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Sobre Terras e Gente... 1
SOBRE TERRAS E GENTES
O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco
(1971 – 1982)
Reginâmio Bonifácio de Lima2
Sobre Terras e Gente... 3
REGINÂMIO BONIFÁCIO DE LIMA
SOBRE TERRAS E GENTES
O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco
(1971 – 1982)
Idéia
João Pessoa
2006
Reginâmio Bonifácio de Lima4
Todos os direitos e responsabilidades do autor.
Editoração Eletrônica/Capa
Magno Nicolau
__________________________________________
L732s Lima, Reginâmio Bonifácio de.
Sobre terras e gente: o terceiro eixo ocupacional de
Rio Branco / Reginâmio Bonifácio de Lima. João
Pessoa: Idéia, 2006.
157p.: il.
1. História – Desenvolvimento I. Título
CDU: 981(813.3)
______________________________________________________________
EDITORA LTDA.
(83) 3222-5986
www.ideiaeditora.com.br
ideiaeditora@uol.com.br
Foi feito o depósito legal
Impresso no Brasil
Sobre Terras e Gente... 5
Ao Deus Todo-Poderoso que me proporcionou
concluir este trabalho.
A quatro homens especiais: meu pai, Severino, por
me ensinar a amar o local estudado; e meus irmãos
Reginaldo, Regineison e Pedro por me auxiliarem na
pesquisa e constituição desta obra.
Reginâmio Bonifácio de Lima6
Sobre Terras e Gente... 7
AGRADECIMENTOS
Ao Deus Eterno, que capacitou e permitiu este tra-
balho, dando ânimo em momentos de angústia,
cuidando de seu servo para que pudesse estar bem e
concluir esta obra;
A meu orientador, professor MsC Bento, por ter dado
crédito ao trabalho a ser desenvolvido e auxiliado na
constituição do mesmo;
A minha família que sempre me apoiou em todo o
tempo. Meus pais: Severino e Maria, cuidando de
mim, dando amor, afeto; e meus irmãos Reginaldo e
Regiglenis que, juntamente com minha cunhada,
Ana Íris, e, meus sobrinhos, Stive e Kelven, propor-
cionaram apoio moral, emocional, contribuíram dire-
ta e indiretamente para esta realização;
A meus irmãos Regineison, graduando em história,
e, Pedro, graduando em geografia, pela dedicação
na pesquisa e auxílio na correção desta obra;
A minha Musa Inspiradora, Iracilda Bonifácio, pela
correção da estrutura e compatibilização dos escritos
com a norma padrão vernácula;
A meus coletores de dados, Socorro, Maria Alzerina,
Samir e Luciana, por me auxiliarem na aplicação
dos questionários;
Aos professores Gerson Albuquerque e Jones Goettert
que muito contribuíram dando “palpites” sobre o
modo de ver o lugar e os sujeitos que nele vivem;
Aos funcionários da Biblioteca Pública do Acre por
tão prestativamente terem gastado seu tempo, auxi-
liando na pesquisa das referências;
Reginâmio Bonifácio de Lima8
A Marco Antônio Otsubo e demais funcionários do
Setor de Georeferenciamento da Prefeitura Munici-
pal de Rio Branco;
A todos os entrevistados que muito contribuíram com
a pesquisa;
A todos os funcionários do Setor de Cadastro Muni-
cipal;
A assessoria jurídica da Câmara Municipal de Rio
Branco;
Aos amigos do CDIH e da Biblioteca da UFAC, por
tamanha presteza com que me acolheram.
Aos colegas da Pós-Graduação por suas idéias e su-
gestões dadas no decorrer da pesquisa teórica e
pratica;
A todos que direta ou indiretamente contribuíram
para a realização deste trabalho.
Sobre Terras e Gente... 9
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
(...)
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
(Pra não dizer que não falei de flores)
Geraldo Vandré
Reginâmio Bonifácio de Lima10
Sobre Terras e Gente... 11
SUMÁRIO
Siglas e Abreviaturas .....................................................................07
INTRODUÇÃO...............................................................................08
CAPÍTULO I: A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A
CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO
1 – As Relações de Poder ...............................................................13
2 – Ocupação recente da Amazônia ..............................................14
3 – Abertura e Definição da Fronteira Acreana ............................16
4 – Sudhevea e Probor....................................................................21
5 – Breve Histórico Riobranquense ...............................................22
6 – Demografia da Capital .............................................................28
CAPÍTULO II: AS POPULAÇÕES RURAIS EXPROPRIADAS
E A PERIFERIA ESTENDIDA
1 – A Expansão da Fronteira..........................................................31
2 – As Formações e Ampliações da Periferia ................................36
3 – Acerca de Governos e Jornais..................................................40
4 – A Igreja Católica e a Luta pela Terra.......................................46
5 – Conflitos no Campo e a Luta pela Sobrevivência...................48
CAPÍTULO III: O TERCEIRO EIXO OCUPACIONAL
DE RIO BRANCO
1 – Aspectos Gerais.............................................................................
2 – Saneamento Básico.......................................................................
2 – Localidades a Serem Consideradas.............................................
2.1 – Salgado Filho ......................................................................
2.2 – Sobral...................................................................................
2.3 – Floresta Sul..........................................................................
3 – De Espaço Fronteiriço a Território Local ....................................
3.1 – Informações gerais..............................................................
3.2 – Informações técnicas ..........................................................
3.2 – Informações sobre as edificações.......................................
3.3 – Serviços urbanos .................................................................
Reginâmio Bonifácio de Lima12
4 – Habitantes e habitat.....................................................................
4.1 – Impressões iniciais .............................................................
4.2 – Ambiência ocupacional......................................................
4.3 – Sujeito-identidade-lugar ....................................................
4.4 – Perspectivas das localidades..............................................
5 – Memória e História......................................................................
REFERÊNCIAS..................................................................................
Sobre Terras e Gente... 13
Siglas e Abreviaturas
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
BASA – Banco da Amazônia S.A.
BCI – Boletim de Cadastro Imobiliário
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base.
CEDEPLAR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento
Regional
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Agricultura
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPT – Comissão Pastoral da Terra.
DRT – Delegacia Regional do Trabalho
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUMBESA – Fundação do Bem Estar Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
ONG – Organização Não Governamental
PECP – Projeto Especial Cidades de Porte Médio
PMRB – Prefeitura Municipal de Rio Branco
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PROBOR – Programa de incentivos à produção de borracha
natural
SANACRE – Companhia de Saneamento do Acre
SEPLAM – Secretaria Municipal de Planejamento
SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública
SUDAM – Superintendência para o Desenvolvimento da
Amazônia
SUDHEVEA – Superintendência do Desenvolvimento da
Borracha
UFAC – Universidade Federal do Acre
UNICAMP – Universidade de Campinas
Reginâmio Bonifácio de Lima14
Sobre Terras e Gente... 15
INTRODUÇÃO
Este livro é fruto de dois anos de pesquisa na Pós-
Graduação em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na
Amazônia, pela UFAC, nele estão contidos os resultados
iniciais da pesquisa efetuada na área em que segue o
caminho em direção ao antigo Aeroporto, próximo à
Secretaria Estadual de Educação. Naquele local, hoje em
dia estão formados os quinze bairros que compõem a
terceira fase de expansão da cidade de Rio Branco. Nessa
localidade moram atualmente mais de 33.908 pessoas, de
acordo com o ultimo censo do IBGE.
Muito se ouve falar da Fazenda Sobral, PROBOR II,
Aeroporto Guiomard Santos, assassinato de João Eduardo,
“quatro bocas”, Palheiral, hospital distrital, mas pouco ou
quase nada se tem escrito a respeito.
Este livro tem a pretensão de falar de forma geral,
sem generalizações, como se deu o processo expansivo da
Capital acreana para aquela área, bem como de que forma
os moradores desenvolveram ali, suas identidades, culturas
e transformaram a ambiência ocupacional. É certo que
nesse primeiro momento nos concentraremos no viés
historiográfico social, contudo na continuação dos traba-
lhos, com a conclusão da segunda parte da pesquisa, desta
vez na área de linguagens e identidades, pelo Mestrado em
Letras da UFAC, pretendemos dar maior suporte para as
relações de memórias, culturas e interações da/na dinâmica
social.
Com o apoio da Secretaria de Planejamento Muni-
cipal que nos cedeu as fotos; do Setor de Georeferen-
ciamento, que reconheceu a área e demonstrou interesse
no setor; do Setor de Cadastro Imobiliário que forneceu os
croquis de todas as residências do local, no período de
Reginâmio Bonifácio de Lima16
estudo cadastrado; da Prefeitura Municipal de Rio Branco
que abriu seus arquivos à pesquisa; da Assessoria Jurídica
da Câmara de Vereadores que cedeu as leis postas no
trabalho “texto”; bem como o auxílio da Procuradoria Geral
do Estado, que auxiliou diretamente no aparato político, e
aval jurídico concernente à jurisprudência e legalidade dos
documentos referentes à possíveis titulações públicas da-
quela área; conseguimos ampliar as pesquisas e chegar aos
resultados que se seguem no decorrer de todo o livro.
A ocupação desses locais já foi feita a mais de três
décadas, e não seria justo deixar que as histórias das rela-
ções sociais lá produzidas, bem como as modificações
antrópicas naquela ambiência sejam esquecida como
tantas outras, tão importantes quanto esta que se perderam
nas fissuras não lineares da geo-história riobranquense.
Não se intenta aqui ser “o salvador da pátria”: apenas
tornar público os traços e recortes das relações estabele-
cidas no Terceiro Eixo riobranquense. Relações estas nem
sempre harmônicas, nem sempre causais, nem sempre
intermitentes, mas sempre válidas, vívidas e bem vividas.
São homens e mulheres, gentes como você e eu, em busca
de melhores condições de vida, que habitam terras que
embora há anos existam leis que lhes garantam o direito de
titulação, muitos deles ainda são posseiros e moram numa
terra que segundo os governos não é sua, porque a sua...
essa foi tirada. Mas isso os governantes não viram.
Então, vamos lá.
Em nome de uma pretensa integração do Acre ao
espaço nacional de desenvolvimento capitalista, durante
fins da década de 1960 e início da seguinte, as terras
públicas foram vendidas, e, por conseguinte, as populações
nelas residentes foram obrigadas a sair – o que resultou
Sobre Terras e Gente... 17
num intenso fluxo migratório na direção campo-cidade1
.
Com a emergência dos conflitos pela posse da terra, a
realidade urbana surgia como desdobramento da expansão
da fronteira agrícola. A trajetória dessa população no
contexto regional, tanto quanto os laços de vínculo com os
locais de onde migraram, torna clara a aglutinação de
famílias na periferia urbana.
O “cinturão de pobreza” formado como expansão da
periferia já existente não é um fenômeno exclusivo da
história recente do Acre, em vários locais do Brasil e
América Latina é perceptível a organização – ou falta de –
nos bairros periféricos. O ajustamento cultural dos migran-
tes vai constituir novos contingentes de trabalhadores, mas
também expor o sentimento de identificação com a terra
como meio de produção e constituição de laços inter-
nos de solidariedade e defesa2
– traços característicos ao
processo de formação, que em geral esses migrantes levam
consigo para as cidades.
Ao falar de Eixo Ocupacional em Rio Branco é
preciso ter em vista que “a compreensão do movimento de
formação e transformações da cidade, em sincronia com as
etapas e contradições da economia mercantil da borracha,
torna-se então uma das chaves para desvendar os proble-
mas e conflitos surgidos agora com a aceleração do cresci-
mento urbano”3
.
Nesse aspecto, identifica-se a formação, ainda que
parcial, de uma localidade extensiva aos habitantes do que
se chama Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Esse
se constituiu na área próxima ao Centro de Treinamento,
atual Secretaria de Educação, envolvendo os 08 bairros
1
O Termo aqui é utilizado no sentido de rural-urbano; de
colônias, seringais, colocações, chácaras à parte composta de
cidade e suas ampliações.
2
OLIVEIRA, Marilda Maia. 1983, p. 86.
3
OLIVEIRA, Luiz Antônio Pinto de. 1982, p. 32.
Reginâmio Bonifácio de Lima18
formados a partir da expansão da cidade ocorrida na
década de 1970 e início de 1980. Quanto à temporalidade,
é certo que não tem uma data-marco de formação espe-
cífica, tampouco uma data final de andanças popula-
cionais. O que se percebe é que a área que compreende o
Terceiro Eixo teve o início de sua formação “urbana” apro-
ximadamente em 1971, e o desenvolvimento espacial com
uma definição básica próxima ao que é atualmente, por
volta de 1982, sendo composto pelos bairros Aeroporto
Velho, Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, João
Eduardo I e João Eduardo II. Ao mesmo tempo que se
observa, nesse mesmo território, uma pluralidade de iden-
tidades coletivas, envolvendo diversidades em relação a
origens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que aproxi-
mam e distinguem grupos de indivíduos entre si.
As gentes do Terceiro Eixo, provenientes da zona
rural e de outros bairros periféricos da capital, tiveram na
cidade o mesmo descaso com o qual foram tratados ante-
riormente. Ao ocuparem terras que não lhes pertenciam, as
pessoas corriam o risco de serem expulsas, e assim ocorreu
com os moradores de locais como Palheiral, João Eduardo e
Bahia, sendo parte dessas terras utilizadas em benefício de
especuladores urbanos. O que se pode ver também, diante
do contexto histórico, no qual essas pessoas estavam inse-
ridas são as condições de vida, o excesso de mão-de-obra
“desprovida de qualificação” para a inserção no mercado
de trabalho e as incertezas pairantes rodeadas de miséria e
desagregação social.
Em 1982, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o
Posseiro”, Oliveira citou o Terceiro Eixo, afirmando:
Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que
segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o
núcleo central através da Rua Rio Grande do Sul, a qual
até 1970 era habitada só parcialmente, até o chamado
Centro de Treinamento. Esta parte, inclusive, se estendia
por uma grande superfície de áreas verdes naturais, as
Sobre Terras e Gente... 19
quais foram inteiramente derrubadas durante a década
passada. (...). Nessa área pontificam os bairros do
Aeroporto Velho, Terminal, Bahia e Palheiral, habitados
pela população pobre de origem rural e que já somam
[em 1982] mais de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a
ocupação de áreas ainda prossegue nesse eixo e os novos
bairros vão se formando, como o bairro João Eduardo (...)
(Oliveira, 1982, p. 39).
A mobilidade é uma regra na atualidade, o movi-
mento sobrepõe-se ao repouso e quando o homem muda,
junto com ele mudam também as mercadorias, as imagens
e as idéias. Ao estudar a formação do Terceiro Eixo Ocupa-
cional de Rio Branco, envolto na perspectiva da dinâmica
das migrações, ou seja, da vida dos migrantes, chega-se à
compreensão de que sempre as mudanças fazem parte da
vida cotidiana, e essas afetam diretamente o ambiente com
transformações sócio-espaciais – enquanto causa ou efeito,
e, em grande parte, ambas correlatas – e que os fluxos
dessas gentes para o local não são fatos isolados, uma vez
que se inserem no contexto das migrações internas,
decorrentes da política nacional da Marcha para Oeste,
intensificada durante o período da Ditadura Militar.
As problemáticas levantadas buscam investigar a
forma como se deram as relações entre as gentes que ocu-
param as terras dando início à formação e ao crescimento
do Terceiro Eixo Ocupacional no período de 1971 a 1982,
desejando explicitar o processo de ocupação pelo qual pás-
saram os referidos bairros, bem como as modificações na-
tropicas efetuadas no ambiente receptor da migração.
Desta feita o presente trabalho tem como objetivo investi-
gar e analisar o processo de ocupação e formação do Ter-
ceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco – que
compreende os bairros Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Aero-
porto Velho, Glória, Pista, João Eduardo I e II –, desde
1971 até 1982. Especificamente objetiva perceber o Tercei-
ro Eixo de Ocupação como parte integrante do processo de
Reginâmio Bonifácio de Lima20
expansão de Rio Branco; compreender o movimento de for-
mação e transformação da cidade, destacando a expansão
do Terceiro Eixo Ocupacional e seus conflitos; abordar a
luta pela sobrevivência das gentes expropriadas migrantes
para a periferia de Rio Branco, enquanto parte de um pro-
cesso macroeconômico e social; analisar as modificações
antrópicas efetuadas nas terras do ambiente receptor das
migrações rural e urbana.
A pesquisa foi feita dentro de uma perspectiva
historiográfica, tendo como apoio metodológico as formu-
lações e a discussão social da propagação da experiência
humana, como elemento fundante para construção de um
modo de vida comunitário, embasado no pensamento estru-
tural de Paul Thompson. A vivência dos ex-seringueiros,
ex-posseiros rurais e o quadro geral de seus movimentos
históricos constituem o foco de interesse do estudo, como
matéria de investigação pertinente à compreensão especí-
fica das características assumidas; a acentuação urbana,
devido à intensificação do êxodo rural, a luta pela terra e a
ocupação dos espaços tornados urbanos. A pesquisa não se
propôs a estudar a formação da periferia de Rio Branco a
partir de um viés economicista, vinculado unicamente à
expansão da frente capitalista na Amazônia, mas a caracte-
rizar as complexidades que o processo de urbanização de
Rio Branco apresenta no curso da sua história recente.
Num primeiro momento foram trabalhadas as biblio-
grafias existentes acerca da formação periférica da cidade
de Rio Branco, buscando fazer o enquadramento historio-
gráfico do objeto de pesquisa e dos sujeitos nele atuantes.
Segundamente, os referenciais teóricos, conceitos e con-
junturas sociais, foram estudados na pesquisa, com a devi-
da contextualização acerca da urbanização da cidade e do
processo expansivo. Para tanto, foram consultados autores
como Leandro Tocantins, Luiz Antônio Pinto de Oliveira,
Carlos Alberto Alves de Souza e Leila Gonçalves da Costa,
estudiosos das relações sociais ocorridas no Acre, especial-
Sobre Terras e Gente... 21
mente em Rio Branco, durante a segunda metade do século
XX. Em seguida foi aplicado um questionário sócio-
econômico e cultural com os moradores mais antigos dos
bairros, que lá habitam desde o período de formação, pro-
curando levantar informações sobre seu local de moradia e
suas relações de convivência.
Foram aplicados questionários nos oito bairros,
tendo como base os seguintes requisitos: os entrevistados
precisavam morar, ininterruptamente, no bairro há, pelo
menos, 23 anos, ou seja, desde 1982, ou antes dessa data;
ser o “chefe” ou um dos “chefes da casa” na atualidade; a
necessária cobertura e abrangência de toda a localidade,
com aplicação de maior quantidade de questionários nas
áreas que, segundo a Prefeitura4
e entrevistas orais com os
moradores, eram os locais com maior densidade demográ-
fica no período de formação.
