pecados de nossa época. Há exploração econômica, concen­
traçãoderiquezas,corrupçãoemváriosníveise umareligiosidade
hipócrita, apenasdefestividadesereuniões,divorciadadocaráter,
da retidão e da ética. Precisamos imitar Miquéias. Vejamos seu
tempo. Vejamos o que diz do nosso.
A linguagem de nosso profeta é dura, mas não pobre. Há
brilho,profundidadede sentimentos, belasimagense figurasretó­
ricas. Miquéiasgostadeimperativos,símiles,metáforaseperguntas
retóricas. Suacapacidadeliterárianãotemsidoreconhecidacomo
deve,emparteporqueseolhamuitoparaseucontemporâneo,Isaías.
Mas Miquéias é brilhante na forma de se expressar.
Ocontextodenossoprofetaécompreendidoquandosevolta
o olhar para a situação econômica dos dois reinos.’Estes haviam
crescido ao máximo em termos econômicos. Mas o crescimento
nãotrouxeraprosperidadeparatodos. A rendaseconcentraranas
mãosdeumaeliteinsensível.Opovogemiacomdificuldadeseconô­
micas. A justiça se corrompera, e os líderes religiosos eram
hipócritas,adoçandoabocadopodereiludindoopovo. Umauicvc
radiografia dos reinos nos ajudará um pouco mais a entender a
situação.
No Sul, Jotão foi um bom rei; Acaz, péssimo; e Ezequias,
bom. O Norte, que fora expandido ao máximo por Jeroboão II,
começava a declinar. Este, que foi o maior rei de Israel (leia-se
2Rs 15.23-29), teve substitutos medíocres. Zacarias reinou seis
meses (2Rs 15.8). Veio Salum, que reinou um mês (2Rs 15.13).
Menaém reinou dez anos (2Rs 15.17,22), porém nadafez de útil.
Pecaías reinou apenasdois anos (2Rs 15.23), mas mesmo em tão
curtoespaçodetempoconseguiufazeromal. Pecareinou20anos,
mas foi uma tragédia (2Rs 15.24,25). Oséias (que não deve ser
confundidocomoprofeta)reinounoveanosenãofoimuitomelhor
que os antecessores (2Rs 17.1,2). Com todos esses desacertos, o
fim de Israel já estava nos portões de sua capital, Samária. Uma
potência destruidora se aproximava, a Assíria. Miquéias pregou
durante o reinado de todas essas nulidades, mas não foi ouvido.
Ele viveu adestruição de Israel em 722, pela rejeição à chamada
aoarrependimentoqueeleentregaracomfidelidade. Eviuquando
a Assíriachegou como um furacão, assolando Judá, chegando às
portas da capital, Jerusalém.
O reino do Sul vivia história com muitos pontos de seme­
lhança. Amazias reinara por 29 anos (2Cr 25.1,2). No princípio,
foi fiel. Depois, envolveu-se com a idolatria. Seu filho, Uzias
(2Cr26.1),tambémchamadodeAzarias(2Rs 15.1),reinou52anos,
mas se ensoberbeceu e ficou leproso. Sua morte deixou a nação
consternada. FoinessaépocaqueIsaíasfoichamadoparaominis­
térioprofético (Is 6.1). A figura desse soberano deixou marcas na
história, pois Isaíasescreveuumlivrosobreele (2Cr26.22). Jotão,
filho de Uzias/Amazias, reinou por 16 anos (2Cr 27.1) e foi um
bom rei. Mas Acaz foi um desastre. Sua biografia relatada em
2Crônicas28 mostraacalamidadequefoiseureinado. Oquefora
feito de bompor seu pai e porseuavô começou a serdesfeito por
ele. Como é difícil construir! E como é fácil pôr abaixo! Como
custaedificarumaigreja,mascomoéfácildestroçarseuambiente!
Há pouco tempo, perto do gabinete deste autor, um prédio de
dois andares foi demolido paradar lugar a outro, maior. Em dois
dias, armados de máquinas e ferramentas, um grupo de homens
1
4
pôs abaixoaconstrução. Mas quanto tempo deve ter levadopara
edificá-la! Quantas vezes as atitudes impensadas decrentes põem
abaixoemsemanasoqueselevouanosparaconstruir! Queadver­
tência!
É nesse momento que Miquéias se agiganta. Quando Eze-
quias, filho de Acaz, assume, lá está nosso profeta a verberar os
pecados de Judá. Israel não maisexiste. O profetapregaracontra
ele, chamando-o ao arrependimento, que não veio. Não vindo o
arrependimento, veioo fim. Judáteráo mesmo destino?Serátão
insensatoquenão leráossinais dahistória?Não aprenderánada?
A mensagem tão agressiva de Miquéias 3 foi ouvida por
Ezequias, e este deu rumo seguro à sua administração. Jeremias
26.18,19 revela que a pregação do morastita obteve êxito. A des­
crição que ele faz, em 1.8-16, identifica-se muito com a situação
havidaem701 a.C.,quandoSenaqueribeinvadiuJudá.Maisdeta­
lhes desta invasão podem ser lidos em Isaías 36 e 37. Isto não
apenas corrobora Miquéias e Isaías como contemporâneos, mas
mostraque,emboranãobrilhassetantocomoo profetapalaciano,
o profeta das ruas e dos campos teve destaque em seu ministério
e que suas palavras foram ouvidas.
Uma síntese da pregação de Miquéias pode ser feita assim:
ele denuncia os pecados de Israel e de Judá (1.1 e 1.5-9). Tais
pecados são, basicamente, a exploração dos pobres (2.1,2 e 3.1-3)
e afalsareligiosidade (3.5-7). Não é acidental encontrarmos esses
doispecadosjuntos. Elescostumamcaminharladoalado.Quando
a fé é fingida, o respeito ao próximo não existe. Por causa desses
pecados, os dois reinos serão julgados (1.6-16). O cativeiro é o
destino dos rebeldes (2.10 e 6.9-16). Afrontar a Deus é ter juízo
àsportas. Comque facilidadenaçõese pessoas seesquecemdisto!
Quando se lembram, é tarde demais!
Mas,eosplanosdeDeus?EoMessias?Miquéiasacenacom
esperançaapósovendaval.Haveráumretomodocativeiro(4.6-8).
HaveráumlibertadorpornasceremBelém(5.2-5). Neste sentido,
embora profeciae prediçãonão sejamsinônimos (aprofeciapode
incluir a predição, mas esta é acessória e não o cerne), Miquéias
é muito preditivo. Ele viu Judá arrasadopela Assíria (1.9-12), viu
a queda do Sul, com a conseqüente destruição de Jerusalém
(3.12). Viu a ascensão de Babilônia (4.10) e como Judá seria por
15
esta submetido ao cativeiro. Viu ó retorno do cativeiro e, coisa
impressionante,vislumbrouoMessiascomovindodainsignificante
Belém (5.2), isto quase 750 antes de Cristo!
Numa çlas vezes em que este capítulo foi reescrito, o autor
seencontravaemNhamundá,umapequenacidadede5.000habi­
tantes, no meio da Floresta Amazônica. Fora visitar uma
congregação e uma escola de sua igreja. Caminhando pelas ruas
dacidade, comentou com aesposa: “Você jápensouque o maior
vultodahistórianasceuemBelém,umacidademenor,maispobre
e mais sem relevância política e econômica que esta? Se alguém
lhe dissesseque um excepcionalvulto dahistóriada humanidade
sairia desta cidade, o que você diria?” Miquéias previu o nasci­
mento do Messias na insignificante e inexpressiva Belém. Negar
sua inspiração é tarefa muito difícil para o incrédulo.
Miquéiaséumhomemquefalademaneiradura.Seudiscurso
no capítulo 3 é objetivo, repleto de figuras de linguagem, e deve
ter doído nos ouvidos dos culpados. Ao mesmo tempo, porém, é
um homem com uma palavra de esperança. Havia falsos prega­
dores anunciando “paz, paz”, quando não havia paz (3.5). Eram
pregadores interesseiros, visando obter benefícios materiais. Ele
vêpaz,massódepoisdoarrependimentoepelaatuaçãodoMessias
por vir. Não há paz nem prosperidade no pecado. É muito signi­
ficativoparanós,edesconcertanteparaoscéticos,queaesperança
messiânicanão surjano exílioou numa situação de miséria, mas
no fulgor econômico de ambos os reinos. Poder-se-ia alegar que,
emtemposdemiséria, aspessoasprojetamsuas expectativaspara
o futuro e criam seus messias e suas novas jerusaléns. Isto tem
acontecido ao longo da história, e até mesmo em Portugal e no
Brasil, com o chamado “sebastianismo”, o mito do retorno do rei
D. Sebastião. A esperançade Miquéias é projetada para o futuro
numa época de riqueza. Ele entende que os fundamentos estão
errados. Sóabase verdadeira,dotemor aDeuse daféno Messias
porvir,é que poderiadaraJudáalgumaesperança. Não há espe­
rança eterna nas riquezas humanas.
Miquéias, apesardepoucoestudadoemnossasigrejas,é um
profetaaltamenteenriquecedor. Analisar seu livroeentender sua
pregaçãomuito nos ajudaráanos situarmosnuma sociedade que
manifesta pecados nãomuito diferentesdos da sua época. E é no
16
olhar confiante no Deus que dirige a História e que a faz cami­
nhar para o ponto por ele determinado que se pode exclamar:
“Eu, porém, confiarei no Senhor; esperarei no Deus da minha
salvação. OmeuDeusmeouvirá”(7.7). Aprendamosamensagem
destegrandehomemdeDeusdopassadoeaapliquemosàsnossas
vidas.
NOTA
1. Vidadosprofetas, capítulo6,versículos 1e 2.In: Macho Diez (ed.).Apócrifos
dei Antiguo Testamento, vol. II.
17
2
O ANÚNCIO DO JUÍZO
Ouvi, todos ospovos;presta atenção, ó terra, e tudo o que
nela há; e seja testemunha contra vós o SenhorDeus, o Senhor
desde o seu santo templo. Porque eis que o Senhorestá a sairdo
seulugar, edescerá, eandarásobreasalturasda terra. Osmontes
debaixodelesederreterão,eosvalessefenderão,comoaceradiante
do fogo, como as águas se precipitam por um declive (1.2-4).
QuegrandepoetaéMiquéias! Quebelasexpressõesutilizaele!
Tersidoumhomemdocamponãosignificaquenossoprofetafosse
desprovidodebelezaliteráriae homemdepalavrasrudese toscas.
Édeestilofulgurante.Masportrásdasbelasfigurasdeexpressão,
o anúncio, em sua essência, é duro. Yahweh, o Senhor, vem.
“Ouvi” é a primeira palavra do profeta. Seu livro tem três
grandes divisões literárias que se tornam perceptíveis por essa
palavra. A primeira começa aqui, em 1.2. Começa com “ouvi”.
Asegundacomeçaem3.1.Enovamente“ouvi”éopontodepartida.
A última grande divisão está em 6.1. Mais uma vez encontramos
o imperativo “ouvi”. Miquéias reclama atenção parao que prega.
Éóbvioque todosospregadoresquerematenção. Ninguém prega
esperandonãoserouvido. Seriamuitoestranho talproceder. Mas
nossoprofeta,comesserecurso,estárealçandoaseriedadedaquilo
que fala. Não está a brincar. O que ele fala é sério. Como ficou
claro no versículo 1, é “palavra do Senhor” e não invenção sua.
É o dabhar Yahweh (“palavra do Senhor”, em hebraico), termo
técnicoquedesignaumarevelaçãodapartede Deus. Essapalavra
“veio” (Versão Revisada) a Miquéias. Na edição Revista e Atua­
lizada, “em visão veio”. Na Bíblia de Jerusalém, é a palavra que
lhe“foidirigida”.Essastrêsversõesnospermitementendero“ouvi”
enfáticoeiniciadordaobra.EletemumapalavradapartedoSenhor
deIsrael.Essapalavra,umavisão,precisaserbementendida,porque
19
mesmo nos arraiais evangélicos há muita confusão sobre o que
seja receber uma palavra da parte do Senhor. Não é estar fora de
si ou ser apossado de uma divindade estranha, como nos casos
do espiritismo brasileiro, que habilita a pessoa a dizer coisas que
não diriaemseu estado normal. Cremosque o profetaé possuído
pelo Espírito de Deus, mas não no sentido de perder suas facul­
dades mentais e ser controlado por um poder alheio a ele. Até
mesmoJoão,noenigmáticoApocalipse,estáconscientedesi.Não
se confunda revelaçãocom psicografiaespírita ou comentrar em
transe. Eis uma boa citação de Maillot-Leliévre:
Aocontráriodoquemuitas vezessepensaeseescreve,osprofetas,
pelo menos os maiores dentre eles, não eram neuropatas nem
pessoasdesensibilidadeàflordapele,mashomensquerefletiram
muitoequeprocuravamdescobriropermanenteatrásdoacidental.
Mas, quando chegavam a uma convicção, esta osimpregnava de
tal modo que se tornava um fenômeno psíquico, uma visão. O
profeta via então o que os outros homensnão viam. Por trásdo
fato comum ele via a causa... e não muitas vezes também as
conseqüências
Oprofetanão eraumalienado, mas umhomem lúcido, inte­
ligente, habilitado por Deus a ler os sinais da história. Este é o
sentidodeumdostermoshebraicospara“profeta”,hòzeh ouro’eh.
Assim diz Archer: “A implicação deste título era que o profeta
nãoseriailudidopelaaparênciaexternadascoisas,nempelasfalsas
impressões do mundo material, mas que perceberia as coisas
conforme realmente eram do ponto de vista do próprio Deus”.2
“Ouvi, todos os povos.”A palavra é “sobre Samária e Jeru­
salém”(v. 1),ascapitais de Israel e de Judá, respectivamente. Mas
todos os povos são chamados. “Ele exorta o povo a dar ouvidos
àsacusaçõesdeDeuscontraeles,tendooanfiteatrodaterrainteira
como audiência.”3Quem testemunha contra o povo é o próprio
Senhor. Oprofeta não o chama de “acusador”, mas como aquele
que tem um testemunho contra o povo. E não é um testemunho
descuidadcx,masvem“desdeoseusantotemplo”.Éumtestemunho
forte, pois vemdo templo santo. Vemcom aautoridade dequeixa
divina.
20
“OSenhorestáasairdoseulugar.”Elenãoestáinativo. Está
parasaire virjulgar. Mas, sairdeonde?Deque lugar?A resposta
vemdoversículo2:“doseusantotemplo”.Láeleestáentronizado
no “Santodossantos”e nãonumlugarcomum. A figurade Deus
saindodolugar,deixand9seutrono,nãoérepetidacomfreqüência
no AntigoTestamento. Ésempreparaalgummomentograndioso
nahistóriadopovo(veja-se,porexemplo,Êxodo 19.11e 18).Então,
oquevaiaparecerdiantedenósmerecetodoocuidadonaanálise.
Ele sairá e chegará para juízo. “A chegada de Javé para o
julgamento é teofânica: como no Salmo 50 (julgamento) ou 96
e 98 (reinado, governo); ver também Na 1; Hb 3; Sf 1.15 etc. A
rápida imagem sintetiza elementos de erupção vulcânica e de
terremoto, com função simbólica e não realista.”4Uma teofania
se apresentaaos nossos olhos, portanto. Nela, os montes se derre­
terão e os vales se fenderão. A linguagem é simbólica e não real.
Otextoéteofânicoe nãorealista. A interpretaçãoliteralsuscitará
muitos problemas. Miquéias procuramostrar a vindade Yahweh
de formadramática. Essa vinda, que outros profetas denominam
“dia do Senhor”, é sempre dramática. Joel, que é um deles, por
exemplo, a pinta em cores carregadas (como em J1 2.11 e 31).
Os montes são o que há de mais resistente na criação. São rijos
e, na literaturapoética, símbolo do inabalável. “Aqueles que con­
fiamnoSenhorsãocomoomonteSião,quenãopodeserabalado,
mas permanece para sempre”(SI 125.1). Quando Yahweh chegar,
os montes se derreterão. O que em aparência é tão rijo se dissol­
verá. A figuradaceradiante do fogo, usadano versículo4, é bem
clara. Nada subsistirá.
Dois verbos não podem passar despercebidos no versículo
3. Eleséquecomandamoprocessoaseguir:“descerá”e“andará”.
Deusnãoéomissoneminativo. Eleestánoseutrono,mas“desce”,
ou seja, sai dele e vai aonde os homens estão. E não é um obser­
vador passivo, indolente, mas “anda”no meio do pova No Apo­
calipse, a mesma figura é empregada. O Cordeiro que foi morto
mas vive “anda no meio dos sete candeeiros de ouro” (Ap 2.1).
Os candeeiros são as igrejas (Ap 1.20). Quer no Antigo quer no
NovoTestamento,Deusnãoestádistantedoshomensnemémero
espectadordos eventos. Ele andano meio do povo. Participa das
experiências e da história deles.
21
Quando Miquéias escreveu, o juízo estava em andamento.
Enquanto a liderança política presumia poder contorná-lo com
aliançascomoutrasnações,vendoapenasvariantesdeumaconjun­
tura política, o profeta via a mão de Deus. Cego em sua
insensibilidade espiritual, o pecador não consegue ler a história
e ver o que Deus está fazendo. O profeta vê. Miquéias viu. Esta
é sua visão. Os acontecimentos de seu tempo não eram meros
eventospolíticos,produtodescontroladoedescoordenadodeforças
militarese econômicas. Portrásde tudo estava Deus. Os eventos
nãoeramacidentes. Deusestavaparasairdeseulugar.Estavapara
descer e andar no meio do povo. Pôr isso, “ouvi, todos os povos”.
Por isso, “presta atenção, ó terra”. Bem-aventurado o que presta
atenção aos atos-de Deus na história.
São duas questões fundamentais que nós, cristãos, preci­
samos entender. Precisamos compreender que nosso Deus é o
Senhor dahistória. Que os eventos, mesmo os piores, conquanto
não sejamexpressão direta de sua vontade, conduzem a história
no rumodesejadoporele. Éoque lemosemGênesis 50.20: “Vós,
naverdade,intentastesomalcontramim;Deus,porém,ointentou
paraobem,parafazeroquesevênestedia,istoé,conservarmuita
gente com vida”. As sucessivas desgraças de José foram encami­
nhadas por Deus para um ponto positiva Ele nunca perde o
controle, embora, emcertos momentos, tudo possa parecer nebu­
losoparanós. Lembre-setambémdeque,adespeitodeestarpredito,
epelopróprioMiquéias,queoMessiashaveriadenasceremBelém,
poucos dias antes do seu nascimento sua mãe estava a quilôme­
trosdedistânciadessacidade. Foi umdecretode umpagão, César
Augusto,queobrigouMariaaviajarparaBelém(Lc2.1).Nenhuma
mulher grávida, às vésperas de dar à luz, faria uma viagem tão
longae perigosase não houvesseuma necessidade premente. Um
pagão fez aEscriturase cumprir, obrigando o jovem casal a uma
viagem semsentido. Odecretoeraincômodo e trouxe transtorno
a Maria e José. Mas Deus se valeu dele. Esta é uma necessidade
nossa: entender que Deus está no comando da História. Ela vai
no rumo que ele estabeleceu. Até o que nos parece sem sentido
podeserusadoporele.Quandocremosassim,umaprofundasegu­
rança nos domina. Tudo vai terminar de acordo com o querer de
Deus.
22
A segundaquestãojá foi levemente mencionadano comen­
tário da primeira. É que Deus usa pagãos e incrédulos para dar
consecução ao seu querer. A Assíria era cruel e estava com seus
dias contados pelasua violênciae iniqüidade. Mas Deus a estava
usando como instrumento de juízo sobre Israel e Judá. E o fato
deusarpagãoseincrédulosnãosignificaqueDeuslhesficadevendo
favores. Em Isaías 10.5, a Assíria é “a vara da minha ira”. Mas,
“aidaAssíria”.Deususaquemquer,quandoquerenãodevenada
aninguémporisso.Guardemosessamensagememnossocoração.
Muitasvezes,pensamosqueDeusnosdevefavoresporqueestamos
engajados no seu reino. Ele não deve nada a ninguém. Nem a
ímpios,nemaoseupovo.OSoberanonãodevefavoresaossúditos.
Masnãoésó dejuízo que oprofetafala. Esperançatambém
estánasuapauta, comoveremosao longodocomentáriotextual.
Noentanto,registremosdesdelogo,paranãosepresumirqueanda­
remosporumaestradacheiasomentedeescolhos, semrefrigérios.
Há boas notícias no seulivro. Tenhamos, então, uma visão global
daobra,nestecontexto. Oscomentaristasgostamdedividirolivro
em quatro seções:
capítulos 1a 3 — ameaças;
capítulos 4 e 5 — promessas;
capítulos 6 a 7.7 — ameaças;
capítulo 7.8-20 — promessas.
Como se vê, ameaças e promessas se alternam. Todavia,
Willis5propôs uma divisão diferente, nos seguintes moldes:
Denúncia Salvação
1.2 a 2.11 2.12,13
3.1-12 4.1 a 5.15
6.1 a 7.6 7.7-20
A Bíblia de Jerusalém apresenta uma divisão mais simples,
de apenas quatro partes. Nelas, a condenação é mais acentuada,
por aparecer em duas divisões:
1. O processo de Israel — 1.2 a 3.12.
2. Promessas a Sião — 4.1 a 5.14.
23
3. Novo processo de Israel — 5.15 a 7.7.
4. Esperanças — 7.8-20.
Voltaremosmaisvezesaestadivisãodolivro.Oqueinteressa
nomomentoéofatodenostrêsesquemasaquimostradosoanúncio
condenadornãoserfrutodeumDeusiracundooudescontrolado,
mas algo que é feito naexpectativa de que este sensibilize o povo
eoleveaoarrependimento.Apósasqueixaseasameaçasdeconde­
nação, vem a oportunidade de recuperação. O juízo nunca é
anunciado sem que a graça seja oferecida. Quem é punido não
o é sem avisos e sem oportunidade de se arrepender. Neste capí­
tulo, vimos o anúncio do juízo. No próximo, veremos o porquê
de suá iminência. A seguir, veremos a graça anunciada.
NOTAS
1. MAILLOT.A. eLELIÈVRE,A.AtualidadedeMiquéias: umgrande “profeta
menor”, p. 26.
2. ARCHER, Gleason. Merece confiança o Antigo Testamento?,
p. 334.
3. SHEDD, Russel (ed.). O novo comentário da Bíblia, p. 880.
4. SCHOKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Profetas, vol. II, p. 1.074.
5. SCHOKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Op. cit., p. 1.066.
3
O PORQUÊ DO JUÍZO
Sucede tudo isso por causa da transgressão de Jacó, e por
causa dos pecados da casa de Israel. Qual é a transgressão de
Jacó?não é Samáría?e quais osaltos de Judá?não éJerusalém?
Por isso farei de Samáría um montão de pedras do campo, uma
terra deplantar vinhas; efareirebolarassuaspedraspara o vale,
e descobrirei os seus fundamentos. Todasas suas imagens escul­
pidasserãodespedaçadas, todososseussaláriosserãoqueimados
pelo fogo, e de todos os seus ídolos farei uma assolação; porque
pelo salário de prostituta os ajuntou, e em salário de prostituta
se tornarão. Por isso lamentarei e uivarei, andarei despojado e
nu;fareilamentaçãocomodechacais,eprantocomodeavestruzes.
Pois as suas feridas são incuráveis, e o mal chegou até Judá;
estendeu-seatéaporta domeupovo, atéJerusalém.Não oanun­
cieis em Gate, em Aco não choreis; em Bete-Le-Afra revolvei-vos
nopó. Passa, ómoradora deSafir, em vergonhosanudez; amora­
dora de Zaanã não saiu; o pranto de Bete-Ezel tomará de vez a
suamorada.PoisamoradoradeMaroteesperaansiosamentepelo
bem; porque desceu do Senhor o mal até a porta de Jerusalém.
A taaocarroocavaloligeiro,ómoradoradeLaquis;estafoioprin­
cípio do pecado para a filha de Sião; pois em ti se acharam as
transgressões de Israel. Porisso darása Moresete-Gatepresentes
de despedida; as casas de Aczibe se tornarão em enganopara os
reis de Israel. Ainda trareia ti, ó moradora de Maressa, aquele
que te possuirá; Chegará até Adulão a glória de Israel. Faze-te
calva, e tosquia-te, por causa dos filhos das tuas delícias; alarga
atua calvacomoáguia,porquede tiserãolevadosparaocativeiro
(1.5-16).
Até o versículo 4, quem falou foi Miquéias. Deus apareceu
como aterceirapessoa do discurso. Do versículo 5até o 7, muda
25
-seolocutor;quemfalaéDeus.Atenteparaosverbosquemostrafn
aaçãodivina:elesestãonaprimeirapessoadosingular. É Yahweh
quem fala agora e explica o porquê do juízo. Não necessita dar
satisfações, mas não julga o pecador sem lhe dizer que o está
fazendo e por que o faz. Se é soberano, não é mal-educado.
A razãodojuízoébemdescritanoversículo5:“Sucedetudo
isso por causa da transgressão de Jacó, e por causa dos pecados
da casa de Israel”. Não é por capricho de Deus, mas por causa
das transgressões do seu próprio povo contra sua santidade. O
pecado acarretacastigo. É uma ofensa a Deus, e sua presença na
vidá do povo de Deus é um desgosto para o Senhor.
Ambos os reinos são culpados. Tanto Judá (Jacó) como
IsraelpecaramcontraDeus. Israelnasceusobosignodaidolatria,
com Jeroboão. Veja-se IReis 12.16-33 paralocalizaro surgimento
histórico doreinodoNorte. Atente-se emparticularparaos versí­
culos28-33,quemostramcomoaidolatriasefirmoudesdeoinício
do reino. Judá demorou mais a ser envolvido pela idolatria, pela
força da dinastia de Davi, que teve gente de firmeza espiritual.
EmOséias 11.12lemos: “Efraimme cercoucom mentira, e acasa
de Israel com engano; mas Judá aindadomina com Deus, e com
o Santo está fiel”. Todos os reis de Israel foram idólatras, sem
exceção. Em Judá houve reis piedosos que evitaram uma desin­
tegração mais rápida do reino. Esta veio, mas custou um pouco
mais.
