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Dez anos da Lei Maria da Penha: o sistema de justiça brasileiro continua
negligente, omisso e tolerante em relação à violência doméstica contra as
mulheres
*Conceição Amorim
Historicamente as relações de desigualdade de gênero se construíram em
base ao patriarcado que se estrutura alicerçado no machismo e no sexismo. Esse
sistema social, cultural e político impõe a sociedade, padrões que a muito vem
tornando a humanidade vítima de uma construção social, que oprime, explora, exclui
e metade da humanidade.
A desigualdade de gênero é o pilar da violência contra a mulher e para
combatê-la os movimentos feministas e de mulheres tem lutado por plataformas
igualitárias e emancipatórias nas relações entre os gêneros e na busca do pleno
exercício de direitos humanos das mulheres. Luta esta que consolidou o
protagonismo do movimento feminista e de mulheres ao longo dos últimos 50 anos no
mundo e culminou com criação de vários instrumentos internacionais que serviram
para o movimento feminista brasileiro exigir a consolidação e incorporação da agenda
dos direitos humanos das mulheres nas ações governamentais.
A implantação de políticas públicas para o combate a violência contra as
mulheres tem seu marco nos SOS Mulher, espaços de atendimento psicossocial e
jurídicos organizado e realizado voluntariamente por ativistas feministas, nas cidades
de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro a partir de 1980, as dificuldades que
as mulheres enfrentavam para registrar suas queixas nas delegacias mistas ou
tradicional, fez com que, por proposta e pressão dos movimentos feministas, fosse
criada a Delegacias Especializadas da Mulher, no ano de 1985, também em São
Paulo.
As delegacias por si só não garantiam que o sistema de justiça efetivasse os
direitos penais, sociais e políticos das vitimas de violência doméstica previstas nas
Convenções Interamericanas dos Direitos Humanos das quais o Brasil é signatário e
em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-
Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, denunciaram o Brasil à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americano, juntamente com a vitima de violência doméstica Maria da Penha Maia
Fernandes. O Estado brasileiro foi julgado e condenado por negligência, omissão
e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, e entre as sansões
figurava a recomendação de adoção de políticas públicas voltadas à prevenção,
punição e erradicação da violência contra a mulher, entre outras medidas.
O Anteprojeto da Lei 11.340 de 2006 conhecida como Lei Maria da Penha, foi
elaborada por um consorcio de entidades feministas e visa além de punir os
agressores, prevenir a violência, proteger as vitimas e incluí-las nos programas sociais
do governo, como forma de promover sua autonomia econômica e inclusão social.
A Lei Maria da Penha é considerada pela Organização das Nações Unidas,
umas das mais avançadas do mundo, no entanto, as mulheres que precisam recorrer
ao sistema judiciário para acessá-la tem sido recorrentemente revitimizadas pelos que
supostamente deveriam zelar pelos seus direitos jurídicos e sociais, seja pela
ausência dos serviços:
Trinta anos depois da criação da primeira delegacia da mulher, menos de 10%
dos municípios brasileiros possuem delegacia da mulher; 11% estão situadas nas
capitais; 49% estão situadas na região Sudeste (que concentra 43% da população
feminina); 32% estão localizadas no estado de São Paulo (que concentra 22% da
população feminina). Apesar da criação das delegacias da mulher serem regida por
decretos e leis estaduais, muitas vezes sua instalação depende de acordos entre o
governo do estado e dos municípios, que ficam responsáveis por ceder e administrar
os espaços físicos necessários para o funcionamento das delegacias (Secretaria
Especial de Políticas para Mulheres, 2007a).
Segundo dados do CNJ em 2014 existiam no Brasil apenas 100 Varas
Especializadas, as Varas, Promotorias e Defensorias especializadas foram instaladas
nas capitais e na maioria da segunda maior cidade dos 27 estados da federação,
portanto não atingimos nem 10% das cidades com esses serviços da justiça
funcionando, num pais que conta com 5 215 municípios.
Estudos do Curso de Mestrado de Direito da Universidade Federal do
Maranhão apontam que a falta de conhecimento e especialização sobre a lei por
parte dos órgão e serviços existentes, negligencia, revitimiza e tira o direito a justiça
às mulheres que buscam o sistema de justiça para terem o direito a justiça.
A Lei Maria da Penha não se efetivará na sua integralidade enquanto:
1. As Medidas Protetivas de Urgência - MPU, na sua maioria
continuarem sendo arquivadas, revogadas ou extintas, sem deferimento do
mérito.
2. Menos de 10% dos casos que chegam às varas especializadas
da mulher no Maranhão evolui para processos de mérito e geram a
condenação dos agressores.