É certo que o Terceiro Eixo não se formou a partir
de um planejamento territorial urbano, antes pelas migra-
ções e andanças populacionais o espaço foi se transforman-
do em lugar a partir da constituição da base territorial.
Assim sendo, percebe-se, ainda que, às vezes, indi-
retamente, que o poder público opera e coopera no orde-
namento territorial, através de ações de políticas públicas,
estratégias de mudança social e organização do território
ou falta delas. O espaço desconhecido, natural, incomen-
surável, foi e ainda é modificado, transformado e “reorde-
nado” pela diversidade nas inserções antrópicas que o
tornam um território de ordem cultural, conhecido aos que
lá se assentaram e mensurável às relações sócio-culturais
nele estabelecidas.
Essa transformação é ao mesmo tempo um assunto
técnico e político, não é o foco deste trabalho engajar-se
nos fatores de distanciamentos (por rupturas, fissuras e até
4
BCIs, Cadastro imobiliário, Plantas Oficiais da Cidade de 1979,
1980, 1981, 1982.
Reginâmio Bonifácio de Lima22
mesmo no termo físico), tampouco de acessibilidades (no
viés geodésico). O que se busca é desenvolver a compre-
ensão de como as terras foram modificadas antropicamente
pelas gentes que produziram modificações, organizaram e
ocuparam o território do Terceiro Eixo desenvolvendo e
estruturando esse habitat humano a partir das diferentes
atividades e relações sociais estabelecidas.
Sobre Terras e Gente... 23
A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A
CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO
As Relações de Poder
O Brasil em seu subdesenvolvimento não galgou
espaços como as nações do Norte, chamadas de desen-
volvidas. A expansão do mercado no país teve nos mer-
cados financeiros modernos a base asseguradora da viabi-
lidade modelada pelos países desenvolvidos para que se
seguisse neste país. A produtividade e assimilação das
novas técnicas não conduziram à homogeneização social,
antes, a difusão das novas técnicas deu-se em certas áreas,
inicialmente quase que exclusivamente pela aquisição de
novos produtos via importação. Esse chamado processo
produtivo causou uma modernização no Brasil, mas não
conduziu à redistribuição dos bens, não houve a elevação
do nível de vida da população.
Nesse contexto de subdesenvolvimento surgiu a
industrialização tardia brasileira, que agiu com grande
rapidez para reestruturar o sistema produtivo, ainda emba-
sado no sistema substitutivo. A Amazônia trocava pelas de
borracha por dinheiro, que não enriqueceu os seringueiros,
mas formou grandes fortunas Brasil a fora. A modernização
tardia implementada pela “industrialização substitutiva”
levou o Estado a sustentar a sua modernidade com recursos
provenientes dos meios ditos atrasados.
As transições ocorridas na Amazônia, principal-
mente a partir dos anos 1960, foram “pelo alto”, onde o
governo agia procurando mecanismos explícitos de incen-
tivos empresariais para atrair capital e empreendedores de
diversos setores econômicos, enquanto as gentes que
migraram em direção a esse local, atraídas pela política de
Reginâmio Bonifácio de Lima24
colonização, tiveram poucos recursos e o apoio do Estado
de forma reduzido. A tentativa de desenvolvimento econô-
mico deixa claro que há uma continuidade na formulação
da política, sendo priorizada a dinâmica econômica.
Altvater apud Heller (1999, p.138) afirma que “como ocorre
com o trabalho na indústria, a natureza também passa a ser
‘realmente subordinada’ ao capital, isto é, subjugada à
lógica da acumulação, de uma forma mais eficiente do que
nunca na história da humanidade”. Há uma fluência do
monetarismo que não respeita fronteiras, antes, a seu
interesse constrói nacionalidades e as destrói, desconside-
rando as territorialidades postas.
O desenvolvimento posto na Amazônia, fruto do
predomínio dos países industrializados, não é socialmente
justo, nem ecologicamente sustentável. A Amazônia está
inserida na lógica de dominação capitalista, onde esta
lógica rompe fronteiras, fomentada pelo crédito de incen-
tivos fiscais, que em meados do século XX moldou o pro-
cesso de desenvolvimento regional; como conseqüência
houve os conflitos pela posse da terra, contradições urba-
nas e rurais e continuação do estabelecimento de desigual-
dades na apropriação do espaço econômico, político e
sócio-ambiental da região. Nesse mesmo período, a ques-
tão ambiental estava internacionalizada com fomentos para
uma postura de desenvolvimento – ainda não sustentável –
onde se buscava construir cenários para a formação da
base necessária à atuação dos grupos ligados ao “progresso
humano” em detrimento da “barbárie” na região. Contudo,
esse desenvolvimento não chegava às classes trabalha-
doras, como forma de melhorias sociais, e ainda, “quando
ficou óbvio, por volta de 1970, que a corrida pelo desenvol-
vimento realmente intensificava a pobreza, inventou-se a
noção de ‘desenvolvimento eqüitativo’ para reconciliar o
irreconciliável: a criação da pobreza com a abolição da
pobreza” (SACHS, 2000, p. 121).
Sobre Terras e Gente... 25
Ocupação Recente da Amazônia
As políticas traçadas de expropriação e formação de
mercados de reserva se deram tardiamente na Amazônia
em relação ao restante do país. Contudo, os efeitos foram
vistos alardeadores das disparidades exercidas pela “dita-
dura do grande capital” e pelas práticas governamentais
voltadas aos interesses de uns poucos. As migrações da
zona rural para a urbana e dos pequenos centros para as
cidades fizeram ocorrer uma grande explosão demográfica
em alguns centros amazônicos, aumentando as periferias,
levando esses trabalhadores expropriados a viverem à
“margem” das cidades. Tudo isso, em grande parte, fruto
das políticas públicas e atividades capitalistas implemen-
tadas no campo.
A política econômica adotada a partir de 1964
favoreceu os Estados da Amazônia com uma participação
de forma mais efetiva na formação do capital e conse-
qüente integração à propaganda produzida pelo governo
federal no sentido de “ocupar para desenvolver” a região; a
construção de rodovias como Belém-Brasília, Cuiabá-San-
tarém, Brasília-Acre; e, pouco depois, no Acre, a especu-
lação fundiária, o crédito fácil e barato, as facilidades para
a expansão da pecuária, criaram um desequilíbrio social,
afetando diretamente as populações que passaram a ocu-
par as periferias das cidades, principalmente da capital.
A forma de ocupação implementada na região
acreana na primeira metade do século XX era extrativista
da borracha. Com a transferência das terras dos seringais
falidos aos compradores do Centro-Sul, viu-se um acele-
rado crescimento das pequenas propriedades, embora a
posse da terra tenha continuado extremamente concen-
trada.
Já nos últimos anos da década de 1960, é per-
ceptível uma ruptura no padrão de ocupação territorial nas
capitais amazônicas. As alterações produzidas dão conta de
Reginâmio Bonifácio de Lima26
um redimensionamento do quadro urbano com o aumento
da migração contínua para as cidades. O principal fluxo
migratório se deu mais intensamente para a banda oriental,
com predominância de composição rural atingindo princi-
palmente as cidades de Macapá, Porto Velho e Rio Branco.
Uma temática a ser abordada concernente a esse
período específico da Ditadura Militar e seus projetos para
a Amazônia, é a compreensão do caráter transnacional da
região amazônica enquanto necessária aos interesses dos
países de economia desenvolvida, não apenas com o intuito
de uma economia predatória, mas também, pelas riquezas
da biodiversidade, descobertas científicas, a água potável
para um mundo que já sente a escassez deste produto, e, as
alterações climáticas que a destruição da Amazônia po-
deria causar nesses países. Por isso, o enfoque que deve ser
dado, além da visão que tinham os militares durante a dita-
dura, precisa incorporar temas emergentes e complexos
que superem a crise ecológica e ampliem o pensar reformu-
lante que já em fins da década de 1970 estava ocorrendo
dentro de uma atuação entre Estado, as forças do mercado
e a sociedade civil, numa questão de segurança interna-
cional.
Os movimentos políticos e econômicos que come-
çaram a surgir no final da década de 1960 davam margem
aos produtos de grupos e ONGs que buscavam “proteger”
a natureza para tornar em “meio ambiente” a localidade
implementando o “desenvolvimento sustentável”, a natu-
reza onde, por séculos os seus habitantes já viviam. Nesse
período, qualquer processo de transformação teria o apa-
rato estatal e o fundo público como pressupostos, além da
criação de empresas e agências estatais de desenvolvi-
mento, visando atrair grandes grupos de capitais privados.
O poder público dotou, ainda que parcialmente, de infra-
estrutura adequada, formulou políticas e incentivos fiscais
e de crédito.
Sobre Terras e Gente... 27
Como conseqüência dessa inicial atividade pública,
foram implantados grandes projetos agropecuários e dispo-
sitivos jurídicos excepcionais, como os mecanismos de
regulamentação adotados pelo Estado. Esse período foi o
que mais rápido convergiu terras públicas em propriedades
privadas. A expansão capitalista na Amazônia resultou, não
apenas na desregionalização da propriedade do capital,
mas também na predominância dos projetos agropecuários
sobre os industriais, nos ganhos especulativos com a terra,
na geração de violentos conflitos sociais decorrentes da
luta pela terra e na expulsão dos camponeses de sua terra,
acelerando o processo de destruição ambiental.
Em nome da integração nacional, e mais tarde, de
uma integração com o mercado externo, o ambiente social
foi modificado. As normatizações produzidas pelo jogo
monetário regulado pelo sistema financeiro internacional,
FMI e Banco Mundial, transformaram a dinâmica interna
das convivências intra-nacionais, regulando-as através do
controle estatal com políticas e ações coordenados por
invéstimentos setoriais e fomento às “práticas de desenvol-
vimentos” na região. As poucas regulamentações existentes
sobre a terra e sua exploração, que eram tão necessárias
em meados do século XX, embora na maioria dos casos não
saíssem do papel, tornaram-se carentes de modificações e
desregulamentação na década de 1980. As leis executadas
e a generosidade do poder público concederam ao grande
capital “salvo conduto” para agir na Amazônia. Mesmo
com a aprovação da política nacional de meio ambiente,
em 1981, o que se viu foram mecanismos que ajudaram aos
interesses estrangeiros em detrimento das populações
locais.
Reginâmio Bonifácio de Lima28
Abertura e Definição da Fronteira Acreana
As terras do Acre por vários séculos foram tidas
como desconhecidas ou “terras não descobertas” e assim
permaneceram até meados do século XIX. O Tratado de
Madri firmado em 13 de janeiro de 1750, regularizou os
limites entre as terras portuguesas e espanholas, mas não
delimitou a área especificamente referente ao Acre; outros
tratados foram produzidos e, de mesma forma, não estabe-
leceram, no terreno, a linha fronteiriça que abrange do Rio
Madeira ao Javari.
A borracha amazônica5
era bem conhecida e utili-
zada pelos índios, eles faziam artefatos de borracha e brin-
quedos para os curumins, além de utilizá-la como imper-
meabilizante. Várias espécies de árvores que fornecem o
látex eram há muito utilizadas: como o caucho (castiloa
ulei), a balata (chrysophyllum balata), a sorva (couma
utilis), a mangaba (harnicornia speciosa) e a seringa (hevea
basiliensis).
É certo que em 1762, com o uso da terebintina,
houve um avanço na qualidade da consistência da borra-
cha e conseqüente avanço na produção. A Europa estava
vivenciando o início da Revolução Industrial, enviando
pesquisadores ao mundo inteiro em busca de novos pro-
dutos. O padre jesuíta João Daniel escreveu que "entre o
Rio Madeira e o Javari, por mais de 200 léguas não há
povoação nem de branco, nem de tapuias mansos ou
5
Desde o descobrimento da América se conhecia a borracha, o
próprio Cristóvão Colombo presenciou, em sua segunda via-
gem à América, o “jogo da bola”, no Haiti. Muitos viajantes
anunciaram essa “maravilha da América”, contudo, foi o pés-
quisador geógrafo e astrônomo francês Charles Marie de Lá
Condamine, estudando as selvas do Equador, que comunicou à
Academia de Ciências de Paris em 1736, notícia sobre a aplica-
bilidade da borracha.
Sobre Terras e Gente... 29
missões”6
, isso em 1760, na época em que as missões esta-
vam se estabelecendo na Amazônia.
O mundo em industrialização estava querendo usu-
fruir as riquezas da Amazônia, várias foram as tentativas de
conquista do território nacional brasileiro. Em 06 de julho
de 1801 o Tratado de Badajós anulava o de Santo Idelfonso,
ficando definidas as fronteiras da América do Sul. As
Frentes de Expansão, muitas delas capitalistas, buscavam
demarcar o território brasileiro.
Após a descoberta do processo de vulcanização da
borracha em 1844, por Thomas Hancock, na Inglaterra, e
Charles Goodyear, nos Estados Unidos, foi possível dar
outras utilidades à borracha. Esta se tornou indispensável
para a civilização. O uso, que antes era restrito, mas que já
tinha mercado garantido em Boston, Nova York, Lisboa,
Viena, Londres e tantos outros lugares, foi expandido. O
preço do látex subiu consideravelmente e iniciou-se a
corrida para o Acre.
Serafim da Silva Salgado, Manuel Urbano, João
Cunha Correa, Willian Chandless e, mais tarde, Euclides
da Cunha, desbravaram o território acreano estabelecendo
marcos. Nessas áreas foram descobertas várias tribos
indígenas, grande quantidade de árvores para a coleta do
látex, rica fauna e flora.
Abre-se uma Frente pioneira no Rio Acre e pouco
depois no Purus, impulsionadas pelos interesses interna-
cionais em adquirir a riqueza proveniente da floresta.
Antes, o comércio das drogas do sertão havia impulsionado
o adentrar a floresta, agora a borracha fazia subir às
cabeceiras dos rios. A introdução de barcos a vapor em
1853, bem como a abertura do Rio Amazonas à navegação
internacional, fizeram com que a comercialização da
borracha aumentasse em muito, a ponto de ainda no século
XVIII superar a de cacau no porto do Pará.
6
Revista Interior: 1978, p. 06.
Reginâmio Bonifácio de Lima30
A relação entre os seringais e a cidade de Manaus
era de compra da produção por parte desta, enquanto
subsidiava aqueles. O drama internacional começou a se
esboçar em virtude de os brasileiros transporem a fronteira
entre seu país e a Bolívia, iniciando um rudimentar
processo de “ocupação”. Os limites ainda não haviam sido
fixados, nem os marcos colocados, daí a dificuldade; nem a
Bolívia sabia que as terras lhe pertenciam. A linha limítrofe
leste-oeste só existia nos tratados internacionais. Os brasi-
leiros eram os únicos a explorar a borracha, atendendo uma
demanda existente desde 1839, mas que não havia sido
suprida até a grande seca do Nordeste em 1877, onde, sem
condições de vida, levas de imigrantes chegavam às terras
da Amazônia em busca de sobrevivência, formando os
seringais do Acre e seus primeiros núcleos populacionais,
em busca do ouro negro.
Casa Comercial da Vila Rio Branco, do Sr. Newtel Maia e Cia.
Armazéns dos Srs. Apolinário, Floguel e outros.
Sobre Terras e Gente... 31
Seringal Nova Empreza. Propriedade da firma Alves Braga e
Cia. do Pará.
Data: 1906 – 1907.
Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, pg. 99 e 113.
Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas.
A terra desconhecida, paisagem totalmente isolada
do que se chama civilização, fora aos poucos sendo ocu-
pada. O ciclo se completara: terras novas, produção e pó-
pulação7
; havia um fluxo de relação entre esses três. Então,
Brasil e Bolívia resolveram demarcar as fronteiras delimi-
tando a linha Cunha Gomes a 10’ 20” de latitude. Portanto,
o Acre pertencia oficialmente à Bolívia, no ano de 1897.
Um ano depois, foi dada ordem ao governo amazonense
para reconhecer essa linha. Contudo, pelo Tratado de Aya-
cucho, o artigo segundo reconhecia o “uti possidetis” para
fixar a fronteira entre o Brasil e a Bolívia.
Durante o período de 1890 a 1905, além do cresci-
mento da demanda de matéria-prima gumífera, o que se vê
é uma série de atividades acentuando as relações
7
REBORATTI. Carlos E. (1990, p. 21 e 22).
Reginâmio Bonifácio de Lima32
envolventes da prática vigente na expansão fronteiriça do
Oeste. De um lado, o Brasil busca se afirmar com a insta-
lação do regime republicano, no intento de atingir o equilí-
brio de sua economia que, mesmo com a atuação do café,
ainda era instável; de outro, a Bolívia liderada por seu
representante advindo das frentes liberais, Manuel Pando,
procurava afirmar-se como Estado autônomo. Ao desen-
volver essa análise, percebe-se que o leite extraído da
hevea brasiliensis aparece como possibilidade concreta de
ambos os países alcançarem seus objetivos. Com a ascen-
são de Pando ao poder, a instabilidade política, a defi-
ciência econômica e a falta de unidade territorial na Bolívia
vão eclodir a “Questão do Acre”, e, mais tarde, o Bolivian
Sindicate.
Luiz Galvez, Plácido de Castro e tantos outros
“heróis anônimos” acreanos, entre lutas, batalhas, tratados
e diplomacia imputaram ao Acre status de pertencer ao
Brasil. A fronteira foi definida oficialmente no dia 17 de
novembro de 1903, com o Tratado de Petrópolis, anexando
as terras do Acre ao Brasil; um pagamento ao Bolivian
Sindicate de 110 mil libras esterlinas; e à Bolívia, de dois
milhões de libras esterlinas, além da construção da ferrovia
Madeira-Mamoré.
Definida a questão do Acre é necessário que se dê
continuidade ao estudo da abertura da fronteira: as neces-
sidades de excedente demográfico foram, em grande me-
dida, supridas pela corrente migratória para a Amazônia
ocorrida a partir da grande seca do nordeste. De acordo
com Lima a intensificação da migração nordestina para o
Acre inicialmente se deu no período de 1877 a 1900.
Nesses vinte e três anos, cerca de cento e sessenta mil
imigrantes se estabeleceram nos seringais situados na
bacia dos rios Madeira, Acre, Purus, Chandless e Juruá,
sendo possível traçar a concomitância da seca com o início
do período mencionado, e o auge da produção gumífera
com os últimos anos do século XIX.