Na palavra de Deus através de Miquéias, a transgressão de
Judá (oreino do Sul) é Samária (capital do reino do Norte). Judá
também foi envolvido pela idolatria. Copiou os feitos errados de
Israel, de modo que tem seus “altos”. O que significa isto?
No Antigo Testamento, os “lugaresaltos”eram tradicionalmente
oslocaisdecultoàsdivindadesligadasàfertilidadeda terra, onde
aprostituição era o rito central. Era considerado um culto idolá-
tricoporquesignificava uma traiçãoao cultoaJavé. Ora, o culto
aJavéeraaprerrogativacentraldeJerusalém, considerada osím­
bolo da aliança de Deus com seu povo. Desse modo, podemos
percebera violência da acusação de Miquéias: de lugar de culto
a Javé, Jerusalém se tornou o local da idolatria, da prostituição.
Isso relembra o destino de Samaria (sic), que o profeta promete
26
também para Jerusalém: como conseqüência da idolatria, Jeru­
salém será arrasada e ficará em ruínas (1.6,7).1
Não era apenas a idolatria, como se esta fosse pouco. Uma
idolatria comum, como a que vemos hoje, com veneração de
imagens, jáseria umaperversãoreligiosa. Erauma idolatria com
prática de sexo por sacerdotisas-prostitutas. Era o culto à fertili­
dade.“Porisso”(v.7)virájuízosobreSamária. Elaseráummontão
de pedrasdocampo, oqueparecesignificar terrainóspita. Outros
pensam queseriaaindafértilporser uma terradeplantar vinhas.
Masaidéiaémaisdedesabitação. Samáriaseráterraabandonada.
Nasceriam vinhas semcultivo, como em muitos lugares do Brasil
nascem árvores frutíferas sem cuidado humano.
As imagensesculpidasseriamdespedaçadas. A idolatriaseria
destruída. Aexpressão“saláriodeprostituta”indicaqueparaDeus
toda aSamáriaerauma prostituta, como Israelo eraparaOséias.
A infidelidade espiritual é vista por Deus como prostituição. É
aquebradocompromisso,dopactoassumidocomele. Comoigreja
de Cristo, precisamos lembrar que firmamos um pacto com o
Senhor. Nossa infidelidade no relacionamento com ele, quando
deixamos de amá-lo ou quando colocamos nossa confiança em
recursos humanos, é prostituição. Pensamos muito em idolatria
como adoraçãode imagens. Enosorgulhamos porquenão somos
idólatras. Mas muitos cristãos o são. Muitos de nós adoramos
conceitos, ideologias e instituições — e, nãopoucas vezes, nossas
opiniões pessoais, às quais atribuímos um caráter de sagradas.
Julgamosnossasopiniõesinfalíveis.Quantasdissensõestêmsurgido
nasigrejasporcausadegentequesevêcomoumoráculoinfalível
ejulgasuapalavrapessoalcomoalgumacoisaàqualtodaacomu­
nidade tem de sujeitar-se!
Valorizamos muito mais essas coisas do que o evangelho de
Jesus. Há tempos, surgiu no cenário brasileiro uma empresa de
produtos diversos chamada Amway. Nada a dizer contra ela, até
mesmo porseruma empresacomo qualquer outra. Mas dizia um
membro de certa igreja que, se seu pastor fosse tão apaixonado
pelo evangelho de Cristo como o erapela Amway, a igrejaestaria
explodindo de vida. Ele divulgava seus produtos com uma inten­
sidadecomque nãodivulgavaonome do Salvador. Outroobreiro
engajou-senacampanhapolíticadedeterminadocandidatoàPresi­
dência da República. A opção política é um direito de qualquer
cidadão,edaqueleobreirotambém. Massenuncapuseraumplás­
ticoevangélicoemseucarro,elepôsumdoseucandidatoemcada
vidro do veículo. Não era de distribuir literatura evangélica, mas
fazia “corpo a corpo” distribuindo os chamados “santinhos” do
seucandidato. Nossasemoçõesenossoentusiasmomaiorsãopelo
Senhor Jesus, por sua obra, ou por nossos negócios e propósitos?
Discutimoscommaisardorsobrepolíticaefuteboldoquefalamos
de Jesus?Nossas emoções estão mais postas no reino de Deus ou
emfutilidades?Vibramosmaiscomnossoclubedefuteboldoque
com o evangelho? Isto é idolatria: empolgar-se mais com essas
coisas do que com o reino de Deus, ter mais vigor e entusiasmo
com o fútil do que com o Eterno. Cuidado com as sutis formas
de idolatria da sociedade contemporânea!
No versículo 8, o profeta retoma a palavra. Vai lamentar,
uivar, andar despojado e nu, em sinal de lamento. Seu contem­
porâneo, Isaías, agiu da mesma maneira (Is 20.2,3). Realmente,
a situação não eradas mais agradáveis. A partir daqui, Miquéias
anunciaojuízodivinosobre 12cidades,algumasdelasconhecidas,
como Gate, Zaanã, Laquis, Moresete-Gate, Aczibe, Maressa e
Adulão.Outrassãoignoradas.Émuitoprovávelqueoprofetaesteja
falandodainvasãodeSenaqueribecontraJudá,em701 (leiasobre
ela em Isaías 36 e 37). Essa invasão chegou até as portas de Jeru­
salém, mas lá Senaqueribe não conseguiu entrar. Deus não o
permitiu. Como lemos em Isaías 37.33-35: “Não entrará nesta
cidade, nem lançará nela flecha alguma; tampouco virá perante
elacom escudo, ou levantarácontra elatranqueira. Pelocaminho
por onde veio, por esse voltará; mas nesta cidade não entrará, diz
oSenhor. Pbrqueeudefendereiestacidade,paraalivrar,poramor
de mimeporamor domeuservoDavi.”Istoestáem consonância
com o versículo 9de nosso texto: “estendeu-se até aportado meu
povo, até Jerusalém.” Ficou na porta. Não entrou.
As feridas de Samária eram incuráveis. Não havia mais
remédio. A que ponto chega a dureza de coração! Uma pessoa
pode viver no pecado e acabar cauterizando a sua consciência a
tal ponto que não mais se sensibilize com achamada ao arrepen­
dimento.Comodevemossercautelososcomnossasatitudes!“Hoje,
28
se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações (...)”
(Hb 3.7,8) é uma boa exortação para nós.
As feridas não eram apenas incuráveis, mas também trans­
missíveis:“omalchegouatéJudá.”Jáhaviaumaadvertênciacontra
essapossibilidadeemOséias4.15:“Aindaquetu,ó Israel,tequeiras
prostituir,contudonãosefaçaculpadoJudá.”Eisoutrarazãopara
cuidarmosbemdenossavida. Existeumelementoaltamentetrans­
missívelnopecado. Elesepropagacomrapidez. Nãosepassasaúde
paraoutrapessoa,masdoençascontagiosassepropagamcomfaci­
lidade. Nossos pecados podem contaminar toda uma comunida­
de, pelo nosso mau testemunho, por um mau exemplo.
Porque o mal chegou até Judá, até a porta de Jerusalém
(v. 9), do Senhor desceu o mal até a porta de Jerusalém (v. 12).
0 profetaébemclaro: nãoimportaatéondeo maltenhachegado.
Até ele chegará o juízo de Deus. Mesmo que tenha sido na pró­
pria casa de Deus o lugar aonde o mal tenha chegado, até aí
chegará o juízo de Deus. Devemos pensar nisto porque muitos
nutrimos um conceito estranhoe até mesmo tortuoso: que Deus
não tolerao pecado no ímpio, mas o tolerano salvo. Paramuitos,
Deus julgaráimplacavelmenteosperdidos, exatamente porcausa
dos seus pecados, mas fará vistas grossas ao pecado na presença
do seu povo/O mal havia chegado a Judá. O castigo chegaria a
Judá. FoiaoseuprópriopovoqueDeusdisse: “(...)ovossopecado
vos há de atingir” (Nm 32.23). O pecado em nossa vida será
cobrado.Nãopensemosquetemosliberdadeparapecaràvontade.
“Chegará até Adulão a glória de Israel” (v. 15b). Depois de
umasériedeinvectivascontracidades,aldeiase lugarejosde Judá
praticamentedesconhecidos,chega-nosessaexpressão.Oqueestá
por trás dela? Afinal, trata-se da glória de Israel, a qabhôd. Em
1Reis 8.11,apalavraéusadaparaDeus,quandoaqabhôd-Yahweh
encheu o templo que Salomão acabara de dedicar. Agora, Mi-
quéias nos diz que ela chegará até Adulão. Esse foi o lugar onde
Davi se asilou quandofugia de Saul (ISm22.1). A glóriade Israel
iriapara lá. Para o comentaristada Bíblia deJerusalém, em nota
de rodapé, o texto deveria sofrer uma correção, e se leria, então:
“DeAdulãoiráembora,parasempre,aglóriadeIsrael”.Suaobser­
vação é esta: “Yahweh vai abandonar o lugar onde a dinastia
começou seus feitos heróicos”.2É um pouco problemático fazer
29
correçõesaotexto,mesmosabendoquemuitasvezeselefoicorrom­
pido e que nem sempre as traduções espelham com fidelidade o
sentido que o autor sagrado quis dar. Mas esbarramos num
problema que não podemos deixar de considerar: será que, por
centenas de anos, exegetas bem preparados, nativos no uso da
língua, não viram isto? O bom senso é também uma ferramenta
hermenêuticae exegética: nadúvida, é bomverificaro que intér­
pretes mais próximos dos eventos entenderam. Trata-se de uma
questão não mais técnica, mas de conteúdo: os feitos heróicos da
dinastia de Davi começaram de fato por Adulão, onde ele se
escondeu?OcomentaristadaBíbliadeJerusalémaceitouapalavra
qabhôdparasereferirexclusivamenteaDeus. Istotornoutortuoso
seu entendimento.
Parece mais acertado o comentário de Carlson: “A nobreza
fugiráparaAdulão,famosaporsuascavernas;oshomensquedeve­
riam estar na frente da batalha ficarão escondidos”.3Faz mais
sentido porque a aplicação do termo qabhôd não se restringe a
Deus; com as acepções de “honra, peso, importância”, também
se usa paraa grandeza humana. Os homens ilustres de Israel, na
hora da crise, em vez de liderar seu povo, fugiriam.
Com umasituaçãotãocalamitosaporvir,opovoéchamado
aoluto,noversículo 16.Rasparacabeça (“faze-tecalva”)eabarba
(“tosquia-te”)eramsinais de luto (Jr 16.6; Ez 27.31). Ele deve ser
expressado pelo povo.
Não é uma mensagem que o profeta prega com alegria.
Embora haja pregadores doentios, com prazerem agrediro audi­
tório, ele não é um sádico. O versículo 8 diz bem do seu estado
emocional. Ele lamentará, uivará, andará nuem sinal de tristeza.
Mas é uma mensagem que deve ser transmitida. Pbr certo, não
seriao que o povo estavadesejoso de ouvir, mas erao que o povo
precisava ouvir. Os profetas de Deus não foram chamados para
massagear o ego do povo e tampouco para acalmar suas cons­
ciências em pecado. Foram chamados para exortar o povo à
mudança de vida, à correção de suas atitudes e ao abandono do
pecado. Em dias como os nossos, em que há pregadores especia­
listas em chamar o povo para ser rico, ter saúde e prosperidade
contínua, dias em que a palavra “pecado” saiu de moda, é bom
levantarmosabandeiradeumDeusmoralqueexigeretidãoepede
30
oabandonodopecado. Paranós,cristãos, umaadvertênciamuito
séria: Deusjulgao pecadoondequerqueesteseencontre —inclu­
siveemnossasvidas. Aprendamosavivercomseriedadeeretidão
diante de Deus. Ele espera isso de nós. E será muito bom para
nossas vidas.
NOTAS
1. BALANCIN, Euclides e STORNIOLO, Ivo. Como ler o livro de Miquéias,
p. 14.OsautorestransliteramonomedeDeuscomoJavéeoptamporSamaria,
em vez de Samária, que usamos aqui, seguindo a Versão Revisada.
2. Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé, comentário in loco.
3. PFEIFFER,CharleseHARRISON,Everest(eds.).ComentáriobíblicoMoody,
vol. III, p. 313.
4
UM ABISMO CHAMA OUTRO ABISMO
Ai daqueles que nas suas camas maquinam a iniqüidade e
planejam o mal! quando raia o dia, põem-nopor obra, pois está
nopoderdasuamão. E cobiçam campos, eosarrebatam, ecasas,
e as tomam; assim fazem violência a um homem e à sua casa, a
uma pessoa e à sua herança. Portanto, assim diz o Senhor: Eis
que contra esta família maquino um mal, de que não retirareis
osvossospescoços;enãoandareisarrogantemente;porqueotempo
será mau. Naquele dia surgirá contra vós um motejo, e se levan­
tará pranto lastimoso, dizendo: Nós estamos inteiramente
despojados;aporçãodomeupovoelea troca;comoelearemove
demim!aosrebeldesreparteosnossoscampos.Portanto,não terás
tunacongregaçãodoSenhorquemlanceocordelpelasorte(2.1-5).
A Bíblia d&Jerusalém intitulou este trecho de “Contra os.
usurários”. Vanios entender seu contexto, transcrevendo duas
citações. Na sua leitura, poderemos compreender bemo que está
se passando.
Quandoas tribosseinstalaram na TerraPrometida, os territórios
foram sorteados fraternamente, para que cada família tivesse o
seulote.Agora,osricoseospoderosos,poucoapouco, vãotomando
cada vezmaiscamposecasas. Dessemodo,junto aoslatifúndios,
muitasfamíliasficamnamiséria,impossibilitadasdeterasuaparte
na terra dopovo deDeus. Mas oprofeta anuncia ojulgamento:
em breveoinvasortomará tudo, enãohaverámais umpovo,pois
a terra pertencerá aos estrangeiros.1
A outracitaçãocaminhajuntocomesta,masnoslançamais
luzes:
33
Miquéiasdenuncia a violaçãodaaliançanoSinai. A propriedade
fundiáriapertenceàstriboseàsfamíliasenãopodia seralienada.
A tendência monopolista e a exploração do próximo rompiam a
comunhão fraterna dopovo (cf. lRs 21.1-16). Por isso a ameaça
de perda total da terra em favor dos estrangeiros.2
A ganânciasuperouafraternidadeeestavacolocandoaexis­
tênciadanaçãoemperigo. Elasemeiaainjustiçaecolheapunição
divina.
Umaboaobservaçãosobreo teordestecapitulofoi feitapor
E B.Meyer:“Ocapítuloanteriorfocalizapecadoscontraaprimeira
tábua da lei; este fala de pecados contra a segunda”.3Oportuna
e lúcidaconsideração. Costuma-se pensar nos Dez Mandamentos
emduastábuas. Aprimeiracontendoosquatroprimeiros,alusivos
aos deveres para com Deus. São os mandamentos verticais, na
relação de Israel para com Yahweh. A segunda contendo os seis
últimos, alusivos aos deveres para com o próximo. São os man­
damentos horizontais, na relação entre as pessoas. Quando se
quebraraprimeiratábua, inevitavelmentesequebraráasegunda.
“Um abismo chama outro abismo” (SI 42.7). Quando não há
temordeDeus,nãohárespeitoaoshomens. Neemias,comogover­
nador, não oprimiu o povo, não lhe tomou pão e vinho nem
dinheiro. Edeuarazão: “(...)eu assimnão fiz, porcausado temor
deDeus”(Ne 5.15). QuandohátemordeDeus, háretidão. Quando
nãohá,époucoprovável. Poderáhaver,poiso homemtrazdentro
de si uma centelha divina. Mas a força do pecado que domina
pessoasecorróiestruturasémuitograndeenãopodeserignorada.
Israel e Judá estavam desacertados espiritualmente. Como
conseqüênciainevitável,experimentavamdesacertosnaestrutura
social e nos relacionamentos humanos. Hoje, tenta-se encontrar
explicações sociais e políticas paraas diversas crises de relaciona-
I mento no seio denossa sociedade. Não se pode sociologizartudo.
Na raizdos desajustes está uma palavraque não pode ser banida
do vocabulário humano, embora muitos tentem fazê-lo: pecado.
Ele é a desgraça das nações (Pv 14.34).
“Ai daqueles (...)”.O“ai”eraumaexclamaçãopunitiva, indi­
candosempre umjuízosobre alguém. Ai dosexploradores! Eque
exploradores!A Bíbliana linguagem dehoje verteu assimo versí-
34
culo 1:“Aidaquelesqueantesdeselevantaremdemanhãjáfazem
planosparaexploraremaltratarosoutros! Elogoqueselevantam,
fazem o que querem, pois são poderosos!” Que tipo de gente!
E que atividade! Antes de se levantarem já estão planejando o
mal. E,saídosdacama,executam-no.“Estánopoderdasuamão”
(v. 1)significaquesãopoderosos. Masháumamãomaisforteque
a dos poderosos na terra. Há poder acima do dos homens. É a
mão de Deus. É o poder de Deus. Não se escapa dele.
Jezabel agiu assim. Tomou a vinha de Nabote, levando-o à
morte (lRs 21.5-16). Tinha poder para fazer isto e presumiu que
ficariaimpune. Com freqüência, os poderososjulgamque podem
fazer o que querem. Mas Deus agiu. “Tambémacerca de Jezabel
falou o Senhor, dizendo: Os cães comerão Jezabeljunto ao ante-
muro de Jizreel” foi a palavra imediatamente enviada por meio
de Elias (lRs 21.23). Existe um Deus moral que pune os pecados
dos homens, ensina a Bíblia. E isto não é história da carochinha.
A História humana o comprova.
Oversículo 2descreveaaçãodos cobiçosos. Otextomostra-
ostomandoascasaseasterrasdospobres.Istoerafeitolegalmente,
usando-seasprisõespordívidas,recursosqueoscredoresutilizavam
paraseapoderardosbensdosendividados. Ajustiçahumanapode
ser muito cruel com os fracos e generosa com os poderosos, que
muitasvezesfazemasleisesabemaproveitar-sedasbrechasnelas
deixadasparapoderemagir.Muitomalcostumaserfeito,nãocontra
aleihumana, mascom o respaldodas leisdos homens, até. Espe­
cialistas em torcê-las, alguns técnicos conseguem achar brechas
para favorecer os maus. Sabemos disso muito bem.
“Cobiçam campos” é uma violação explícita do décimo
mandamento. Diz Êxodo 20.17: “Não cobiçarás a,casa do teu
próximo,nãocobiçarásamulherdoteupróximo, nemoseuservo,
nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa
algumadoteupróximo.”TantoemMiquéiascomoemÊxodotemos
o verbo hebraico hamad, que significa uma violação deliberada
e cínica da propriedade alheia. Uma posse do alheio planejada
e bem calculada.
Esta é uma questão na qual devemos pensar seriamente.
Nossasigrejassãomuitozelosascomospecadosnaesferadosexo.
E não estão erradas no seu zelo, deve-se dizer. Quantas atas de
35
igrejas registramexclusões “por quebra do sétimo mandamento”,
expressão que se tornou conhecida pelo seu uso em tais ocasiões.
Mas o que dizemos aos cobiçosos e exploradores? Porque tantas
igrejaselíderes,emtantasocasiões,têmbajuladopolíticoscorruptos
esabidamentecomprometidoscomaopressãoecomaexploração
dopobre?Quantostêmsidoexcluídosdenossasigrejasporquebra
dodécimomandamento?Quandovemospastoresimpondoasmãos
sobreacabeça dehomensreconhecidamenteímpios, “ungindo-os
em nome do Senhor” na sua campanha política, não é lícito
perguntarse nãoestáhavendoumcasodeoportunismode ambas
as partes? É justo usar o nome de Deus para projetos políticos
pessoais? É esta a nossa função, legitimar o poder muitas vezes
conseguido e mantido pela cõrrupção? Seria isto que ocupava a
mente de Jesus ao dizer “edificarei a minha igreja”?
Yahweh estava planejando um mal contra os exploradores.
Eraalgodequenãoconseguiriamretirarospescoços. Elestinham
seus planos. Deus tinhaos dele. Porissoé muitobomo título que
aNewInternationalversiondeuaestetrecho:“Osplanosdohomem
e os planos de Deus”. Os ímpios fazem seus planos. Deus faz os
dele— que se chocam com os dos ímpios e os aniquilam.
É curiosa a expressão “não retirareis os vossos pescoços1
”.
Lembramo-nos de imediato da guilhotina, que decapita os
sentenciados. Mas evidentemente não é esta a figura. A terrível
guilhotinanãoeraconhecidadoshebreus. Éumaalusãoaospesados
jugos que os assírios punham nos pescoços dos seus vencidos, a
quem traziam como escravos. Claramente Deus está assumindo
a responsabilidade por enviar Senaqueribe para dominá-los e
escravizá-los—oquefezcom IsraelecommuitosdeJudá,embora
nãoentrasseemJerusalém. Deusestavatrazendoumjugodoqual
não poderiam livrar-se.
Quandoistoacontecer,serãoobjetodezombaria,eeleslamen­
tarãosua situação (v. 4). “Aos rebeldes reparteos nossos campos”
é referênciaaos invasoresestrangeirosque possuiriamsuasterras.
Exploraram, tomaram-na dos outros, mas não ficarão com elas.
Outros as tomarão. Citando Crabtree:
Os assírios praticavam o costume de levar em cativeiro os ricos
dasterrasqueconquistavamedeixarseuscompatriotasnodomínio
36
dospaísessubjugados. Destemodo, osisraelitasricos verãoasua
valiosapropriedadedistribuída entreassírioseospobresdeixados
na terra, e depoissofrerãoa maiordegradação ao serem levados
como escravos para o estrangeiro,4
“NãoterástunacongregaçãodoSenhorquemlanceocordel
pelasorte”,dizoversículo5. Éafiguraderepartiraterraemsorteio,
o que sucedeu quando da entrada na terra de Canaã, como se lê
em Josué 14 em diante. Esses exploradores, além de sofrerem o
castigo pela invasão assíria e pelo despojamento de suas terras,
serãoexcluídos daherançadoSenhor. De fato, istoaconteceu. As
dez tribos do Norte, apesar de tantas lendas sobre elas, desapare­
ceram. Perderam sua parte e perderam seus representantes.
A lição que fica deste texto é muito clara: os exploradores
dospobressofrerãoojuízodivino. Pagarãoseuspecados. Pormais
poderosos que sejam, não estão imunes à mão de Deus. Mesmo
reconhecendo isto, não podemos, no entanto, concordar com o
usoquesefaz davisãosocialdosprofetasemgeral, ede Miquéias
em particular, para apologia da violência. Na sua obra Comoler
olivro de Miquéias, que, reconheça-se este mérito, dá uma exce­
lente visão global do livro do profeta, Balancin e Storniolo fazem
umapergunta, paradiscussãoemgrupo, após estudaremacrítica
proféticaàexploração dos pobres: “Oque pensar daocupação de
terras? É roubo ou recuperação?”5 A pergunta é tendenciosa.
A respostapode seroutra pergunta: “Ao se ocupar uma terranão
se está cometendo também a violação do décimo mandamento?”
Pobres também pecam, tambémcobiçam e tambémerram. Parti­
dários da teologia da libertação, os autores, católicos, esquecem
que sua igreja possui, conforme o jornal O Estado de S. Paulo,
178 mil hectares de terras, distribuídos em 1.268 imóveis rurais.6
Não sãoapenasos pagãosquesão latifundiários. Igrejastambém.
Talvez, melhor do que pregar invasão de terras, seja distribuir as
suas. Afinal, assimfaziamoscristãos,comooexemplodeBarnabé
nos mostra, em Atos 4.36,37.
Háinjustiçassociaisgritantesemnossopaís. Háumainíqua
concentração de renda nas mãos de uma minoria. Mas o texto
bíblico não incita invasões. Há injustiças e corrupção em várias
esferasdopaís, masaviolência produzapenas mais violência. Ria
37
não é a parteiradaHistória, mas acoveirada História. Em geral,
apenas o pobre, que é o mais fraco nos elos da corrente social.
O poderoso quase sempre escapa ileso. Como cristãos, à luz dos
princípios da Palavra de Deus, devemos lutar por melhores
condições para o povo, devemos usar e esgotar todos os recursos
humanos legais, devemos estender a mão ao pobre, orar por ele
etambémpelopoderoso,emobediênciaa ITimóteo2.1,2. Devemos
exercerumaaçãosadiaemproldosnecessitados, masnuncaretri­
buir o mal com o mal.
NOTAS
1.Bíblia Pastoral, nota de rodapé, comentário in loco.
2. Bíblia Vozes, nota de rodapé, comentário in loco.
3. MEYER, F. B. Comentário bíblico devocional, p. 431.
4. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 142.
5. BALANCIN,EuclideseSTORNIOLQ,Ivo.ComolerolivrodeMiquéias,p.22.
6.0 Estado de S. Paulo, artigo publicado em 16 de maio de 1980.
38
5
A REAÇÃO CONTRA O PROFETA
Nãoprofetizeis;assimprofetizam eles —não se deveprofe­
tizartaiscoisas;nãonosalcançará oopróbrio.Acasodir-se-áisso,
ó casadeJacó: tem-serestringido oEspírito doSenhor?sãoestas
as suas obras?e não é assim que fazem bem asminhaspalavras
ao que anda retamente?Mas há pouco se levantou o meu povo
como um inimigo;desobrea vestiduraarrancaisomantoaosque
passam seguros, comohomens contráriosàguerra. As mulheres
do meu povo, vós as lançais dassuas casas agradáveis; dos seus
filhinhos tiraispara sempre a minha glória. Levantai-vos, e ide-
vos, pois este não é lugar de descanso;por causa da imundícia
que traz destruição, sim, destruição enorme. Se algum homem,
andando em espírito de falsidade, mentir, dizendo: Eu teprofeti­
zareiacercado vinhoedabebidaforte;seráessetaloprofetadeste
povo. Certamente te ajuntarei todo, ó Jacó; certamente congre­
gareiorestante deIsrael;pô-los-eitodosjuntos, como ovelhasno
curral, como rebanhono meio do seupastor; farão estrondopor
causa da multidão dos homens. Subirá diante deles aquele que
abreocaminho;elesromperão,eentrarãopelaporta, esairãopor
ela; e o reiirá adiante deles, e o Senhor à testa deles (2.6-13).