3. Não albergar as mulheres meninas e idosas, e isso acontece no
país inteiro, vejam o caso do RJ o processo corre na vara da criança e
adolescente, porque se o principal agressor era seu namorado ou ex-
namorado?
4. O Ministério Público não arrolar as crianças e adolescentes que
presenciaram os crimes domésticos, como vitimas ou informantes.
5. A Defensoria Pública não apresentar as queixas crimes de ação
privada, negligenciando a possibilidade de se punir a violência psicológica e
moral, os tipos de violência mais denunciada através das queixas de ameaça,
violência que estão na base da pirâmide e a menos denunciada, por ausência
da queixa crime.
6. O sistema de justiça não consegui alcançar o raciocínio da Lei,
e parar de revitimizar, negligenciar vitimas no pais inteiro, por não haver por
parte da maioria dos órgão do sistema a compreensão do fenômeno da
violência de gênero, empatia das/os operadores com o fenômeno e respeito
aos direitos humanos das mulheres.
7. Na Delegacia Especializada as mulheres continuarem a serem
questionadas, desqualificadas e humilhadas através de comentários
preconceituosos sobre sua denuncia e falsas informações, como a
possibilidade de prisão do agressor, em função da denuncia;
8. As/os agentes públicos minimizarem os riscos de dano físico,
moral e psicológico que rodeiam o cotidiano de mulheres em situações cíclicas
de violência doméstica.
9. As mulheres todas não forem encaminhadas para os serviços
e instituições da rede de atendimento;
10. Mulheres forem atendidas por profissionais, do CRAM e da Casa
Abriga, que conhecem pouco ou quase nada da Lei Maria da Penha e dos
serviços da Rede de Atendimento.
11. As mulheres forem obrigadas a levarem testemunhas para
terem suas medidas Protetivas solicitadas pela Delegacia da Mulher.
12. A não formação/qualificação em violência de gênero, consentir
que decisões se dêem de “livre convencimentos” de magistrados e magistradas
que frequentemente evidenciam a falta de conhecimento técnico em relação à
violência de gênero, como demonstrado em vários acórdãos do TJMA.
13. A maioria dos condenados continuarem tendo a pena suspensa,
porque não foi implantado o Centro de Responsabilização do Agressor, as
experiências que se tem são ONGs e varas, as mesmas são pontuais e
limitadas, sem contar que no caso das varas é inviável tal serviço.
14. Os denunciados frequentemente violentem moralmente as
vitimas em suas peças de defesa, desqualificando-as e revitimizando-as, sem
que nada aconteça.
15. Os denunciados continuarem a recorrer a manobras torpes como
arrolar informantes no exterior para deporem por cartas precatórias, sem que
tenham presenciado os crimes denunciados, ou demandam diligências que
intentam transformar a mulher vítima em ré, como manobras protelatórias, que
visam retirar o foco dos crimes denunciados e fazer com que os crimes
prescrevam e que assim reine a impunidade.
16. A morosidade continue sendo um fator sério e presente em
todos os órgãos e instituições, que compromete a vida e a saúde das mulheres
que estão sobrevivendo em situação de violência;
17. Enquanto os serviços não mantiverem um Bando de Dados dos
seus atendimentos, atualizados e disponibilizá-los para a sociedade.
A Lei Maria da Penha foi pensada e elaborada para coibir e erradicar a
violência contra a mulher no Brasil, no entanto ela se depara diariamente com agentes
públicos, despreparados e gestores descomprometidos com a vida das vitimas e com
a reprodução da violência doméstica, nas escolas, nas ruas, fazendo do país um
campo de guerra, onde 16 mulheres são assassinadas por dia, uma mulher a cada 11
minutos é estuprada, a maioria crianças e adolescentes, mulheres trabalhadoras,
perdem por ano 5 dias de trabalho por causa das conseqüências da violência
doméstica e um ano de vida saudável.
A lei não é incompleta, não é inconstitucional, ela não tem sido operacionada
como deveria, por causa do machismo institucional e do Estado patriarcal e sexista
que persiste em não contribuir efetivamente para a mudança de comportamento do
conjunto da sociedade, quando por exemplo seus legisladores impedem o debate e a
efetivação de ações que promovam a igualdade de gênero nas escolas.
A violência de gênero é uma construção social que só pode ser combatida com
relações sociais e familiares livres de preconceitos, estereótipos e o fim da tolerância
as desigualdade entre homens e mulheres e com a efetivação da Lei Maria da Penha
monitorada e avaliada sistematicamente pelo movimento feminista e apoiada pela
sociedade em geral.