Sobre Terras e Gente... 33
Essa expansão, aparentemente intensiva, não man-
teve seu fluxo proporcional ao aumento da produção do
látex. As novas terras utilizadas mantinham uma estreita
relação entre a atitude pioneira de “assentamento” e pro-
dução, e o modo de vida existente nas unidades produtivas.
Assim, a relação entre a terra da qual se retira a borracha (o
seringal), o responsável pelas terras, mantenedor do “modo
de vida” implementado em suas propriedades (o seringa-
lista) e o indivíduo diretamente responsável pela extração
do leite da seringa e sua transformação em pélas (o serin-
gueiro), se dá ora amistosamente ora em conflito.
É válido ressaltar que embora a relação vigente
fosse de exploração e que os seringueiros tenham sido
expropriados, gradativamente se endividando, era latente o
enriquecendo os donos dos seringais que muitos serin-
gueiros viam seus “patrões” como alguém que cuidava
deles, não como pesarosos ludibriantes. A relação tida na
penetração da fronteira, ainda que com momentos de con-
fusão, implementou marchas e contra-marchas, por conse-
guinte êxitos e fracassos, não necessariamente ligados às
forças de relações locais, mas prementes no âmbito do
mercado de produção e na valorização – ou falta dela – do
produto gumífero explorado.
Os seringueiros ficavam anos sem ter a paga pelo
fruto de seu penoso trabalho. As dívidas a eles imputadas
iam além do superfaturamento dos produtos; o patrão
colocava na nota itens que não chegavam até suas colo-
cações, aumentando ainda mais as dívidas dos serin-
gueiros. Estes, para não verem aumentadas suas dívidas,
pediam o estritamente necessário para a sobrevivência, e
muitas vezes, pediam menos que isso, ficando vulneráveis
a doenças e morrendo de desnutrição. Nessas relações
sociais os seringueiros criaram várias formas de resistência,
como colocar barro dentro das pelas, plantar grãos, fugir
das colocações, não pagar as dívidas por ter consciência de
que estavam maiores do que deveriam. Essas eram al-
Reginâmio Bonifácio de Lima34
gumas das atividades consideradas ilegais, mas que ocor-
riam como forma de resistência dos seringueiros na luta
pela sobrevivência.
O seringal sempre foi uma empresa desvinculada da
terra, contendo em sua área as árvores necessárias para a
retirada do “leite”, colocações, “estradas de seringa” e
barracão. O seringalista monopolizava o acesso ao seringal,
praticando o “aviamento” dos produtos necessários aos
seringueiros. Estes, por sua vez, trabalhavam até catorze
horas por dia, moravam em tapiris, tudo o que consumiam
era-lhes imputado como débito no barracão e comumente
morriam de malária, febre amarela, ataques de índios ou de
animais selvagens.
As casas aviadoras situadas em Belém e Manaus
abasteciam os seringais, recebendo também os rolos de
borracha produzidos nestes e vendendo-os ao exterior. Elas
financiavam cem por cento da produção, vendendo os
víveres aos seringais por preços superfaturados e rece-
bendo as pélas que vendiam ora com lucro, ora com pre-
juízo, dependendo das estimativas e preços no mercado.
O sucesso de Henry Wickham ao embarcar setenta
mil sementes da hevea brasiliensis, em 1876, e conse-
qüente início da produção de borracha na colônia inglesa
do Ceilão (no sul da Índia), Malásia e Indonésia, fez com
que, por sua seleção, disposição de plantio e facilidade de
coleta, a borracha inglesa se tornasse mais barata e de
melhor qualidade que as plantações nativas. Com isso,
quebrou-se o monopólio da região amazônica. Em 1905, a
produção brasileira de borracha era de 35 mil toneladas e a
inglesa de apenas 145 toneladas (SOUZA, 2002). No ano
de 1913, a produção amazônica da goma elástica respondia
por apenas quarenta e cinco por cento da produção
mundial, menos de duas décadas depois, por apenas cinco
por cento. Era a decadência da borracha amazônica, mas
não da Amazônia. O capital estrangeiro foi embora, con-
tudo, viu-se um novo limiar de atividade nas terras
Sobre Terras e Gente... 35
acreanas. A interação com a sociedade central foi modifi-
cada e iniciou-se uma urbanização nas terras acreanas, não
na escala das migrações de outras áreas do Brasil para o
Acre, e sim, o fluxo interno das populações e a mudança de
sua relação com a terra.
Sudhevea e Probor
Com o aumento do consumo da borracha e o neces-
sário suprimento do mercado interno, a Superintendência
do Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA) foi fortale-
cida pelas práticas políticas nacionais que, de acordo com o
superintendente da SUDHEVEA, José Cesário Mendes
Barros, em 1972, implantou “bases necessárias e irrever-
síveis para o total auto-abastecimento do país de borracha
natural. No mesmo ano deu-se início ao primeiro progra-
ma-piloto destinado a implantar, consolidar a lavoura
heveícola e modernizar a exploração da borracha nativa”8
.
Para ele, o objetivo foi atingido a ponto de, em 1977, o Con-
selho Nacional da Borracha, lançar o segundo Programa de
incentivos à produção de borracha natural (PROBOR II),
tendo como fim principal a ampliação do primeiro, con-
cessão de crédito rural, operacionalizado pela superinten-
dência da borracha em ação coordenada com os agentes
financeiros básicos do Sistema Nacional de Crédito Rural
(Banco da Amazônia, no Norte e Centro-Oeste, e Banco do
Brasil, no sul da Bahia). Foi aprovado o plantio de serin-
gueiras, num total de 07 mil hectares. Sendo assumido pelo
superintendente, que, no caso acreano, a implantação
alcançou apenas um terço do planejado.
Em 1972 o Acre produziu cerca de seis mil tone-
ladas de borracha, e em 1976 produziu seis mil e oitocentas
toneladas. O Acre foi o maior produtor nacional de borra-
8
Revista Interior: 1978, p. 6.
Reginâmio Bonifácio de Lima36
cha no período, seguido do Amazonas e do Pará. A produ-
ção brasileira de borracha natural, em 1978, representava
apenas um terço da demanda nacional, sendo que em 1974
a produção foi de dezoito mil e seiscentas toneladas, sendo
o país responsável por apenas 0,6% da produção mundial.
No mesmo período, a borracha natural brasileira represen-
tava apenas 10% do consumo nacional.
A produção não estava atendendo à demanda, o não
atendimento da necessidade de tempo e cuidado neces-
sários para a seringueira começar a produzir, a falta de
incentivos continuados e desacerto na política de imple-
mento dos seringais, foram alguns dos fatores que contri-
buíram para que os seringais cultivados não alcançassem o
pleno desenvolvimento.
Pelas de Borracha – hevea basiliensis.
FONTE: Acervo digital – IBGE.
Sobre Terras e Gente... 37
Breve Histórico Riobranquense
O local onde mais tarde seria a cidade de Rio Bran-
co era habitado por tribos Aquiris, Canamaris e Maneteris,
pertencentes à família dos Aruaques, que dominavam a
bacia do Purus. De acordo com Silva “os solos riobran-
quinos foram pisados por civilizados, pela primeira vez, em
1861, quando uma expedição de caráter exploratório,
chefiada por Manoel Urbano, sob os auspícios da Província
do Rio Negro, por ali passara...”9
. Em 1882, aportou às
margens do Rio Acre, nas proximidades da gameleira, o
cearense Newtel Newton Maia, dando início ao estabe-
lecimento do seringal Empresa.
Rio Branco está localizada no Nordeste do Estado do
Acre, possui características geológicas e geomorfológicas
com singularidade predominantemente horizontais no
relevo, com grandes áreas de depósitos aluviais resultantes
da erosibilidade das águas sobre as margens dos rios que a
banham: rio Acre, rio Iquiri, rio São Francisco, rio
Antimari, rio Xipamamu e riozinho do Rôla, durante as
enchentes cíclicas anuais. A cidade de Rio Branco está
localizada às margens do rio Acre, sendo que o Rio São
Francisco também faz parte do ambiente urbano desta. O
clima riobranquense é classificado como equatorial, com
uma estação chuvosa do mês de junho a maio, e uma de
estio de junho a setembro. De acordo com o INMET/UFAC,
a temperatura média anual é de 25,5° C e a umidade
relativa tem valores médios que ficam em torno de 85%.
9
1981, p. 96.
Reginâmio Bonifácio de Lima38
Seringal Empreza
Propriedade da firma comercial do Pará, Lopes de Brito e Cia, à
margem esquerda do rio Acre.
Data: 1906 – 1907. Este barracão serviu de hospital de sangue
durante o período revolucionário.
Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, p.103. Acervo
Digital: Memorial dos Autonomistas.
A partir do povoamento desse seringal surgiu o que
em 1904 seria elevada à categoria de Vila. Através do De-
creto nº. 5.188, de 07 de abril de 1904, o Território acreano
foi dividido em três Departamentos: Alto Acre, Alto Purus e
Alto Juruá, tornando-se Rio Branco sede do Departamento
do Alto Acre. Em 1908, várias mudanças significativas
foram implementadas pelo então prefeito, Gabino Bezouro;
como a transferência da sede do Departamento do Alto
Acre para a margem esquerda do Rio Acre, a instalação de
policiamento, justiça e fiscalização tributária, estruturação
da Vila Penápolis, realização de construções públicas e
Sobre Terras e Gente... 39
criação da Secretaria Geral do Departamento para fiscali-
zação da limpeza pública. Rio Branco teve sua constituição
legal em 13 de junho de 1909, como sede da prefeitura do
Departamento do Alto Acre, na época era chamada de
Penápolis. No ano de 1912 recebeu o nome que possui até
os dias atuais, em homenagem ao Barão do Rio Branco.
Em 1909, a cidade de Empresa recebeu o nome de Pená-
polis, em homenagem ao presidente do Brasil Afonso
Pena (...) em 1912 os lados direito e esquerdo do antigo
seringal Empresa foram chamados de cidade de Rio
Branco, em homenagem ao Barão do Rio Branco, tor-
nando-se capital do Acre em 1920 (SOUZA, 1999, p. 36).
Seguindo a prática de outras cidades amazônicas,
Rio Branco desenvolveu-se às margens do rio, com casas
de madeira e ruas de traçado irregulares10
. Inicialmente,
era a sede do Departamento do Alto Acre, sua formação se
deu para atuar como entreposto comercial avançado da
economia mercantil da borracha. Ainda em 1909 planejou-
se e executou-se a construção de duas vias estruturais
importantes: a Avenida Ceará, na direção oeste-leste, e a
Avenida que mais tarde viria a ser chamada Getúlio
Vargas, na direção sudeste-noroeste.
O fato de Rio Branco se encontrar na Bacia Hidro-
gráfica do rio Acre, estando esta inserida na Bacia Sedi-
mentar do rio Amazonas, em função de sua topografia,
percebe-se a origem do rio Acre decorrente da precipitação
pluviométrica e do encontro das águas fluviais e pluviais
com o tenro relevo litológico, resultante da erosão natural
que esculpiu os rios da região e seus afluentes, bem como o
chamado “regime das águas”, onde há enchentes que
ocorrem em correlação estreitamente ligada à intensidade
das chuvas e à vazante no período de estio.
10
Todas as ruas do “centro” do Primeiro Distrito foram plane-
jadas, mas nem por isso têm seu traçado com paralelas e per-
pendiculares, antes, muitas delas seguem o delinear do curso
do Rio Acre.
Reginâmio Bonifácio de Lima40
Durante as cheias, alguns locais são alagados e pro-
porcionam verdadeira calamidade às populações ribei-
rinhas que vivem nas margens próximas aos rios da região.
Milhares de famílias são desabrigadas nesse período, prin-
cipalmente as que vivem nos bairros Taquari, Seis de
Agosto, Baixa da Cadeia Velha e Airton Sena. Em contra-
partida, no período de estio, o lençol freático é rebaixado
pela ausência de precipitação pluviométrica, que ocorre em
proporção 80% menor que no período chuvoso.
O município conta atualmente com uma área terri-
torial de aproximadamente 883.143 hectares, e, de acordo
com o censo do ano dois mil, sua população é de 253.059.
Limita-se ao sul com os municípios de Capixaba, Xapuri e
Brasiléia; a leste com o município de Senador Guiomard; a
oeste com o município de Sena Madureira; e ao norte com
os municípios de Sena Madureira, Bujari e Porto Acre.
Cidade de Rio Branco em 2005. Com o Terceiro Eixo de Ocu-
pação em Destaque.
Fonte: Setor de Georeferenciamento. Secretaria de Planeja-
mento/PMRB.
Sobre Terras e Gente... 41
Apenas na década de 1920 foram erguidas as
primeiras construções em alvenaria e abertas ruas paralelas
às margens do rio Acre. Na margem direita, em Empreza,
foi aberta a rua Primeiro de Maio; na margem esquerda,
em Penápolis, foram abertas as ruas paralelas Epami-
nondas Jácome e Benjamim Constant; e perpendiculares
àquelas, Marechal Deodoro e Getúlio Vargas. Craveiro
Costa (1998), ao estudar a formação territorial do Acre,
afirma que Rio Branco no início era formada por duas
zonas distintas, separadas pelo rio Acre: Empreza, à mar-
gem direita, onde se situavam os principais hotéis, as
diversões e os negócios de beneficiamento e transporte de
produtos extrativos; e Penápolis, à margem esquerda, onde
se situavam as repartições públicas.
Com o passar dos anos, Penápolis teve melhor
constituição de ruas, praças, infra-estrutura em geral, não
somente pela função de ser sede da administração pública,
mas também pelo fato de as pessoas mais abastadas finan-
ceiramente se mudarem para lá, afastando-se da agitação
de Empreza. Em 1920, Rio Branco havia suplantado as
outras cidades. Com a extinção e unificação dos três
Departamentos existentes, através do Decreto nº. 14.383,
de 01 de outubro de 1920, Rio Branco foi elevada à cate-
goria de capital do Território Federal do Acre, nessa época
tiveram as primeiras construções em alvenaria, além de
planejamento e abertura das ruas.
Com a crise do sistema da borracha em 1920,
ocasionada pela queda do preço no mercado internacional
e diminuição da produção da borracha acreana, várias
foram as mudanças ocorridas na economia local. Houve um
redimensionamento da composição social urbana (Oliveira,
1983, p. 82), com a queda do preço da borracha parte do
grande contingente populacional ligado a essas atividades
abandonou o Território acreano. A população que ficou,
estabeleceu-se em função da administração pública, do
Reginâmio Bonifácio de Lima42
comercio e, parte, em atividades de produção extrativa e de
beneficiamento.
As andanças das populações pelo território acreano
vão se configurar como fruto dessa “liberação”. O traba-
lhador começa a arcar com o próprio provimento de víveres
e custo de produção, através do cultivo de produtos agrí-
colas em redor de seu tapiri. As forças de trabalho não mais
eram represadas e direcionadas para a produção da bor-
racha. Dentre as alterações ocorridas nos seringais, desta-
cam-se a diversificação da produção e o ritmo imple-
mentado. O tempo de trabalho e sua liberdade de movi-
mento refletiram diretamente na migração para fora dos
seringais, um sinal de excedente populacional e mudança
das relações de força de trabalho entre os que ficaram no
seringal e os seringalistas.
Não há grandes alterações na economia acreana até
a década de 1940, quando as atividades orientada pelo
capital mercantil, em um novo esforço de produção extra-
tiva, retomaram a extração da borracha. Nesse período, Rio
Branco contava com cerca de onze mil e noventa e três
habitantes, ou seja, metade do contingente populacional
que havia nela na década de 1920.
A estrutura que antes era implementada de forma
social rural “coletora”, representada pelos coletores de
látex e castanha, no início do século XX, foi modificada
com o acréscimo da agricultura de subsistência, que não
conseguia suprir sequer um terço do mercado interno. A
partir de 1940, com a crescente urbanização, várias foram
as modificações ocasionadas pelas novas conjunturas
político-econômicas que eclodiram no Acre. Os problemas
do êxodo rural, a deficiência na assistência sanitária e so-
cial, a falta de crédito para o desenvolvimento das ativi-
dades extrativistas da borracha e da castanha foram fatores
importantes que influíram na modificação do ambiente
acreano e seus sistemas de fomento, o que refletiu dire-
tamente na Capital.
Sobre Terras e Gente... 43
Balsa de pélas de borracha da Casa Aviadora “A Limitada”.
Década de 1950.
Fonte: Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas.
A luta pelo progresso levou o Brasil na década de
1960 a, teoricamente, caminhar para a reforma agrária na
Amazônia, onde pudesse haver um desenvolvimento das
relações e resolução das tensões suscitadas pela mudança
das estruturas industriais brasileiras e pelos equilíbrios
sociais decorrentes do desenvolvimento – o que não
ocorreu.
O crescimento de Rio Branco, que já vinha ali-
mentando-se do deslocamento populacional desde a dé-
cada de 1960, foi nutrido tanto pelas populações expro-
priadas dos seringais quanto pelas populações que, em
face às condições difíceis vividas nos seringais, precisavam
se deslocar de lá para sobreviver. Rio Branco tornou-se o
centro receptor dos contingentes populacionais recentes do
Acre, das gentes retirantes da zona rural que também
foram obrigadas a sair por circunstâncias como a inter-
rupção do aviamento, a desistência dos responsáveis pelos
Reginâmio Bonifácio de Lima44
seringais, as pressões dos credores, a queda do preço da
borracha, dentre outros.
A reforma agrária teria um peso decisivo no modo
de atuação do governo e das relações com o mercado, con-
tudo, a política aplicada persistiu numa via de moderni-
zação mais conservadora, com a persistência do latifúndio
e a configuração de um sistema político mais autoritário. As
políticas propostas para o projeto de desenvolvimento
foram principalmente para exportação. O mercado e o
Estado buscaram compensar suas falhas pela intervenção
mútua, sendo que as intervenções públicas do Estado
foram no setor de comunicações, e rodovias, aparatos bási-
cos para a atuação do mercado gerador de lucros e
dividendos.
No caso acreano da reforma agrária, Nascimento
afirma que ela se deu ao contrário. Na década de 1980
havia maior quantidade de propriedades latifundiárias de
grande porte que nas décadas proximamente anteriores – o
que leva a pensar a estruturação do governo para a expan-
são do capital. Não foi diferente no restante da Amazônia, o
que houve foi uma subdivisão dos minifúndios em relação
às décadas anteriores.