Com este texto entramos num dos momentos mais difíceis
para interpretação, no livro. Ao mesmo tempo, o tema abordado
é de extremaatualidade, o da injustiça social legitimada pelareli­
gião.Veremoscomoospecadoresseescudamemconceitosreligiosos
para manter sua situação inalterável, como se valem de Deus e
de sua palavra para acalmarem suas consciências e justificarem
seuspecados. Éumaclassecínica, aqueMiquéiasenfrentaagora,
aque crê emDeus e o usaparalegitimar suapráticapecaminosa.
Gentequese apóiaemDeus e nastradições religiosasparaperpe­
39
tuarainjustiça. Não é uma classe que desapareceucom o tempo.
Pelo contrário. Hoje, vê-se muita gente usando Deus e a Bíblia
parajustificar posições pecaminosas. Em um programatelevisivo
de entrevistas, um ex-pastor, que no passado se notabilizou por
ganharumconcursodeconhecimentobíblicopelatelevisão(numa
época em que os evangélicos eram inexpressivos), fez a apologia
do homossexualismo, utilizando-se daamizade de Davi e Jônatas
paraprovarsuatese.Oapresentadordoprograma,JôSoares,ficou
tão perplexo, que, emboranão sendo crente, contestou as teses do
ex-pastor. A que ponto se chega, quando se perverte a Palavrade
Deus! Sercorrigidopornão-crentes! Ecomo se pode usaraBíblia
para tentar justificar o pecado!
Miquéias fala de juízo. Os seus ouvintes, poderosos na
economia e no pecado, contestam-no. É assim que começa nosso
texto. Os líderes da nação iniciam sua fala (v. 6 e 7). Vejamos a
tradução dos versículos 6 e 7, na Bíblia na linguagem de hoje:
“Opovo me diz: — Parecomessas profecias! Não diga isso!
Não é possível que Deus faça a desgraça cair sobre a gente! Será
que o povo de Israel está amaldiçoado? Será que o Deus Eterno
está irritado? É assim que ele age?”
Miquéias deve pararde profetizar como vem fazendo. Deve
falar coisas boas. Foi a proposta que fizeram a Micaías, profeta
chamado a aconselhar Acabe: “Eis que as palavras dos profetas,
a uma voz, são favoráveis ao rei; seja, pois, a tua palavra como
a de um deles, e fala o que é bom” (lRs 22.13). A resposta de
Micaías, a única que um autêntico homem de Deus poderia dar,
foiesta:“ViveoSenhor,queo queo Senhormedisser,issofalarei”
(lRs22.14). EstasuarespostadeveseraposturadaIgrejadeCristo
aos que querem cortejá-la e atraí-la para suporte.
Omundocortejaaliderançareligiosaquecomelecompactua.
Tendo sido inexpressivos no passado, os evangélicos brasileiros,
hoje, são um contingente significativo da população. Muitos dos
seuslíderessãobajuladospelaliderançapolítica,quevênelespossi­
bilidadede penetraçãonas camadas populares. Satisfeitos porque
agoranãosãomais“gentinha”,maspessoasaquemopoderprocura,
muitoslíderesaceitamoabraçomundanoecorruptodegentesem
qualquer qualificação espiritual e moral. Sentem-se lisonjeados,
quando,nárealidade,sãousados. Nãodevemosnospreocuparcom
40
a busca de aplauso e de concordância do mundo. “Não ameis o
mundo,nemoquehánomundo.Sealguémamaomundo,oamor
do Pai não está nele” (lJo 2.15).
Há líderes religiosos que buscam popularidade junto ao
mundo. HáummovimentoreligiosonoBrasil(quetentafazeruma
síntese do espiritismo, do esoterismo, do catolicismo e de alguns
conceitosbíblicos,paraserareligiãobrasileira)quepublicacolunas
emjornaisbrasileiros. A tônicaécitardeclaraçõesde autoridades
elogiandootrabalhodogrupoedoseulíder,quecriouumaincrível
estruturadepromoçãodocultoàpersonalidade. Comoo dirigente
do movimento que pretende sera religião ecumênica do Brasil se
promove! E abusca de aplausos, de aceitação do mundo, é usada
por ele para mostrar seu valor. Isto é deplorável!
A religião é um campo fértil para o culto à personalidade
de líderes humanos. Como há pessoas emocionalmente doentes
se promovendo à custa de Deus, enaltecendo-se e projetando seu
nome! Como há desequilibradosusando areligiãoparapromover
oseueuopaco! Veja-seestanotíciapublicadanarevista Ultimato,
sobo título“Absurdo”:“Melhorseriasefosseerrode revisão, mas
nãoé. Paraapresentaro autorde um livrosobreo EspíritoSanto,
lançadorecentementeemBrasília,alguémescreveuoseguintesobre
oescritor:‘(Fulano)éumadestaslâmpadascommaiorcapacidade
de receber a luz de Deus. O Senhor tem mantido com ele uma
comunhão plena, tem transmitido a ele seus segredos, e mostra
osplanosepropósitosparaestesdias(...)”’.Aseguir,vemocomen­
táriodarevistasobreanota: “Atéentãoeraohomemquemdeveria
manter plena comunhão com Deus e não o contrário”.1A obser­
vação final da revista é suficiente para pôr abaixo a ridícula
pretensãodotexto,mas,quehorror!Comopodehavertantopemos-
ticismo assim no cenário evangélico? E a tão preciosa doutrina
do sacerdócio universal de todos os crentes? E a revelação plena
ecabal,nasEscriturasSagradas,postaaoalcancedopovodeDeus?
Pbrquesetentaressuscitarocatolicismo,comaidéiadeumacasta
privilegiada que tem acesso a Deus, enquanto a plebe ignorante
tem de recorrer às “lâmpadas com maior capacidade”?
É também um campo fértil paraa manipulação de pessoas,
o que verificamos com abundância de provas. São poucos os que
queremlevaropovoàmaturidade paratomar suas decisõeseagir
41
de acordo com sua consciência cristã. O que a Bíblia ensina em
Efésios 4.1-16é bemclaro: o povo de Deus deve alcançar amatu­
ridade e não ser criança sempre conduzida pela mão.
Miquéiasnãotinhacomopreocupaçãoganharumconcurso
de popularidadejunto à classe dirigente de sua época. Não tinha
comopreocupaçãoprojetarseunomecomo“grandeservodeDeus”.
QueriaserfielaospadrõesdoseuDeus. Numacampanhadeevan­
gelizaçãonumacidadebrasileira,algunscartazesfòramcolocados
nospostes:“Suavidavaimudar.Fulanodetal(onomedopregador)
em (...) (o nome do lugar)”. A vida da pessoa não mudaria pela
ação do Espírito de Deus ou pela conversão a Jesus Cristo, mas
pelopregador.Umcasotípicodenovaversãodeumaoraçãocostu­
meiraemnossomeio:“EscondeacruzdeCristoatrásdoteuservo”.
Istoéumescândalo, umabominávelcultoàpersonalidade»forma
insidiosa e abrandada de idolatria. Devemos rejeitar pessoas que
usam o evangelho como trampolim para sua projeção. O culto à
personalidade humana, no cenário evangélico, é uma perversão
do serviço cristão.
A respostade Miquéias é exemplar. Éele quem falaa partir
doversículo8.Elesprotestaramcontraasameaçasdoprofeta,utili­
zando o argumento da aliança entre Israel e Yahweh. A resposta
que Miquéias dá é que a aliança foi rompida pelos pecados do
povo e pela injustiça da elite dirigente.
Oprofetanãoosvêcomobeneméritosdopovo(comoaclasse
política gosta de se intitular). Ele os vê como inimigos do povo.
A Bíblia Loyola traduziu assim o versículo 8: “Vós, porém, vos
ergueis como inimigos contra o meu povo”. Não é ele, Miquéias,
o inimigo. São eles, os homens que dizem defender os direitos do
povo, mas que constroem riquezas à custa da miséria do mesmo
povocujosinteressesdizemdefender (istonãonos soatãoatual?).
Miquéias se recusa a falar o que os pecadores querem. Há
umexcelentelivrodeFrancisSchaeffer,Deathin theçity, emque
ele analisa o livro de Jeremias.2Os contemporâneos de Jeremias
queriamouvircoisasboas,queriamafagos. Oprofetafalavacoisas
duras, que os desagradavam. O Dr. Schaeffer mostra que eles
queriam“umeco”àssuaspalavras.Que,emsuapregação,ogrande
profeta apenas ecoasse o desejo deles. O erradamente chamado
“chorão”(narealidade,Jeremiaséumgiganteespiritual)serecusou
42
a serum “eco”. Ele queriaser “palavrade Deus”.O que Schaeffer
propõe é um dilema paraa igrejacontemporânea: o que ela quer
ser, eco dos homens ou palavra de Deus?
A classe política arranca a roupa do povo (v. 7), expulsa
as viúvas de suas casas (v. 8) e “dos seus filhinhos tirais para
sempre a minha glória” (v. 8). Esta última expressão alude aos
filhos dos pobres vendidos como escravos. Vender alguém como
escravoeratirar-lheaglóriadeDeusque neleestava. Não mudou
muito. Há homens cobiçosos e exploradores que sujeitam os
necessitados a uma situação em que a dignidade deles lhes é
alienada.
Por causa disso, vem a declaração dura no versículo 10:
“Levantai-vos, eide-vos, poisestenãoé lugardedescanso”.Omau
hábitodetirarpassagensdoseucontextojáfezcomqueesteversí­
culofosseutilizadocomodivisanumacampanhamissionária,como
sefosse umaexortaçãoadeixarodescansoetrabalharparaDeus.
Não é disto que o texto trata. É de juízo. A Bíblia na linguagem
de hoje deixou bem claro o que está sendo dito: “Saiam daqui!
Vão embora! Pois não é este o lugar onde vocês vão descansar
em paz. Aqui há tanta gente desonesta e sem-vergonha, que a
destruição vai ser total”. “Descanso” não é a atitude de “pernas
parao ar”.A leitura de Josué 1.13-15; 21.43,44 e 22.4 nos mostra
que, assim como Deus descansou quando completou sua obra,
quando a obra divina se completasse na vída do povo de Israel,
eles entrariam em descanso. Em vez de ociosidade, entrar*em
“descanso”é entrar na totalidade das bênçãos de Deus. É este o
sentido do texto também em Hebreus 4.1-11. E é este o sentido
emMiquéias2.10. ElesnãoexperimentariamasbênçãosdeDeus.
Iriam para o cativeiro. Isolar passagens bíblicas do seu contexto
pode produzir esta curiosa situação: fazer a Bíblia dizer eWa-
mente o oposto do que está dizendo.
Oversículo 11 trazarespostade Miquéias ao dito nos versí­
culos 6 e 7 pelos seus opositores. Eles prefeririam, por certo,
um profeta com uma mensagem boa. A Bíblia de Jerusalém
traduziu assimo versículo: “Se há um homem que corre atrás do
vento e inventa mentira: ‘Eu te vaticino vinho e bebida embria­
gadora!’ele seria o vaticinador desse povo”. Eis uma observação
que nos ajuda aentender o sentido do texto: “O verbo traduzido
43
por ‘vaticinar’, aqui e no versículo 11, significa literalmente
‘pingar’ e é tomado, geralmente, em sentido pejorativo”.3
Outra tradução para facilitar nossa compreensão é a da
Bíblia Vozes: “Se um homem correr atrás do vento e inventar
mentiras: ‘Eu profetizo para ti por vinho e por bebida embriaga­
dora!’ ele seria o profeta desse povo”. Numa versão, o profeta
profetizaria festividade (vinho e bebida). Noutra, profetizaria em
trocadebebida.Nosdoiscasos,nãosepregapelosmotivoscorretos,
ou seja, anunciaravontade deDeus. Prega-seporinteresseepara
agradar.Éoespíritodementiraedefalsidadequeoperanomundo
e que leva ao desvirtuamento da Palavra de Deus. Sobre esta
expressão,diz-nosYates:“A adivinhação,abruxaria, asuperstição
e a idolatria prevaleciam em toda a terra. As práticas religiosas
da Assíria e os cultos sensuais estrangeiros haviam influenciado
muito profundamente a nação, numa conduta para o mal”.4
“Miquéias continua sua intervenção indicando o tipo de
‘profeta’de que essa gente gosta. Aquele que fala de vaidades e
fala mentira, convidando à boa vida, a não se preocupar com
nada”.5Sim, é este o tipo de profetaque o mundo deseja: o festivo
e promissor. O que oferece bênçãos e não chama ao arrependi­
mento. É por isso que os pregoeiros da teologia da prosperidade
têm suas igrejas cheias. Mas o impacto cristão no mundo, com
a ética de Cristo, continua escasso. Há muita gente interesseira,
mas há poucos santos.
Osversículos 12e 13quebramosentidodoque vinhasendo
discutido. Porisso, alguns queremveraqui umpossívelacréscimo
pós-exílico. A Bíblia Pastoral, francamente pró-teologia da liber­
tação,dizserum“acréscimodospobres”.Comosedefiniuasituação
econômicadospossíveisredatoresnãonosédito. Mas, paraquem
sacraliza os pobres e sacramentaliza a pobreza, a interpretação
satisfaz, mesmo não sendo plausívelnem provável. É muito arris­
cadodarumtextocomoenxertoeatédefinirasituaçãoeconômica
dos prováveis enxertadores, sem que o texto deixe isso evidente.
É um exercício de adivinhação.
É certo que o profeta anunciou a destruição (v. 10). Mas
também é certo que há algum sentido na palavra dos opositores
deMiquéias (v.6e7).Afinal,easpromessasde YahwehlOprofeta
fala, então, de restauração. Deus refará o povo. Lembrando que
44
IsaíasécontemporâneodeMiquéias,aidéiatambémestápresente
no chamado “príncipe dos profetas”. Uma longa série de passa­
gens poderia ser alistada aqui. Aos que desejaremvê-las também
inseridas no exílio (na segunda parte, que alguns chamam de
“Segundo Isaías”, datando as profecias do capítulo 40 em diante
como sendo do exílio), lembramos queem 1.9já se falade restau­
ração. Não é uma idéia pós-exílica, mas surge junto com a
condenação. Israel e Judá estavam condenados, mas Deus não
estava de mãos atadas. Seu plano seguiria. Ele fariao povo nova­
mente, a partirdos retornados. Não é preciso “reinventar”ou dar
uma nova data à Bíblia. Basta aceitar sua inspiração.
O versículo 13 fala “daquele que abre o caminho”. A Bíblia
Anotada traznota de rodapé dizendo que alude ao Messias. Mas
o Messias não veio com os restaurados do cativeiro, liderando o
povo. A leiturados versículos 12e 13seencaixabemnadescrição
de Schõkel e Diaz: “A imagem é pastoril: Javé é dono e pastor
(SI23); o rei pode ser o seu maioral ou cabresto; as ovelhas cons­
tituemrebanhocompactoeruidoso,elassaemdoapriscoemdireção
a pastagens escolhidas (...) Javé chefia a marcha em direção” à
pátria.6É o que diz o texto: “o Senhor à testa deles.” Porém, a
monarquia não continuou. O retorno do cativeiro não reconsti­
tuiuamonarquia,mastrouxenovaformadegoverno,ahierocracia,
o governodos sacerdotes. Não houve rei“adiante deles”,mas Mi­
quéiasraciocinanostermosdesuaépocaeparaoentendimentodos
seus ouvintes, que só podiam pensar num povo liderado por reis.
Os que ouvem a correção anunciada, em vez de reagirem
contra a admoestação, devem arrepender-se Em vez de compac­
tuarcomopecado,aIgrejadeCristodeveproclamarojuízodivino
sobre ele. E declarar, também, que a graça e a misericórdia estão
sempre diante do homem, para que este se arrependa. Isto nos
ensina o profeta morastita. Digamos ao mundo que o juízo vem
e que a hora de arrependimento é esta.
NOTAS
1. Coluna “Informes”, revista Ultimato, n.° 232, janeiro de 1995, p. 22.
2. SCHAEFFER, Francis. Death in the city, 1976, 143 p.
3. Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé, comentário in loco.
4. YATES, Kyle. Predicando de los libros proféticos, p. 160.
5. SICRE, José. A justiça social nos profetas, p. 178.
6. SCHÕKEL, Alonso e DIAZ, J. L., Profetas, p. 1.082. Os autores optam por
transliterar o nome de Deus por Javé.
45
6
O PREÇO DA INIQÜIDADE
E disse eu: Ouvi, peço-vos, ó chefes de Jacó, e vós, óprín­
cipes da casa de Israel:não é a vós quepertence saberajustiça?
A vós que aborreceis o bem, e amais o mal, que arrancaisapele
de cima deles, e a carne de cima dos seus ossos, os que também
comeisa carnedomeupovoelhesarrancaisapele, elhes esmiu­
çaisosossos,eosrepartisempedaçoscomoparaapanela ecomo
carnedentrodocaldeirão.EntãoclamarãoaoSenhor;ele,porém,
não lhes responderá, antes esconderá deles a sua face naquele
tempo, conforme eles fizeram mal nas suas obras. Assim diz o
Senhor a respeito dosprofetas que fazem errar o meu povo, que
clamam: Paz! enquanto têm o que comer, mas preparam a
guerra contra aquele que nada lhes mete na boca. Portanto se
vos fará noite sem visão; e trevas sem adivinhação haverá para
vós. Assim seporá o solsobre osprofetas, e sobre eles, obscure­
cerá o dia. E os videntesse envergonharão, e osadivinhadoresse
confundirão; sim, todos eles cobrirão os seus lábios, porque não
haverá resposta de Deus. Quanto a mim, estou cheio do poder
do Espírito doSenhor, assim como dejustiça e de coragem, para
declarara Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado. Ouvi
agoraisto, vóschefesdacasadeJacó, e vósgovernantesdeIsrael,
queabominaisajustiçaeperverteistudooqueédireito,edificando
aSião com sangue, eaJerusalém com iniqüidade. Osseus chefes
dãoassentençasporpeitas,eosseussacerdotesensinamporinte­
resse, eosseusprofetasadivinhampordinheiro;eaindaseencos­
tam ao Senhor, dizendo: Não está o Senhor no meio de nós?
nenhum mal nos sobrevirá. Portanto, por causa de vós, Sião
serálavradacomo um campo,eJerusalémse tornaráem montões
de pedras, e o monte desta casa em lugares altos dum bosque
(3.1-12).
47
Todo o capítulo 3 de Miquéias é uma declaração de juízo.
TranspareceumaprofundaindignaçãodoprofetaedeDeuscontra
os desmandos e pecados da liderança política, jurídica e religiosa
do reino do Sul. É um dos momentos mais duros da profecia. A
linguagemdeMiquéias nãopermitedúvidaalguma: aslideranças
de Israel e de Judá são corruptas, falsas, e estão empurrando o
povoparaadestruição.Oesquemadocapítuloéfacilmentepercep­
tível:
v. 1 a 4 — advertência contra líderes políticos e jurídicos;
v. 5 a 7 — advertência contra os falsos profetas;
v. 9 a 12 — advertência contra líderes políticos e jurídicos.
O versículo 8 é um interlúdio. É um momento em que o
profeta se compara com os falsos profetas e se declara cheio do
Espírito. Embora a advertência seja contra classes de pessoas, o
juízo é sobre a cidade: “Sião será lavrada como um campo (...)”
(v. 12). Liderar bem é levantar o grupo. Liderar mal é arruiná-lo.
Aidacidadeoudopaíscujos líderessãocorruptosoudesastrosos!
“Chefes da casa de Jacó (...) príncipes da casa de Israel”
(v. 1)são a primeira classe a receber as recriminações do profeta.
A Bíblia deJerusalém, a VozeseaLoyola traduziram“príncipes”
por “magistrados”. Trata-se, portanto, da liderança política e da
jurídica. É a eles que pertence a administração dajustiça. Deve­
riamministrá-la, mas não o faziam. Taisclasses foramduramente
atacadaspor Amós. “Aborreceiomal, eamaiobem, eestabelecei
o juízo na porta”(Am 5.15 — “porta”era, simplificando, o lugar
do tribunal). O oposto do dito por Amós se via no tempo de
Miquéias: “aborreceisobem,eamaisomal”.Quetristedeclaração
para governantes e magistrados!
Os versículos 2 e 3 revelamo que os homens incumbidos de
ministrar ajustiça faziamcomos pobres. “Os líderes ímpios mos­
tram pelo povo a mesma consideração que um açougueiro tem
pelos animais já abatidos e prontos para o corte!”1As figuras do
poetaMiquéias sãoexpressivas: “arrancaisapeledecimadelesea
carne de cima dos seus ossos (...) comeis a carne do meu povo e
lhes arrancais a pele (...) repartis em pedaços como paraa panela
ecomo carne dentrodo caldeirão.”Ele não mede as palavras. Diz
o que deve ser dito. É oportuna a declaração de Crabtree sobre
este texto:
48
Em linguagem vigorosa, Miquéias descreve os governadores do
seupovocomoo carniceiroquemata eprepara o animalparaser
cozinhadoe comido. Tambémdescreveopovo comoanimal, cuja
peleéarrancada ecujosossossãoquebradosedespedaçadospara
seremcolocadosnocaldeirão.Paraa classedopovojustono tempo
de Miquéias, os homens ricos se tornaram como açougueiros
bestiais.2
Quando o povo sofrido e necessitado recorre aos juizes e às
autoridades e não encontra homens íntegros, mas carniceiros, a
situação é de desespero. Quando o poderé usado nãocomo força
moderadoraedistribuidoradejustiça,mascomofontedeopressão,
aidospobres!E, infelizmente,oscarniceirosdopovonãocessaram
com o tempó. Hoje, como sempre, e de forma mais acentuada,
como há exploradores do povo! Como há gente que se proclama
defensora dos pobres e vive de forma nababesca, indiferente ao
sofrimento dos necessitados!
Mas umdiaaliderançabuscaráaDeus, precisarádele. “Ele,
porém, nãolhesresponderá,antesesconderádeles asuaface.”Por
quê? A explicação é óbvia: “conforme eles fizeram mal nas suas
obras.”A práticadomalimpedequeasorações sejamouvidaspor
Deus. ABíblianalinguagem dehoje traduziuo versículo 3assim:
“Virá o diaem que vocês clamarão ao Deus Eterno, mas ele não
os atenderá; vocês fazem o que é mau, e por isso ele não ouvirá
as suas orações.” Com a vida em pecado não se pode ter comu­
nhãocomDeus. Aoraçãodoiníquoéincapazdealcançarotrono
divino. “Sabemos queDeusnãoouveapecadores;mas,sealguém
fortementeaDeus,efizerasuavontade, aesseeleouve”(Jo9.31)
é uma palavra para ser pensada, neste contexto.
O versículo 5 fala da atitude dos profetas. Aos que os man­
têm,eles apregoampaz. Aosquenadalhesdão,prometemguerra.
Profetas subornados, que falavam favoravelmente aos que lhe
pagavam e eram hostis aos outros. “Enquanto têm o que comer”
são agradáveis. O Nuevo comentário bíblico traz uma excelente
observação aqui: “A palavra hebraica para ‘comer’é, incidental-
mente, nasak, a qual é costumeiramente usada para referir-se à
mordedura de serpentes”.3 São serpentes, e não pregadores da
palavra de Deus. Ora, a serpente, desde a queda, é símbolo
49
do Maligno. Em vez de serempregadores de Deus, são servos do
Maligno.
Mais uma vez, a Bíblia nos mostra a relação muito estreita
entre o poder político pervertido e a religião corrompida. Esta
busca legitimar aquele. Aquele sustenta esta. É triste a situação
do líder religioso que se vende para apoiar poderosos. Estes não
o estimam. Usam-no. Sabem que ele é falso e vendido, lem por
eleo mesmo respeitoque os sacerdotes que usaramJudastiveram
poreste. A religiãocorrompidae o líderreligiosoquebajula auto­
ridades políticas para ter espaço na sociedade e na mídia são
desprezíveis.
E recebem seu juízo, também. No versículo 6, por quatro
vezes aparece a idéia de escuridão para eles: “noite sem visão”,
“trevas sem adivinhação”, “se porá o sol”, “obscurecerá o dia”.
Andarão no escuro, sem enxergar, sem ter o que dizer. O homem
que deve enxergar a luz para esclarecer os que andam nas trevas,
estará ele mesmo em escuridão.
Por isso, o versículo 7 fala da situação vexatória a que
seriamexpostos. “Elescobrirãoos seus lábios, porquenão haverá
respostadeDeus.”ABíbliaLoyola traduziu“seusbigodes”.A Bíblia
Vozes e aBíblia de Jerusalém, “a barba”.A Bíblia na linguagem
de hoje traduziu explicando o sentido do costume: “ficarão des­
moralizados”. Era o ato de cobrir o rosto, manifestando luto ou
vergonha, como se vê em Levítico 13.45 e em Ezequiel 24.17-22.
“Porque não haverárespostade Deus”éo motivo. Que vergonha!
Os homens que dizem ser arautos de Deus nada terão paradizer
deDeusaos homens. A IgrejadeCristoprecisameditarnistocom
seriedade. Suaprincipalpreocupaçãonãodeveserademassagear
o ego dos poderosos nem ade ganhar concursos de popularidade,
mas a de ser fiel à Palavra de Deus. Sua autoridade não vem do
aplauso do mundo, mas de poder dizer, com firmeza e seriedade,
“assim dizo Senhor”.Na sua experiência pastoral, este autor tem
visto que líderes políticos respeitam o púlpito que não se dobra,
que não bajula, que não lisonjeia, mas que afirma a Palavra de
Deus. O mundo não leva a sério seus bajuladores, mas se detém
diante de quemdiz, com firmeza, que pecadoé pecado, sejaonde
se encontre. É fácil apontar pecados do povo, mas os poderosos,
ao entrarem em nossas igrejas, muitas vezes são elogiados e tor­
50
nam-seobjetodegratidãopor“honraremonossoculto”.Oprofeta
de Deus e a Igreja de Jesus não agem assim. Pregam a Palavra,
sempreocupaçãodeaplausos. SuaconsciênciaécativadaPalavra
de Deus, para utilizar uma expressão de Lutero, ao ser chamado
a se retratar, e recusar-se a fazê-lo.