*Graduada em Serviço Social - Especialista em Políticas Públicas de Gênero e Raça, ativista feminista e
dos direitos humanos na cidade de Imperatriz - MA

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10 anos da Lei Maria da Penha

  • 1. Dez anos da Lei Maria da Penha: o sistema de justiça brasileiro continua negligente, omisso e tolerante em relação à violência doméstica contra as mulheres *Conceição Amorim Historicamente as relações de desigualdade de gênero se construíram em base ao patriarcado que se estrutura alicerçado no machismo e no sexismo. Esse sistema social, cultural e político impõe a sociedade, padrões que a muito vem tornando a humanidade vítima de uma construção social, que oprime, explora, exclui e metade da humanidade. A desigualdade de gênero é o pilar da violência contra a mulher e para combatê-la os movimentos feministas e de mulheres tem lutado por plataformas igualitárias e emancipatórias nas relações entre os gêneros e na busca do pleno exercício de direitos humanos das mulheres. Luta esta que consolidou o protagonismo do movimento feminista e de mulheres ao longo dos últimos 50 anos no mundo e culminou com criação de vários instrumentos internacionais que serviram para o movimento feminista brasileiro exigir a consolidação e incorporação da agenda dos direitos humanos das mulheres nas ações governamentais. A implantação de políticas públicas para o combate a violência contra as mulheres tem seu marco nos SOS Mulher, espaços de atendimento psicossocial e jurídicos organizado e realizado voluntariamente por ativistas feministas, nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro a partir de 1980, as dificuldades que as mulheres enfrentavam para registrar suas queixas nas delegacias mistas ou tradicional, fez com que, por proposta e pressão dos movimentos feministas, fosse criada a Delegacias Especializadas da Mulher, no ano de 1985, também em São Paulo. As delegacias por si só não garantiam que o sistema de justiça efetivasse os direitos penais, sociais e políticos das vitimas de violência doméstica previstas nas Convenções Interamericanas dos Direitos Humanos das quais o Brasil é signatário e em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino- Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, denunciaram o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americano, juntamente com a vitima de violência doméstica Maria da Penha Maia Fernandes. O Estado brasileiro foi julgado e condenado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, e entre as sansões figurava a recomendação de adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, entre outras medidas. O Anteprojeto da Lei 11.340 de 2006 conhecida como Lei Maria da Penha, foi elaborada por um consorcio de entidades feministas e visa além de punir os agressores, prevenir a violência, proteger as vitimas e incluí-las nos programas sociais do governo, como forma de promover sua autonomia econômica e inclusão social. A Lei Maria da Penha é considerada pela Organização das Nações Unidas, umas das mais avançadas do mundo, no entanto, as mulheres que precisam recorrer ao sistema judiciário para acessá-la tem sido recorrentemente revitimizadas pelos que supostamente deveriam zelar pelos seus direitos jurídicos e sociais, seja pela ausência dos serviços: Trinta anos depois da criação da primeira delegacia da mulher, menos de 10% dos municípios brasileiros possuem delegacia da mulher; 11% estão situadas nas capitais; 49% estão situadas na região Sudeste (que concentra 43% da população feminina); 32% estão localizadas no estado de São Paulo (que concentra 22% da população feminina). Apesar da criação das delegacias da mulher serem regida por decretos e leis estaduais, muitas vezes sua instalação depende de acordos entre o governo do estado e dos municípios, que ficam responsáveis por ceder e administrar os espaços físicos necessários para o funcionamento das delegacias (Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2007a).