Demografia da Capital
A população riobranquense atualmente representa
cerca de 46% da população total do Estado, sendo que,
desse contingente, 89,4% concentra-se na cidade. De acor-
do com o Censo Demográfico de 2000, a população total do
município é de 253.059 habitantes, o que representa um
crescimento populacional de 3,40% ao ano, no período de
1991 a 2000. Esse índice é muito elevado se comparado à
taxa de crescimento demográfico brasileira, que ficou em
torno de 1,3% ao ano no mesmo período; mas também é
representativo, quando comparado ao crescimento ocorrido
Sobre Terras e Gente... 45
na Capital durante a década de 1980, que era de 4,35% ao
ano.
Na década de 1970, 42,3% da população riobran-
quense residia na área urbana; na década de 1980, esse
percentual passou para 79,38%; e, da década de 1990, até
os dias atuais, as estimativas dão conta de que a população
urbana seja 89,4%. As justificativas apresentadas para esse
incremento populacional são as de que houve a incorpo-
ração na zona urbana de áreas que em censos anteriores
eram consideradas rurais; há um êxodo quase constante
em direção à cidade; e o próprio crescimento vegetativo
nas áreas urbanas de Rio Branco.
Populações de Rio Branco e do Acre – Censos de 1940 a 2000.
Rio Branco AcreAno
Urbano Rural Total Urbano Rural Total
Participação de
Rio Branco em
relação à
população total
(%)
1940 4.945 11.093 16.038 14.138 65.630 79.768 20,09
1950 9.371 18.875 28.246 * * 114.755 24,61
1960 17.104 30.333 47.437 17.620 63.753 158.852 29,86
1970 35.578 48.399 83.977 59.307 155.992 215.299 39,00
1980 87.646 29.467 117.113 132.174 169.432 301.605 38,82
1991 167.882 19.287 187.169 258.520 159.198 417.718 44,81
1996 201.347 27.510 228.857 351.271 168.322 438.593 47,33
2000 226.298 26.761 253.059 370.672 187.259 557.931 45,36
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
* Não foram encontrados dados precisos, então se optou pela
omissão.
Na década de 1970, a população riobranquense era
predominantemente jovem, seguindo a característica brasi-
leira da época, com altos índices de fecundidade. As crian-
ças e adolescentes (de 0 a 14 anos) representavam 44,82%
da população do município; a população jovem e adulta (de
15 anos acima) representava 55,18%.
Reginâmio Bonifácio de Lima46
De acordo com o último Censo do IBGE, a popula-
ção de crianças e adolescentes era de 34,7%, enquanto a de
jovens e adultos representava 65,13%, o que representou
um aumento na parcela de jovens e adultos. A estabilização
e a diminuição de fecundidade levaram a um amadure-
cimento na população riobranquense.
Outro dado que não pode passar despercebido é a
relação por grupo de idade e sexo entre 1970 e 1991, o fato
do envelhecimento populacional estar intimamente ligado
ao fato de as mulheres também estarem vivendo mais. Com
exceção da faixa entre 60 anos ou mais, em todas as outras,
a quantidade de mulheres tornou-se maior em relação a
número de homens, na década de 1990; quadro invertido
se analisado e comparado em relação aos apresentados nas
décadas de 1970 e 1980 onde os homens eram a maioria
em todas as categorias.
População por grupo de idade e sexo – 1970/1991.
1970 1980 1991Grupo
de
Idade Homem Mulher Total Homem Mulher Total Homem Mulher Total
0-19 26.018 23.551 49.569 32.337 32.247 65.584 47.379 48.480 95.859
20-59 16.456 14.586 31.042 23.823 23.495 47.318 40.052 41.896 81.948
60 e + 1.381 1.087 2.468 2.663 2.305 4.968 4.860 4.502 9.362
Total 43.855 39.224 83.079 58.954 58.149 117.713 92.291 94.878 187.169
Fonte: IBGE.
Durante todo o trabalho se falará em bairro e em
bairros, mas é certo que não existem bairros em Rio Bran-
co, ao menos de acordo com a conjuntura para constituição
legal dos mesmos, com necessidades de delimitação for-
mal, decreto de criação e formalização. Todavia, para que
não seja preciso “inventar” um nome ou outra designação
que não seja corriqueira ou acertada para a realidade
vigente, se falará de onde há habitações, convivências,
sociabilidades e, enfim, a transformação do espaço em local
como sendo o “bairro”, com a consciência de que, nas
palavras de Marco Antônio Otsubo:
Sobre Terras e Gente... 47
Rio Branco tem hoje uma particularidade, que não exis-
tem bairros na sua forma legal. Um bairro sob o ponto de
vista legal, tem que ter delimitações físicas, preferen-
cialmente, e que essas delimitações estejam embasadas
em algum documento. No caso de Rio Branco, a gente
não tem bairros definidos com seus limites físicos. O que
existe hoje dentro da cidade como um todo, são as defi-
nições populares convencionadas e criadas pelos próprios
moradores. A partir de uma criação de um loteamento,
seja ele oficial ou não, regular ou irregular. O morador
tende a tratar aquilo como seu bairro. Então, às vezes, um
loteamento que faria parte de um bairro, que é um con-
texto maior, uma região que tem característica seme-
lhante em torno, ele passa a ser considerado um bairro.
Dessa forma, Rio Branco tem esse número de bairros,
considerado absurdo para muitas capitais11
.
Vista aérea da área central de Rio Branco – 1980.
Fonte: Acervo digital IBGE.
11
Otsubo, Marco Antônio. Engenheiro Civil. Técnico da Divisão
de Georeferenciamento da Secretaria de Planejamento da
Prefeitura de Rio Branco. Entrevista concedida dia 17/03/2005.
Reginâmio Bonifácio de Lima48
Sobre Terras e Gente... 49
AS POPULAÇÕES RURAIS
EXPROPRIADAS E A
PERIFERIA ESTENDIDA
A Expansão da Fronteira12
A localidade está contida em um lugar maior e esse
passa por conjecturas políticas, econômicas, interesses
mercantis e projeções de analogias com fins, ora especu-
lativos, ora cognitivos, em grande parte, oscilando confor-
me os grupos que estão no controle. Deve-se ressaltar que
qualquer atividade conflituosa ou ainda, que conduza a um
êxodo, impelindo a uma migração afeta não apenas o local
de saída, mas também, o curso, o motivo, as circunstâncias
e o local de chegada.
As migrações constituem-se em marcos na vida dos
indivíduos, à medida que estabelecem mudanças que pro-
vocam rupturas e conflitos. Ao mesmo tempo, apontam
para a perspectiva de novos horizontes. É preciso estar
atento para o fato de que a mudança espacial implica
outras mudanças na vida das gentes migrantes, rela-
12
No sentido dado por Carlos E. Reboratti: Fronteira é “a área de
transição entre o território utilizado e povoado por uma socie-
dade e outro que, em um momento particular do desenvolver
dessa sociedade e de seu ponto de vista, não tenha sido
ocupado de forma estável, ainda que já tenha sido utilizado”
(REBORATTI, 1990, p. 04) e sua expansão se dá quando a ter-
ra, já quase totalmente ocupada, transforma-se de um simples
elemento de produção em mercadoria, e como uma das conse-
qüência aparece uma imigração que não apenas ocupa os
espaços vazios, como também “obriga” os pioneiros dessa área
a migrar (1990, p. 22).
Reginâmio Bonifácio de Lima50
cionadas a novas dinâmicas sociais, diferenças culturais e
alteração de hábitos no cotidiano, mudanças que também
ocorrem na esfera das relações interpessoais, além das
rupturas, distanciamentos e traumas decorrentes de situa-
ções desse tipo.
Ao ter em comum situações de mudanças em suas
trajetórias de vida, essas pessoas passam por rupturas,
adaptações e resistência aos novos espaços e culturas, mo-
dificando no próprio processo de mudança espacial, im-
pregnado de rupturas, a reconstrução de sua identidade
individual e coletiva, formando-se gradativamente uma
memória social13
. Todo este processo envolve laços afetivos,
alegrias, tristezas, conquistas, perdas e, sobretudo, vivên-
cias, não mais da mesma forma que dantes, mas em um
outro espaço, em um outro tempo, em uma outra
perspectiva, circunstanciados no desenvolver de afinidades
e divergências do que se faz no constituir do local.
Para os migrantes, a relação entre o passado e o pre-
sente remete a ganhos e perdas vivenciados em suas
trajetórias. O passado – que muitas vezes está associado em
parte a dificuldades, limitações, escassez e estagnação,
considerando o quadro cristalizado em seus locais de ori-
gem – também representa aspectos positivos, envolvendo
laços familiares, hábitos e práticas do cotidiano, tradições e
manifestações populares, a vida comunitária, o lazer e a
diversão, a riqueza da cultura local.
Há uma imensidão de postulações representativas
nas vozes desses homens e mulheres. De acordo com
Bakhtin, os discursos interagem entre si, ora por intertex-
tualidades, ora por interdiscursividade. E a tentativa de
fazer algum tipo de análise, por si só já leva o historiador a
mudar a si e ao conteúdo que se propõe a estudar porque,
segundo Paul Thompson:
13
FENTRESS, James & WICKHAM, Chris (1992).
Sobre Terras e Gente... 51
A natureza da memória coloca muitas armadilhas para os
incautos [...] oferece[m] também recompensas inespe-
radas para um historiador que esteja preparado para
apreciar a complexidade com que a realidade e o mito, o
"objetivo" e o "subjetivo", se mesclam inextricavelmente
em todas as percepções que o ser humano tem do mundo,
individual e coletivamente (THOMPSON, 1992, p. 179).
A expansão da fronteira acreana está intimamente
ligada ao aumento populacional e aos problemas por ele
produzidos; o nascente mercado de terras aos poucos foi se
estruturando. Essa expansão é problemática, envolta em
violência e dor; as áreas cultivadas pelos antes extratores e
agora colonos é apropriada pelos governantes para produ-
ção que tenha maior rendimento, uma vez que poucas
eram as pessoas que tinham o título das terras. Assim, não
apenas os “espaços vazios” são retomados e preenchidos,
mas há a expulsão dos velhos pioneiros que os obriga a
migrar. Com a presença do médio e grande capital
agropecuário no Acre, a população expulsa do interior, ou
que abandonava as terras ocupadas, procurava oportuni-
dades de emprego e negócios, indo para a periferia das
cidades. Para se ter em conta, segundo o Anuário Esta-
tístico Estadual de 1977, a renda produzida pela pecuária
superava a da borracha. Mesmo os seringais mais produ-
tivos sofriam as constantes pressões para serem transfor-
mados em fazendas de criação de gado.
Nas décadas que se seguiram ao pós-guerra são
vistas as muitas facetas dos interesses políticos e econô-
micos do Centro-Sul para com a Amazônia, e para com o
Acre especificamente. O sistema de comunicações foi
melhorado, as rodovias abertas, o Território Federal do
Acre foi transformado em Estado, no ano de 1962, o que
deu mais autonomia a ele. A própria política de colonização
oficial, na década de 1970, produziu impacto decisivo sobre
o isolamento em que o Acre ainda se encontrava, dando
Reginâmio Bonifácio de Lima52
continuidade a uma política de integração, para beneficiar
o capital que estava se estabelecendo no Acre.
Grileiros, “paulistas14
” e especuladores compraram
terras a um preço extremamente baixo. A expansão
territorial do Acre se deu de forma diferenciada entre os
Vales do Juruá e Purus. Enquanto neste as BR’s 364 e 317
favoreciam a intensificação do contato com frentes demo-
gráficas externas; naquele pairou o isolamento, falta de
estradas, e a inacessibilidade para imigrantes. Isso fez com
que o aumento populacional e a concentração de novas
fontes de produção permanecessem estreitamente agluti-
nadas no leste acreano.
O propagandeado futuro fator de desenvolvimento
do Acre, a pecuária extensiva, não alcançou seu objetivo, o
governador Wanderley Dantas e seus auxiliares não conse-
guiram enriquecer o Acre com o progresso e o desenvol-
vimento. Antes, a concentração de terras nas mãos de uns
poucos, a crescente derrubada das florestas para transfor-
mar em pastos, a venda das toras por madeireiras vindas ao
Acre e o êxodo rural, são mais visíveis como conseqüência
da política implementada e do capital especulativo, que do
alardeado progresso acreano. Por conseguinte, as gentes
foram migrando na direção campo-cidade, e assim vão se
firmando os “bolsões” populacionais ao redor das cidades e
às margens das rodovias.
Nas cidades, os comércios e as indústrias tiveram a
mão-de-obra necessária para produzir, embora não “quali-
14
O termo “paulistas” é utilizado nesta obra para designar os
migrantes do Centro-Sul do país que adquiriram grande parte
das terras acreanas para transformá-las em fazendas de criação
de gado. Quando das primeiras expulsões em algumas áreas,
ao perguntar aos entrevistados quem os retirara das terras,
estes respondiam que havia sido os paulistas. Com o passar do
tempo o termo “paulistas” passou a ser utilizado para designar
os migrantes envolvidos em conflitos nos seringais acreanos
durante a segunda metade do século XX.
Sobre Terras e Gente... 53
ficada”. É certo que durante a década de 1970 e início da
de 1980, houve um aumento substancial da quantidade de
indústrias e casas de comércio acreanas, além de o Estado
tornar-se o principal empregador. Rio Branco, Cruzeiro do
Sul, Sena Madureira, Xapuri e outras cidades, na década
de 1920 experimentaram uma urbanização por causa da
borracha, tiveram ao fim dos anos 1950 um aumento
considerável em suas populações e nos anos 1980, viram o
inchamento de suas periferias pelos que foram expulsos de
suas terras.
Analisando os dados do IBGE nos censos de 1960 e
1970, percebe-se que a população quase que dobrou se
comparada ao número de habitantes. Na década de 1960
eram 47. 437 habitantes, na década de 1970 a população
riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na
zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana, totalizando
83.977 habitantes.
Nesse período de andanças das populações amazô-
nicas, com cerca de 77% da população migrando, ocorreu
também um fluxo populacional para a capital acreana. De
acordo com estudos realizados pela SUDAM15
, a migração
interna de Rio Branco nas décadas de 60/70 foi marcada
pela procedência regional e local, com cerca de 60% da
população migrante; e os outros 40% provenientes de
outras localidades do país, com predominância nordestina
– 14% provenientes do estado do Ceará.
15
SUDAM appud OLIVEIRA, 1983.
Reginâmio Bonifácio de Lima54
MIGRAÇÕES EM RIO BRANCO -
1960/1970
34,37%
25,43%
40,20% Intra regional
Intra estadual
Interregional
Fonte: SUDAM
A população que foi atingida pela penetração do
capital sulista nos anos de 1970, já residia há várias dé-
cadas nas terras acreanas. Os dados obtidos em uma pes-
quisa efetuada pelo Centro de Desenvolvimento e Plane-
jamento Regional (CEDEPLAR) no ano de 1978, em Rio
Branco, revelaram que 45% dos chefes de família que
migraram para Rio Branco chegaram há menos de 10 anos,
sendo a intensidade do fluxo migratório expressa em
concomitância com as políticas públicas de acumulação de
capital. Ou seja, o próprio CEDEPLAR16
vincula a migração
dos chefes de família e as andanças populacionais às
políticas públicas implementadas no período.
De acordo com dados levantados pela SUCAM, a
relação entre a quantidade de bairros e número de
moradores fora do núcleo central nos anos de 1975 e 1979,
demonstra a expansão fronteiriça ocorrida em Rio Branco;
em 1975 existiam apenas 19 bairros fora do núcleo central,
e, quatro anos depois, em 1979, já se contabilizavaM 26
bairros. Quanto à população desses locais, o número era de
18.176 pessoas em 1975, e, em 1979, passou para 53.935, o
16
CEDEPLAR appud OLIVEIRA, 1983, P. 91.
Sobre Terras e Gente... 55
que totalizava um acréscimo de 296,7% em apenas quatro
anos.
Cidade de Rio Branco – Bairros e Número de Moradores
Número de MoradoresBairros (fora do Núcleo
Central) 1975 1979
Aeroporto 455 2.219
Abraão Alab 603 1.438
Aprendizado (Palheiral) 476 3.935
Bahia 1.240 3.059
Baixa da COHAB 473 1.093
Castelo Branco - 1.882
Cadeia Velha I - 547
Cidade Nova 2.055 5.245
Estação Experimental 435 1.227
Guiomard Santos 2.033 3.304
Iniciação II 460 1.073
Vila Ivonete 448 698
Jardim Tropical - 766
Jardim São Francisco - 385
Mascarenha de Moraes 511 1.551
Nemmaia - 427
Olaria João Vila 1.122 3.020
Quinze 1.707 4.055
Quarto Batalhão Especial de
Fronteira
220 1.089
Redenção 1.407 2.471
Santa Terezinha 1.393 4.043
Seis de Agosto 1.806 4.926
Santa Quitéria - 723
São Francisco 861 2.358
Triângulo 471 1.387
Oito Placas - 1.017
Fonte: Levantamento SUCAM/Acre, apud OLIVEIRA, 1983, p.90.
Em 1976, ao analisar o contingente e as condições
de existência da população urbana em Rio Branco, Fer-
nando Garcia de Oliveira, em 1978, registrou a existência
de oito bairros pobres, “que diferem dos demais bairros da
Reginâmio Bonifácio de Lima56
cidade”. Para ele, o fluxo migratório contribuiu para o
crescimento da cidade. Afirma ainda que o incremento
desse fluxo foi grande se comparadas as proporções com
que se deu e os níveis populacionais amazônicos em espe-
cífico, uma vez que se a população riobranquense no perío-
do fosse de quinhentos mil habitantes não se teria sentido
de forma tão incisiva o fluxo migratório. Dentre os bairros
pobres citados encontram-se os loteamentos não totalmente
normalizados: Vila Redenção, Papouco, São Francisco e
Aeroporto Velho, além de quatro outros resultantes da
intervenção direta das populações chegantes à capital, que
são: Cadeia Velha, Cidade Nova, Bahia e Palheiral.
A cidade se distribuiu espacialmente nas diversas
direções e os bairros periféricos são parte desse processo de
alargamento do perímetro urbano.
As Colônias Agrícolas do Aviário e São Francisco
formaram-se a partir de bolsões pobres. Como eles, os
bairros mais antigos como Base e Papouco (Dom Giocondo)
tiveram um crescimento acelerado no número de seus
habitantes, bem como, o surgimento do bairro Cidade
Nova, na outra margem do rio, em terras pertencentes à
Marinha. Também, como uma espécie de continuação do
tradicional bairro Quinze, apareceram os bairros Triângulo
Velho e Triângulo Novo, junto com o Cidade Nova e
bairros adjacentes. O que na década de 1970 era um
alagado da Marinha, foi povoado e dado o nome de Cidade
Nova, este tornou-se o bairro mais populoso da cidade. É
provável que seu excepcional crescimento deva-se, em
parte, a sua localização próxima às rodovias que dão acesso
a Brasiléia, Xapuri, Porto Velho, localidades onde a expul-
são dos trabalhadores rurais foi crítica e incisiva.