“Quantoamim,estoucheiodopoderdoEspíritodoSenhor,
assim como de justiça e de coragem, para declarar a Jacó a sua
transgressãoeaIsraeloseupecado.”Quemderaquecadapregador
doevangelhopudessefazerestadeclaração: “estoucheiodopoder
do Espírito do Senhor!”Vê-se tanta banalidade no púlpito, tanta
auto-exaltação! Hápregadorescomumconceitotãoelevadoaseu
próprio respeito que falam de si como se fosse outra pessoa, na
terceirapessoa. Masvê-setãopoucoimpactonomundo,vê-setanto
alarido e tão poucos resultados que se fica em dúvida se esse
conceito elevado é real.
MiquéiasestácheiodoEspíritodoSenhor.Porissonãobajula,
nãolisonjeiaautoridadesnemascorteja. Omauhábitodebajular
homensindignosecorruptos,debuscarpodereaceitaçãodopoder
secular, compromete o testemunho. Miquéias está cheio do Espí­
ritodoSenhorparadenunciarospecados.Hojevemosgentecheia
do Espírito Santo para autoglorificação, para um insidioso culto
à personalidade. Que diferença!
Doversículo9ao 12temosoanúnciodacondenação. “Chefes”
e“governantes”doversículo9são, novamente, “magistrados”nas
versões citadas no versículo 1. Desses magistrados, que deveriam
amar o direito e a justiça, lê-se: “abominais a justiça e perverteis
tudooqueédireito”.Elesestavam“edificandoaSiãocom sangue,
e a Jerusalém com iniqüidade”. Podemos imaginar Miquéias'
andando pelas ruas de Jerusalém e vendo o surto do progresso
econômico, as novas construções, as edificações suntuosas, que
enchiamopovodeadmiração. Comovemosem2Reis20.20,houve
um extraordinário crescimento nas edificações, no tempo de
Ezequias. Ele construiu a piscina e o aqueduto, fazendo a água
vir para a cidade. A riqueza era abundante (veja Isaías 39.2).
Mas por trás dos edifícios e das construções públicas, Miquéias
via o preço: o sangue dos explorados. A beleza arquitetônica
escondia a feiúra do pecado. Boa admoestação para nós, que
muitas vezes nos orgulhamos da arquitetura das cidades onde
moramos, dos nossos templos, inclusive. Deus não se ilude com
isso. A construção estava sendo feita com sangue e iniqüidade.
51
Oversículo 11édeuma durezasempar. “Osseus chefesdão
as sentenças por peitas”fala de juizes subornados, que atendiam
nãoàjustiça,masaodinheiro.“Ossacerdotesensinampordinheiro”
parece tero mesmo sentido da frase anterior, referindo-se à tôrôt
(Ex 22.8 e Dt 17.8-13), que eram decisões sacerdotais, questões
que deveriam ser julgadas com base na interpretação da Torah,
aleideDeus. “Osprofetasadivinhampordinheiro”mostraaclasse
dos adivinhos, que exigia pagamento para “adivinhar” o futuro
das pessoas. Corrupçãoe mentira, a lei divina torcidae amentira
ensinada em nome de Deus.
Com tudo isso, essas pessoas ainda diziam: “Não está o
Senhornomeiodenós?nenhummalnossobrevirá”.Afinal, oque
de mau lhes poderia suceder? Nada, pois Deus morava em Jeru­
salém. Schõkel e Diaz fizeram uma observação muito válida
aqui, com um trocadilho: “Eles consideravam a presença de Javé
incompatível com o mau = desgraça, quando na realidade ela
é incompatível com o mal = injustiça”.4A reflexão deles não
deveriaser “porque Deus está aqui nenhum mal nos acontecerá”,
mas “porque Deus está aqui, nenhum mal devemos fazer”. Eles
nutriam o conceito equivocado de que podiam fazer o que fosse
de erradoque nada de ruim sucederia a eles, porque Deus estava
em Jerusalém. Absurdo? Sim, mas não menos absurdo que o
conceito de muitos crentes que pensam que Deus não tolera o
pecado no pecador perdido e que, inclusive, o enviará ao inferno
porcausadisso,mastolera-onavidadocrente. Nãomenosabsurdo
que o conceito de muitos que presumem que Deus punirá o
mundoímpiopelosseuspecados, mascometemosmesmospecados
na igreja, e em nome de Deus! Política de bastidores, baixa e ras­
teira, para se ter prestígio denominacional, a bajulação de auto­
ridades que assistem, pela metade, às nossas assembléias conven­
cionais, tramas em sessões de igrejasparaderrubarpastores, salá­
rios miseráveis àqueles que gastam suas vidas pelo evangelho,
malversação de verbas que deveriam ter destinação santa, tudo
isso é encontrado no cenário evangélico. Não com abundância,
masinfelizmentecomrazoávelassiduidade. Quediferençaháentre
nóseomundo?CremosqueDeusodeiaainjustiçasocial,aexplo­
ração dos pobres? Que salários pagamos aos missionários e aos
funcionários de nossas igrejas? Cremos que Deus detesta a
52
corrupção,masnossasadministraçõessãolímpidas?Nãoháempre-
guismo e nepotismo em nosso meio?
A presença do Espírito Santo no meio da Igreja de Cristo
nãoéapenassinaldepoder,maséexigênciaderetidão. Na década
de 80, havia um televangelista que se notabilizou por acusar as
“denominações tradicionais” de carnais e os “pastores tradicio­
nais”de frios e sem poder. Ele era poderoso, e os outros, carnais.
Porduas vezes ele se envolveu em casos gritantes de pornografia
e prostituição. Os que ele desancava continuam servindo a Deus.
Pensamosemsantidadecomoexibiçãodepoder,quemuitosiden­
tificamcomgritoseexpressõesestereotipadas. Santidadeéretidão.
Opovoemcujo seio Deus moradeve sersanto. Na realidade, tem
que ser santo. Ou Deus não habita no meio deles.
Que tristeza a expressão do versículo 12: “(...) por causa de
vós, Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará
emmontõesdepedras.”Pbrcausadoshomensquedeveriamensinar
o caminho do Senhor, viria o castigo. Meu irmão, líder cristão,
você é canal de bênção ou dedestruição? Vocêé causade bênção
ou de juízo? Por sua causa, o que acontece ao povo: coisas boas
ou coisas ruins? Você é abençoador ou destruidor de igrejas?
Mas voltemos a MiquéiaS. Este versículo é citado em Jere­
mias 26.18 em defesa de Jeremias. Em 26.19 descobrimos que a
dura pregação do morastita alcançou os ouvidos do rei e ajudou
noavivamentoquelivrouJerusalém, naquelaépoca,dadestruição.
A pregação dos falsos profetas se diluiu no tempo. A de nosso
profeta fez diferença. Nossa pregação faz diferença ou é apenas
rotina?Nossasigrejasfazemdiferençanacomunidade onde estão
implantadas ou são ignoradas?
Esteautormorounuma quadraem Brasíliaonde haviauma
padaria e uma construção adaptada para um templo evangélico.
Como tempo, ambos, padariaetemplo, fecharam. No diaemque
a padaria fechou, toda a vizinhança soube e sentiu sua falta.
Quando chegamos às 6 da manhã para comprar o pão e vimos
a padaria fechada, sentimos sua falta. O templo foi fechado e só
seis meses depois soubemos disto, porque ninguém mais estacio­
nava seus carros na frente de nossas garagens, impedindo nossa
circulação.A padariafechadacausoumaisimpactoqueumtemplo
fechado.Estenãofezfalta.Aquelescrenteschegaramàquelepedaço
53
edelesaíramsemquesuapresençafizessediferençaesuaausência
fossenotada, anãoserquandosereparouqueumproblemahavia
desaparecido. Nós fazemos diferençaou passamosdespercebidos?
Nossos templos valem mais que casas comerciais?
NOTAS
1.Bíblia Anotada, nota de rodapé, comentário in loco.
2. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 150.
3. GUTHRIE, D. e MOTYER, J. A. Nuevo comentário bíblico, p. 566.
4. SCHÕKEL,AlonsoeDIAZ, J.L.Profetas,p. 1.084. Lembrandoqueosautores
transliteram o nome de Deus como Javé.
54
7
BOAS NOTÍCIAS!
Mas nos últimos dias acontecerá que o monte da casa do
Senhorserá estabelecidocomo omaisalto dosmontes, ese exal­
çarásobreosouteiros,eaeleconcorrerãoospovos. E irãomuitas
nações, e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor, e á casa
doDeusdeJacó,para quenosensine osseuscaminhos, desorte
queandemosnassuasveredas;porquedeSiãosairáalei,edeJeru­
salémapalavradoSenhor.Ejulgaráentremuitospovos,earbitrará
entrenaçõespoderosaselongínquas;econverterãoassuasespadas
em relhas de arado, e as suas lanças em podadeiras; uma nação
nãolevantaráaespadacontra outranação,nem aprenderãomais
a guerra. Mas assentar-se-á cada um debaixo da sua videira, e
debaixo da sua figueira, e não haverá quem os espante, porque
abocadoSenhordosexércitosodisse.Poistodosospovosandam,
cada um em nome do seu deus; mas nós andaremospara todo
o sempre em o nome do Senhor nosso Deus. Naquele dia, diz o
Senhor, congregareia que coxeava, erecolhereia que tinha sido
expulsa, e a que eu afligi. E da que coxeava farei um resto, e da
quetinhasidoarrojadaparalonge, umanaçãopoderosa;eoSenhor
reinará sobre elesno monte Sião desde agora epara sempre. E a
ti, ó torre do rebanho, outeiro da filha de Sião, a ti virá, sim, a
ti virá oprimeiro domínio, o reino da filha de Jerusalém (4.1-8).
Seguindo o esquema apresentado por Helmbold, entramos
agora na segunda divisão do livro de Miquéias. Este estudioso o
dividiu em três partes:1
1 a 3 — O julgamento de Yahweh sobre Israel e Judá.
4 e 5 — A visão de um futuro glorioso.
6 e 7 — A controvérsia de Yahweh com o seu povo e a
promessa de bênçãos futuras.
55
Andamos, até agora, por uma estrada repleta de ameaças
divinas. Não foiumcaminho muitoatraente. Diante denós, uma
pausa: um momento de refrigério com a visão de um futuro de
glóriaparao povo deDeus. Éumanecessidade naargumentação
do profeta. Afinal, se Judá e Israel serão destruídos, como fica
oconceitodepovodeDeus?EopactocomAbraão,IsaqueeJacó?
E as promessas feitas a eles? O discurso profético associa, agora,
restauraçãoeglóriafutura. Nãoapenasrestauração, masdomínio
sobreasoutrasnações. Éprecisocaminharporaquicombastante
cuidado para evitar interpretações apressadas que podem servir
deembasamentoa umsionismopolítico, a umracismo teológico,
esquecido de um elemento novo que surgiu depois de Miquéias
e que assume como suas aspromessasbíblicas: a Igrejade Cristo,
onde não há raças. É impossível deixar de ver aqui um sentido
messiânicoeescatológico. A menosquesedigaqueoprofetateve
um sonho que nãodeucerto. Otítulo dadoporCrabtreeao texto
oracomentadoécorretíssimo:“OFuturodeSiãoeaPazPerpétua”.
É disso que se estátratando. Mas os termos devem serbemequa­
cionados.
O texto de Miquéias 4.1-4 é semelhante ao de Isaías 2.2-4.
Porisso, Pape declarou que “sendo Isaías o mais ilustre e famoso
dos dois, é provável que Miquéias tenha copiado essa profecia”.2
Parece mais razoável supor, no entanto, como Carlson, Angus e
outros,aexistênciadeumaterceirafontecomumaosdois.Citando
Angus, “a passagem 4.1-4 e a quase idêntica de Isaías 2.2-4 são
talvez uma predição de tempos mais antigos, e não transcrição
que Miquéias fizesse de Isaías, ou que este fizesse de Miquéias,
sendo cada um destes profetas inspirados por sua vez atomarem
aquelas palavras como tema de seus respectivos discursos”.3
Maillot e Lelièvre comentam sobre essa coincidência de pensa­
mento dos dois profetas: “Miquéias e Isaías citariam um mesmo
texto,anterioraeles, oqualpertenceriaaoque sepoderiachamar
‘cânticos de Sião’. Os cânticos desta coleção deviam ser cantados
depoisdaépocadeSalomãoedaconstruçãodotemplo,evocando
a escolha de Davi e de sua linhagem. É provável, de acordo com
apromessafeitaaDavi, queseafirmassenessescânticosque,com
aentronizaçãodoúltimofilhodeDavi, Jerusalémcorresponderia
àsuavocaçãoeaoseunome: ‘cidadedapaz’.Elasetornariaentão
56
a capital do mundo e revelariasua maternidade universal, e dela
se irradiariam a paz e a justiça para todas as nações”.4
Mas de que trata, então, o assunto? Afinal, deve ser impor­
tante,paraestarnabocadedoisprofetaseemumapossívelterceira
fonte! E,sefaziapartedeumacoleçãodecânticos,provavelmente
devia espelhar um sentimento nacional. “Este oráculo, cheio de
esperança,anunciaumfuturonovo,quandoJerusalémsetornará
a capital dajustiça, e quandocada um viveráfeliz e tranqüilo na
sua terra, sem guerras. O mesmo Deus que castiga e permite a
destruição de uma nação injusta, também perdoa e reconstrói o
paíse a vidadaquelesque sofreramo castigoe se arrependeram”.5
Éum olhar paraa frente, paraumfuturo, mesmo que longínquo,
em que avitória do reino de Deus se farásentir. “Éo tema predi­
letodosprofetas: o triunfoabsolutodo Senhor aofimdaHistória
humana. Num rápidorelance,o profetaviuoexílioemBabilônia,
e a volta para a terraprometida, como dores de parto, antes que
Israel desse à luz o Filho esperado, o Messias”.6É como se um
pedaço da cortina que esconde o futuro se entreabrisse e permi­
tisse ao profeta um rápido olhar. Ele vê, capta, mas não detalha
com precisão. Masessa faltade precisãonãoé sinônimodeincer­
teza. É certeza, mas a visão é geral.
“Nos últimos dias.” Quando? O tempo é indefinido. Para
alguns, no tempo do milênio. Com todo o respeito, esta interpre­
tação visa a pôr a idéia aqui em Miquéias. Parece que tudo que
os profetas predisseram e ainda não se cumpriu se joga para o
milênio, que, a esta altura, deve estar entulhado de profecias a
cumprir.Namentedoprofeta,ascondiçõespacíficasseconfundem
com o retorno do cativeiro. Este sucedeu; aquelas, não. Parece
mais razoável supor que a questão não é de cronologia, mas de
conceito:otriunfodoreinodeDeus.Estetriunfoenglobaoretorno
(v. 6 e 7), o cativeiro (v. 10) e a futura vinda do Messias (5.1).
Nem mesmo em ordem cronológica os eventos estão. A idéia é
esta: Yahweh,o DeusdeIsrael, vaitriunfar. Estánahistória. Esta
história inclui eventos, como o cativeiro, o retorno, e desemboca
nas condições pacíficas que não podem deixar de existir, se ele
dominarsobretodos.Ajuntemosestaidéiaaoversículo 1:“omonte
dacasadoSenhorseráestabelecidocomoomaisaltodosmontes”.
É evidente que não se pode pensar em mudanças geológicas ou
57
geográficas. Não há nenhuma base hermenêutica parasupor um
crescimentoliteraldomonteSiãoparaqueultrapasseo Himalaia.
A linguagemnãopode serliteral. Éfigurada. Valha-noso comen­
táriodeKunstmann: “Há quemensine, combase neste texto, um
crescimentorepentinoemdimensõesincomensuráveisdopróprio
monte Sião. São adventistas e outras seitas que imaginam o mi­
lênio: Cristo voltando antes do fim do mundo para governar os
seuspormilanos no monte Sião alargado. Masé linguagemfigu­
rativa: aIgrejadeCristodominaráomundo, porqueoSenhordos
céus e daterranela habitae agoverna. Deus congregarátodas as
nações, e à sua direitaestarão aqueles que de fato lhe pertencem
pelafé. Estesaqui naterrajáformaram‘uma santa IgrejaCristã,
a comunhão dos santos”’.7
O destaque do monte Sião não será por seu tamanho. Não
porão fermento em sua base. Ele será ponto de referência, ponto
de atração, o mais visível de todos. Lembra muito a palavra de
Jesus: “Eeu,quandoforlevantadodaterra,todosatraireiamim”
(Jo 12.32). O Senhorda Igrejase tornou o ponto de atraçãopara
toda a humanidade. O ponto de atração para a humanidade, na
visão de Miquéias, é uma mensagem que brotou no Sião.
Oversículo 2 mostraas nações buscando a casado Deus de
Jacó. Asprimeiraspalavrassãodoprofeta:“Eirãomuitasnações,
edirão.”Asseguintes representamo sentimentodospovospagãos
convertidos ao Senhor: “Vinde, e subamos ao monte do Senhor,
e à casa do Deus de Jacó, paraque nos ensine os seus caminhos,
de sorte que andemos nas suas veredas.” Daí, fala novamente o
profeta: “porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a palavra do
Senhor”. Se a ordem dos eventos no capítulo 4 está desconexa,
aestruturadaargumentaçãodoprofetafazsentido. Antesdefalar
do cativeiro, futuro próximo e negativo, o futuro mais remoto,
glorioso, é mostrado. Vai haver um castigo, sim. Mas ele não é
o fim. O futuro do povo de Deus não é sombrio. É radiante. Isto
valeparanós, como Igreja, e como vale! Há lutas, hásombrasno
vale, mas há glória no porvir. Bem diz o hino 331 do Cantor
Cristão:
Temos sombras neste vale,
Em que estamos a passar;
Mas das águas cristalinas
Já se vê o marulhar.
Eis que o bom Pastor segreda,
Ajudando a prosseguir:
Há, sim, sombras neste vale,
Mas há glória no porvir.
Oversículo3é derarabeleza. Yahweh estarájulgandoentre
nações poderosas e vindas de longe (sobre o mundo todo), as
espadas convertidas em relhas de arado, as lanças em podadeiras
e a arte da guerra esquecida. “Nos jardins da ONU, em Nova
Iorque, uma bela estátua representa um homem forjando sua
espada em arado, onde figuramtranscritas as palavras do poema
bíblico‘De suasespadasforjarãorelhasdearado’.Masnem Isaías
nem Miquéias são citados. Apenas uma inscrição assinala que o
monumento foi oferecido pela União Soviética”.8De fato, seria
constrangedor para um poder político que negava as Escrituras
citá-las explicitamente. A omissão era mais conveniente.
Mas quando sucederá isto? Balancin e Storniolo entendem
nãocomoalgoqueacontecerá,mascomoumautopia.Seucomen­
tário é bem claro: “A esperança é que um dia a cidade viva se­
gundooprojetodeJavé. Issosignificaapazcomofrutodajustiça,
e portantoo fim doconflitoentrecidadee campo: é o fimdaluta
competitiva e o início de uma era de produção abundante, pois
as armas serão transformadas em instrumentos para a produção
davida. Ograndesonhoéque,defato,ocamponêspossausufruir
tranqüilamente da sua produção”.9Mas será apenas um sonho
do profeta?
Haverápaz entreos homens, um dia. Não será, no entanto,
pela ONU, nem pelo esforço de outras nações. Nem ainda pela
conjugaçãodeforçasdospobressublevadoscontra os seus opres­
sores. Será pela vitória final, de Deus no momento último da
História. E se os homens a desejampara agora, se queremtrans­
formarautopiaemrealidade,osonhoemalgoconcreto,oversículo
2mostrao quedevemfazer:reconheceraPalavradoSenhorcomo
válida, pedir que ele a ensine e andar nos caminhos do Senhor.
Fora da obediência à Palavra e do caminhar nas veredas divinas
não há paz. É precisoira Sião (nãoem sentido literal, mas iraté
59
ondeDeusestá),porqueédeláquesaia“lei”.Ohebraicoé Torah,
e se não fosse traduzido seria melhor. Lei tem um sentido muito
jurídico. Torahsignificaaverdadeirareligiãoqueoshomensdevem
seguir, a que sai da boca de Deus.
O versículo 4 é uma cena bucólica, agradável, de extrema
tranqüilidade. Cadaumassentadodebaixodesuavideirae de sua
figueira, àsombra,tranqüilos,semhaverquemosespante. “Estar
debaixo da vinha e da figueira é uma expressão proverbial para
exprimir a felicidade agrícola em tempos de paz (cf. lRs 5.5;
2Rs 18.31 e Zc 3.10)”.10Este autor se lembra de cena semelhante
que viveu. Sentado debaixo de frondosas árvores, à beira de um
lagoamazônico,oCuriá,conversandotranqüilamentecompessoas
que iria batizar no dia seguinte. Um mundo em que o tempo
parecia ter parado, com aves cantandoi, animais domésticos com
seus sons característicos, as pessoas calmas, absolutamente tran­
qüilas, sem pressa, sem relógio, a conversa fluindo de forma
amigável. Umbuledecafésobreo fogãoalenha. Nenhumapreo­
cupação. Tudo sob controle, nada para perturbar. Uma irmã,
imperturbável, descascava laranjas suculentas e dulcíssimas que
chupávamos enquanto conversávamos. Uma paz e uma tranqüi­
lidade enormes, emolduradas pelas águas calmas do lago Curiá,
reluzente sob o sol amazônico!
O versículo 5 parece quebrara descrição, mas é uma decla­
ração de triunfo. Os povos pagãos andam em nome do seu deus.
“Andar no nome” de alguém significa “caminhar na trilha de
alguém”.Miquéiaseseusconterrâneospiedososandavamnatrilha
de Yahwehospagãos,nastrilhasdeseusfalsosdeuses.Umadecla­
ração óbvia, mas o sentido é este: não podiam tera esperança do
futuro risonho. Mas nós, diz o profeta, nós podemos. Andamos
e andaremosparasempreno nomedoSenhornossoDeus. É nele
que confiamos para que estas coisas aconteçam!
Oversículo6retomaafiguratãoqueridadaliteraturapoética,
a do pastor. Três tipos de ovelhas desgarradas serão trazidas de
volta naquele dia, diz o Senhor, que volta a falar agora. A que
coxeava,provavelmenteferida.A quetinhasidoexpulsaseráreco­
lhida pelo Senhor. Ele próprio é o pastor que busca a que está
longe e a traz. A terceira é “a que eu afligi”. Passou o tempo de
juízo. Ele castigará, mas traráde volta. Seu juízo sobre seu povo
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O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
O profeta que desafiou a corrupção de seu tempo
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  • 5. ISALTINO GOMES C. FILHO I I A Q C A CONTEMPORÂNEO Um estudo contextualizado do livro de Miquéias A JUERP
  • 6. Todos os direitos reservados. Copyright © 1995 da Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira. Coelho Filho, Isaltino Gomes C672m Miquéias: nosso contemporâneo: um estudo contextualizado do livro de Miquéias/Isaltino Gomes Coelho Filho. Rio de Janeiro: JUERP, 1995. 132p.; 20,5 cm. 1. Miquéias — Comentário. 2. Miquéias — Profecia. I. Título. CDD — 224.9 Coordenação Editorial Josemar de Souza Pinto Revisão Textual Alexandre Emilio SilvaPires Luiz Paulo de Lira Moraes Jorge Luiz Luz de Carvalho Copidesque Marcos José da Cunha Edição de Arte Nilcéa Pinheiro Capas Valdecy Ferreira Código para pedidos: 215040 Junta de Educação Religiosa éPublicações da Convenção Batista Brasileira Caixa Postal 320 — CEP: 20001-970 Rua SilvaVale, 781 — Cavalcanti — CEP: 21370-360 Rio de Janeiro, RJ — Brasil 3.000/1995 Impresso em gráficas próprias.
  • 7. À memória de Eurico Alfredo Nelson, o apóstolo da Amazônia.Porquasemeioséculo,doMaranhãoaoPferueàBolívia, a Amazônia ouviu sua voz proclamando Jesus Cristo como Sal­ vador dos homens. Um homem incomum. À Primeira Igreja Batista de Manaus, por ele fundada em 5de outubrode 1900, a pioneiradaevangelização do Amazonas, e que cultiva avisão evangelística e missionáriado seu fundador. Que nunca se esqueça de suas origens.
  • 8.
  • 9. SUMÁRIO Apresentação.................................................................... 9 1. Miquéias: Quem É Ele?.................................................... 11 2. O Anúncio do Juízo.......................................................... 19 3. O Porquê do Juízo............................................................ 25 4. Um Abismo Chama Outro Abismo................................ 33 5. A Reação Contra o Profeta............................................. 39 6. O Preço da Iniqüidade..................................................... 47 7. Boas Notícias!................................................................... 55 8. Mais Vislumbres do Futuro............................................. 63 9. Um Vislumbre do Messias............................................... 71 10. Vislumbres da EraMessiânica......................................... 79 11. Repreensões e Ameaças................................................... 87 12. O Processo se Amplia...................................................... 95 13. A Corrupção Moral da Nação......................................... 103 14. Levantando-se dos Escombros......................................... 109 15. Esperança, a Força que Impulsiona a Vida..................... 117 16. O Desafio de Miquéias..................................................... 125 Referências Bibliográficas............................................... 129
  • 10.
  • 11. APRESENTAÇÃO Eis aqui mais uma obra da série “Nosso Contemporâneo”. À semelhança dos seus outros livros, o pastor Isaltino nos apre­ senta um estudo sério e minucioso, fazendo-nos ver na realidade de hoje as revelações de Deus pelo profeta, que, embora escritas há cerca de 2.700 anos, nunca deixaram de ser presentes e opor­ tunas. Se porvezes nosesquecemosdovalor deste profetamenor, em Miquéias, Nosso Contemporâneo temos a oportunidade de ver resgatadas numa linguagem clara e precisa as mensagens de profundo valor espiritual para nós nos dias atuais. OautorépastordaPrimeiraIgrejaBatistadeManaus,tendo jáexercidoopastoradoemSãoPauloeemBrasília.Temumavasta experiêncianadocênciateológica: foidiretordaFaculdadeTeoló­ gicaBatistadeBrasíliae professornaFaculdadeTeológicaBatista deSãoPaulo.AtualmentelecionanaFaculdadeBatistadeTeologia doAmazonasepresideaABIBET (AssociaçãoBrasileiradeInsti­ tuições Batistasde Ensino Teológico). É profundoconhecedor do Antigo Testamento e da língua hebraica. Porém, acima de qualquer predicado, o pastor Isaltinoé um servodo Senhor. Tendo tido o privilégiode compartilhar com ele o ministério na PIB de Manaus, tenho apreciado nele a maneira apaixonante e vibrante de exercer sua missão. Comcerteza,o nossoDeus,pelainstrumentalidadedestelivro, há de nos enriquecer e abençoar. Anderson Silveira Motta
  • 12.