  • 2. Segundo dados do CNJ em 2014 existiam no Brasil apenas 100 Varas Especializadas, as Varas, Promotorias e Defensorias especializadas foram instaladas nas capitais e na maioria da segunda maior cidade dos 27 estados da federação, portanto não atingimos nem 10% das cidades com esses serviços da justiça funcionando, num pais que conta com 5 215 municípios. Estudos do Curso de Mestrado de Direito da Universidade Federal do Maranhão apontam que a falta de conhecimento e especialização sobre a lei por parte dos órgão e serviços existentes, negligencia, revitimiza e tira o direito a justiça às mulheres que buscam o sistema de justiça para terem o direito a justiça. A Lei Maria da Penha não se efetivará na sua integralidade enquanto: 1. As Medidas Protetivas de Urgência - MPU, na sua maioria continuarem sendo arquivadas, revogadas ou extintas, sem deferimento do mérito. 2. Menos de 10% dos casos que chegam às varas especializadas da mulher no Maranhão evolui para processos de mérito e geram a condenação dos agressores. 3. Não albergar as mulheres meninas e idosas, e isso acontece no país inteiro, vejam o caso do RJ o processo corre na vara da criança e adolescente, porque se o principal agressor era seu namorado ou ex- namorado? 4. O Ministério Público não arrolar as crianças e adolescentes que presenciaram os crimes domésticos, como vitimas ou informantes. 5. A Defensoria Pública não apresentar as queixas crimes de ação privada, negligenciando a possibilidade de se punir a violência psicológica e moral, os tipos de violência mais denunciada através das queixas de ameaça, violência que estão na base da pirâmide e a menos denunciada, por ausência da queixa crime. 6. O sistema de justiça não consegui alcançar o raciocínio da Lei, e parar de revitimizar, negligenciar vitimas no pais inteiro, por não haver por parte da maioria dos órgão do sistema a compreensão do fenômeno da violência de gênero, empatia das/os operadores com o fenômeno e respeito aos direitos humanos das mulheres. 7. Na Delegacia Especializada as mulheres continuarem a serem questionadas, desqualificadas e humilhadas através de comentários preconceituosos sobre sua denuncia e falsas informações, como a possibilidade de prisão do agressor, em função da denuncia; 8. As/os agentes públicos minimizarem os riscos de dano físico, moral e psicológico que rodeiam o cotidiano de mulheres em situações cíclicas de violência doméstica. 9. As mulheres todas não forem encaminhadas para os serviços e instituições da rede de atendimento; 10. Mulheres forem atendidas por profissionais, do CRAM e da Casa Abriga, que conhecem pouco ou quase nada da Lei Maria da Penha e dos serviços da Rede de Atendimento. 11. As mulheres forem obrigadas a levarem testemunhas para terem suas medidas Protetivas solicitadas pela Delegacia da Mulher. 12. A não formação/qualificação em violência de gênero, consentir que decisões se dêem de “livre convencimentos” de magistrados e magistradas que frequentemente evidenciam a falta de conhecimento técnico em relação à violência de gênero, como demonstrado em vários acórdãos do TJMA. 13. A maioria dos condenados continuarem tendo a pena suspensa, porque não foi implantado o Centro de Responsabilização do Agressor, as experiências que se tem são ONGs e varas, as mesmas são pontuais e limitadas, sem contar que no caso das varas é inviável tal serviço.
  • 3. 14. Os denunciados frequentemente violentem moralmente as vitimas em suas peças de defesa, desqualificando-as e revitimizando-as, sem que nada aconteça. 15. Os denunciados continuarem a recorrer a manobras torpes como arrolar informantes no exterior para deporem por cartas precatórias, sem que tenham presenciado os crimes denunciados, ou demandam diligências que intentam transformar a mulher vítima em ré, como manobras protelatórias, que visam retirar o foco dos crimes denunciados e fazer com que os crimes prescrevam e que assim reine a impunidade. 16. A morosidade continue sendo um fator sério e presente em todos os órgãos e instituições, que compromete a vida e a saúde das mulheres que estão sobrevivendo em situação de violência; 17. Enquanto os serviços não mantiverem um Bando de Dados dos seus atendimentos, atualizados e disponibilizá-los para a sociedade. A Lei Maria da Penha foi pensada e elaborada para coibir e erradicar a violência contra a mulher no Brasil, no entanto ela se depara diariamente com agentes públicos, despreparados e gestores descomprometidos com a vida das vitimas e com a reprodução da violência doméstica, nas escolas, nas ruas, fazendo do país um campo de guerra, onde 16 mulheres são assassinadas por dia, uma mulher a cada 11 minutos é estuprada, a maioria crianças e adolescentes, mulheres trabalhadoras, perdem por ano 5 dias de trabalho por causa das conseqüências da violência doméstica e um ano de vida saudável. A lei não é incompleta, não é inconstitucional, ela não tem sido operacionada como deveria, por causa do machismo institucional e do Estado patriarcal e sexista que persiste em não contribuir efetivamente para a mudança de comportamento do conjunto da sociedade, quando por exemplo seus legisladores impedem o debate e a efetivação de ações que promovam a igualdade de gênero nas escolas. A violência de gênero é uma construção social que só pode ser combatida com relações sociais e familiares livres de preconceitos, estereótipos e o fim da tolerância as desigualdade entre homens e mulheres e com a efetivação da Lei Maria da Penha monitorada e avaliada sistematicamente pelo movimento feminista e apoiada pela sociedade em geral. *Graduada em Serviço Social - Especialista em Políticas Públicas de Gênero e Raça, ativista feminista e dos direitos humanos na cidade de Imperatriz - MA