As Formações e Ampliações da Periferia
O inchamento da cidade de Rio Branco se deu como
resultado da urbanização acentuada, intensificando as
ampliações dos bairros periféricos e os problemas sociais
Sobre Terras e Gente... 57
na área urbana. Como conseqüência do acelerado cresci-
mento, os problemas sociais se acumularam, já que Rio
Branco não teve suporte para absorver o contingente popu-
lacional que se deslocava da zona rural. Marginalidade,
desemprego, falta de moradia, dentre outros, foram consta-
tados como desdobramentos tão palpáveis quanto drama-
ticos da realidade urbana desencadeada pelas mudanças
sensíveis e características advindas a partir da penetração
capitalista.
Quando da desmobilização dos soldados da borra-
cha – nordestinos que atenderam ao chamamento do Go-
verno Federal precisando “escolher” entre ir à Europa para
lutar na Segunda Guerra Mundial ou vir para a Amazônia,
principalmente para os seringais do Acre, como soldados
extratores de látex. Os que para cá se deslocaram cum-
priam o propósito de extrair látex para os países aliados,
principalmente para os EUA; esses brasileiros agiam como
soldados da borracha no meio da selva amazônica – não
havia necessidade da produção que se tornava “excedente”
em relação às necessidades mercantis urbanas. As áreas
agrícolas não se expandiram; mais pareciam um processo
de assentamento da população mais pobre que não tinha
posse da terra onde permanecia. As áreas agrícolas mais
próximas do núcleo urbano, e pouco a pouco, as pessoas
nelas residentes, foram afastando-se do vínculo de trabalho
diretamente na terra.
Rio Branco que havia mantido certa “estabilidade
populacional” até meados da década de 1940, quando do
fim da Segunda Guerra Mundial, e criação dos núcleos
coloniais com o intuito de abastecimento das cidades e
fixação dos chamados “soldados da borracha”, na década
de 1950 contava com uma população urbana de 9.371
habitantes, dos 28.246 habitantes do município. Passou,
pouco depois, pelo que Antônio Teixeira Guerra chamou de
“zona ampliada”, para designar as novas áreas urbanas
implementadas no território riobranquense, com predo-
mínio de reassentamento na parte norte de Penápolis. A
Reginâmio Bonifácio de Lima58
essa área Oliveira, ainda em 1982, vai chamar de Primeiro
Eixo de ampliação espacial.
Os habitantes desse eixo, em meados do século XX,
eram utilizados pela administração pública como mão-de-
obra auxiliar, intervindo a administração pública na organi-
zação espacial urbana, construindo obras em alvenaria,
numa progressiva expansão da fronteira urbana da capital.
A classe média, formada por comerciantes e funcio-
nários públicos, aos poucos teve modificações na edificação
estrutural de suas casas, que foram deixando de ser cons-
truídas de madeira para serem feitas de alvenaria. Ao
mesmo tempo, os moradores pobres residiam na parte
externa do núcleo central: a periferia. Guerra descreve que
as casas periféricas da primeira zona ampliada ou Primeiro
Eixo Ocupacional eram de madeira, cobertas de “palmeira
de ouricuri, zinco ou cavacas”.
De certa forma, os habitantes desse eixo ocupa-
cional estavam inseridos nas atividades de trabalho, sejam
ocasionais ou normais, e até o fim da década de 1960 esse
anel periférico se manteve em grande medida delineado,
uma vez que a estrutura interna da cidade havia se
consolidado no perímetro antigo de Penápolis, contendo o
centro comercial e administrativo. O que se pode observar
à primeira vista é a constituição esférica nuclear de Rio
Branco e o início do sobressalto de Penápolis em detri-
mento a Empreza.
É válido ressaltar que, embora a população urbana
estivesse crescendo em projeção geométrica, uma vez que
em 1960 era de 17.104, e, em 1970, era de 35.578, o nú-
mero de bairros das classes médias e bairros pobres ao re-
dor do “centro” eram pequenos, com um incremento contí-
nuo. A construção do espaço urbano de Rio Branco foi pro-
duzida a partir das modificações internas e transformação
do espaço ocupado nas diversas direções. As zonas amplia-
das, a formação e ampliação de alguns bairros em antigas
áreas de colônias formaram o Primeiro Eixo Ocupacional.
Sobre Terras e Gente... 59
Planta Funcional da Cidade de Rio Branco em 195317
. Fonte:
Georeferenciamento. SEPLAM/PMRB.
17
A planta está dividida em 05 áreas distintas, de “A” até “E”,
com algumas áreas sem demarcação. A área intitulada “A”
Reginâmio Bonifácio de Lima60
O Segundo Eixo Ocupacional se deu principalmente
a partir dos bairros pobres que já havia certo tempo ocupa-
vam a margem esquerda do rio Acre, na parte próxima ao
centro administrativo pertencente à Penápolis. Esses
bairros que ficam em Penápolis como Papouco, Base, Pre-
ventório, Estação Experimental, Aviário, Cerâmica, tiveram
um considerável aumento no número de seus moradores.
Também em áreas pertencentes à Empreza, alargaram-se
bairros que mais pareciam a continuação – sem infra-
estrutura – do bairro Quinze, como é o caso dos bairros
Cidade Nova, Triângulo I e Triângulo II.
A partir do momento que o Acre foi envolvido no
processo de expansão econômica, seguindo o modelo do
governo federal, suas terras ficaram a disposição do capital
oriundo do Centro-Sul, conseguiu-se apartar as terras dos
que nela habitavam, pela dificuldade de se adquirir docu-
mentação da terra; os posseiros, ocupantes, seringueiros,
moradores que nelas residiam, não tiveram acesso à lega-
lização do local onde habitavam; também não era de inte-
resse dos compradores das terras explorá-las produtiva-
mente naquele momento.
Como se pode constatar no mapa, a área comercial-
administrativa torna-se focal, rodeada pelos bairros de
classes médias e famílias mais tradicionais que usufruíam
de uma linha de proximidade e ligação direta com o “cen-
tro”, sendo, em terceiro plano, percebidos os bairros mais
pobres, onde residiam as classes trabalhadoras de mora-
dores pobres.
Dada a falência dos seringais, as dificuldades per-
meantes nos locais onde as populações rurais residiam, a
falta de estímulo, a desativação das colônias agrícolas e a
refere-se a “Zona ampliada”, descrita por Antônio Guerra; os
Espaços que rodeiam as áreas “A”, “B” e “E”, referem-se ao Se-
gundo Eixo, descrito por Luiz Oliveira; a parte Sudoeste do
mapa, onde está a pista de aviação, refere-se ao Terceiro Eixo,
descrito por Reginâmio Lima.
Sobre Terras e Gente... 61
incorporação de áreas antes rurais à zona urbana, muitas
das famílias foram expulsas das terras em que residiam há
décadas. O êxodo rural foi iminente.
Os nordestinos recrutados para trabalhar na coleta
extrativa eram homens e mulheres outrora oprimidos pelo
patrão, mas conseguiram vencer várias etapas, modificar a
interação com o trabalho, produzir na agricultura familiar e
sobreviver na floresta. Contudo, a expansão capitalista
obrigou a eles e a seus descendentes saírem das terras em
que habitavam, e esses vieram para a cidade. Muitos se
aglomeraram em áreas baixas e alagadiças, como Taquari e
Cidade Nova, ou adensaram ainda mais os bairros da Base,
Papouco, Quinze ou formaram novos bairros, como Oito
Placas, São Francisco, Baixada da Cohab, Vila Ivonete,
alargando as fronteiras periféricas dos bairros pobres.
Não só de bairros pobres foi formado o Segundo
Eixo Ocupacional, bairros como Jardim Tropical, Habitasa,
Floresta, COHAB do Bosque, Castelo Branco, Bela Vista,
dentre outros, configuram-se reduto da classe média emer-
gente, fruto do capital industrial, das relações com o poder
público ou de famílias tradicionais riobranquenses. A
estrutura urbana não apenas aumentou, mas também valo-
rizou altamente o solo, sendo mais valorizado o próximo ao
Hotel Chuí, atual Prefeitura de Rio Branco – no núcleo
central e desvalorizando-se à medida que distava deste.
O núcleo central da cidade já estava cheio de cons-
truções e com o solo valorizado. Havendo a demanda por
habitação para a nova classe média que surgia, o embrio-
nário capital imobiliário utilizava as áreas vazias próximas
ao centro ou expulsava a população de baixa renda desses
locais ocupados para erguer casas mais “sofisticadas”.
Frutos da “modernização” de algumas funções urba-
nas no Estado e das formas de ligação com o Centro-Sul,
surgiram os redutos de classe média. Os chamados novos
segmentos de classe média, recrutados entre negociantes,
técnicos e especialistas vindos do Centro-Sul e Nordeste; e
Reginâmio Bonifácio de Lima62
elementos locais associados a velhas formas de dominação,
vão influir sobre o chamado mercado imobiliário.
Acerca de Governos e Jornais
Desde 1964, com a reorganização econômica pro-
porcionada pelo Governo, após o Golpe Militar, houve uma
visível política de transferência de seringais para empre-
sários do Centro-Sul. Procópio afirma que várias transações
aquisitivas de terras foram feitas, inclusive transações
fraudulentas de terras no país, a ponto de se instalar uma
Comissão Parlamentar de Inquérito, no ano de 1968, para
apurar as denúncias, tendo como resultado a verificação de
mais de 150.000 Km² de área de terra negociados para gru-
pos estrangeiros. O deputado Haroldo Veloso, da Aliança
Renovadora Nacional – ARENA – apresentou tais resulta-
dos em seu relatório.
O projeto de transformação da economia acreana
passou por um processo que contou com o apoio do gover-
no do Acre, quando o então governador Jorge Kalume
apoiou a “Operação Amazônia”, assinando junto com
outros governadores, políticos, intelectuais e empresários a
“Declaração da Amazônia”, de 11 de dezembro de 1966.
Essa declaração era fruto da reunião denominada “Investi-
dores da Amazônia”, ocorrida a bordo do navio Rosa da
Fonseca, no Rio Amazonas, em dezembro de 1966. Em um
dos itens da declaração acima citada lê-se: “que os índices
de evolução da economia regional, nos anos recentes, de-
monstram uma tendência espontânea à gradativa substitui-
ção do extrativismo, como setor principal por atividade
economicamente mais produtiva e socialmente mais evoluí-
da”.
Juntando-se a isso, no ano de 1971, o BASA suspen-
deu as linhas de financiamento aos seringalistas endivi-
dados, por considerá-los incapazes de saldar seus compro-
Sobre Terras e Gente... 63
missos, decorrentes de empréstimos feitos ao banco. No
mesmo ano, o novo governador acreano, professor Wan-
derley Dantas, indicado pelo presidente Garrastazu Medi-
ci, acreditou nessa política de modernização autoritária do
Governo Federal e facilitou a aquisição de terras por em-
presários de outros lugares.
Como vários estados pobres, que dependiam de
recursos federais para se manter, o Acre fez o que era para-
zível à política do “Brasil Grande Potência” e seu governa-
dor propagandeava as virtudes do solo e do clima acreano
por todo o Brasil, principalmente pelo Centro-Sul, com
slogans do tipo: “um nordeste sem secas”, “um Paraná sem
geadas”; “Acre, uma nova Canaã”; “Invista no Acre e
exporte pelo Pacífico”. Esse tipo de atitude foi visto e
produzido por vários Estados, ministérios e intendências.
No início dos anos 70, a reocupação das terras
acreanas, proveniente da corrida pela incorporação de
áreas de fronteira, fomentada pelo Governo Federal, se deu
pela inserção de grandes grupos econômicos, principal-
mente empresários paulistas.
Três militares estiveram no mais alto posto de co-
mando da nação durante o período de formação do Terceiro
Eixo, indicaram diretamente os governadores do Acre e
agiram na dinâmica – ainda que parcial – da escolha dos
prefeitos. Esses generais-presidentes governaram o país
durante um longo tempo e traçaram sua política para a
nação, sendo os generais: Emílio Garrastazu Médici, de
1969 a 1974; Ernesto Geisel, de 1974 a 1979; e João
Baptista Figueiredo, de 1979 a 1985.
Com a aprovação do primeiro Plano Nacional de
Desenvolvimento – PND –, em 1971, com abrangência de
1972 a 1974, durante o governo Médici, foi produzida uma
série de investimentos nos setores siderúrgico, petroquí-
mico, transportes e energia, foi criado o Mobral, iniciaram-
se grandes obras como a ponte Rio-Niterói e a rodovia
Transamazônica; era um tempo de entusiasmo e euforia no
Reginâmio Bonifácio de Lima64
chamado período do “milagre brasileiro”. Houve o aumen-
to da produção industrial, crescimento das exportações e
acentuada utilização de capitais externos. Mas nem tudo
foi bonança, com a crise do petróleo de 1973, a conjuntura
favorável desapareceu, a inflação cresceu e também a
dívida externa. O governo montou um amplo esquema de
controle autoritário da sociedade e adotou uma rígida
política de arrocho salarial.
Geisel enfatizou a necessidade de crescimento e
expansão das indústrias, e pôs em vigor o segundo PND.
Figueiredo também pôs em prática o terceiro PND, de 1980
a 1985, onde exprimia o pensamento de desenvolver a
sociedade de forma livre, equilibrada e estável; assumindo
o compromisso histórico de promover o aumento da “aber-
tura política”, visando a democratização do Brasil. Nesse
período o que se viu foi o agravamento da crise econômica
influindo diretamente na dívida externa, inflação e no
desemprego.
Os diversos segmentos da sociedade se organizaram
e resistiram ao autoritarismo político, e aos poucos, foram
conquistando espaços através da diminuição progressiva
da censura, anistia a diversos condenados políticos, volta
do pluripartidarismo e das eleições diretas para governa-
dores de estado. Nesse período houve a “abertura consen-
tida”, a deflagração da campanha das “diretas”, que culmi-
nou com a retirada de cena dos militares e o governo voltou
a ser exercido por civis.
Quanto aos governos acreanos no período em
questão, pode-se dizer que o de Wanderley Dantas foi o
que abriu as fronteiras para o grande capital e aos empre-
sários do Centro-Sul, procurando não intervir nas questões
de conflitos de terra, e omitindo as políticas públicas de
proteção aos trabalhadores que eram expulsos de suas
terras. O governo Geraldo Mesquita tinha uma perspectiva
liberal do Estado, com ênfase no Estado de direito, em seu
governo houve uma abertura, ainda que pequena, da
Sobre Terras e Gente... 65
imprensa e dos órgãos oficiais às causas trabalhadoras. O
governo Joaquim Falcão Macedo mostrou-se omisso no
que tange às espúrias relações estabelecidas entre as forças
de segurança pública e os interesses privados, o que fez
com que os “donos da terra” retomassem a ofensiva,
procurando cessar a força e combatividade atingida pela
organização dos trabalhadores.
O governo Wanderley Dantas estabeleceu como
diretriz-marco de sua política a incorporação do Acre ao
mercado nacional. Com o objetivo de desenvolver o Acre e
“integrá-lo” ao Brasil, numa ocupação de “espaços vazios”,
ele apenas fazia a vontade do Poder Central, uma vez que,
a dinâmica utilizada foi o reflexo do “Projeto Oeste”, enfati-
zado por uma pretensa necessidade de segurança nacional.
Para atrair os empresários do Centro-Sul e garantir
sua instalação nas terras acreanas, conversou com diretores
do Banco da Amazônia sobre a necessidade de equacionar
os problemas de créditos concedidos aos produtores de
borracha, abriu estradas pioneiras, conservou e melhorou
outras, interligou cidades. Na visão de economia compe-
titiva, dinâmica e moderna, adotada pelo governo brasileiro
para o Acre, a vocação pecuária e de extração de madeira é
que lhe foi assentada, sempre na idéia de uma ligação
direta com o pacífico, para a exportação desses e outros
produtos.
O governo Geraldo Mesquita tinha consciência das
riquezas que ainda poderiam ser produzidas com o bom
aproveitamento do solo e dos recursos que se fazem pre-
sentes na região. O seu plano de governo convocava os
acreanos para a construção de um Estado pujante, rico e
forte, onde só com a ação integrada entre povo e Governo
se poderia ser “germinada a semente que plantaremos”.
Há a reafirmação do modelo de desenvolvimento proposto
pelo Governo Federal, onde o Acre, por sua localização
geográfica próxima ao Pacífico, funcionaria como um
“corredor” natural em sentido de mão dupla, colocando
Reginâmio Bonifácio de Lima66
junto aos grandes mercados, as mercadorias brasileiras de
exportação e recebendo as necessárias ao consumo nacio-
nal.
O governo buscou valorizar as potencialidades
naturais da região e do homem da zona rural, frente à crise
pela qual passava a produção da borracha. No plano
político apresentado, o Governo tinha o objetivo de realizar
a “ocupação econômica” da parte central do Estado, na
tentativa de colonizar e integrar os dois principais vales
que dividem o Acre, bem como a implantação de um pólo
regional de desenvolvimento em Assis Brasil e projetos
agroindustriais.
O governo Joaquim Macedo tinha consciência da
formação de “bolsões” populacionais na periferia e da ne-
cessidade de uma política de terras voltada para a reso-
lução dos problemas rurais, contudo, não observou a forma
desorganizada em que estava a estrutura fundiária acrea-
na, tampouco abriu o acesso à terra para a maioria dos
trabalhadores do campo. Pelas políticas adotadas – ou falta
delas – o fluxo populacional, que havia diminuído no
governo de seu antecessor, voltou a crescer, impelindo as
populações, pela necessidade de sobrevivência, à periferia
dos centros urbanos, em grande medida, à periferia de Rio
Branco.
No âmbito municipal do período em questão, Rio
Branco passou por uma Intervenção Federal através do
Decreto Legislativo nº. 05/64 que durou até junho de 1977,
quando foi suspensa a Intervenção Federal do Município,
através do Decreto 79.890. Os prefeitos nomeados no
período foram os seguintes: Adauto Brito da Frota, de 1966
a 1971; Durval Wanderley Dantas, de 1971 a 1975. E os
interventores foram: Adauto Brito da Frota (que já houvera
sido nomeado), de 1975 a 1977; Fernando Inácio dos
Santos, de 1977 a 1983 (PMRB, 1983).