  • 13. 1 MIQUÉIAS: QUEM É ELE? A palavra do Senhor que veio a Miquéias, morastita, nos dias de Jotão, AcazeEzequias, reis de Judá, a qualele viu sobre Samária e Jerusalém (1.1). É assim que Miquéias se apresenta em seu livro. Seu nome era bastante comum no seu tempo. Sua transliteração seria Myqayah, cujo sentido seria “Quem é como Ya?”, entendendo-se Ya como abreviaturaou contração de Yahweh, o nome de Deus. O curioso personagem de Juizes 17, chamado Mica, é portanto seu homônimo. Onomeguardasemelhançacom Miguel, “Quem é como El?”, sabendo-se que E li o nome comum para Deus no Antigo Testamento. Ele é morastita, gentílico de Morasti ou Moresete (em 1.14 chamada de Moresete-Gate). Sua cidade natal tem sido identifi­ cadacomoTellel-Gudeideh,aproximadamenteatrintaquilômetros de Jerusalém. Outros a identificam com Beit-Jibrin, a quarenta quilômetros a sudoeste de Jerusalém, perto de Gate, na Filístia. Seja qual for a identificação, o sétimo dos profetas menores era doreinodoSul,Judá. Estranhamente, Vidadosprofetas,umlivro apócrifo escrito em grego no século I da era cristã, declara-o membrodatribode Efraim(seriaumisraelita, então). Edizmais: “Depois de dar muitoo que fazer a Acabe, foi eliminado por seu filhoJeorão,queolançoudeumdespenhadeiroporquelhelançava em rosto as impiedades de seus antepassados. Foi enterrado em sua terra, sozinho, perto do cemitério dos gigantes”.1Embora o relatosejafictícioe cometa umequívocodedata (trariaMiquéias de 730 a.C. para 850 a.C.), temos uma visão bem curiosa sobre Miquéias: seu sepultamento perto de um fictício cemitério de gigantesserveparaindicarograndeconceitoquedesfrutavanosso profeta nos círculos literários que produziramos livros apócrifos. 11
  • 14. Foi contemporâneo de Isaias, pois profetizou nos reinados de Jotão, Acaz c Ezequias. Em Isaias 7, vemos Isaías e Acaz. E em Isaías 36 e capítulos seguintes, vemos este profeta servindo no reinado de Ezequias. Emboracontemporâneodochamado“príncipedosprofetas”, Miquéiastrabalhouemumespaçodiferente.Isaíasfoiumhomem da corte, era um palaciano. Miquéias era do campo e parece ter pregadomaisnasruas(algunscomentaristaschegamapensarque os dois não se conheceram, o que parece pouco plausível, em virtudedascircunstânciasdaépoca), aindaquecontraaliderança religiosaepalaciana. No entanto,suapregaçãotambémalcançou aelitedirigente. EmJeremias26.18,eleécitadoemdefesadeJere­ mias. Nesse texto se constata que Ezequias foi influenciado por Miquéias. Essaobservaçãonosémuitoútil.Deusprecisadeservos fiéis entre a elite e no meio do povo. Seja onde for que Deus coloque um servo, este deve falar o que o Senhor quiser. Pode-se serviraDeusnasaltasesferasgovernamentaiseentreopovo.Não é o lugar, maso conteúdo davidaque mostraráo serviço aDeus. Aliás, quem melhor expressou isto foi outro homônimo de Mi­ quéias, o profetaMicaías (outraformadetransliteraro nome),em IReis 22.14: “Vive o Senhor, que o que o Senhor me disser, isso falarei.” No meio dos poderosos ou no meio do povo simples, competeaohomemdeDeus falarapalavradeDeus. Sualealdade máxima é para com Deus e sua palavra. Eraumhomemdeimpressionantedeterminação. Suapalavra em 3.8 é umamostradisto: “Quanto amim,estoucheio dopoder do Espírito do Senhor, assim como de justiça e de coragem, para declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado.” Isto éconvicçãoe nãoarrogância, como muitoshoje fazem,jactando- se de sua “espiritualidade”. Miquéias provou o que disse com a suavida. Nessapassagem,observa-sequeo profetapregoucontra osdoisreinos,odoSul(Judá)eodoNorte(Israel).Naleiturade 1.5 seconfirmatalobservação.OministériodeMiquéiaspodeseresti­ mado entre os anos 737 e 690 a.C. Costuma-se encaixá-lo nesse período. Foi um ministério longo, pois alcançou três reis de Judá (1 .1 ). A linguagem de Miquéias é dura. Ele ataca o latifúndio, a justiça corruptae aviolência dos poderosos. Mas não é um refor­ 1 2
  • 15. mador social ou um agitador de massas. É um profeta que tem uma explicação espiritual para os erros sociais. São frutos do pecado. Muitos querem ter voz profética e até alegam possuí-la hojeemdia,masfizeramapenasumaopçãopartidáriaepretendem justificá-la com a Bíblia. Uma postura pouco honesta. Miquéias não autoriza essa atitude. Sua época explica sua mensagem. E nos desafia a entender a nossa época para pregarmos com eficácia a vontade de Deus aosnossoscontemporâneos. Muitasvezes,pregamosaosfalecidos, falando de realidades do passado, falando do que não interessa aninguém. Miquéiasfaloudascoisasdoseutempo. Analisousua época àluzdapalavradivinae soubechamar ao arrependimento. Nosso profeta nos é bastante oportuno. Vemos hoje a transfor­ maçãodoevangelhonumagraçabaratíssima,ordináriaefalsificada. As pessoas são chamadas para ficar ricas, saudáveis e sem problemas.Fscadosaiudemoda. Arrependimentoépalavraesque­ cidaemmuitaspregações.Hápúlpitosqueapenasoferecembênçãos deumDeusquesópedeconfiançaedinheiro,masquenãoparece ter moralidade alguma. Jesus Cristo passa a ser o distribuidor de riquezasemvez desero homem-Deus que serve dereconciliação e propiciação pelos nossos pecados. Precisamos ver nosso tempo e os pecados de nossa época. Há exploração econômica, concen­ traçãoderiquezas,corrupçãoemváriosníveise umareligiosidade hipócrita, apenasdefestividadesereuniões,divorciadadocaráter, da retidão e da ética. Precisamos imitar Miquéias. Vejamos seu tempo. Vejamos o que diz do nosso. A linguagem de nosso profeta é dura, mas não pobre. Há brilho,profundidadede sentimentos, belasimagense figurasretó­ ricas. Miquéiasgostadeimperativos,símiles,metáforaseperguntas retóricas. Suacapacidadeliterárianãotemsidoreconhecidacomo deve,emparteporqueseolhamuitoparaseucontemporâneo,Isaías. Mas Miquéias é brilhante na forma de se expressar. Ocontextodenossoprofetaécompreendidoquandosevolta o olhar para a situação econômica dos dois reinos.’Estes haviam crescido ao máximo em termos econômicos. Mas o crescimento nãotrouxeraprosperidadeparatodos. A rendaseconcentraranas mãosdeumaeliteinsensível.Opovogemiacomdificuldadeseconô­ micas. A justiça se corrompera, e os líderes religiosos eram
  • 16. hipócritas,adoçandoabocadopodereiludindoopovo. Umauicvc radiografia dos reinos nos ajudará um pouco mais a entender a situação. No Sul, Jotão foi um bom rei; Acaz, péssimo; e Ezequias, bom. O Norte, que fora expandido ao máximo por Jeroboão II, começava a declinar. Este, que foi o maior rei de Israel (leia-se 2Rs 15.23-29), teve substitutos medíocres. Zacarias reinou seis meses (2Rs 15.8). Veio Salum, que reinou um mês (2Rs 15.13). Menaém reinou dez anos (2Rs 15.17,22), porém nadafez de útil. Pecaías reinou apenasdois anos (2Rs 15.23), mas mesmo em tão curtoespaçodetempoconseguiufazeromal. Pecareinou20anos, mas foi uma tragédia (2Rs 15.24,25). Oséias (que não deve ser confundidocomoprofeta)reinounoveanosenãofoimuitomelhor que os antecessores (2Rs 17.1,2). Com todos esses desacertos, o fim de Israel já estava nos portões de sua capital, Samária. Uma potência destruidora se aproximava, a Assíria. Miquéias pregou durante o reinado de todas essas nulidades, mas não foi ouvido. Ele viveu adestruição de Israel em 722, pela rejeição à chamada aoarrependimentoqueeleentregaracomfidelidade. Eviuquando a Assíriachegou como um furacão, assolando Judá, chegando às portas da capital, Jerusalém. O reino do Sul vivia história com muitos pontos de seme­ lhança. Amazias reinara por 29 anos (2Cr 25.1,2). No princípio, foi fiel. Depois, envolveu-se com a idolatria. Seu filho, Uzias (2Cr26.1),tambémchamadodeAzarias(2Rs 15.1),reinou52anos, mas se ensoberbeceu e ficou leproso. Sua morte deixou a nação consternada. FoinessaépocaqueIsaíasfoichamadoparaominis­ térioprofético (Is 6.1). A figura desse soberano deixou marcas na história, pois Isaíasescreveuumlivrosobreele (2Cr26.22). Jotão, filho de Uzias/Amazias, reinou por 16 anos (2Cr 27.1) e foi um bom rei. Mas Acaz foi um desastre. Sua biografia relatada em 2Crônicas28 mostraacalamidadequefoiseureinado. Oquefora feito de bompor seu pai e porseuavô começou a serdesfeito por ele. Como é difícil construir! E como é fácil pôr abaixo! Como custaedificarumaigreja,mascomoéfácildestroçarseuambiente! Há pouco tempo, perto do gabinete deste autor, um prédio de dois andares foi demolido paradar lugar a outro, maior. Em dois dias, armados de máquinas e ferramentas, um grupo de homens 1 4
  • 17. pôs abaixoaconstrução. Mas quanto tempo deve ter levadopara edificá-la! Quantas vezes as atitudes impensadas decrentes põem abaixoemsemanasoqueselevouanosparaconstruir! Queadver­ tência! É nesse momento que Miquéias se agiganta. Quando Eze- quias, filho de Acaz, assume, lá está nosso profeta a verberar os pecados de Judá. Israel não maisexiste. O profetapregaracontra ele, chamando-o ao arrependimento, que não veio. Não vindo o arrependimento, veioo fim. Judáteráo mesmo destino?Serátão insensatoquenão leráossinais dahistória?Não aprenderánada? A mensagem tão agressiva de Miquéias 3 foi ouvida por Ezequias, e este deu rumo seguro à sua administração. Jeremias 26.18,19 revela que a pregação do morastita obteve êxito. A des­ crição que ele faz, em 1.8-16, identifica-se muito com a situação havidaem701 a.C.,quandoSenaqueribeinvadiuJudá.Maisdeta­ lhes desta invasão podem ser lidos em Isaías 36 e 37. Isto não apenas corrobora Miquéias e Isaías como contemporâneos, mas mostraque,emboranãobrilhassetantocomoo profetapalaciano, o profeta das ruas e dos campos teve destaque em seu ministério e que suas palavras foram ouvidas. Uma síntese da pregação de Miquéias pode ser feita assim: ele denuncia os pecados de Israel e de Judá (1.1 e 1.5-9). Tais pecados são, basicamente, a exploração dos pobres (2.1,2 e 3.1-3) e afalsareligiosidade (3.5-7). Não é acidental encontrarmos esses doispecadosjuntos. Elescostumamcaminharladoalado.Quando a fé é fingida, o respeito ao próximo não existe. Por causa desses pecados, os dois reinos serão julgados (1.6-16). O cativeiro é o destino dos rebeldes (2.10 e 6.9-16). Afrontar a Deus é ter juízo àsportas. Comque facilidadenaçõese pessoas seesquecemdisto! Quando se lembram, é tarde demais! Mas,eosplanosdeDeus?EoMessias?Miquéiasacenacom esperançaapósovendaval.Haveráumretomodocativeiro(4.6-8). HaveráumlibertadorpornasceremBelém(5.2-5). Neste sentido, embora profeciae prediçãonão sejamsinônimos (aprofeciapode incluir a predição, mas esta é acessória e não o cerne), Miquéias é muito preditivo. Ele viu Judá arrasadopela Assíria (1.9-12), viu a queda do Sul, com a conseqüente destruição de Jerusalém (3.12). Viu a ascensão de Babilônia (4.10) e como Judá seria por 15
  • 18. esta submetido ao cativeiro. Viu ó retorno do cativeiro e, coisa impressionante,vislumbrouoMessiascomovindodainsignificante Belém (5.2), isto quase 750 antes de Cristo! Numa çlas vezes em que este capítulo foi reescrito, o autor seencontravaemNhamundá,umapequenacidadede5.000habi­ tantes, no meio da Floresta Amazônica. Fora visitar uma congregação e uma escola de sua igreja. Caminhando pelas ruas dacidade, comentou com aesposa: “Você jápensouque o maior vultodahistórianasceuemBelém,umacidademenor,maispobre e mais sem relevância política e econômica que esta? Se alguém lhe dissesseque um excepcionalvulto dahistóriada humanidade sairia desta cidade, o que você diria?” Miquéias previu o nasci­ mento do Messias na insignificante e inexpressiva Belém. Negar sua inspiração é tarefa muito difícil para o incrédulo. Miquéiaséumhomemquefalademaneiradura.Seudiscurso no capítulo 3 é objetivo, repleto de figuras de linguagem, e deve ter doído nos ouvidos dos culpados. Ao mesmo tempo, porém, é um homem com uma palavra de esperança. Havia falsos prega­ dores anunciando “paz, paz”, quando não havia paz (3.5). Eram pregadores interesseiros, visando obter benefícios materiais. Ele vêpaz,massódepoisdoarrependimentoepelaatuaçãodoMessias por vir. Não há paz nem prosperidade no pecado. É muito signi­ ficativoparanós,edesconcertanteparaoscéticos,queaesperança messiânicanão surjano exílioou numa situação de miséria, mas no fulgor econômico de ambos os reinos. Poder-se-ia alegar que, emtemposdemiséria, aspessoasprojetamsuas expectativaspara o futuro e criam seus messias e suas novas jerusaléns. Isto tem acontecido ao longo da história, e até mesmo em Portugal e no Brasil, com o chamado “sebastianismo”, o mito do retorno do rei D. Sebastião. A esperançade Miquéias é projetada para o futuro numa época de riqueza. Ele entende que os fundamentos estão errados. Sóabase verdadeira,dotemor aDeuse daféno Messias porvir,é que poderiadaraJudáalgumaesperança. Não há espe­ rança eterna nas riquezas humanas. Miquéias, apesardepoucoestudadoemnossasigrejas,é um profetaaltamenteenriquecedor. Analisar seu livroeentender sua pregaçãomuito nos ajudaráanos situarmosnuma sociedade que manifesta pecados nãomuito diferentesdos da sua época. E é no 16
  • 19. olhar confiante no Deus que dirige a História e que a faz cami­ nhar para o ponto por ele determinado que se pode exclamar: “Eu, porém, confiarei no Senhor; esperarei no Deus da minha salvação. OmeuDeusmeouvirá”(7.7). Aprendamosamensagem destegrandehomemdeDeusdopassadoeaapliquemosàsnossas vidas. NOTA 1. Vidadosprofetas, capítulo6,versículos 1e 2.In: Macho Diez (ed.).Apócrifos dei Antiguo Testamento, vol. II. 17
  • 20.
  • 21. 2 O ANÚNCIO DO JUÍZO Ouvi, todos ospovos;presta atenção, ó terra, e tudo o que nela há; e seja testemunha contra vós o SenhorDeus, o Senhor desde o seu santo templo. Porque eis que o Senhorestá a sairdo seulugar, edescerá, eandarásobreasalturasda terra. Osmontes debaixodelesederreterão,eosvalessefenderão,comoaceradiante do fogo, como as águas se precipitam por um declive (1.2-4). QuegrandepoetaéMiquéias! Quebelasexpressõesutilizaele! Tersidoumhomemdocamponãosignificaquenossoprofetafosse desprovidodebelezaliteráriae homemdepalavrasrudese toscas. Édeestilofulgurante.Masportrásdasbelasfigurasdeexpressão, o anúncio, em sua essência, é duro. Yahweh, o Senhor, vem. “Ouvi” é a primeira palavra do profeta. Seu livro tem três grandes divisões literárias que se tornam perceptíveis por essa palavra. A primeira começa aqui, em 1.2. Começa com “ouvi”. Asegundacomeçaem3.1.Enovamente“ouvi”éopontodepartida. A última grande divisão está em 6.1. Mais uma vez encontramos o imperativo “ouvi”. Miquéias reclama atenção parao que prega. Éóbvioque todosospregadoresquerematenção. Ninguém prega esperandonãoserouvido. Seriamuitoestranho talproceder. Mas nossoprofeta,comesserecurso,estárealçandoaseriedadedaquilo que fala. Não está a brincar. O que ele fala é sério. Como ficou claro no versículo 1, é “palavra do Senhor” e não invenção sua. É o dabhar Yahweh (“palavra do Senhor”, em hebraico), termo técnicoquedesignaumarevelaçãodapartede Deus. Essapalavra “veio” (Versão Revisada) a Miquéias. Na edição Revista e Atua­ lizada, “em visão veio”. Na Bíblia de Jerusalém, é a palavra que lhe“foidirigida”.Essastrêsversõesnospermitementendero“ouvi” enfáticoeiniciadordaobra.EletemumapalavradapartedoSenhor deIsrael.Essapalavra,umavisão,precisaserbementendida,porque 19
  • 22. mesmo nos arraiais evangélicos há muita confusão sobre o que seja receber uma palavra da parte do Senhor. Não é estar fora de si ou ser apossado de uma divindade estranha, como nos casos do espiritismo brasileiro, que habilita a pessoa a dizer coisas que não diriaemseu estado normal. Cremosque o profetaé possuído pelo Espírito de Deus, mas não no sentido de perder suas facul­ dades mentais e ser controlado por um poder alheio a ele. Até mesmoJoão,noenigmáticoApocalipse,estáconscientedesi.Não se confunda revelaçãocom psicografiaespírita ou comentrar em transe. Eis uma boa citação de Maillot-Leliévre: Aocontráriodoquemuitas vezessepensaeseescreve,osprofetas, pelo menos os maiores dentre eles, não eram neuropatas nem pessoasdesensibilidadeàflordapele,mashomensquerefletiram muitoequeprocuravamdescobriropermanenteatrásdoacidental. Mas, quando chegavam a uma convicção, esta osimpregnava de tal modo que se tornava um fenômeno psíquico, uma visão. O profeta via então o que os outros homensnão viam. Por trásdo fato comum ele via a causa... e não muitas vezes também as conseqüências Oprofetanão eraumalienado, mas umhomem lúcido, inte­ ligente, habilitado por Deus a ler os sinais da história. Este é o sentidodeumdostermoshebraicospara“profeta”,hòzeh ouro’eh. Assim diz Archer: “A implicação deste título era que o profeta nãoseriailudidopelaaparênciaexternadascoisas,nempelasfalsas impressões do mundo material, mas que perceberia as coisas conforme realmente eram do ponto de vista do próprio Deus”.2 “Ouvi, todos os povos.”A palavra é “sobre Samária e Jeru­ salém”(v. 1),ascapitais de Israel e de Judá, respectivamente. Mas todos os povos são chamados. “Ele exorta o povo a dar ouvidos àsacusaçõesdeDeuscontraeles,tendooanfiteatrodaterrainteira como audiência.”3Quem testemunha contra o povo é o próprio Senhor. Oprofeta não o chama de “acusador”, mas como aquele que tem um testemunho contra o povo. E não é um testemunho descuidadcx,masvem“desdeoseusantotemplo”.Éumtestemunho forte, pois vemdo templo santo. Vemcom aautoridade dequeixa divina. 20
  • 23. “OSenhorestáasairdoseulugar.”Elenãoestáinativo. Está parasaire virjulgar. Mas, sairdeonde?Deque lugar?A resposta vemdoversículo2:“doseusantotemplo”.Láeleestáentronizado no “Santodossantos”e nãonumlugarcomum. A figurade Deus saindodolugar,deixand9seutrono,nãoérepetidacomfreqüência no AntigoTestamento. Ésempreparaalgummomentograndioso nahistóriadopovo(veja-se,porexemplo,Êxodo 19.11e 18).Então, oquevaiaparecerdiantedenósmerecetodoocuidadonaanálise. Ele sairá e chegará para juízo. “A chegada de Javé para o julgamento é teofânica: como no Salmo 50 (julgamento) ou 96 e 98 (reinado, governo); ver também Na 1; Hb 3; Sf 1.15 etc. A rápida imagem sintetiza elementos de erupção vulcânica e de terremoto, com função simbólica e não realista.”4Uma teofania se apresentaaos nossos olhos, portanto. Nela, os montes se derre­ terão e os vales se fenderão. A linguagem é simbólica e não real. Otextoéteofânicoe nãorealista. A interpretaçãoliteralsuscitará muitos problemas. Miquéias procuramostrar a vindade Yahweh de formadramática. Essa vinda, que outros profetas denominam “dia do Senhor”, é sempre dramática. Joel, que é um deles, por exemplo, a pinta em cores carregadas (como em J1 2.11 e 31). Os montes são o que há de mais resistente na criação. São rijos e, na literaturapoética, símbolo do inabalável. “Aqueles que con­ fiamnoSenhorsãocomoomonteSião,quenãopodeserabalado, mas permanece para sempre”(SI 125.1). Quando Yahweh chegar, os montes se derreterão. O que em aparência é tão rijo se dissol­ verá. A figuradaceradiante do fogo, usadano versículo4, é bem clara. Nada subsistirá. Dois verbos não podem passar despercebidos no versículo 3. Eleséquecomandamoprocessoaseguir:“descerá”e“andará”. Deusnãoéomissoneminativo. Eleestánoseutrono,mas“desce”, ou seja, sai dele e vai aonde os homens estão. E não é um obser­ vador passivo, indolente, mas “anda”no meio do pova No Apo­ calipse, a mesma figura é empregada. O Cordeiro que foi morto mas vive “anda no meio dos sete candeeiros de ouro” (Ap 2.1). Os candeeiros são as igrejas (Ap 1.20). Quer no Antigo quer no NovoTestamento,Deusnãoestádistantedoshomensnemémero espectadordos eventos. Ele andano meio do povo. Participa das experiências e da história deles. 21
  • 24. Quando Miquéias escreveu, o juízo estava em andamento. Enquanto a liderança política presumia poder contorná-lo com aliançascomoutrasnações,vendoapenasvariantesdeumaconjun­ tura política, o profeta via a mão de Deus. Cego em sua insensibilidade espiritual, o pecador não consegue ler a história e ver o que Deus está fazendo. O profeta vê. Miquéias viu. Esta é sua visão. Os acontecimentos de seu tempo não eram meros eventospolíticos,produtodescontroladoedescoordenadodeforças militarese econômicas. Portrásde tudo estava Deus. Os eventos nãoeramacidentes. Deusestavaparasairdeseulugar.Estavapara descer e andar no meio do povo. Pôr isso, “ouvi, todos os povos”. Por isso, “presta atenção, ó terra”. Bem-aventurado o que presta atenção aos atos-de Deus na história. São duas questões fundamentais que nós, cristãos, preci­ samos entender. Precisamos compreender que nosso Deus é o Senhor dahistória. Que os eventos, mesmo os piores, conquanto não sejamexpressão direta de sua vontade, conduzem a história no rumodesejadoporele. Éoque lemosemGênesis 50.20: “Vós, naverdade,intentastesomalcontramim;Deus,porém,ointentou paraobem,parafazeroquesevênestedia,istoé,conservarmuita gente com vida”. As sucessivas desgraças de José foram encami­ nhadas por Deus para um ponto positiva Ele nunca perde o controle, embora, emcertos momentos, tudo possa parecer nebu­ losoparanós. Lembre-setambémdeque,adespeitodeestarpredito, epelopróprioMiquéias,queoMessiashaveriadenasceremBelém, poucos dias antes do seu nascimento sua mãe estava a quilôme­ trosdedistânciadessacidade. Foi umdecretode umpagão, César Augusto,queobrigouMariaaviajarparaBelém(Lc2.1).Nenhuma mulher grávida, às vésperas de dar à luz, faria uma viagem tão longae perigosase não houvesseuma necessidade premente. Um pagão fez aEscriturase cumprir, obrigando o jovem casal a uma viagem semsentido. Odecretoeraincômodo e trouxe transtorno a Maria e José. Mas Deus se valeu dele. Esta é uma necessidade nossa: entender que Deus está no comando da História. Ela vai no rumo que ele estabeleceu. Até o que nos parece sem sentido podeserusadoporele.Quandocremosassim,umaprofundasegu­ rança nos domina. Tudo vai terminar de acordo com o querer de Deus. 22
  • 25. A segundaquestãojá foi levemente mencionadano comen­ tário da primeira. É que Deus usa pagãos e incrédulos para dar consecução ao seu querer. A Assíria era cruel e estava com seus dias contados pelasua violênciae iniqüidade. Mas Deus a estava usando como instrumento de juízo sobre Israel e Judá. E o fato deusarpagãoseincrédulosnãosignificaqueDeuslhesficadevendo favores. Em Isaías 10.5, a Assíria é “a vara da minha ira”. Mas, “aidaAssíria”.Deususaquemquer,quandoquerenãodevenada aninguémporisso.Guardemosessamensagememnossocoração. Muitasvezes,pensamosqueDeusnosdevefavoresporqueestamos engajados no seu reino. Ele não deve nada a ninguém. Nem a ímpios,nemaoseupovo.OSoberanonãodevefavoresaossúditos. Masnãoésó dejuízo que oprofetafala. Esperançatambém estánasuapauta, comoveremosao longodocomentáriotextual. Noentanto,registremosdesdelogo,paranãosepresumirqueanda­ remosporumaestradacheiasomentedeescolhos, semrefrigérios. Há boas notícias no seulivro. Tenhamos, então, uma visão global daobra,nestecontexto. Oscomentaristasgostamdedividirolivro em quatro seções: capítulos 1a 3 — ameaças; capítulos 4 e 5 — promessas; capítulos 6 a 7.7 — ameaças; capítulo 7.8-20 — promessas. Como se vê, ameaças e promessas se alternam. Todavia, Willis5propôs uma divisão diferente, nos seguintes moldes: Denúncia Salvação 1.2 a 2.11 2.12,13 3.1-12 4.1 a 5.15 6.1 a 7.6 7.7-20 A Bíblia de Jerusalém apresenta uma divisão mais simples, de apenas quatro partes. Nelas, a condenação é mais acentuada, por aparecer em duas divisões: 1. O processo de Israel — 1.2 a 3.12. 2. Promessas a Sião — 4.1 a 5.14. 23
  • 26. 3. Novo processo de Israel — 5.15 a 7.7. 4. Esperanças — 7.8-20. Voltaremosmaisvezesaestadivisãodolivro.Oqueinteressa nomomentoéofatodenostrêsesquemasaquimostradosoanúncio condenadornãoserfrutodeumDeusiracundooudescontrolado, mas algo que é feito naexpectativa de que este sensibilize o povo eoleveaoarrependimento.Apósasqueixaseasameaçasdeconde­ nação, vem a oportunidade de recuperação. O juízo nunca é anunciado sem que a graça seja oferecida. Quem é punido não o é sem avisos e sem oportunidade de se arrepender. Neste capí­ tulo, vimos o anúncio do juízo. No próximo, veremos o porquê de suá iminência. A seguir, veremos a graça anunciada. NOTAS 1. MAILLOT.A. eLELIÈVRE,A.AtualidadedeMiquéias: umgrande “profeta menor”, p. 26. 2. ARCHER, Gleason. Merece confiança o Antigo Testamento?, p. 334. 3. SHEDD, Russel (ed.). O novo comentário da Bíblia, p. 880. 4. SCHOKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Profetas, vol. II, p. 1.074. 5. SCHOKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Op. cit., p. 1.066.