Os conflitos no campo se desencadeavam desde
1971, mas somente em 1976, as notícias que já corriam a
Sobre Terras e Gente... 67
boca pequena começaram a aparecer aos poucos no jornal
“O Rio Branco”. As matérias se sucederam com os seguin-
tes títulos:
‘Polícia Prende 4 posseiros’; ‘Colonos dizem porque inva-
diram o Seringal Catuaba’; ‘Posseiros de tocaia matam
capataz da fazenda’; ‘Família de seringueiro viveu noite
de terror’; ‘Posseiros atacaram peões na defesa de suas
terras’; ‘Polícia de Boca do Acre continua buscando pos-
seiros de tocaia’; ‘SUDAM: situação fundiária no estado
do Acre é problemática’ (COSTA SOBRINHO, 2000, 77).
Pelo que se pode ver, as notícias dão idéia de um
conflito no campo, mas a aparência que se tem é a de os
posseiros estarem ilegitimamente no lugar. É como se eles
buscassem algo que não era seu de direito, como se o lugar
estivesse lá há décadas e só naquele momento os posseiros
tentassem entrar, o que não é verdade. Os posseiros é que
residiam no local há décadas, seus pais morreram e foram
enterrados lá, aquelas terras eram deles por usucapião, mas
não tinham o Título Definitivo, que foi dado aos compra-
dores do Centro-Sul e grandes empresas capitalistas.
Domingues ao fazer sua monografia de conclusão
de curso sobre “Os 30 anos da História Oral do Jornal ‘O
Rio Branco’”, reflete em sua escrita o que mais parece uma
Ode ao jornal o Rio Branco, aparentemente demonstrando
que as idéias contidas neste acerca das “populações em
conflito por um lugar para morar” mais parecerem com as
suas próprias. O que deveria ser uma análise ou pelo
menos um estudo acerca do assunto, denota a forma como
alguns estudiosos vêem as gentes que se dirigiram para a
Capital durante as décadas de 1970 e 1980: percebem-nas
com “ar de inferioridade”.
Domingues (2002, p. 17) afirma que “a partir de
1972 de forma mais sistemática, iniciou-se a explosão
migratória populacional do campo para as periferias de Rio
Branco” e que esse “era o marco divisório entre o cresci-
Reginâmio Bonifácio de Lima68
mento ordenado, lento e organizado de décadas anteriores
substituído pelo êxodo rural, causando o desordenado
inchaço das periferias da cidade...”. É sabido que não foi
assim que ocorreu. Rio Branco não passou por uma
sistemática explosão migratória, e sim, que esta se deu por
causa de fatores anteriores e alheios à vontade das gentes
tornadas migrantes. De mesma forma, não é certo dizer que
o início da década de 1970 foi o “marco divisório do
crescimento ordenado”, uma vez que Rio Branco não teve
uma ordenação estrutural em seu espaço, senão no início
de Penápolis e em alguns pontos isolados para o que se
chama de “conjuntos habitacionais”; tendo em vista os
poucos Planos Diretores efetuados nunca terem saído do
papel. Assim, não se deve imputar culpa às gentes que
vieram para a Capital inferindo a elas o “desordenado
inchaço das periferias da cidade”.
Em trabalhos como o supracitado está latente a
visão preconceituosa sobre o modo de vida nas periferias
riobranquenses, ao generalizar as formas de vida e neces-
sidade de sobrevivência dos “excluídos”. Mesmo que cerca
de um terço de seu trabalho seja formado por transcrições
de relatos orais, não há a aparência de compreensão do que
eles significam em seu contexto, há uma generalização e
“coisificação” das populações migrantes, não apenas tra-
tando os homens e mulheres adultos como relegados ao
caos e à “escória social”, mas também taxando seus filhos,
todos eles, com o selo de “prostitutas” e “assaltantes”, ao
afirmar literalmente que:
(...) Restou ao humilde seringueiro ser peão dos atuais
patrões ou perambular pelas ruas como picolozeiros
(sic), varredores, vendedores de “biriboute”, braçais, pe-
dreiros, camelôs e proprietários de barraquinhas onde se
vende doces e cigarros.
Como parte do legado seus filhos hoje são os novos
assaltantes, assassinos e freqüentadores de bares e
donos de boca-de-fumo da cidade que abastecem de
Sobre Terras e gentes
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Sobre Terras e gentes

  • 1. Sobre Terras e Gente... 1 SOBRE TERRAS E GENTES O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982)
  • 3. Sobre Terras e Gente... 3 REGINÂMIO BONIFÁCIO DE LIMA SOBRE TERRAS E GENTES O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982) Idéia João Pessoa 2006
  • 4. Reginâmio Bonifácio de Lima4 Todos os direitos e responsabilidades do autor. Editoração Eletrônica/Capa Magno Nicolau __________________________________________ L732s Lima, Reginâmio Bonifácio de. Sobre terras e gente: o terceiro eixo ocupacional de Rio Branco / Reginâmio Bonifácio de Lima. João Pessoa: Idéia, 2006. 157p.: il. 1. História – Desenvolvimento I. Título CDU: 981(813.3) ______________________________________________________________ EDITORA LTDA. (83) 3222-5986 www.ideiaeditora.com.br ideiaeditora@uol.com.br Foi feito o depósito legal Impresso no Brasil
  • 5. Sobre Terras e Gente... 5 Ao Deus Todo-Poderoso que me proporcionou concluir este trabalho. A quatro homens especiais: meu pai, Severino, por me ensinar a amar o local estudado; e meus irmãos Reginaldo, Regineison e Pedro por me auxiliarem na pesquisa e constituição desta obra.
  • 7. Sobre Terras e Gente... 7 AGRADECIMENTOS Ao Deus Eterno, que capacitou e permitiu este tra- balho, dando ânimo em momentos de angústia, cuidando de seu servo para que pudesse estar bem e concluir esta obra; A meu orientador, professor MsC Bento, por ter dado crédito ao trabalho a ser desenvolvido e auxiliado na constituição do mesmo; A minha família que sempre me apoiou em todo o tempo. Meus pais: Severino e Maria, cuidando de mim, dando amor, afeto; e meus irmãos Reginaldo e Regiglenis que, juntamente com minha cunhada, Ana Íris, e, meus sobrinhos, Stive e Kelven, propor- cionaram apoio moral, emocional, contribuíram dire- ta e indiretamente para esta realização; A meus irmãos Regineison, graduando em história, e, Pedro, graduando em geografia, pela dedicação na pesquisa e auxílio na correção desta obra; A minha Musa Inspiradora, Iracilda Bonifácio, pela correção da estrutura e compatibilização dos escritos com a norma padrão vernácula; A meus coletores de dados, Socorro, Maria Alzerina, Samir e Luciana, por me auxiliarem na aplicação dos questionários; Aos professores Gerson Albuquerque e Jones Goettert que muito contribuíram dando “palpites” sobre o modo de ver o lugar e os sujeitos que nele vivem; Aos funcionários da Biblioteca Pública do Acre por tão prestativamente terem gastado seu tempo, auxi- liando na pesquisa das referências;
  • 8. Reginâmio Bonifácio de Lima8 A Marco Antônio Otsubo e demais funcionários do Setor de Georeferenciamento da Prefeitura Munici- pal de Rio Branco; A todos os entrevistados que muito contribuíram com a pesquisa; A todos os funcionários do Setor de Cadastro Muni- cipal; A assessoria jurídica da Câmara Municipal de Rio Branco; Aos amigos do CDIH e da Biblioteca da UFAC, por tamanha presteza com que me acolheram. Aos colegas da Pós-Graduação por suas idéias e su- gestões dadas no decorrer da pesquisa teórica e pratica; A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.
  • 9. Sobre Terras e Gente... 9 Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não Nas escolas nas ruas, campos, construções Caminhando e cantando e seguindo a canção (...) Os amores na mente, as flores no chão A certeza na frente, a história na mão Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição Vem, vamos embora, que esperar não é saber Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. (Pra não dizer que não falei de flores) Geraldo Vandré
  • 11. Sobre Terras e Gente... 11 SUMÁRIO Siglas e Abreviaturas .....................................................................07 INTRODUÇÃO...............................................................................08 CAPÍTULO I: A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO 1 – As Relações de Poder ...............................................................13 2 – Ocupação recente da Amazônia ..............................................14 3 – Abertura e Definição da Fronteira Acreana ............................16 4 – Sudhevea e Probor....................................................................21 5 – Breve Histórico Riobranquense ...............................................22 6 – Demografia da Capital .............................................................28 CAPÍTULO II: AS POPULAÇÕES RURAIS EXPROPRIADAS E A PERIFERIA ESTENDIDA 1 – A Expansão da Fronteira..........................................................31 2 – As Formações e Ampliações da Periferia ................................36 3 – Acerca de Governos e Jornais..................................................40 4 – A Igreja Católica e a Luta pela Terra.......................................46 5 – Conflitos no Campo e a Luta pela Sobrevivência...................48 CAPÍTULO III: O TERCEIRO EIXO OCUPACIONAL DE RIO BRANCO 1 – Aspectos Gerais............................................................................. 2 – Saneamento Básico....................................................................... 2 – Localidades a Serem Consideradas............................................. 2.1 – Salgado Filho ...................................................................... 2.2 – Sobral................................................................................... 2.3 – Floresta Sul.......................................................................... 3 – De Espaço Fronteiriço a Território Local .................................... 3.1 – Informações gerais.............................................................. 3.2 – Informações técnicas .......................................................... 3.2 – Informações sobre as edificações....................................... 3.3 – Serviços urbanos .................................................................
  • 12. Reginâmio Bonifácio de Lima12 4 – Habitantes e habitat..................................................................... 4.1 – Impressões iniciais ............................................................. 4.2 – Ambiência ocupacional...................................................... 4.3 – Sujeito-identidade-lugar .................................................... 4.4 – Perspectivas das localidades.............................................. 5 – Memória e História...................................................................... REFERÊNCIAS..................................................................................
  • 13. Sobre Terras e Gente... 13 Siglas e Abreviaturas ARENA – Aliança Renovadora Nacional BASA – Banco da Amazônia S.A. BCI – Boletim de Cadastro Imobiliário CEBs – Comunidades Eclesiais de Base. CEDEPLAR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CPT – Comissão Pastoral da Terra. DRT – Delegacia Regional do Trabalho FMI – Fundo Monetário Internacional FUMBESA – Fundação do Bem Estar Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. ONG – Organização Não Governamental PECP – Projeto Especial Cidades de Porte Médio PMRB – Prefeitura Municipal de Rio Branco PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PROBOR – Programa de incentivos à produção de borracha natural SANACRE – Companhia de Saneamento do Acre SEPLAM – Secretaria Municipal de Planejamento SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública SUDAM – Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia SUDHEVEA – Superintendência do Desenvolvimento da Borracha UFAC – Universidade Federal do Acre UNICAMP – Universidade de Campinas
  • 15. Sobre Terras e Gente... 15 INTRODUÇÃO Este livro é fruto de dois anos de pesquisa na Pós- Graduação em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, pela UFAC, nele estão contidos os resultados iniciais da pesquisa efetuada na área em que segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, próximo à Secretaria Estadual de Educação. Naquele local, hoje em dia estão formados os quinze bairros que compõem a terceira fase de expansão da cidade de Rio Branco. Nessa localidade moram atualmente mais de 33.908 pessoas, de acordo com o ultimo censo do IBGE. Muito se ouve falar da Fazenda Sobral, PROBOR II, Aeroporto Guiomard Santos, assassinato de João Eduardo, “quatro bocas”, Palheiral, hospital distrital, mas pouco ou quase nada se tem escrito a respeito. Este livro tem a pretensão de falar de forma geral, sem generalizações, como se deu o processo expansivo da Capital acreana para aquela área, bem como de que forma os moradores desenvolveram ali, suas identidades, culturas e transformaram a ambiência ocupacional. É certo que nesse primeiro momento nos concentraremos no viés historiográfico social, contudo na continuação dos traba- lhos, com a conclusão da segunda parte da pesquisa, desta vez na área de linguagens e identidades, pelo Mestrado em Letras da UFAC, pretendemos dar maior suporte para as relações de memórias, culturas e interações da/na dinâmica social. Com o apoio da Secretaria de Planejamento Muni- cipal que nos cedeu as fotos; do Setor de Georeferen- ciamento, que reconheceu a área e demonstrou interesse no setor; do Setor de Cadastro Imobiliário que forneceu os croquis de todas as residências do local, no período de
  • 16. Reginâmio Bonifácio de Lima16 estudo cadastrado; da Prefeitura Municipal de Rio Branco que abriu seus arquivos à pesquisa; da Assessoria Jurídica da Câmara de Vereadores que cedeu as leis postas no trabalho “texto”; bem como o auxílio da Procuradoria Geral do Estado, que auxiliou diretamente no aparato político, e aval jurídico concernente à jurisprudência e legalidade dos documentos referentes à possíveis titulações públicas da- quela área; conseguimos ampliar as pesquisas e chegar aos resultados que se seguem no decorrer de todo o livro. A ocupação desses locais já foi feita a mais de três décadas, e não seria justo deixar que as histórias das rela- ções sociais lá produzidas, bem como as modificações antrópicas naquela ambiência sejam esquecida como tantas outras, tão importantes quanto esta que se perderam nas fissuras não lineares da geo-história riobranquense. Não se intenta aqui ser “o salvador da pátria”: apenas tornar público os traços e recortes das relações estabele- cidas no Terceiro Eixo riobranquense. Relações estas nem sempre harmônicas, nem sempre causais, nem sempre intermitentes, mas sempre válidas, vívidas e bem vividas. São homens e mulheres, gentes como você e eu, em busca de melhores condições de vida, que habitam terras que embora há anos existam leis que lhes garantam o direito de titulação, muitos deles ainda são posseiros e moram numa terra que segundo os governos não é sua, porque a sua... essa foi tirada. Mas isso os governantes não viram. Então, vamos lá. Em nome de uma pretensa integração do Acre ao espaço nacional de desenvolvimento capitalista, durante fins da década de 1960 e início da seguinte, as terras públicas foram vendidas, e, por conseguinte, as populações nelas residentes foram obrigadas a sair – o que resultou
  • 17. Sobre Terras e Gente... 17 num intenso fluxo migratório na direção campo-cidade1 . Com a emergência dos conflitos pela posse da terra, a realidade urbana surgia como desdobramento da expansão da fronteira agrícola. A trajetória dessa população no contexto regional, tanto quanto os laços de vínculo com os locais de onde migraram, torna clara a aglutinação de famílias na periferia urbana. O “cinturão de pobreza” formado como expansão da periferia já existente não é um fenômeno exclusivo da história recente do Acre, em vários locais do Brasil e América Latina é perceptível a organização – ou falta de – nos bairros periféricos. O ajustamento cultural dos migran- tes vai constituir novos contingentes de trabalhadores, mas também expor o sentimento de identificação com a terra como meio de produção e constituição de laços inter- nos de solidariedade e defesa2 – traços característicos ao processo de formação, que em geral esses migrantes levam consigo para as cidades. Ao falar de Eixo Ocupacional em Rio Branco é preciso ter em vista que “a compreensão do movimento de formação e transformações da cidade, em sincronia com as etapas e contradições da economia mercantil da borracha, torna-se então uma das chaves para desvendar os proble- mas e conflitos surgidos agora com a aceleração do cresci- mento urbano”3 . Nesse aspecto, identifica-se a formação, ainda que parcial, de uma localidade extensiva aos habitantes do que se chama Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Esse se constituiu na área próxima ao Centro de Treinamento, atual Secretaria de Educação, envolvendo os 08 bairros 1 O Termo aqui é utilizado no sentido de rural-urbano; de colônias, seringais, colocações, chácaras à parte composta de cidade e suas ampliações. 2 OLIVEIRA, Marilda Maia. 1983, p. 86. 3 OLIVEIRA, Luiz Antônio Pinto de. 1982, p. 32.