  • 27. 3 O PORQUÊ DO JUÍZO Sucede tudo isso por causa da transgressão de Jacó, e por causa dos pecados da casa de Israel. Qual é a transgressão de Jacó?não é Samáría?e quais osaltos de Judá?não éJerusalém? Por isso farei de Samáría um montão de pedras do campo, uma terra deplantar vinhas; efareirebolarassuaspedraspara o vale, e descobrirei os seus fundamentos. Todasas suas imagens escul­ pidasserãodespedaçadas, todososseussaláriosserãoqueimados pelo fogo, e de todos os seus ídolos farei uma assolação; porque pelo salário de prostituta os ajuntou, e em salário de prostituta se tornarão. Por isso lamentarei e uivarei, andarei despojado e nu;fareilamentaçãocomodechacais,eprantocomodeavestruzes. Pois as suas feridas são incuráveis, e o mal chegou até Judá; estendeu-seatéaporta domeupovo, atéJerusalém.Não oanun­ cieis em Gate, em Aco não choreis; em Bete-Le-Afra revolvei-vos nopó. Passa, ómoradora deSafir, em vergonhosanudez; amora­ dora de Zaanã não saiu; o pranto de Bete-Ezel tomará de vez a suamorada.PoisamoradoradeMaroteesperaansiosamentepelo bem; porque desceu do Senhor o mal até a porta de Jerusalém. A taaocarroocavaloligeiro,ómoradoradeLaquis;estafoioprin­ cípio do pecado para a filha de Sião; pois em ti se acharam as transgressões de Israel. Porisso darása Moresete-Gatepresentes de despedida; as casas de Aczibe se tornarão em enganopara os reis de Israel. Ainda trareia ti, ó moradora de Maressa, aquele que te possuirá; Chegará até Adulão a glória de Israel. Faze-te calva, e tosquia-te, por causa dos filhos das tuas delícias; alarga atua calvacomoáguia,porquede tiserãolevadosparaocativeiro (1.5-16). Até o versículo 4, quem falou foi Miquéias. Deus apareceu como aterceirapessoa do discurso. Do versículo 5até o 7, muda 25
  • 28. -seolocutor;quemfalaéDeus.Atenteparaosverbosquemostrafn aaçãodivina:elesestãonaprimeirapessoadosingular. É Yahweh quem fala agora e explica o porquê do juízo. Não necessita dar satisfações, mas não julga o pecador sem lhe dizer que o está fazendo e por que o faz. Se é soberano, não é mal-educado. A razãodojuízoébemdescritanoversículo5:“Sucedetudo isso por causa da transgressão de Jacó, e por causa dos pecados da casa de Israel”. Não é por capricho de Deus, mas por causa das transgressões do seu próprio povo contra sua santidade. O pecado acarretacastigo. É uma ofensa a Deus, e sua presença na vidá do povo de Deus é um desgosto para o Senhor. Ambos os reinos são culpados. Tanto Judá (Jacó) como IsraelpecaramcontraDeus. Israelnasceusobosignodaidolatria, com Jeroboão. Veja-se IReis 12.16-33 paralocalizaro surgimento histórico doreinodoNorte. Atente-se emparticularparaos versí­ culos28-33,quemostramcomoaidolatriasefirmoudesdeoinício do reino. Judá demorou mais a ser envolvido pela idolatria, pela força da dinastia de Davi, que teve gente de firmeza espiritual. EmOséias 11.12lemos: “Efraimme cercoucom mentira, e acasa de Israel com engano; mas Judá aindadomina com Deus, e com o Santo está fiel”. Todos os reis de Israel foram idólatras, sem exceção. Em Judá houve reis piedosos que evitaram uma desin­ tegração mais rápida do reino. Esta veio, mas custou um pouco mais. Na palavra de Deus através de Miquéias, a transgressão de Judá (oreino do Sul) é Samária (capital do reino do Norte). Judá também foi envolvido pela idolatria. Copiou os feitos errados de Israel, de modo que tem seus “altos”. O que significa isto? No Antigo Testamento, os “lugaresaltos”eram tradicionalmente oslocaisdecultoàsdivindadesligadasàfertilidadeda terra, onde aprostituição era o rito central. Era considerado um culto idolá- tricoporquesignificava uma traiçãoao cultoaJavé. Ora, o culto aJavéeraaprerrogativacentraldeJerusalém, considerada osím­ bolo da aliança de Deus com seu povo. Desse modo, podemos percebera violência da acusação de Miquéias: de lugar de culto a Javé, Jerusalém se tornou o local da idolatria, da prostituição. Isso relembra o destino de Samaria (sic), que o profeta promete 26
  • 29. também para Jerusalém: como conseqüência da idolatria, Jeru­ salém será arrasada e ficará em ruínas (1.6,7).1 Não era apenas a idolatria, como se esta fosse pouco. Uma idolatria comum, como a que vemos hoje, com veneração de imagens, jáseria umaperversãoreligiosa. Erauma idolatria com prática de sexo por sacerdotisas-prostitutas. Era o culto à fertili­ dade.“Porisso”(v.7)virájuízosobreSamária. Elaseráummontão de pedrasdocampo, oqueparecesignificar terrainóspita. Outros pensam queseriaaindafértilporser uma terradeplantar vinhas. Masaidéiaémaisdedesabitação. Samáriaseráterraabandonada. Nasceriam vinhas semcultivo, como em muitos lugares do Brasil nascem árvores frutíferas sem cuidado humano. As imagensesculpidasseriamdespedaçadas. A idolatriaseria destruída. Aexpressão“saláriodeprostituta”indicaqueparaDeus toda aSamáriaerauma prostituta, como Israelo eraparaOséias. A infidelidade espiritual é vista por Deus como prostituição. É aquebradocompromisso,dopactoassumidocomele. Comoigreja de Cristo, precisamos lembrar que firmamos um pacto com o Senhor. Nossa infidelidade no relacionamento com ele, quando deixamos de amá-lo ou quando colocamos nossa confiança em recursos humanos, é prostituição. Pensamos muito em idolatria como adoraçãode imagens. Enosorgulhamos porquenão somos idólatras. Mas muitos cristãos o são. Muitos de nós adoramos conceitos, ideologias e instituições — e, nãopoucas vezes, nossas opiniões pessoais, às quais atribuímos um caráter de sagradas. Julgamosnossasopiniõesinfalíveis.Quantasdissensõestêmsurgido nasigrejasporcausadegentequesevêcomoumoráculoinfalível ejulgasuapalavrapessoalcomoalgumacoisaàqualtodaacomu­ nidade tem de sujeitar-se! Valorizamos muito mais essas coisas do que o evangelho de Jesus. Há tempos, surgiu no cenário brasileiro uma empresa de produtos diversos chamada Amway. Nada a dizer contra ela, até mesmo porseruma empresacomo qualquer outra. Mas dizia um membro de certa igreja que, se seu pastor fosse tão apaixonado pelo evangelho de Cristo como o erapela Amway, a igrejaestaria explodindo de vida. Ele divulgava seus produtos com uma inten­ sidadecomque nãodivulgavaonome do Salvador. Outroobreiro
  • 30. engajou-senacampanhapolíticadedeterminadocandidatoàPresi­ dência da República. A opção política é um direito de qualquer cidadão,edaqueleobreirotambém. Massenuncapuseraumplás­ ticoevangélicoemseucarro,elepôsumdoseucandidatoemcada vidro do veículo. Não era de distribuir literatura evangélica, mas fazia “corpo a corpo” distribuindo os chamados “santinhos” do seucandidato. Nossasemoçõesenossoentusiasmomaiorsãopelo Senhor Jesus, por sua obra, ou por nossos negócios e propósitos? Discutimoscommaisardorsobrepolíticaefuteboldoquefalamos de Jesus?Nossas emoções estão mais postas no reino de Deus ou emfutilidades?Vibramosmaiscomnossoclubedefuteboldoque com o evangelho? Isto é idolatria: empolgar-se mais com essas coisas do que com o reino de Deus, ter mais vigor e entusiasmo com o fútil do que com o Eterno. Cuidado com as sutis formas de idolatria da sociedade contemporânea! No versículo 8, o profeta retoma a palavra. Vai lamentar, uivar, andar despojado e nu, em sinal de lamento. Seu contem­ porâneo, Isaías, agiu da mesma maneira (Is 20.2,3). Realmente, a situação não eradas mais agradáveis. A partir daqui, Miquéias anunciaojuízodivinosobre 12cidades,algumasdelasconhecidas, como Gate, Zaanã, Laquis, Moresete-Gate, Aczibe, Maressa e Adulão.Outrassãoignoradas.Émuitoprovávelqueoprofetaesteja falandodainvasãodeSenaqueribecontraJudá,em701 (leiasobre ela em Isaías 36 e 37). Essa invasão chegou até as portas de Jeru­ salém, mas lá Senaqueribe não conseguiu entrar. Deus não o permitiu. Como lemos em Isaías 37.33-35: “Não entrará nesta cidade, nem lançará nela flecha alguma; tampouco virá perante elacom escudo, ou levantarácontra elatranqueira. Pelocaminho por onde veio, por esse voltará; mas nesta cidade não entrará, diz oSenhor. Pbrqueeudefendereiestacidade,paraalivrar,poramor de mimeporamor domeuservoDavi.”Istoestáem consonância com o versículo 9de nosso texto: “estendeu-se até aportado meu povo, até Jerusalém.” Ficou na porta. Não entrou. As feridas de Samária eram incuráveis. Não havia mais remédio. A que ponto chega a dureza de coração! Uma pessoa pode viver no pecado e acabar cauterizando a sua consciência a tal ponto que não mais se sensibilize com achamada ao arrepen­ dimento.Comodevemossercautelososcomnossasatitudes!“Hoje, 28
  • 31. se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações (...)” (Hb 3.7,8) é uma boa exortação para nós. As feridas não eram apenas incuráveis, mas também trans­ missíveis:“omalchegouatéJudá.”Jáhaviaumaadvertênciacontra essapossibilidadeemOséias4.15:“Aindaquetu,ó Israel,tequeiras prostituir,contudonãosefaçaculpadoJudá.”Eisoutrarazãopara cuidarmosbemdenossavida. Existeumelementoaltamentetrans­ missívelnopecado. Elesepropagacomrapidez. Nãosepassasaúde paraoutrapessoa,masdoençascontagiosassepropagamcomfaci­ lidade. Nossos pecados podem contaminar toda uma comunida­ de, pelo nosso mau testemunho, por um mau exemplo. Porque o mal chegou até Judá, até a porta de Jerusalém (v. 9), do Senhor desceu o mal até a porta de Jerusalém (v. 12). 0 profetaébemclaro: nãoimportaatéondeo maltenhachegado. Até ele chegará o juízo de Deus. Mesmo que tenha sido na pró­ pria casa de Deus o lugar aonde o mal tenha chegado, até aí chegará o juízo de Deus. Devemos pensar nisto porque muitos nutrimos um conceito estranhoe até mesmo tortuoso: que Deus não tolerao pecado no ímpio, mas o tolerano salvo. Paramuitos, Deus julgaráimplacavelmenteosperdidos, exatamente porcausa dos seus pecados, mas fará vistas grossas ao pecado na presença do seu povo/O mal havia chegado a Judá. O castigo chegaria a Judá. FoiaoseuprópriopovoqueDeusdisse: “(...)ovossopecado vos há de atingir” (Nm 32.23). O pecado em nossa vida será cobrado.Nãopensemosquetemosliberdadeparapecaràvontade. “Chegará até Adulão a glória de Israel” (v. 15b). Depois de umasériedeinvectivascontracidades,aldeiase lugarejosde Judá praticamentedesconhecidos,chega-nosessaexpressão.Oqueestá por trás dela? Afinal, trata-se da glória de Israel, a qabhôd. Em 1Reis 8.11,apalavraéusadaparaDeus,quandoaqabhôd-Yahweh encheu o templo que Salomão acabara de dedicar. Agora, Mi- quéias nos diz que ela chegará até Adulão. Esse foi o lugar onde Davi se asilou quandofugia de Saul (ISm22.1). A glóriade Israel iriapara lá. Para o comentaristada Bíblia deJerusalém, em nota de rodapé, o texto deveria sofrer uma correção, e se leria, então: “DeAdulãoiráembora,parasempre,aglóriadeIsrael”.Suaobser­ vação é esta: “Yahweh vai abandonar o lugar onde a dinastia começou seus feitos heróicos”.2É um pouco problemático fazer 29
  • 32. correçõesaotexto,mesmosabendoquemuitasvezeselefoicorrom­ pido e que nem sempre as traduções espelham com fidelidade o sentido que o autor sagrado quis dar. Mas esbarramos num problema que não podemos deixar de considerar: será que, por centenas de anos, exegetas bem preparados, nativos no uso da língua, não viram isto? O bom senso é também uma ferramenta hermenêuticae exegética: nadúvida, é bomverificaro que intér­ pretes mais próximos dos eventos entenderam. Trata-se de uma questão não mais técnica, mas de conteúdo: os feitos heróicos da dinastia de Davi começaram de fato por Adulão, onde ele se escondeu?OcomentaristadaBíbliadeJerusalémaceitouapalavra qabhôdparasereferirexclusivamenteaDeus. Istotornoutortuoso seu entendimento. Parece mais acertado o comentário de Carlson: “A nobreza fugiráparaAdulão,famosaporsuascavernas;oshomensquedeve­ riam estar na frente da batalha ficarão escondidos”.3Faz mais sentido porque a aplicação do termo qabhôd não se restringe a Deus; com as acepções de “honra, peso, importância”, também se usa paraa grandeza humana. Os homens ilustres de Israel, na hora da crise, em vez de liderar seu povo, fugiriam. Com umasituaçãotãocalamitosaporvir,opovoéchamado aoluto,noversículo 16.Rasparacabeça (“faze-tecalva”)eabarba (“tosquia-te”)eramsinais de luto (Jr 16.6; Ez 27.31). Ele deve ser expressado pelo povo. Não é uma mensagem que o profeta prega com alegria. Embora haja pregadores doentios, com prazerem agrediro audi­ tório, ele não é um sádico. O versículo 8 diz bem do seu estado emocional. Ele lamentará, uivará, andará nuem sinal de tristeza. Mas é uma mensagem que deve ser transmitida. Pbr certo, não seriao que o povo estavadesejoso de ouvir, mas erao que o povo precisava ouvir. Os profetas de Deus não foram chamados para massagear o ego do povo e tampouco para acalmar suas cons­ ciências em pecado. Foram chamados para exortar o povo à mudança de vida, à correção de suas atitudes e ao abandono do pecado. Em dias como os nossos, em que há pregadores especia­ listas em chamar o povo para ser rico, ter saúde e prosperidade contínua, dias em que a palavra “pecado” saiu de moda, é bom levantarmosabandeiradeumDeusmoralqueexigeretidãoepede 30
  • 33. oabandonodopecado. Paranós,cristãos, umaadvertênciamuito séria: Deusjulgao pecadoondequerqueesteseencontre —inclu­ siveemnossasvidas. Aprendamosavivercomseriedadeeretidão diante de Deus. Ele espera isso de nós. E será muito bom para nossas vidas. NOTAS 1. BALANCIN, Euclides e STORNIOLO, Ivo. Como ler o livro de Miquéias, p. 14.OsautorestransliteramonomedeDeuscomoJavéeoptamporSamaria, em vez de Samária, que usamos aqui, seguindo a Versão Revisada. 2. Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé, comentário in loco. 3. PFEIFFER,CharleseHARRISON,Everest(eds.).ComentáriobíblicoMoody, vol. III, p. 313.
  • 34. 4 UM ABISMO CHAMA OUTRO ABISMO Ai daqueles que nas suas camas maquinam a iniqüidade e planejam o mal! quando raia o dia, põem-nopor obra, pois está nopoderdasuamão. E cobiçam campos, eosarrebatam, ecasas, e as tomam; assim fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança. Portanto, assim diz o Senhor: Eis que contra esta família maquino um mal, de que não retirareis osvossospescoços;enãoandareisarrogantemente;porqueotempo será mau. Naquele dia surgirá contra vós um motejo, e se levan­ tará pranto lastimoso, dizendo: Nós estamos inteiramente despojados;aporçãodomeupovoelea troca;comoelearemove demim!aosrebeldesreparteosnossoscampos.Portanto,não terás tunacongregaçãodoSenhorquemlanceocordelpelasorte(2.1-5). A Bíblia d&Jerusalém intitulou este trecho de “Contra os. usurários”. Vanios entender seu contexto, transcrevendo duas citações. Na sua leitura, poderemos compreender bemo que está se passando. Quandoas tribosseinstalaram na TerraPrometida, os territórios foram sorteados fraternamente, para que cada família tivesse o seulote.Agora,osricoseospoderosos,poucoapouco, vãotomando cada vezmaiscamposecasas. Dessemodo,junto aoslatifúndios, muitasfamíliasficamnamiséria,impossibilitadasdeterasuaparte na terra dopovo deDeus. Mas oprofeta anuncia ojulgamento: em breveoinvasortomará tudo, enãohaverámais umpovo,pois a terra pertencerá aos estrangeiros.1 A outracitaçãocaminhajuntocomesta,masnoslançamais luzes: 33
  • 35. Miquéiasdenuncia a violaçãodaaliançanoSinai. A propriedade fundiáriapertenceàstriboseàsfamíliasenãopodia seralienada. A tendência monopolista e a exploração do próximo rompiam a comunhão fraterna dopovo (cf. lRs 21.1-16). Por isso a ameaça de perda total da terra em favor dos estrangeiros.2 A ganânciasuperouafraternidadeeestavacolocandoaexis­ tênciadanaçãoemperigo. Elasemeiaainjustiçaecolheapunição divina. Umaboaobservaçãosobreo teordestecapitulofoi feitapor E B.Meyer:“Ocapítuloanteriorfocalizapecadoscontraaprimeira tábua da lei; este fala de pecados contra a segunda”.3Oportuna e lúcidaconsideração. Costuma-se pensar nos Dez Mandamentos emduastábuas. Aprimeiracontendoosquatroprimeiros,alusivos aos deveres para com Deus. São os mandamentos verticais, na relação de Israel para com Yahweh. A segunda contendo os seis últimos, alusivos aos deveres para com o próximo. São os man­ damentos horizontais, na relação entre as pessoas. Quando se quebraraprimeiratábua, inevitavelmentesequebraráasegunda. “Um abismo chama outro abismo” (SI 42.7). Quando não há temordeDeus,nãohárespeitoaoshomens. Neemias,comogover­ nador, não oprimiu o povo, não lhe tomou pão e vinho nem dinheiro. Edeuarazão: “(...)eu assimnão fiz, porcausado temor deDeus”(Ne 5.15). QuandohátemordeDeus, háretidão. Quando nãohá,époucoprovável. Poderáhaver,poiso homemtrazdentro de si uma centelha divina. Mas a força do pecado que domina pessoasecorróiestruturasémuitograndeenãopodeserignorada. Israel e Judá estavam desacertados espiritualmente. Como conseqüênciainevitável,experimentavamdesacertosnaestrutura social e nos relacionamentos humanos. Hoje, tenta-se encontrar explicações sociais e políticas paraas diversas crises de relaciona- I mento no seio denossa sociedade. Não se pode sociologizartudo. Na raizdos desajustes está uma palavraque não pode ser banida do vocabulário humano, embora muitos tentem fazê-lo: pecado. Ele é a desgraça das nações (Pv 14.34). “Ai daqueles (...)”.O“ai”eraumaexclamaçãopunitiva, indi­ candosempre umjuízosobre alguém. Ai dosexploradores! Eque exploradores!A Bíbliana linguagem dehoje verteu assimo versí- 34
  • 36. culo 1:“Aidaquelesqueantesdeselevantaremdemanhãjáfazem planosparaexploraremaltratarosoutros! Elogoqueselevantam, fazem o que querem, pois são poderosos!” Que tipo de gente! E que atividade! Antes de se levantarem já estão planejando o mal. E,saídosdacama,executam-no.“Estánopoderdasuamão” (v. 1)significaquesãopoderosos. Masháumamãomaisforteque a dos poderosos na terra. Há poder acima do dos homens. É a mão de Deus. É o poder de Deus. Não se escapa dele. Jezabel agiu assim. Tomou a vinha de Nabote, levando-o à morte (lRs 21.5-16). Tinha poder para fazer isto e presumiu que ficariaimpune. Com freqüência, os poderososjulgamque podem fazer o que querem. Mas Deus agiu. “Tambémacerca de Jezabel falou o Senhor, dizendo: Os cães comerão Jezabeljunto ao ante- muro de Jizreel” foi a palavra imediatamente enviada por meio de Elias (lRs 21.23). Existe um Deus moral que pune os pecados dos homens, ensina a Bíblia. E isto não é história da carochinha. A História humana o comprova. Oversículo 2descreveaaçãodos cobiçosos. Otextomostra- ostomandoascasaseasterrasdospobres.Istoerafeitolegalmente, usando-seasprisõespordívidas,recursosqueoscredoresutilizavam paraseapoderardosbensdosendividados. Ajustiçahumanapode ser muito cruel com os fracos e generosa com os poderosos, que muitasvezesfazemasleisesabemaproveitar-sedasbrechasnelas deixadasparapoderemagir.Muitomalcostumaserfeito,nãocontra aleihumana, mascom o respaldodas leisdos homens, até. Espe­ cialistas em torcê-las, alguns técnicos conseguem achar brechas para favorecer os maus. Sabemos disso muito bem. “Cobiçam campos” é uma violação explícita do décimo mandamento. Diz Êxodo 20.17: “Não cobiçarás a,casa do teu próximo,nãocobiçarásamulherdoteupróximo, nemoseuservo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa algumadoteupróximo.”TantoemMiquéiascomoemÊxodotemos o verbo hebraico hamad, que significa uma violação deliberada e cínica da propriedade alheia. Uma posse do alheio planejada e bem calculada. Esta é uma questão na qual devemos pensar seriamente. Nossasigrejassãomuitozelosascomospecadosnaesferadosexo. E não estão erradas no seu zelo, deve-se dizer. Quantas atas de 35
  • 37. igrejas registramexclusões “por quebra do sétimo mandamento”, expressão que se tornou conhecida pelo seu uso em tais ocasiões. Mas o que dizemos aos cobiçosos e exploradores? Porque tantas igrejaselíderes,emtantasocasiões,têmbajuladopolíticoscorruptos esabidamentecomprometidoscomaopressãoecomaexploração dopobre?Quantostêmsidoexcluídosdenossasigrejasporquebra dodécimomandamento?Quandovemospastoresimpondoasmãos sobreacabeça dehomensreconhecidamenteímpios, “ungindo-os em nome do Senhor” na sua campanha política, não é lícito perguntarse nãoestáhavendoumcasodeoportunismode ambas as partes? É justo usar o nome de Deus para projetos políticos pessoais? É esta a nossa função, legitimar o poder muitas vezes conseguido e mantido pela cõrrupção? Seria isto que ocupava a mente de Jesus ao dizer “edificarei a minha igreja”? Yahweh estava planejando um mal contra os exploradores. Eraalgodequenãoconseguiriamretirarospescoços. Elestinham seus planos. Deus tinhaos dele. Porissoé muitobomo título que aNewInternationalversiondeuaestetrecho:“Osplanosdohomem e os planos de Deus”. Os ímpios fazem seus planos. Deus faz os dele— que se chocam com os dos ímpios e os aniquilam. É curiosa a expressão “não retirareis os vossos pescoços1 ”. Lembramo-nos de imediato da guilhotina, que decapita os sentenciados. Mas evidentemente não é esta a figura. A terrível guilhotinanãoeraconhecidadoshebreus. Éumaalusãoaospesados jugos que os assírios punham nos pescoços dos seus vencidos, a quem traziam como escravos. Claramente Deus está assumindo a responsabilidade por enviar Senaqueribe para dominá-los e escravizá-los—oquefezcom IsraelecommuitosdeJudá,embora nãoentrasseemJerusalém. Deusestavatrazendoumjugodoqual não poderiam livrar-se. Quandoistoacontecer,serãoobjetodezombaria,eeleslamen­ tarãosua situação (v. 4). “Aos rebeldes reparteos nossos campos” é referênciaaos invasoresestrangeirosque possuiriamsuasterras. Exploraram, tomaram-na dos outros, mas não ficarão com elas. Outros as tomarão. Citando Crabtree: Os assírios praticavam o costume de levar em cativeiro os ricos dasterrasqueconquistavamedeixarseuscompatriotasnodomínio 36
  • 38. dospaísessubjugados. Destemodo, osisraelitasricos verãoasua valiosapropriedadedistribuída entreassírioseospobresdeixados na terra, e depoissofrerãoa maiordegradação ao serem levados como escravos para o estrangeiro,4 “NãoterástunacongregaçãodoSenhorquemlanceocordel pelasorte”,dizoversículo5. Éafiguraderepartiraterraemsorteio, o que sucedeu quando da entrada na terra de Canaã, como se lê em Josué 14 em diante. Esses exploradores, além de sofrerem o castigo pela invasão assíria e pelo despojamento de suas terras, serãoexcluídos daherançadoSenhor. De fato, istoaconteceu. As dez tribos do Norte, apesar de tantas lendas sobre elas, desapare­ ceram. Perderam sua parte e perderam seus representantes. A lição que fica deste texto é muito clara: os exploradores dospobressofrerãoojuízodivino. Pagarãoseuspecados. Pormais poderosos que sejam, não estão imunes à mão de Deus. Mesmo reconhecendo isto, não podemos, no entanto, concordar com o usoquesefaz davisãosocialdosprofetasemgeral, ede Miquéias em particular, para apologia da violência. Na sua obra Comoler olivro de Miquéias, que, reconheça-se este mérito, dá uma exce­ lente visão global do livro do profeta, Balancin e Storniolo fazem umapergunta, paradiscussãoemgrupo, após estudaremacrítica proféticaàexploração dos pobres: “Oque pensar daocupação de terras? É roubo ou recuperação?”5 A pergunta é tendenciosa. A respostapode seroutra pergunta: “Ao se ocupar uma terranão se está cometendo também a violação do décimo mandamento?” Pobres também pecam, tambémcobiçam e tambémerram. Parti­ dários da teologia da libertação, os autores, católicos, esquecem que sua igreja possui, conforme o jornal O Estado de S. Paulo, 178 mil hectares de terras, distribuídos em 1.268 imóveis rurais.6 Não sãoapenasos pagãosquesão latifundiários. Igrejastambém. Talvez, melhor do que pregar invasão de terras, seja distribuir as suas. Afinal, assimfaziamoscristãos,comooexemplodeBarnabé nos mostra, em Atos 4.36,37. Háinjustiçassociaisgritantesemnossopaís. Háumainíqua concentração de renda nas mãos de uma minoria. Mas o texto bíblico não incita invasões. Há injustiças e corrupção em várias esferasdopaís, masaviolência produzapenas mais violência. Ria 37
  • 39. não é a parteiradaHistória, mas acoveirada História. Em geral, apenas o pobre, que é o mais fraco nos elos da corrente social. O poderoso quase sempre escapa ileso. Como cristãos, à luz dos princípios da Palavra de Deus, devemos lutar por melhores condições para o povo, devemos usar e esgotar todos os recursos humanos legais, devemos estender a mão ao pobre, orar por ele etambémpelopoderoso,emobediênciaa ITimóteo2.1,2. Devemos exercerumaaçãosadiaemproldosnecessitados, masnuncaretri­ buir o mal com o mal. NOTAS 1.Bíblia Pastoral, nota de rodapé, comentário in loco. 2. Bíblia Vozes, nota de rodapé, comentário in loco. 3. MEYER, F. B. Comentário bíblico devocional, p. 431. 4. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 142. 5. BALANCIN,EuclideseSTORNIOLQ,Ivo.ComolerolivrodeMiquéias,p.22. 6.0 Estado de S. Paulo, artigo publicado em 16 de maio de 1980. 38
  • 40. 5 A REAÇÃO CONTRA O PROFETA Nãoprofetizeis;assimprofetizam eles —não se deveprofe­ tizartaiscoisas;nãonosalcançará oopróbrio.Acasodir-se-áisso, ó casadeJacó: tem-serestringido oEspírito doSenhor?sãoestas as suas obras?e não é assim que fazem bem asminhaspalavras ao que anda retamente?Mas há pouco se levantou o meu povo como um inimigo;desobrea vestiduraarrancaisomantoaosque passam seguros, comohomens contráriosàguerra. As mulheres do meu povo, vós as lançais dassuas casas agradáveis; dos seus filhinhos tiraispara sempre a minha glória. Levantai-vos, e ide- vos, pois este não é lugar de descanso;por causa da imundícia que traz destruição, sim, destruição enorme. Se algum homem, andando em espírito de falsidade, mentir, dizendo: Eu teprofeti­ zareiacercado vinhoedabebidaforte;seráessetaloprofetadeste povo. Certamente te ajuntarei todo, ó Jacó; certamente congre­ gareiorestante deIsrael;pô-los-eitodosjuntos, como ovelhasno curral, como rebanhono meio do seupastor; farão estrondopor causa da multidão dos homens. Subirá diante deles aquele que abreocaminho;elesromperão,eentrarãopelaporta, esairãopor ela; e o reiirá adiante deles, e o Senhor à testa deles (2.6-13). Com este texto entramos num dos momentos mais difíceis para interpretação, no livro. Ao mesmo tempo, o tema abordado é de extremaatualidade, o da injustiça social legitimada pelareli­ gião.Veremoscomoospecadoresseescudamemconceitosreligiosos para manter sua situação inalterável, como se valem de Deus e de sua palavra para acalmarem suas consciências e justificarem seuspecados. Éumaclassecínica, aqueMiquéiasenfrentaagora, aque crê emDeus e o usaparalegitimar suapráticapecaminosa. Gentequese apóiaemDeus e nastradições religiosasparaperpe­ 39
  • 41. tuarainjustiça. Não é uma classe que desapareceucom o tempo. Pelo contrário. Hoje, vê-se muita gente usando Deus e a Bíblia parajustificar posições pecaminosas. Em um programatelevisivo de entrevistas, um ex-pastor, que no passado se notabilizou por ganharumconcursodeconhecimentobíblicopelatelevisão(numa época em que os evangélicos eram inexpressivos), fez a apologia do homossexualismo, utilizando-se daamizade de Davi e Jônatas paraprovarsuatese.Oapresentadordoprograma,JôSoares,ficou tão perplexo, que, emboranão sendo crente, contestou as teses do ex-pastor. A que ponto se chega, quando se perverte a Palavrade Deus! Sercorrigidopornão-crentes! Ecomo se pode usaraBíblia para tentar justificar o pecado! Miquéias fala de juízo. Os seus ouvintes, poderosos na economia e no pecado, contestam-no. É assim que começa nosso texto. Os líderes da nação iniciam sua fala (v. 6 e 7). Vejamos a tradução dos versículos 6 e 7, na Bíblia na linguagem de hoje: “Opovo me diz: — Parecomessas profecias! Não diga isso! Não é possível que Deus faça a desgraça cair sobre a gente! Será que o povo de Israel está amaldiçoado? Será que o Deus Eterno está irritado? É assim que ele age?” Miquéias deve pararde profetizar como vem fazendo. Deve falar coisas boas. Foi a proposta que fizeram a Micaías, profeta chamado a aconselhar Acabe: “Eis que as palavras dos profetas, a uma voz, são favoráveis ao rei; seja, pois, a tua palavra como a de um deles, e fala o que é bom” (lRs 22.13). A resposta de Micaías, a única que um autêntico homem de Deus poderia dar, foiesta:“ViveoSenhor,queo queo Senhormedisser,issofalarei” (lRs22.14). EstasuarespostadeveseraposturadaIgrejadeCristo aos que querem cortejá-la e atraí-la para suporte. Omundocortejaaliderançareligiosaquecomelecompactua. Tendo sido inexpressivos no passado, os evangélicos brasileiros, hoje, são um contingente significativo da população. Muitos dos seuslíderessãobajuladospelaliderançapolítica,quevênelespossi­ bilidadede penetraçãonas camadas populares. Satisfeitos porque agoranãosãomais“gentinha”,maspessoasaquemopoderprocura, muitoslíderesaceitamoabraçomundanoecorruptodegentesem qualquer qualificação espiritual e moral. Sentem-se lisonjeados, quando,nárealidade,sãousados. Nãodevemosnospreocuparcom 40
  • 42. a busca de aplauso e de concordância do mundo. “Não ameis o mundo,nemoquehánomundo.Sealguémamaomundo,oamor do Pai não está nele” (lJo 2.15). Há líderes religiosos que buscam popularidade junto ao mundo. HáummovimentoreligiosonoBrasil(quetentafazeruma síntese do espiritismo, do esoterismo, do catolicismo e de alguns conceitosbíblicos,paraserareligiãobrasileira)quepublicacolunas emjornaisbrasileiros. A tônicaécitardeclaraçõesde autoridades elogiandootrabalhodogrupoedoseulíder,quecriouumaincrível estruturadepromoçãodocultoàpersonalidade. Comoo dirigente do movimento que pretende sera religião ecumênica do Brasil se promove! E abusca de aplausos, de aceitação do mundo, é usada por ele para mostrar seu valor. Isto é deplorável! A religião é um campo fértil para o culto à personalidade de líderes humanos. Como há pessoas emocionalmente doentes se promovendo à custa de Deus, enaltecendo-se e projetando seu nome! Como há desequilibradosusando areligiãoparapromover oseueuopaco! Veja-seestanotíciapublicadanarevista Ultimato, sobo título“Absurdo”:“Melhorseriasefosseerrode revisão, mas nãoé. Paraapresentaro autorde um livrosobreo EspíritoSanto, lançadorecentementeemBrasília,alguémescreveuoseguintesobre oescritor:‘(Fulano)éumadestaslâmpadascommaiorcapacidade de receber a luz de Deus. O Senhor tem mantido com ele uma comunhão plena, tem transmitido a ele seus segredos, e mostra osplanosepropósitosparaestesdias(...)”’.Aseguir,vemocomen­ táriodarevistasobreanota: “Atéentãoeraohomemquemdeveria manter plena comunhão com Deus e não o contrário”.1A obser­ vação final da revista é suficiente para pôr abaixo a ridícula pretensãodotexto,mas,quehorror!Comopodehavertantopemos- ticismo assim no cenário evangélico? E a tão preciosa doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes? E a revelação plena ecabal,nasEscriturasSagradas,postaaoalcancedopovodeDeus? Pbrquesetentaressuscitarocatolicismo,comaidéiadeumacasta privilegiada que tem acesso a Deus, enquanto a plebe ignorante tem de recorrer às “lâmpadas com maior capacidade”? É também um campo fértil paraa manipulação de pessoas, o que verificamos com abundância de provas. São poucos os que queremlevaropovoàmaturidade paratomar suas decisõeseagir 41
  • 43. de acordo com sua consciência cristã. O que a Bíblia ensina em Efésios 4.1-16é bemclaro: o povo de Deus deve alcançar amatu­ ridade e não ser criança sempre conduzida pela mão. Miquéiasnãotinhacomopreocupaçãoganharumconcurso de popularidadejunto à classe dirigente de sua época. Não tinha comopreocupaçãoprojetarseunomecomo“grandeservodeDeus”. QueriaserfielaospadrõesdoseuDeus. Numacampanhadeevan­ gelizaçãonumacidadebrasileira,algunscartazesfòramcolocados nospostes:“Suavidavaimudar.Fulanodetal(onomedopregador) em (...) (o nome do lugar)”. A vida da pessoa não mudaria pela ação do Espírito de Deus ou pela conversão a Jesus Cristo, mas pelopregador.Umcasotípicodenovaversãodeumaoraçãocostu­ meiraemnossomeio:“EscondeacruzdeCristoatrásdoteuservo”. Istoéumescândalo, umabominávelcultoàpersonalidade»forma insidiosa e abrandada de idolatria. Devemos rejeitar pessoas que usam o evangelho como trampolim para sua projeção. O culto à personalidade humana, no cenário evangélico, é uma perversão do serviço cristão. A respostade Miquéias é exemplar. Éele quem falaa partir doversículo8.Elesprotestaramcontraasameaçasdoprofeta,utili­ zando o argumento da aliança entre Israel e Yahweh. A resposta que Miquéias dá é que a aliança foi rompida pelos pecados do povo e pela injustiça da elite dirigente. Oprofetanãoosvêcomobeneméritosdopovo(comoaclasse política gosta de se intitular). Ele os vê como inimigos do povo. A Bíblia Loyola traduziu assim o versículo 8: “Vós, porém, vos ergueis como inimigos contra o meu povo”. Não é ele, Miquéias, o inimigo. São eles, os homens que dizem defender os direitos do povo, mas que constroem riquezas à custa da miséria do mesmo povocujosinteressesdizemdefender (istonãonos soatãoatual?). Miquéias se recusa a falar o que os pecadores querem. Há umexcelentelivrodeFrancisSchaeffer,Deathin theçity, emque ele analisa o livro de Jeremias.2Os contemporâneos de Jeremias queriamouvircoisasboas,queriamafagos. Oprofetafalavacoisas duras, que os desagradavam. O Dr. Schaeffer mostra que eles queriam“umeco”àssuaspalavras.Que,emsuapregação,ogrande profeta apenas ecoasse o desejo deles. O erradamente chamado “chorão”(narealidade,Jeremiaséumgiganteespiritual)serecusou 42
  • 44. a serum “eco”. Ele queriaser “palavrade Deus”.O que Schaeffer propõe é um dilema paraa igrejacontemporânea: o que ela quer ser, eco dos homens ou palavra de Deus? A classe política arranca a roupa do povo (v. 7), expulsa as viúvas de suas casas (v. 8) e “dos seus filhinhos tirais para sempre a minha glória” (v. 8). Esta última expressão alude aos filhos dos pobres vendidos como escravos. Vender alguém como escravoeratirar-lheaglóriadeDeusque neleestava. Não mudou muito. Há homens cobiçosos e exploradores que sujeitam os necessitados a uma situação em que a dignidade deles lhes é alienada. Por causa disso, vem a declaração dura no versículo 10: “Levantai-vos, eide-vos, poisestenãoé lugardedescanso”.Omau hábitodetirarpassagensdoseucontextojáfezcomqueesteversí­ culofosseutilizadocomodivisanumacampanhamissionária,como sefosse umaexortaçãoadeixarodescansoetrabalharparaDeus. Não é disto que o texto trata. É de juízo. A Bíblia na linguagem de hoje deixou bem claro o que está sendo dito: “Saiam daqui! Vão embora! Pois não é este o lugar onde vocês vão descansar em paz. Aqui há tanta gente desonesta e sem-vergonha, que a destruição vai ser total”. “Descanso” não é a atitude de “pernas parao ar”.A leitura de Josué 1.13-15; 21.43,44 e 22.4 nos mostra que, assim como Deus descansou quando completou sua obra, quando a obra divina se completasse na vída do povo de Israel, eles entrariam em descanso. Em vez de ociosidade, entrar*em “descanso”é entrar na totalidade das bênçãos de Deus. É este o sentido do texto também em Hebreus 4.1-11. E é este o sentido emMiquéias2.10. ElesnãoexperimentariamasbênçãosdeDeus. Iriam para o cativeiro. Isolar passagens bíblicas do seu contexto pode produzir esta curiosa situação: fazer a Bíblia dizer eWa- mente o oposto do que está dizendo. Oversículo 11 trazarespostade Miquéias ao dito nos versí­ culos 6 e 7 pelos seus opositores. Eles prefeririam, por certo, um profeta com uma mensagem boa. A Bíblia de Jerusalém traduziu assimo versículo: “Se há um homem que corre atrás do vento e inventa mentira: ‘Eu te vaticino vinho e bebida embria­ gadora!’ele seria o vaticinador desse povo”. Eis uma observação que nos ajuda aentender o sentido do texto: “O verbo traduzido 43
  • 45. por ‘vaticinar’, aqui e no versículo 11, significa literalmente ‘pingar’ e é tomado, geralmente, em sentido pejorativo”.3 Outra tradução para facilitar nossa compreensão é a da Bíblia Vozes: “Se um homem correr atrás do vento e inventar mentiras: ‘Eu profetizo para ti por vinho e por bebida embriaga­ dora!’ ele seria o profeta desse povo”. Numa versão, o profeta profetizaria festividade (vinho e bebida). Noutra, profetizaria em trocadebebida.Nosdoiscasos,nãosepregapelosmotivoscorretos, ou seja, anunciaravontade deDeus. Prega-seporinteresseepara agradar.Éoespíritodementiraedefalsidadequeoperanomundo e que leva ao desvirtuamento da Palavra de Deus. Sobre esta expressão,diz-nosYates:“A adivinhação,abruxaria, asuperstição e a idolatria prevaleciam em toda a terra. As práticas religiosas da Assíria e os cultos sensuais estrangeiros haviam influenciado muito profundamente a nação, numa conduta para o mal”.4 “Miquéias continua sua intervenção indicando o tipo de ‘profeta’de que essa gente gosta. Aquele que fala de vaidades e fala mentira, convidando à boa vida, a não se preocupar com nada”.5Sim, é este o tipo de profetaque o mundo deseja: o festivo e promissor. O que oferece bênçãos e não chama ao arrependi­ mento. É por isso que os pregoeiros da teologia da prosperidade têm suas igrejas cheias. Mas o impacto cristão no mundo, com a ética de Cristo, continua escasso. Há muita gente interesseira, mas há poucos santos. Osversículos 12e 13quebramosentidodoque vinhasendo discutido. Porisso, alguns queremveraqui umpossívelacréscimo pós-exílico. A Bíblia Pastoral, francamente pró-teologia da liber­ tação,dizserum“acréscimodospobres”.Comosedefiniuasituação econômicadospossíveisredatoresnãonosédito. Mas, paraquem sacraliza os pobres e sacramentaliza a pobreza, a interpretação satisfaz, mesmo não sendo plausívelnem provável. É muito arris­ cadodarumtextocomoenxertoeatédefinirasituaçãoeconômica dos prováveis enxertadores, sem que o texto deixe isso evidente. É um exercício de adivinhação. É certo que o profeta anunciou a destruição (v. 10). Mas também é certo que há algum sentido na palavra dos opositores deMiquéias (v.6e7).Afinal,easpromessasde YahwehlOprofeta fala, então, de restauração. Deus refará o povo. Lembrando que 44
  • 46. IsaíasécontemporâneodeMiquéias,aidéiatambémestápresente no chamado “príncipe dos profetas”. Uma longa série de passa­ gens poderia ser alistada aqui. Aos que desejaremvê-las também inseridas no exílio (na segunda parte, que alguns chamam de “Segundo Isaías”, datando as profecias do capítulo 40 em diante como sendo do exílio), lembramos queem 1.9já se falade restau­ ração. Não é uma idéia pós-exílica, mas surge junto com a condenação. Israel e Judá estavam condenados, mas Deus não estava de mãos atadas. Seu plano seguiria. Ele fariao povo nova­ mente, a partirdos retornados. Não é preciso “reinventar”ou dar uma nova data à Bíblia. Basta aceitar sua inspiração. O versículo 13 fala “daquele que abre o caminho”. A Bíblia Anotada traznota de rodapé dizendo que alude ao Messias. Mas o Messias não veio com os restaurados do cativeiro, liderando o povo. A leiturados versículos 12e 13seencaixabemnadescrição de Schõkel e Diaz: “A imagem é pastoril: Javé é dono e pastor (SI23); o rei pode ser o seu maioral ou cabresto; as ovelhas cons­ tituemrebanhocompactoeruidoso,elassaemdoapriscoemdireção a pastagens escolhidas (...) Javé chefia a marcha em direção” à pátria.6É o que diz o texto: “o Senhor à testa deles.” Porém, a monarquia não continuou. O retorno do cativeiro não reconsti­ tuiuamonarquia,mastrouxenovaformadegoverno,ahierocracia, o governodos sacerdotes. Não houve rei“adiante deles”,mas Mi­ quéiasraciocinanostermosdesuaépocaeparaoentendimentodos seus ouvintes, que só podiam pensar num povo liderado por reis. Os que ouvem a correção anunciada, em vez de reagirem contra a admoestação, devem arrepender-se Em vez de compac­ tuarcomopecado,aIgrejadeCristodeveproclamarojuízodivino sobre ele. E declarar, também, que a graça e a misericórdia estão sempre diante do homem, para que este se arrependa. Isto nos ensina o profeta morastita. Digamos ao mundo que o juízo vem e que a hora de arrependimento é esta. NOTAS 1. Coluna “Informes”, revista Ultimato, n.° 232, janeiro de 1995, p. 22. 2. SCHAEFFER, Francis. Death in the city, 1976, 143 p. 3. Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé, comentário in loco. 4. YATES, Kyle. Predicando de los libros proféticos, p. 160. 5. SICRE, José. A justiça social nos profetas, p. 178. 6. SCHÕKEL, Alonso e DIAZ, J. L., Profetas, p. 1.082. Os autores optam por transliterar o nome de Deus por Javé. 45
  • 47.