  • 18. Reginâmio Bonifácio de Lima18 formados a partir da expansão da cidade ocorrida na década de 1970 e início de 1980. Quanto à temporalidade, é certo que não tem uma data-marco de formação espe- cífica, tampouco uma data final de andanças popula- cionais. O que se percebe é que a área que compreende o Terceiro Eixo teve o início de sua formação “urbana” apro- ximadamente em 1971, e o desenvolvimento espacial com uma definição básica próxima ao que é atualmente, por volta de 1982, sendo composto pelos bairros Aeroporto Velho, Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, João Eduardo I e João Eduardo II. Ao mesmo tempo que se observa, nesse mesmo território, uma pluralidade de iden- tidades coletivas, envolvendo diversidades em relação a origens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que aproxi- mam e distinguem grupos de indivíduos entre si. As gentes do Terceiro Eixo, provenientes da zona rural e de outros bairros periféricos da capital, tiveram na cidade o mesmo descaso com o qual foram tratados ante- riormente. Ao ocuparem terras que não lhes pertenciam, as pessoas corriam o risco de serem expulsas, e assim ocorreu com os moradores de locais como Palheiral, João Eduardo e Bahia, sendo parte dessas terras utilizadas em benefício de especuladores urbanos. O que se pode ver também, diante do contexto histórico, no qual essas pessoas estavam inse- ridas são as condições de vida, o excesso de mão-de-obra “desprovida de qualificação” para a inserção no mercado de trabalho e as incertezas pairantes rodeadas de miséria e desagregação social. Em 1982, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro”, Oliveira citou o Terceiro Eixo, afirmando: Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o núcleo central através da Rua Rio Grande do Sul, a qual até 1970 era habitada só parcialmente, até o chamado Centro de Treinamento. Esta parte, inclusive, se estendia por uma grande superfície de áreas verdes naturais, as
  • 19. Sobre Terras e Gente... 19 quais foram inteiramente derrubadas durante a década passada. (...). Nessa área pontificam os bairros do Aeroporto Velho, Terminal, Bahia e Palheiral, habitados pela população pobre de origem rural e que já somam [em 1982] mais de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a ocupação de áreas ainda prossegue nesse eixo e os novos bairros vão se formando, como o bairro João Eduardo (...) (Oliveira, 1982, p. 39). A mobilidade é uma regra na atualidade, o movi- mento sobrepõe-se ao repouso e quando o homem muda, junto com ele mudam também as mercadorias, as imagens e as idéias. Ao estudar a formação do Terceiro Eixo Ocupa- cional de Rio Branco, envolto na perspectiva da dinâmica das migrações, ou seja, da vida dos migrantes, chega-se à compreensão de que sempre as mudanças fazem parte da vida cotidiana, e essas afetam diretamente o ambiente com transformações sócio-espaciais – enquanto causa ou efeito, e, em grande parte, ambas correlatas – e que os fluxos dessas gentes para o local não são fatos isolados, uma vez que se inserem no contexto das migrações internas, decorrentes da política nacional da Marcha para Oeste, intensificada durante o período da Ditadura Militar. As problemáticas levantadas buscam investigar a forma como se deram as relações entre as gentes que ocu- param as terras dando início à formação e ao crescimento do Terceiro Eixo Ocupacional no período de 1971 a 1982, desejando explicitar o processo de ocupação pelo qual pás- saram os referidos bairros, bem como as modificações na- tropicas efetuadas no ambiente receptor da migração. Desta feita o presente trabalho tem como objetivo investi- gar e analisar o processo de ocupação e formação do Ter- ceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco – que compreende os bairros Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Aero- porto Velho, Glória, Pista, João Eduardo I e II –, desde 1971 até 1982. Especificamente objetiva perceber o Tercei- ro Eixo de Ocupação como parte integrante do processo de
  • 20. Reginâmio Bonifácio de Lima20 expansão de Rio Branco; compreender o movimento de for- mação e transformação da cidade, destacando a expansão do Terceiro Eixo Ocupacional e seus conflitos; abordar a luta pela sobrevivência das gentes expropriadas migrantes para a periferia de Rio Branco, enquanto parte de um pro- cesso macroeconômico e social; analisar as modificações antrópicas efetuadas nas terras do ambiente receptor das migrações rural e urbana. A pesquisa foi feita dentro de uma perspectiva historiográfica, tendo como apoio metodológico as formu- lações e a discussão social da propagação da experiência humana, como elemento fundante para construção de um modo de vida comunitário, embasado no pensamento estru- tural de Paul Thompson. A vivência dos ex-seringueiros, ex-posseiros rurais e o quadro geral de seus movimentos históricos constituem o foco de interesse do estudo, como matéria de investigação pertinente à compreensão especí- fica das características assumidas; a acentuação urbana, devido à intensificação do êxodo rural, a luta pela terra e a ocupação dos espaços tornados urbanos. A pesquisa não se propôs a estudar a formação da periferia de Rio Branco a partir de um viés economicista, vinculado unicamente à expansão da frente capitalista na Amazônia, mas a caracte- rizar as complexidades que o processo de urbanização de Rio Branco apresenta no curso da sua história recente. Num primeiro momento foram trabalhadas as biblio- grafias existentes acerca da formação periférica da cidade de Rio Branco, buscando fazer o enquadramento historio- gráfico do objeto de pesquisa e dos sujeitos nele atuantes. Segundamente, os referenciais teóricos, conceitos e con- junturas sociais, foram estudados na pesquisa, com a devi- da contextualização acerca da urbanização da cidade e do processo expansivo. Para tanto, foram consultados autores como Leandro Tocantins, Luiz Antônio Pinto de Oliveira, Carlos Alberto Alves de Souza e Leila Gonçalves da Costa, estudiosos das relações sociais ocorridas no Acre, especial-
  • 21. Sobre Terras e Gente... 21 mente em Rio Branco, durante a segunda metade do século XX. Em seguida foi aplicado um questionário sócio- econômico e cultural com os moradores mais antigos dos bairros, que lá habitam desde o período de formação, pro- curando levantar informações sobre seu local de moradia e suas relações de convivência. Foram aplicados questionários nos oito bairros, tendo como base os seguintes requisitos: os entrevistados precisavam morar, ininterruptamente, no bairro há, pelo menos, 23 anos, ou seja, desde 1982, ou antes dessa data; ser o “chefe” ou um dos “chefes da casa” na atualidade; a necessária cobertura e abrangência de toda a localidade, com aplicação de maior quantidade de questionários nas áreas que, segundo a Prefeitura4 e entrevistas orais com os moradores, eram os locais com maior densidade demográ- fica no período de formação. É certo que o Terceiro Eixo não se formou a partir de um planejamento territorial urbano, antes pelas migra- ções e andanças populacionais o espaço foi se transforman- do em lugar a partir da constituição da base territorial. Assim sendo, percebe-se, ainda que, às vezes, indi- retamente, que o poder público opera e coopera no orde- namento territorial, através de ações de políticas públicas, estratégias de mudança social e organização do território ou falta delas. O espaço desconhecido, natural, incomen- surável, foi e ainda é modificado, transformado e “reorde- nado” pela diversidade nas inserções antrópicas que o tornam um território de ordem cultural, conhecido aos que lá se assentaram e mensurável às relações sócio-culturais nele estabelecidas. Essa transformação é ao mesmo tempo um assunto técnico e político, não é o foco deste trabalho engajar-se nos fatores de distanciamentos (por rupturas, fissuras e até 4 BCIs, Cadastro imobiliário, Plantas Oficiais da Cidade de 1979, 1980, 1981, 1982.
  • 22. Reginâmio Bonifácio de Lima22 mesmo no termo físico), tampouco de acessibilidades (no viés geodésico). O que se busca é desenvolver a compre- ensão de como as terras foram modificadas antropicamente pelas gentes que produziram modificações, organizaram e ocuparam o território do Terceiro Eixo desenvolvendo e estruturando esse habitat humano a partir das diferentes atividades e relações sociais estabelecidas.
  • 23. Sobre Terras e Gente... 23 A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO As Relações de Poder O Brasil em seu subdesenvolvimento não galgou espaços como as nações do Norte, chamadas de desen- volvidas. A expansão do mercado no país teve nos mer- cados financeiros modernos a base asseguradora da viabi- lidade modelada pelos países desenvolvidos para que se seguisse neste país. A produtividade e assimilação das novas técnicas não conduziram à homogeneização social, antes, a difusão das novas técnicas deu-se em certas áreas, inicialmente quase que exclusivamente pela aquisição de novos produtos via importação. Esse chamado processo produtivo causou uma modernização no Brasil, mas não conduziu à redistribuição dos bens, não houve a elevação do nível de vida da população. Nesse contexto de subdesenvolvimento surgiu a industrialização tardia brasileira, que agiu com grande rapidez para reestruturar o sistema produtivo, ainda emba- sado no sistema substitutivo. A Amazônia trocava pelas de borracha por dinheiro, que não enriqueceu os seringueiros, mas formou grandes fortunas Brasil a fora. A modernização tardia implementada pela “industrialização substitutiva” levou o Estado a sustentar a sua modernidade com recursos provenientes dos meios ditos atrasados. As transições ocorridas na Amazônia, principal- mente a partir dos anos 1960, foram “pelo alto”, onde o governo agia procurando mecanismos explícitos de incen- tivos empresariais para atrair capital e empreendedores de diversos setores econômicos, enquanto as gentes que migraram em direção a esse local, atraídas pela política de
  • 24. Reginâmio Bonifácio de Lima24 colonização, tiveram poucos recursos e o apoio do Estado de forma reduzido. A tentativa de desenvolvimento econô- mico deixa claro que há uma continuidade na formulação da política, sendo priorizada a dinâmica econômica. Altvater apud Heller (1999, p.138) afirma que “como ocorre com o trabalho na indústria, a natureza também passa a ser ‘realmente subordinada’ ao capital, isto é, subjugada à lógica da acumulação, de uma forma mais eficiente do que nunca na história da humanidade”. Há uma fluência do monetarismo que não respeita fronteiras, antes, a seu interesse constrói nacionalidades e as destrói, desconside- rando as territorialidades postas. O desenvolvimento posto na Amazônia, fruto do predomínio dos países industrializados, não é socialmente justo, nem ecologicamente sustentável. A Amazônia está inserida na lógica de dominação capitalista, onde esta lógica rompe fronteiras, fomentada pelo crédito de incen- tivos fiscais, que em meados do século XX moldou o pro- cesso de desenvolvimento regional; como conseqüência houve os conflitos pela posse da terra, contradições urba- nas e rurais e continuação do estabelecimento de desigual- dades na apropriação do espaço econômico, político e sócio-ambiental da região. Nesse mesmo período, a ques- tão ambiental estava internacionalizada com fomentos para uma postura de desenvolvimento – ainda não sustentável – onde se buscava construir cenários para a formação da base necessária à atuação dos grupos ligados ao “progresso humano” em detrimento da “barbárie” na região. Contudo, esse desenvolvimento não chegava às classes trabalha- doras, como forma de melhorias sociais, e ainda, “quando ficou óbvio, por volta de 1970, que a corrida pelo desenvol- vimento realmente intensificava a pobreza, inventou-se a noção de ‘desenvolvimento eqüitativo’ para reconciliar o irreconciliável: a criação da pobreza com a abolição da pobreza” (SACHS, 2000, p. 121).
  • 25. Sobre Terras e Gente... 25 Ocupação Recente da Amazônia As políticas traçadas de expropriação e formação de mercados de reserva se deram tardiamente na Amazônia em relação ao restante do país. Contudo, os efeitos foram vistos alardeadores das disparidades exercidas pela “dita- dura do grande capital” e pelas práticas governamentais voltadas aos interesses de uns poucos. As migrações da zona rural para a urbana e dos pequenos centros para as cidades fizeram ocorrer uma grande explosão demográfica em alguns centros amazônicos, aumentando as periferias, levando esses trabalhadores expropriados a viverem à “margem” das cidades. Tudo isso, em grande parte, fruto das políticas públicas e atividades capitalistas implemen- tadas no campo. A política econômica adotada a partir de 1964 favoreceu os Estados da Amazônia com uma participação de forma mais efetiva na formação do capital e conse- qüente integração à propaganda produzida pelo governo federal no sentido de “ocupar para desenvolver” a região; a construção de rodovias como Belém-Brasília, Cuiabá-San- tarém, Brasília-Acre; e, pouco depois, no Acre, a especu- lação fundiária, o crédito fácil e barato, as facilidades para a expansão da pecuária, criaram um desequilíbrio social, afetando diretamente as populações que passaram a ocu- par as periferias das cidades, principalmente da capital. A forma de ocupação implementada na região acreana na primeira metade do século XX era extrativista da borracha. Com a transferência das terras dos seringais falidos aos compradores do Centro-Sul, viu-se um acele- rado crescimento das pequenas propriedades, embora a posse da terra tenha continuado extremamente concen- trada. Já nos últimos anos da década de 1960, é per- ceptível uma ruptura no padrão de ocupação territorial nas capitais amazônicas. As alterações produzidas dão conta de
  • 26. Reginâmio Bonifácio de Lima26 um redimensionamento do quadro urbano com o aumento da migração contínua para as cidades. O principal fluxo migratório se deu mais intensamente para a banda oriental, com predominância de composição rural atingindo princi- palmente as cidades de Macapá, Porto Velho e Rio Branco. Uma temática a ser abordada concernente a esse período específico da Ditadura Militar e seus projetos para a Amazônia, é a compreensão do caráter transnacional da região amazônica enquanto necessária aos interesses dos países de economia desenvolvida, não apenas com o intuito de uma economia predatória, mas também, pelas riquezas da biodiversidade, descobertas científicas, a água potável para um mundo que já sente a escassez deste produto, e, as alterações climáticas que a destruição da Amazônia po- deria causar nesses países. Por isso, o enfoque que deve ser dado, além da visão que tinham os militares durante a dita- dura, precisa incorporar temas emergentes e complexos que superem a crise ecológica e ampliem o pensar reformu- lante que já em fins da década de 1970 estava ocorrendo dentro de uma atuação entre Estado, as forças do mercado e a sociedade civil, numa questão de segurança interna- cional. Os movimentos políticos e econômicos que come- çaram a surgir no final da década de 1960 davam margem aos produtos de grupos e ONGs que buscavam “proteger” a natureza para tornar em “meio ambiente” a localidade implementando o “desenvolvimento sustentável”, a natu- reza onde, por séculos os seus habitantes já viviam. Nesse período, qualquer processo de transformação teria o apa- rato estatal e o fundo público como pressupostos, além da criação de empresas e agências estatais de desenvolvi- mento, visando atrair grandes grupos de capitais privados. O poder público dotou, ainda que parcialmente, de infra- estrutura adequada, formulou políticas e incentivos fiscais e de crédito.
  • 27. Sobre Terras e Gente... 27 Como conseqüência dessa inicial atividade pública, foram implantados grandes projetos agropecuários e dispo- sitivos jurídicos excepcionais, como os mecanismos de regulamentação adotados pelo Estado. Esse período foi o que mais rápido convergiu terras públicas em propriedades privadas. A expansão capitalista na Amazônia resultou, não apenas na desregionalização da propriedade do capital, mas também na predominância dos projetos agropecuários sobre os industriais, nos ganhos especulativos com a terra, na geração de violentos conflitos sociais decorrentes da luta pela terra e na expulsão dos camponeses de sua terra, acelerando o processo de destruição ambiental. Em nome da integração nacional, e mais tarde, de uma integração com o mercado externo, o ambiente social foi modificado. As normatizações produzidas pelo jogo monetário regulado pelo sistema financeiro internacional, FMI e Banco Mundial, transformaram a dinâmica interna das convivências intra-nacionais, regulando-as através do controle estatal com políticas e ações coordenados por invéstimentos setoriais e fomento às “práticas de desenvol- vimentos” na região. As poucas regulamentações existentes sobre a terra e sua exploração, que eram tão necessárias em meados do século XX, embora na maioria dos casos não saíssem do papel, tornaram-se carentes de modificações e desregulamentação na década de 1980. As leis executadas e a generosidade do poder público concederam ao grande capital “salvo conduto” para agir na Amazônia. Mesmo com a aprovação da política nacional de meio ambiente, em 1981, o que se viu foram mecanismos que ajudaram aos interesses estrangeiros em detrimento das populações locais.
  • 28. Reginâmio Bonifácio de Lima28 Abertura e Definição da Fronteira Acreana As terras do Acre por vários séculos foram tidas como desconhecidas ou “terras não descobertas” e assim permaneceram até meados do século XIX. O Tratado de Madri firmado em 13 de janeiro de 1750, regularizou os limites entre as terras portuguesas e espanholas, mas não delimitou a área especificamente referente ao Acre; outros tratados foram produzidos e, de mesma forma, não estabe- leceram, no terreno, a linha fronteiriça que abrange do Rio Madeira ao Javari. A borracha amazônica5 era bem conhecida e utili- zada pelos índios, eles faziam artefatos de borracha e brin- quedos para os curumins, além de utilizá-la como imper- meabilizante. Várias espécies de árvores que fornecem o látex eram há muito utilizadas: como o caucho (castiloa ulei), a balata (chrysophyllum balata), a sorva (couma utilis), a mangaba (harnicornia speciosa) e a seringa (hevea basiliensis). É certo que em 1762, com o uso da terebintina, houve um avanço na qualidade da consistência da borra- cha e conseqüente avanço na produção. A Europa estava vivenciando o início da Revolução Industrial, enviando pesquisadores ao mundo inteiro em busca de novos pro- dutos. O padre jesuíta João Daniel escreveu que "entre o Rio Madeira e o Javari, por mais de 200 léguas não há povoação nem de branco, nem de tapuias mansos ou 5 Desde o descobrimento da América se conhecia a borracha, o próprio Cristóvão Colombo presenciou, em sua segunda via- gem à América, o “jogo da bola”, no Haiti. Muitos viajantes anunciaram essa “maravilha da América”, contudo, foi o pés- quisador geógrafo e astrônomo francês Charles Marie de Lá Condamine, estudando as selvas do Equador, que comunicou à Academia de Ciências de Paris em 1736, notícia sobre a aplica- bilidade da borracha.
  • 29. Sobre Terras e Gente... 29 missões”6 , isso em 1760, na época em que as missões esta- vam se estabelecendo na Amazônia. O mundo em industrialização estava querendo usu- fruir as riquezas da Amazônia, várias foram as tentativas de conquista do território nacional brasileiro. Em 06 de julho de 1801 o Tratado de Badajós anulava o de Santo Idelfonso, ficando definidas as fronteiras da América do Sul. As Frentes de Expansão, muitas delas capitalistas, buscavam demarcar o território brasileiro. Após a descoberta do processo de vulcanização da borracha em 1844, por Thomas Hancock, na Inglaterra, e Charles Goodyear, nos Estados Unidos, foi possível dar outras utilidades à borracha. Esta se tornou indispensável para a civilização. O uso, que antes era restrito, mas que já tinha mercado garantido em Boston, Nova York, Lisboa, Viena, Londres e tantos outros lugares, foi expandido. O preço do látex subiu consideravelmente e iniciou-se a corrida para o Acre. Serafim da Silva Salgado, Manuel Urbano, João Cunha Correa, Willian Chandless e, mais tarde, Euclides da Cunha, desbravaram o território acreano estabelecendo marcos. Nessas áreas foram descobertas várias tribos indígenas, grande quantidade de árvores para a coleta do látex, rica fauna e flora. Abre-se uma Frente pioneira no Rio Acre e pouco depois no Purus, impulsionadas pelos interesses interna- cionais em adquirir a riqueza proveniente da floresta. Antes, o comércio das drogas do sertão havia impulsionado o adentrar a floresta, agora a borracha fazia subir às cabeceiras dos rios. A introdução de barcos a vapor em 1853, bem como a abertura do Rio Amazonas à navegação internacional, fizeram com que a comercialização da borracha aumentasse em muito, a ponto de ainda no século XVIII superar a de cacau no porto do Pará. 6 Revista Interior: 1978, p. 06.
  • 30. Reginâmio Bonifácio de Lima30 A relação entre os seringais e a cidade de Manaus era de compra da produção por parte desta, enquanto subsidiava aqueles. O drama internacional começou a se esboçar em virtude de os brasileiros transporem a fronteira entre seu país e a Bolívia, iniciando um rudimentar processo de “ocupação”. Os limites ainda não haviam sido fixados, nem os marcos colocados, daí a dificuldade; nem a Bolívia sabia que as terras lhe pertenciam. A linha limítrofe leste-oeste só existia nos tratados internacionais. Os brasi- leiros eram os únicos a explorar a borracha, atendendo uma demanda existente desde 1839, mas que não havia sido suprida até a grande seca do Nordeste em 1877, onde, sem condições de vida, levas de imigrantes chegavam às terras da Amazônia em busca de sobrevivência, formando os seringais do Acre e seus primeiros núcleos populacionais, em busca do ouro negro. Casa Comercial da Vila Rio Branco, do Sr. Newtel Maia e Cia. Armazéns dos Srs. Apolinário, Floguel e outros.