  • 48. 6 O PREÇO DA INIQÜIDADE E disse eu: Ouvi, peço-vos, ó chefes de Jacó, e vós, óprín­ cipes da casa de Israel:não é a vós quepertence saberajustiça? A vós que aborreceis o bem, e amais o mal, que arrancaisapele de cima deles, e a carne de cima dos seus ossos, os que também comeisa carnedomeupovoelhesarrancaisapele, elhes esmiu­ çaisosossos,eosrepartisempedaçoscomoparaapanela ecomo carnedentrodocaldeirão.EntãoclamarãoaoSenhor;ele,porém, não lhes responderá, antes esconderá deles a sua face naquele tempo, conforme eles fizeram mal nas suas obras. Assim diz o Senhor a respeito dosprofetas que fazem errar o meu povo, que clamam: Paz! enquanto têm o que comer, mas preparam a guerra contra aquele que nada lhes mete na boca. Portanto se vos fará noite sem visão; e trevas sem adivinhação haverá para vós. Assim seporá o solsobre osprofetas, e sobre eles, obscure­ cerá o dia. E os videntesse envergonharão, e osadivinhadoresse confundirão; sim, todos eles cobrirão os seus lábios, porque não haverá resposta de Deus. Quanto a mim, estou cheio do poder do Espírito doSenhor, assim como dejustiça e de coragem, para declarara Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado. Ouvi agoraisto, vóschefesdacasadeJacó, e vósgovernantesdeIsrael, queabominaisajustiçaeperverteistudooqueédireito,edificando aSião com sangue, eaJerusalém com iniqüidade. Osseus chefes dãoassentençasporpeitas,eosseussacerdotesensinamporinte­ resse, eosseusprofetasadivinhampordinheiro;eaindaseencos­ tam ao Senhor, dizendo: Não está o Senhor no meio de nós? nenhum mal nos sobrevirá. Portanto, por causa de vós, Sião serálavradacomo um campo,eJerusalémse tornaráem montões de pedras, e o monte desta casa em lugares altos dum bosque (3.1-12). 47
  • 49. Todo o capítulo 3 de Miquéias é uma declaração de juízo. TranspareceumaprofundaindignaçãodoprofetaedeDeuscontra os desmandos e pecados da liderança política, jurídica e religiosa do reino do Sul. É um dos momentos mais duros da profecia. A linguagemdeMiquéias nãopermitedúvidaalguma: aslideranças de Israel e de Judá são corruptas, falsas, e estão empurrando o povoparaadestruição.Oesquemadocapítuloéfacilmentepercep­ tível: v. 1 a 4 — advertência contra líderes políticos e jurídicos; v. 5 a 7 — advertência contra os falsos profetas; v. 9 a 12 — advertência contra líderes políticos e jurídicos. O versículo 8 é um interlúdio. É um momento em que o profeta se compara com os falsos profetas e se declara cheio do Espírito. Embora a advertência seja contra classes de pessoas, o juízo é sobre a cidade: “Sião será lavrada como um campo (...)” (v. 12). Liderar bem é levantar o grupo. Liderar mal é arruiná-lo. Aidacidadeoudopaíscujos líderessãocorruptosoudesastrosos! “Chefes da casa de Jacó (...) príncipes da casa de Israel” (v. 1)são a primeira classe a receber as recriminações do profeta. A Bíblia deJerusalém, a VozeseaLoyola traduziram“príncipes” por “magistrados”. Trata-se, portanto, da liderança política e da jurídica. É a eles que pertence a administração dajustiça. Deve­ riamministrá-la, mas não o faziam. Taisclasses foramduramente atacadaspor Amós. “Aborreceiomal, eamaiobem, eestabelecei o juízo na porta”(Am 5.15 — “porta”era, simplificando, o lugar do tribunal). O oposto do dito por Amós se via no tempo de Miquéias: “aborreceisobem,eamaisomal”.Quetristedeclaração para governantes e magistrados! Os versículos 2 e 3 revelamo que os homens incumbidos de ministrar ajustiça faziamcomos pobres. “Os líderes ímpios mos­ tram pelo povo a mesma consideração que um açougueiro tem pelos animais já abatidos e prontos para o corte!”1As figuras do poetaMiquéias sãoexpressivas: “arrancaisapeledecimadelesea carne de cima dos seus ossos (...) comeis a carne do meu povo e lhes arrancais a pele (...) repartis em pedaços como paraa panela ecomo carne dentrodo caldeirão.”Ele não mede as palavras. Diz o que deve ser dito. É oportuna a declaração de Crabtree sobre este texto: 48
  • 50. Em linguagem vigorosa, Miquéias descreve os governadores do seupovocomoo carniceiroquemata eprepara o animalparaser cozinhadoe comido. Tambémdescreveopovo comoanimal, cuja peleéarrancada ecujosossossãoquebradosedespedaçadospara seremcolocadosnocaldeirão.Paraa classedopovojustono tempo de Miquéias, os homens ricos se tornaram como açougueiros bestiais.2 Quando o povo sofrido e necessitado recorre aos juizes e às autoridades e não encontra homens íntegros, mas carniceiros, a situação é de desespero. Quando o poderé usado nãocomo força moderadoraedistribuidoradejustiça,mascomofontedeopressão, aidospobres!E, infelizmente,oscarniceirosdopovonãocessaram com o tempó. Hoje, como sempre, e de forma mais acentuada, como há exploradores do povo! Como há gente que se proclama defensora dos pobres e vive de forma nababesca, indiferente ao sofrimento dos necessitados! Mas umdiaaliderançabuscaráaDeus, precisarádele. “Ele, porém, nãolhesresponderá,antesesconderádeles asuaface.”Por quê? A explicação é óbvia: “conforme eles fizeram mal nas suas obras.”A práticadomalimpedequeasorações sejamouvidaspor Deus. ABíblianalinguagem dehoje traduziuo versículo 3assim: “Virá o diaem que vocês clamarão ao Deus Eterno, mas ele não os atenderá; vocês fazem o que é mau, e por isso ele não ouvirá as suas orações.” Com a vida em pecado não se pode ter comu­ nhãocomDeus. Aoraçãodoiníquoéincapazdealcançarotrono divino. “Sabemos queDeusnãoouveapecadores;mas,sealguém fortementeaDeus,efizerasuavontade, aesseeleouve”(Jo9.31) é uma palavra para ser pensada, neste contexto. O versículo 5 fala da atitude dos profetas. Aos que os man­ têm,eles apregoampaz. Aosquenadalhesdão,prometemguerra. Profetas subornados, que falavam favoravelmente aos que lhe pagavam e eram hostis aos outros. “Enquanto têm o que comer” são agradáveis. O Nuevo comentário bíblico traz uma excelente observação aqui: “A palavra hebraica para ‘comer’é, incidental- mente, nasak, a qual é costumeiramente usada para referir-se à mordedura de serpentes”.3 São serpentes, e não pregadores da palavra de Deus. Ora, a serpente, desde a queda, é símbolo 49
  • 51. do Maligno. Em vez de serempregadores de Deus, são servos do Maligno. Mais uma vez, a Bíblia nos mostra a relação muito estreita entre o poder político pervertido e a religião corrompida. Esta busca legitimar aquele. Aquele sustenta esta. É triste a situação do líder religioso que se vende para apoiar poderosos. Estes não o estimam. Usam-no. Sabem que ele é falso e vendido, lem por eleo mesmo respeitoque os sacerdotes que usaramJudastiveram poreste. A religiãocorrompidae o líderreligiosoquebajula auto­ ridades políticas para ter espaço na sociedade e na mídia são desprezíveis. E recebem seu juízo, também. No versículo 6, por quatro vezes aparece a idéia de escuridão para eles: “noite sem visão”, “trevas sem adivinhação”, “se porá o sol”, “obscurecerá o dia”. Andarão no escuro, sem enxergar, sem ter o que dizer. O homem que deve enxergar a luz para esclarecer os que andam nas trevas, estará ele mesmo em escuridão. Por isso, o versículo 7 fala da situação vexatória a que seriamexpostos. “Elescobrirãoos seus lábios, porquenão haverá respostadeDeus.”ABíbliaLoyola traduziu“seusbigodes”.A Bíblia Vozes e aBíblia de Jerusalém, “a barba”.A Bíblia na linguagem de hoje traduziu explicando o sentido do costume: “ficarão des­ moralizados”. Era o ato de cobrir o rosto, manifestando luto ou vergonha, como se vê em Levítico 13.45 e em Ezequiel 24.17-22. “Porque não haverárespostade Deus”éo motivo. Que vergonha! Os homens que dizem ser arautos de Deus nada terão paradizer deDeusaos homens. A IgrejadeCristoprecisameditarnistocom seriedade. Suaprincipalpreocupaçãonãodeveserademassagear o ego dos poderosos nem ade ganhar concursos de popularidade, mas a de ser fiel à Palavra de Deus. Sua autoridade não vem do aplauso do mundo, mas de poder dizer, com firmeza e seriedade, “assim dizo Senhor”.Na sua experiência pastoral, este autor tem visto que líderes políticos respeitam o púlpito que não se dobra, que não bajula, que não lisonjeia, mas que afirma a Palavra de Deus. O mundo não leva a sério seus bajuladores, mas se detém diante de quemdiz, com firmeza, que pecadoé pecado, sejaonde se encontre. É fácil apontar pecados do povo, mas os poderosos, ao entrarem em nossas igrejas, muitas vezes são elogiados e tor­ 50
  • 52. nam-seobjetodegratidãopor“honraremonossoculto”.Oprofeta de Deus e a Igreja de Jesus não agem assim. Pregam a Palavra, sempreocupaçãodeaplausos. SuaconsciênciaécativadaPalavra de Deus, para utilizar uma expressão de Lutero, ao ser chamado a se retratar, e recusar-se a fazê-lo. “Quantoamim,estoucheiodopoderdoEspíritodoSenhor, assim como de justiça e de coragem, para declarar a Jacó a sua transgressãoeaIsraeloseupecado.”Quemderaquecadapregador doevangelhopudessefazerestadeclaração: “estoucheiodopoder do Espírito do Senhor!”Vê-se tanta banalidade no púlpito, tanta auto-exaltação! Hápregadorescomumconceitotãoelevadoaseu próprio respeito que falam de si como se fosse outra pessoa, na terceirapessoa. Masvê-setãopoucoimpactonomundo,vê-setanto alarido e tão poucos resultados que se fica em dúvida se esse conceito elevado é real. MiquéiasestácheiodoEspíritodoSenhor.Porissonãobajula, nãolisonjeiaautoridadesnemascorteja. Omauhábitodebajular homensindignosecorruptos,debuscarpodereaceitaçãodopoder secular, compromete o testemunho. Miquéias está cheio do Espí­ ritodoSenhorparadenunciarospecados.Hojevemosgentecheia do Espírito Santo para autoglorificação, para um insidioso culto à personalidade. Que diferença! Doversículo9ao 12temosoanúnciodacondenação. “Chefes” e“governantes”doversículo9são, novamente, “magistrados”nas versões citadas no versículo 1. Desses magistrados, que deveriam amar o direito e a justiça, lê-se: “abominais a justiça e perverteis tudooqueédireito”.Elesestavam“edificandoaSiãocom sangue, e a Jerusalém com iniqüidade”. Podemos imaginar Miquéias' andando pelas ruas de Jerusalém e vendo o surto do progresso econômico, as novas construções, as edificações suntuosas, que enchiamopovodeadmiração. Comovemosem2Reis20.20,houve um extraordinário crescimento nas edificações, no tempo de Ezequias. Ele construiu a piscina e o aqueduto, fazendo a água vir para a cidade. A riqueza era abundante (veja Isaías 39.2). Mas por trás dos edifícios e das construções públicas, Miquéias via o preço: o sangue dos explorados. A beleza arquitetônica escondia a feiúra do pecado. Boa admoestação para nós, que muitas vezes nos orgulhamos da arquitetura das cidades onde moramos, dos nossos templos, inclusive. Deus não se ilude com isso. A construção estava sendo feita com sangue e iniqüidade. 51
  • 53. Oversículo 11édeuma durezasempar. “Osseus chefesdão as sentenças por peitas”fala de juizes subornados, que atendiam nãoàjustiça,masaodinheiro.“Ossacerdotesensinampordinheiro” parece tero mesmo sentido da frase anterior, referindo-se à tôrôt (Ex 22.8 e Dt 17.8-13), que eram decisões sacerdotais, questões que deveriam ser julgadas com base na interpretação da Torah, aleideDeus. “Osprofetasadivinhampordinheiro”mostraaclasse dos adivinhos, que exigia pagamento para “adivinhar” o futuro das pessoas. Corrupçãoe mentira, a lei divina torcidae amentira ensinada em nome de Deus. Com tudo isso, essas pessoas ainda diziam: “Não está o Senhornomeiodenós?nenhummalnossobrevirá”.Afinal, oque de mau lhes poderia suceder? Nada, pois Deus morava em Jeru­ salém. Schõkel e Diaz fizeram uma observação muito válida aqui, com um trocadilho: “Eles consideravam a presença de Javé incompatível com o mau = desgraça, quando na realidade ela é incompatível com o mal = injustiça”.4A reflexão deles não deveriaser “porque Deus está aqui nenhum mal nos acontecerá”, mas “porque Deus está aqui, nenhum mal devemos fazer”. Eles nutriam o conceito equivocado de que podiam fazer o que fosse de erradoque nada de ruim sucederia a eles, porque Deus estava em Jerusalém. Absurdo? Sim, mas não menos absurdo que o conceito de muitos crentes que pensam que Deus não tolera o pecado no pecador perdido e que, inclusive, o enviará ao inferno porcausadisso,mastolera-onavidadocrente. Nãomenosabsurdo que o conceito de muitos que presumem que Deus punirá o mundoímpiopelosseuspecados, mascometemosmesmospecados na igreja, e em nome de Deus! Política de bastidores, baixa e ras­ teira, para se ter prestígio denominacional, a bajulação de auto­ ridades que assistem, pela metade, às nossas assembléias conven­ cionais, tramas em sessões de igrejasparaderrubarpastores, salá­ rios miseráveis àqueles que gastam suas vidas pelo evangelho, malversação de verbas que deveriam ter destinação santa, tudo isso é encontrado no cenário evangélico. Não com abundância, masinfelizmentecomrazoávelassiduidade. Quediferençaháentre nóseomundo?CremosqueDeusodeiaainjustiçasocial,aexplo­ ração dos pobres? Que salários pagamos aos missionários e aos funcionários de nossas igrejas? Cremos que Deus detesta a 52
  • 54. corrupção,masnossasadministraçõessãolímpidas?Nãoháempre- guismo e nepotismo em nosso meio? A presença do Espírito Santo no meio da Igreja de Cristo nãoéapenassinaldepoder,maséexigênciaderetidão. Na década de 80, havia um televangelista que se notabilizou por acusar as “denominações tradicionais” de carnais e os “pastores tradicio­ nais”de frios e sem poder. Ele era poderoso, e os outros, carnais. Porduas vezes ele se envolveu em casos gritantes de pornografia e prostituição. Os que ele desancava continuam servindo a Deus. Pensamosemsantidadecomoexibiçãodepoder,quemuitosiden­ tificamcomgritoseexpressõesestereotipadas. Santidadeéretidão. Opovoemcujo seio Deus moradeve sersanto. Na realidade, tem que ser santo. Ou Deus não habita no meio deles. Que tristeza a expressão do versículo 12: “(...) por causa de vós, Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará emmontõesdepedras.”Pbrcausadoshomensquedeveriamensinar o caminho do Senhor, viria o castigo. Meu irmão, líder cristão, você é canal de bênção ou dedestruição? Vocêé causade bênção ou de juízo? Por sua causa, o que acontece ao povo: coisas boas ou coisas ruins? Você é abençoador ou destruidor de igrejas? Mas voltemos a MiquéiaS. Este versículo é citado em Jere­ mias 26.18 em defesa de Jeremias. Em 26.19 descobrimos que a dura pregação do morastita alcançou os ouvidos do rei e ajudou noavivamentoquelivrouJerusalém, naquelaépoca,dadestruição. A pregação dos falsos profetas se diluiu no tempo. A de nosso profeta fez diferença. Nossa pregação faz diferença ou é apenas rotina?Nossasigrejasfazemdiferençanacomunidade onde estão implantadas ou são ignoradas? Esteautormorounuma quadraem Brasíliaonde haviauma padaria e uma construção adaptada para um templo evangélico. Como tempo, ambos, padariaetemplo, fecharam. No diaemque a padaria fechou, toda a vizinhança soube e sentiu sua falta. Quando chegamos às 6 da manhã para comprar o pão e vimos a padaria fechada, sentimos sua falta. O templo foi fechado e só seis meses depois soubemos disto, porque ninguém mais estacio­ nava seus carros na frente de nossas garagens, impedindo nossa circulação.A padariafechadacausoumaisimpactoqueumtemplo fechado.Estenãofezfalta.Aquelescrenteschegaramàquelepedaço 53
  • 55. edelesaíramsemquesuapresençafizessediferençaesuaausência fossenotada, anãoserquandosereparouqueumproblemahavia desaparecido. Nós fazemos diferençaou passamosdespercebidos? Nossos templos valem mais que casas comerciais? NOTAS 1.Bíblia Anotada, nota de rodapé, comentário in loco. 2. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 150. 3. GUTHRIE, D. e MOTYER, J. A. Nuevo comentário bíblico, p. 566. 4. SCHÕKEL,AlonsoeDIAZ, J.L.Profetas,p. 1.084. Lembrandoqueosautores transliteram o nome de Deus como Javé. 54
  • 56. 7 BOAS NOTÍCIAS! Mas nos últimos dias acontecerá que o monte da casa do Senhorserá estabelecidocomo omaisalto dosmontes, ese exal­ çarásobreosouteiros,eaeleconcorrerãoospovos. E irãomuitas nações, e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor, e á casa doDeusdeJacó,para quenosensine osseuscaminhos, desorte queandemosnassuasveredas;porquedeSiãosairáalei,edeJeru­ salémapalavradoSenhor.Ejulgaráentremuitospovos,earbitrará entrenaçõespoderosaselongínquas;econverterãoassuasespadas em relhas de arado, e as suas lanças em podadeiras; uma nação nãolevantaráaespadacontra outranação,nem aprenderãomais a guerra. Mas assentar-se-á cada um debaixo da sua videira, e debaixo da sua figueira, e não haverá quem os espante, porque abocadoSenhordosexércitosodisse.Poistodosospovosandam, cada um em nome do seu deus; mas nós andaremospara todo o sempre em o nome do Senhor nosso Deus. Naquele dia, diz o Senhor, congregareia que coxeava, erecolhereia que tinha sido expulsa, e a que eu afligi. E da que coxeava farei um resto, e da quetinhasidoarrojadaparalonge, umanaçãopoderosa;eoSenhor reinará sobre elesno monte Sião desde agora epara sempre. E a ti, ó torre do rebanho, outeiro da filha de Sião, a ti virá, sim, a ti virá oprimeiro domínio, o reino da filha de Jerusalém (4.1-8). Seguindo o esquema apresentado por Helmbold, entramos agora na segunda divisão do livro de Miquéias. Este estudioso o dividiu em três partes:1 1 a 3 — O julgamento de Yahweh sobre Israel e Judá. 4 e 5 — A visão de um futuro glorioso. 6 e 7 — A controvérsia de Yahweh com o seu povo e a promessa de bênçãos futuras. 55
  • 57. Andamos, até agora, por uma estrada repleta de ameaças divinas. Não foiumcaminho muitoatraente. Diante denós, uma pausa: um momento de refrigério com a visão de um futuro de glóriaparao povo deDeus. Éumanecessidade naargumentação do profeta. Afinal, se Judá e Israel serão destruídos, como fica oconceitodepovodeDeus?EopactocomAbraão,IsaqueeJacó? E as promessas feitas a eles? O discurso profético associa, agora, restauraçãoeglóriafutura. Nãoapenasrestauração, masdomínio sobreasoutrasnações. Éprecisocaminharporaquicombastante cuidado para evitar interpretações apressadas que podem servir deembasamentoa umsionismopolítico, a umracismo teológico, esquecido de um elemento novo que surgiu depois de Miquéias e que assume como suas aspromessasbíblicas: a Igrejade Cristo, onde não há raças. É impossível deixar de ver aqui um sentido messiânicoeescatológico. A menosquesedigaqueoprofetateve um sonho que nãodeucerto. Otítulo dadoporCrabtreeao texto oracomentadoécorretíssimo:“OFuturodeSiãoeaPazPerpétua”. É disso que se estátratando. Mas os termos devem serbemequa­ cionados. O texto de Miquéias 4.1-4 é semelhante ao de Isaías 2.2-4. Porisso, Pape declarou que “sendo Isaías o mais ilustre e famoso dos dois, é provável que Miquéias tenha copiado essa profecia”.2 Parece mais razoável supor, no entanto, como Carlson, Angus e outros,aexistênciadeumaterceirafontecomumaosdois.Citando Angus, “a passagem 4.1-4 e a quase idêntica de Isaías 2.2-4 são talvez uma predição de tempos mais antigos, e não transcrição que Miquéias fizesse de Isaías, ou que este fizesse de Miquéias, sendo cada um destes profetas inspirados por sua vez atomarem aquelas palavras como tema de seus respectivos discursos”.3 Maillot e Lelièvre comentam sobre essa coincidência de pensa­ mento dos dois profetas: “Miquéias e Isaías citariam um mesmo texto,anterioraeles, oqualpertenceriaaoque sepoderiachamar ‘cânticos de Sião’. Os cânticos desta coleção deviam ser cantados depoisdaépocadeSalomãoedaconstruçãodotemplo,evocando a escolha de Davi e de sua linhagem. É provável, de acordo com apromessafeitaaDavi, queseafirmassenessescânticosque,com aentronizaçãodoúltimofilhodeDavi, Jerusalémcorresponderia àsuavocaçãoeaoseunome: ‘cidadedapaz’.Elasetornariaentão 56
  • 58. a capital do mundo e revelariasua maternidade universal, e dela se irradiariam a paz e a justiça para todas as nações”.4 Mas de que trata, então, o assunto? Afinal, deve ser impor­ tante,paraestarnabocadedoisprofetaseemumapossívelterceira fonte! E,sefaziapartedeumacoleçãodecânticos,provavelmente devia espelhar um sentimento nacional. “Este oráculo, cheio de esperança,anunciaumfuturonovo,quandoJerusalémsetornará a capital dajustiça, e quandocada um viveráfeliz e tranqüilo na sua terra, sem guerras. O mesmo Deus que castiga e permite a destruição de uma nação injusta, também perdoa e reconstrói o paíse a vidadaquelesque sofreramo castigoe se arrependeram”.5 Éum olhar paraa frente, paraumfuturo, mesmo que longínquo, em que avitória do reino de Deus se farásentir. “Éo tema predi­ letodosprofetas: o triunfoabsolutodo Senhor aofimdaHistória humana. Num rápidorelance,o profetaviuoexílioemBabilônia, e a volta para a terraprometida, como dores de parto, antes que Israel desse à luz o Filho esperado, o Messias”.6É como se um pedaço da cortina que esconde o futuro se entreabrisse e permi­ tisse ao profeta um rápido olhar. Ele vê, capta, mas não detalha com precisão. Masessa faltade precisãonãoé sinônimodeincer­ teza. É certeza, mas a visão é geral. “Nos últimos dias.” Quando? O tempo é indefinido. Para alguns, no tempo do milênio. Com todo o respeito, esta interpre­ tação visa a pôr a idéia aqui em Miquéias. Parece que tudo que os profetas predisseram e ainda não se cumpriu se joga para o milênio, que, a esta altura, deve estar entulhado de profecias a cumprir.Namentedoprofeta,ascondiçõespacíficasseconfundem com o retorno do cativeiro. Este sucedeu; aquelas, não. Parece mais razoável supor que a questão não é de cronologia, mas de conceito:otriunfodoreinodeDeus.Estetriunfoenglobaoretorno (v. 6 e 7), o cativeiro (v. 10) e a futura vinda do Messias (5.1). Nem mesmo em ordem cronológica os eventos estão. A idéia é esta: Yahweh,o DeusdeIsrael, vaitriunfar. Estánahistória. Esta história inclui eventos, como o cativeiro, o retorno, e desemboca nas condições pacíficas que não podem deixar de existir, se ele dominarsobretodos.Ajuntemosestaidéiaaoversículo 1:“omonte dacasadoSenhorseráestabelecidocomoomaisaltodosmontes”. É evidente que não se pode pensar em mudanças geológicas ou 57
  • 59. geográficas. Não há nenhuma base hermenêutica parasupor um crescimentoliteraldomonteSiãoparaqueultrapasseo Himalaia. A linguagemnãopode serliteral. Éfigurada. Valha-noso comen­ táriodeKunstmann: “Há quemensine, combase neste texto, um crescimentorepentinoemdimensõesincomensuráveisdopróprio monte Sião. São adventistas e outras seitas que imaginam o mi­ lênio: Cristo voltando antes do fim do mundo para governar os seuspormilanos no monte Sião alargado. Masé linguagemfigu­ rativa: aIgrejadeCristodominaráomundo, porqueoSenhordos céus e daterranela habitae agoverna. Deus congregarátodas as nações, e à sua direitaestarão aqueles que de fato lhe pertencem pelafé. Estesaqui naterrajáformaram‘uma santa IgrejaCristã, a comunhão dos santos”’.7 O destaque do monte Sião não será por seu tamanho. Não porão fermento em sua base. Ele será ponto de referência, ponto de atração, o mais visível de todos. Lembra muito a palavra de Jesus: “Eeu,quandoforlevantadodaterra,todosatraireiamim” (Jo 12.32). O Senhorda Igrejase tornou o ponto de atraçãopara toda a humanidade. O ponto de atração para a humanidade, na visão de Miquéias, é uma mensagem que brotou no Sião. Oversículo 2 mostraas nações buscando a casado Deus de Jacó. Asprimeiraspalavrassãodoprofeta:“Eirãomuitasnações, edirão.”Asseguintes representamo sentimentodospovospagãos convertidos ao Senhor: “Vinde, e subamos ao monte do Senhor, e à casa do Deus de Jacó, paraque nos ensine os seus caminhos, de sorte que andemos nas suas veredas.” Daí, fala novamente o profeta: “porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a palavra do Senhor”. Se a ordem dos eventos no capítulo 4 está desconexa, aestruturadaargumentaçãodoprofetafazsentido. Antesdefalar do cativeiro, futuro próximo e negativo, o futuro mais remoto, glorioso, é mostrado. Vai haver um castigo, sim. Mas ele não é o fim. O futuro do povo de Deus não é sombrio. É radiante. Isto valeparanós, como Igreja, e como vale! Há lutas, hásombrasno vale, mas há glória no porvir. Bem diz o hino 331 do Cantor Cristão: Temos sombras neste vale, Em que estamos a passar;
  • 60. Mas das águas cristalinas Já se vê o marulhar. Eis que o bom Pastor segreda, Ajudando a prosseguir: Há, sim, sombras neste vale, Mas há glória no porvir. Oversículo3é derarabeleza. Yahweh estarájulgandoentre nações poderosas e vindas de longe (sobre o mundo todo), as espadas convertidas em relhas de arado, as lanças em podadeiras e a arte da guerra esquecida. “Nos jardins da ONU, em Nova Iorque, uma bela estátua representa um homem forjando sua espada em arado, onde figuramtranscritas as palavras do poema bíblico‘De suasespadasforjarãorelhasdearado’.Masnem Isaías nem Miquéias são citados. Apenas uma inscrição assinala que o monumento foi oferecido pela União Soviética”.8De fato, seria constrangedor para um poder político que negava as Escrituras citá-las explicitamente. A omissão era mais conveniente. Mas quando sucederá isto? Balancin e Storniolo entendem nãocomoalgoqueacontecerá,mascomoumautopia.Seucomen­ tário é bem claro: “A esperança é que um dia a cidade viva se­ gundooprojetodeJavé. Issosignificaapazcomofrutodajustiça, e portantoo fim doconflitoentrecidadee campo: é o fimdaluta competitiva e o início de uma era de produção abundante, pois as armas serão transformadas em instrumentos para a produção davida. Ograndesonhoéque,defato,ocamponêspossausufruir tranqüilamente da sua produção”.9Mas será apenas um sonho do profeta? Haverápaz entreos homens, um dia. Não será, no entanto, pela ONU, nem pelo esforço de outras nações. Nem ainda pela conjugaçãodeforçasdospobressublevadoscontra os seus opres­ sores. Será pela vitória final, de Deus no momento último da História. E se os homens a desejampara agora, se queremtrans­ formarautopiaemrealidade,osonhoemalgoconcreto,oversículo 2mostrao quedevemfazer:reconheceraPalavradoSenhorcomo válida, pedir que ele a ensine e andar nos caminhos do Senhor. Fora da obediência à Palavra e do caminhar nas veredas divinas não há paz. É precisoira Sião (nãoem sentido literal, mas iraté 59
  • 61. ondeDeusestá),porqueédeláquesaia“lei”.Ohebraicoé Torah, e se não fosse traduzido seria melhor. Lei tem um sentido muito jurídico. Torahsignificaaverdadeirareligiãoqueoshomensdevem seguir, a que sai da boca de Deus. O versículo 4 é uma cena bucólica, agradável, de extrema tranqüilidade. Cadaumassentadodebaixodesuavideirae de sua figueira, àsombra,tranqüilos,semhaverquemosespante. “Estar debaixo da vinha e da figueira é uma expressão proverbial para exprimir a felicidade agrícola em tempos de paz (cf. lRs 5.5; 2Rs 18.31 e Zc 3.10)”.10Este autor se lembra de cena semelhante que viveu. Sentado debaixo de frondosas árvores, à beira de um lagoamazônico,oCuriá,conversandotranqüilamentecompessoas que iria batizar no dia seguinte. Um mundo em que o tempo parecia ter parado, com aves cantandoi, animais domésticos com seus sons característicos, as pessoas calmas, absolutamente tran­ qüilas, sem pressa, sem relógio, a conversa fluindo de forma amigável. Umbuledecafésobreo fogãoalenha. Nenhumapreo­ cupação. Tudo sob controle, nada para perturbar. Uma irmã, imperturbável, descascava laranjas suculentas e dulcíssimas que chupávamos enquanto conversávamos. Uma paz e uma tranqüi­ lidade enormes, emolduradas pelas águas calmas do lago Curiá, reluzente sob o sol amazônico! O versículo 5 parece quebrara descrição, mas é uma decla­ ração de triunfo. Os povos pagãos andam em nome do seu deus. “Andar no nome” de alguém significa “caminhar na trilha de alguém”.Miquéiaseseusconterrâneospiedososandavamnatrilha de Yahwehospagãos,nastrilhasdeseusfalsosdeuses.Umadecla­ ração óbvia, mas o sentido é este: não podiam tera esperança do futuro risonho. Mas nós, diz o profeta, nós podemos. Andamos e andaremosparasempreno nomedoSenhornossoDeus. É nele que confiamos para que estas coisas aconteçam! Oversículo6retomaafiguratãoqueridadaliteraturapoética, a do pastor. Três tipos de ovelhas desgarradas serão trazidas de volta naquele dia, diz o Senhor, que volta a falar agora. A que coxeava,provavelmenteferida.A quetinhasidoexpulsaseráreco­ lhida pelo Senhor. Ele próprio é o pastor que busca a que está longe e a traz. A terceira é “a que eu afligi”. Passou o tempo de juízo. Ele castigará, mas traráde volta. Seu juízo sobre seu povo 60