  • 31. Sobre Terras e Gente... 31 Seringal Nova Empreza. Propriedade da firma Alves Braga e Cia. do Pará. Data: 1906 – 1907. Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, pg. 99 e 113. Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas. A terra desconhecida, paisagem totalmente isolada do que se chama civilização, fora aos poucos sendo ocu- pada. O ciclo se completara: terras novas, produção e pó- pulação7 ; havia um fluxo de relação entre esses três. Então, Brasil e Bolívia resolveram demarcar as fronteiras delimi- tando a linha Cunha Gomes a 10’ 20” de latitude. Portanto, o Acre pertencia oficialmente à Bolívia, no ano de 1897. Um ano depois, foi dada ordem ao governo amazonense para reconhecer essa linha. Contudo, pelo Tratado de Aya- cucho, o artigo segundo reconhecia o “uti possidetis” para fixar a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Durante o período de 1890 a 1905, além do cresci- mento da demanda de matéria-prima gumífera, o que se vê é uma série de atividades acentuando as relações 7 REBORATTI. Carlos E. (1990, p. 21 e 22).
  • 32. Reginâmio Bonifácio de Lima32 envolventes da prática vigente na expansão fronteiriça do Oeste. De um lado, o Brasil busca se afirmar com a insta- lação do regime republicano, no intento de atingir o equilí- brio de sua economia que, mesmo com a atuação do café, ainda era instável; de outro, a Bolívia liderada por seu representante advindo das frentes liberais, Manuel Pando, procurava afirmar-se como Estado autônomo. Ao desen- volver essa análise, percebe-se que o leite extraído da hevea brasiliensis aparece como possibilidade concreta de ambos os países alcançarem seus objetivos. Com a ascen- são de Pando ao poder, a instabilidade política, a defi- ciência econômica e a falta de unidade territorial na Bolívia vão eclodir a “Questão do Acre”, e, mais tarde, o Bolivian Sindicate. Luiz Galvez, Plácido de Castro e tantos outros “heróis anônimos” acreanos, entre lutas, batalhas, tratados e diplomacia imputaram ao Acre status de pertencer ao Brasil. A fronteira foi definida oficialmente no dia 17 de novembro de 1903, com o Tratado de Petrópolis, anexando as terras do Acre ao Brasil; um pagamento ao Bolivian Sindicate de 110 mil libras esterlinas; e à Bolívia, de dois milhões de libras esterlinas, além da construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Definida a questão do Acre é necessário que se dê continuidade ao estudo da abertura da fronteira: as neces- sidades de excedente demográfico foram, em grande me- dida, supridas pela corrente migratória para a Amazônia ocorrida a partir da grande seca do nordeste. De acordo com Lima a intensificação da migração nordestina para o Acre inicialmente se deu no período de 1877 a 1900. Nesses vinte e três anos, cerca de cento e sessenta mil imigrantes se estabeleceram nos seringais situados na bacia dos rios Madeira, Acre, Purus, Chandless e Juruá, sendo possível traçar a concomitância da seca com o início do período mencionado, e o auge da produção gumífera com os últimos anos do século XIX.
  • 33. Sobre Terras e Gente... 33 Essa expansão, aparentemente intensiva, não man- teve seu fluxo proporcional ao aumento da produção do látex. As novas terras utilizadas mantinham uma estreita relação entre a atitude pioneira de “assentamento” e pro- dução, e o modo de vida existente nas unidades produtivas. Assim, a relação entre a terra da qual se retira a borracha (o seringal), o responsável pelas terras, mantenedor do “modo de vida” implementado em suas propriedades (o seringa- lista) e o indivíduo diretamente responsável pela extração do leite da seringa e sua transformação em pélas (o serin- gueiro), se dá ora amistosamente ora em conflito. É válido ressaltar que embora a relação vigente fosse de exploração e que os seringueiros tenham sido expropriados, gradativamente se endividando, era latente o enriquecendo os donos dos seringais que muitos serin- gueiros viam seus “patrões” como alguém que cuidava deles, não como pesarosos ludibriantes. A relação tida na penetração da fronteira, ainda que com momentos de con- fusão, implementou marchas e contra-marchas, por conse- guinte êxitos e fracassos, não necessariamente ligados às forças de relações locais, mas prementes no âmbito do mercado de produção e na valorização – ou falta dela – do produto gumífero explorado. Os seringueiros ficavam anos sem ter a paga pelo fruto de seu penoso trabalho. As dívidas a eles imputadas iam além do superfaturamento dos produtos; o patrão colocava na nota itens que não chegavam até suas colo- cações, aumentando ainda mais as dívidas dos serin- gueiros. Estes, para não verem aumentadas suas dívidas, pediam o estritamente necessário para a sobrevivência, e muitas vezes, pediam menos que isso, ficando vulneráveis a doenças e morrendo de desnutrição. Nessas relações sociais os seringueiros criaram várias formas de resistência, como colocar barro dentro das pelas, plantar grãos, fugir das colocações, não pagar as dívidas por ter consciência de que estavam maiores do que deveriam. Essas eram al-
  • 34. Reginâmio Bonifácio de Lima34 gumas das atividades consideradas ilegais, mas que ocor- riam como forma de resistência dos seringueiros na luta pela sobrevivência. O seringal sempre foi uma empresa desvinculada da terra, contendo em sua área as árvores necessárias para a retirada do “leite”, colocações, “estradas de seringa” e barracão. O seringalista monopolizava o acesso ao seringal, praticando o “aviamento” dos produtos necessários aos seringueiros. Estes, por sua vez, trabalhavam até catorze horas por dia, moravam em tapiris, tudo o que consumiam era-lhes imputado como débito no barracão e comumente morriam de malária, febre amarela, ataques de índios ou de animais selvagens. As casas aviadoras situadas em Belém e Manaus abasteciam os seringais, recebendo também os rolos de borracha produzidos nestes e vendendo-os ao exterior. Elas financiavam cem por cento da produção, vendendo os víveres aos seringais por preços superfaturados e rece- bendo as pélas que vendiam ora com lucro, ora com pre- juízo, dependendo das estimativas e preços no mercado. O sucesso de Henry Wickham ao embarcar setenta mil sementes da hevea brasiliensis, em 1876, e conse- qüente início da produção de borracha na colônia inglesa do Ceilão (no sul da Índia), Malásia e Indonésia, fez com que, por sua seleção, disposição de plantio e facilidade de coleta, a borracha inglesa se tornasse mais barata e de melhor qualidade que as plantações nativas. Com isso, quebrou-se o monopólio da região amazônica. Em 1905, a produção brasileira de borracha era de 35 mil toneladas e a inglesa de apenas 145 toneladas (SOUZA, 2002). No ano de 1913, a produção amazônica da goma elástica respondia por apenas quarenta e cinco por cento da produção mundial, menos de duas décadas depois, por apenas cinco por cento. Era a decadência da borracha amazônica, mas não da Amazônia. O capital estrangeiro foi embora, con- tudo, viu-se um novo limiar de atividade nas terras
  • 35. Sobre Terras e Gente... 35 acreanas. A interação com a sociedade central foi modifi- cada e iniciou-se uma urbanização nas terras acreanas, não na escala das migrações de outras áreas do Brasil para o Acre, e sim, o fluxo interno das populações e a mudança de sua relação com a terra. Sudhevea e Probor Com o aumento do consumo da borracha e o neces- sário suprimento do mercado interno, a Superintendência do Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA) foi fortale- cida pelas práticas políticas nacionais que, de acordo com o superintendente da SUDHEVEA, José Cesário Mendes Barros, em 1972, implantou “bases necessárias e irrever- síveis para o total auto-abastecimento do país de borracha natural. No mesmo ano deu-se início ao primeiro progra- ma-piloto destinado a implantar, consolidar a lavoura heveícola e modernizar a exploração da borracha nativa”8 . Para ele, o objetivo foi atingido a ponto de, em 1977, o Con- selho Nacional da Borracha, lançar o segundo Programa de incentivos à produção de borracha natural (PROBOR II), tendo como fim principal a ampliação do primeiro, con- cessão de crédito rural, operacionalizado pela superinten- dência da borracha em ação coordenada com os agentes financeiros básicos do Sistema Nacional de Crédito Rural (Banco da Amazônia, no Norte e Centro-Oeste, e Banco do Brasil, no sul da Bahia). Foi aprovado o plantio de serin- gueiras, num total de 07 mil hectares. Sendo assumido pelo superintendente, que, no caso acreano, a implantação alcançou apenas um terço do planejado. Em 1972 o Acre produziu cerca de seis mil tone- ladas de borracha, e em 1976 produziu seis mil e oitocentas toneladas. O Acre foi o maior produtor nacional de borra- 8 Revista Interior: 1978, p. 6.
  • 36. Reginâmio Bonifácio de Lima36 cha no período, seguido do Amazonas e do Pará. A produ- ção brasileira de borracha natural, em 1978, representava apenas um terço da demanda nacional, sendo que em 1974 a produção foi de dezoito mil e seiscentas toneladas, sendo o país responsável por apenas 0,6% da produção mundial. No mesmo período, a borracha natural brasileira represen- tava apenas 10% do consumo nacional. A produção não estava atendendo à demanda, o não atendimento da necessidade de tempo e cuidado neces- sários para a seringueira começar a produzir, a falta de incentivos continuados e desacerto na política de imple- mento dos seringais, foram alguns dos fatores que contri- buíram para que os seringais cultivados não alcançassem o pleno desenvolvimento. Pelas de Borracha – hevea basiliensis. FONTE: Acervo digital – IBGE.
  • 37. Sobre Terras e Gente... 37 Breve Histórico Riobranquense O local onde mais tarde seria a cidade de Rio Bran- co era habitado por tribos Aquiris, Canamaris e Maneteris, pertencentes à família dos Aruaques, que dominavam a bacia do Purus. De acordo com Silva “os solos riobran- quinos foram pisados por civilizados, pela primeira vez, em 1861, quando uma expedição de caráter exploratório, chefiada por Manoel Urbano, sob os auspícios da Província do Rio Negro, por ali passara...”9 . Em 1882, aportou às margens do Rio Acre, nas proximidades da gameleira, o cearense Newtel Newton Maia, dando início ao estabe- lecimento do seringal Empresa. Rio Branco está localizada no Nordeste do Estado do Acre, possui características geológicas e geomorfológicas com singularidade predominantemente horizontais no relevo, com grandes áreas de depósitos aluviais resultantes da erosibilidade das águas sobre as margens dos rios que a banham: rio Acre, rio Iquiri, rio São Francisco, rio Antimari, rio Xipamamu e riozinho do Rôla, durante as enchentes cíclicas anuais. A cidade de Rio Branco está localizada às margens do rio Acre, sendo que o Rio São Francisco também faz parte do ambiente urbano desta. O clima riobranquense é classificado como equatorial, com uma estação chuvosa do mês de junho a maio, e uma de estio de junho a setembro. De acordo com o INMET/UFAC, a temperatura média anual é de 25,5° C e a umidade relativa tem valores médios que ficam em torno de 85%. 9 1981, p. 96.
  • 38. Reginâmio Bonifácio de Lima38 Seringal Empreza Propriedade da firma comercial do Pará, Lopes de Brito e Cia, à margem esquerda do rio Acre. Data: 1906 – 1907. Este barracão serviu de hospital de sangue durante o período revolucionário. Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, p.103. Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas. A partir do povoamento desse seringal surgiu o que em 1904 seria elevada à categoria de Vila. Através do De- creto nº. 5.188, de 07 de abril de 1904, o Território acreano foi dividido em três Departamentos: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá, tornando-se Rio Branco sede do Departamento do Alto Acre. Em 1908, várias mudanças significativas foram implementadas pelo então prefeito, Gabino Bezouro; como a transferência da sede do Departamento do Alto Acre para a margem esquerda do Rio Acre, a instalação de policiamento, justiça e fiscalização tributária, estruturação da Vila Penápolis, realização de construções públicas e
  • 39. Sobre Terras e Gente... 39 criação da Secretaria Geral do Departamento para fiscali- zação da limpeza pública. Rio Branco teve sua constituição legal em 13 de junho de 1909, como sede da prefeitura do Departamento do Alto Acre, na época era chamada de Penápolis. No ano de 1912 recebeu o nome que possui até os dias atuais, em homenagem ao Barão do Rio Branco. Em 1909, a cidade de Empresa recebeu o nome de Pená- polis, em homenagem ao presidente do Brasil Afonso Pena (...) em 1912 os lados direito e esquerdo do antigo seringal Empresa foram chamados de cidade de Rio Branco, em homenagem ao Barão do Rio Branco, tor- nando-se capital do Acre em 1920 (SOUZA, 1999, p. 36). Seguindo a prática de outras cidades amazônicas, Rio Branco desenvolveu-se às margens do rio, com casas de madeira e ruas de traçado irregulares10 . Inicialmente, era a sede do Departamento do Alto Acre, sua formação se deu para atuar como entreposto comercial avançado da economia mercantil da borracha. Ainda em 1909 planejou- se e executou-se a construção de duas vias estruturais importantes: a Avenida Ceará, na direção oeste-leste, e a Avenida que mais tarde viria a ser chamada Getúlio Vargas, na direção sudeste-noroeste. O fato de Rio Branco se encontrar na Bacia Hidro- gráfica do rio Acre, estando esta inserida na Bacia Sedi- mentar do rio Amazonas, em função de sua topografia, percebe-se a origem do rio Acre decorrente da precipitação pluviométrica e do encontro das águas fluviais e pluviais com o tenro relevo litológico, resultante da erosão natural que esculpiu os rios da região e seus afluentes, bem como o chamado “regime das águas”, onde há enchentes que ocorrem em correlação estreitamente ligada à intensidade das chuvas e à vazante no período de estio. 10 Todas as ruas do “centro” do Primeiro Distrito foram plane- jadas, mas nem por isso têm seu traçado com paralelas e per- pendiculares, antes, muitas delas seguem o delinear do curso do Rio Acre.
  • 40. Reginâmio Bonifácio de Lima40 Durante as cheias, alguns locais são alagados e pro- porcionam verdadeira calamidade às populações ribei- rinhas que vivem nas margens próximas aos rios da região. Milhares de famílias são desabrigadas nesse período, prin- cipalmente as que vivem nos bairros Taquari, Seis de Agosto, Baixa da Cadeia Velha e Airton Sena. Em contra- partida, no período de estio, o lençol freático é rebaixado pela ausência de precipitação pluviométrica, que ocorre em proporção 80% menor que no período chuvoso. O município conta atualmente com uma área terri- torial de aproximadamente 883.143 hectares, e, de acordo com o censo do ano dois mil, sua população é de 253.059. Limita-se ao sul com os municípios de Capixaba, Xapuri e Brasiléia; a leste com o município de Senador Guiomard; a oeste com o município de Sena Madureira; e ao norte com os municípios de Sena Madureira, Bujari e Porto Acre. Cidade de Rio Branco em 2005. Com o Terceiro Eixo de Ocu- pação em Destaque. Fonte: Setor de Georeferenciamento. Secretaria de Planeja- mento/PMRB.
  • 41. Sobre Terras e Gente... 41 Apenas na década de 1920 foram erguidas as primeiras construções em alvenaria e abertas ruas paralelas às margens do rio Acre. Na margem direita, em Empreza, foi aberta a rua Primeiro de Maio; na margem esquerda, em Penápolis, foram abertas as ruas paralelas Epami- nondas Jácome e Benjamim Constant; e perpendiculares àquelas, Marechal Deodoro e Getúlio Vargas. Craveiro Costa (1998), ao estudar a formação territorial do Acre, afirma que Rio Branco no início era formada por duas zonas distintas, separadas pelo rio Acre: Empreza, à mar- gem direita, onde se situavam os principais hotéis, as diversões e os negócios de beneficiamento e transporte de produtos extrativos; e Penápolis, à margem esquerda, onde se situavam as repartições públicas. Com o passar dos anos, Penápolis teve melhor constituição de ruas, praças, infra-estrutura em geral, não somente pela função de ser sede da administração pública, mas também pelo fato de as pessoas mais abastadas finan- ceiramente se mudarem para lá, afastando-se da agitação de Empreza. Em 1920, Rio Branco havia suplantado as outras cidades. Com a extinção e unificação dos três Departamentos existentes, através do Decreto nº. 14.383, de 01 de outubro de 1920, Rio Branco foi elevada à cate- goria de capital do Território Federal do Acre, nessa época tiveram as primeiras construções em alvenaria, além de planejamento e abertura das ruas. Com a crise do sistema da borracha em 1920, ocasionada pela queda do preço no mercado internacional e diminuição da produção da borracha acreana, várias foram as mudanças ocorridas na economia local. Houve um redimensionamento da composição social urbana (Oliveira, 1983, p. 82), com a queda do preço da borracha parte do grande contingente populacional ligado a essas atividades abandonou o Território acreano. A população que ficou, estabeleceu-se em função da administração pública, do
  • 42. Reginâmio Bonifácio de Lima42 comercio e, parte, em atividades de produção extrativa e de beneficiamento. As andanças das populações pelo território acreano vão se configurar como fruto dessa “liberação”. O traba- lhador começa a arcar com o próprio provimento de víveres e custo de produção, através do cultivo de produtos agrí- colas em redor de seu tapiri. As forças de trabalho não mais eram represadas e direcionadas para a produção da bor- racha. Dentre as alterações ocorridas nos seringais, desta- cam-se a diversificação da produção e o ritmo imple- mentado. O tempo de trabalho e sua liberdade de movi- mento refletiram diretamente na migração para fora dos seringais, um sinal de excedente populacional e mudança das relações de força de trabalho entre os que ficaram no seringal e os seringalistas. Não há grandes alterações na economia acreana até a década de 1940, quando as atividades orientada pelo capital mercantil, em um novo esforço de produção extra- tiva, retomaram a extração da borracha. Nesse período, Rio Branco contava com cerca de onze mil e noventa e três habitantes, ou seja, metade do contingente populacional que havia nela na década de 1920. A estrutura que antes era implementada de forma social rural “coletora”, representada pelos coletores de látex e castanha, no início do século XX, foi modificada com o acréscimo da agricultura de subsistência, que não conseguia suprir sequer um terço do mercado interno. A partir de 1940, com a crescente urbanização, várias foram as modificações ocasionadas pelas novas conjunturas político-econômicas que eclodiram no Acre. Os problemas do êxodo rural, a deficiência na assistência sanitária e so- cial, a falta de crédito para o desenvolvimento das ativi- dades extrativistas da borracha e da castanha foram fatores importantes que influíram na modificação do ambiente acreano e seus sistemas de fomento, o que refletiu dire- tamente na Capital.
  • 43. Sobre Terras e Gente... 43 Balsa de pélas de borracha da Casa Aviadora “A Limitada”. Década de 1950. Fonte: Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas. A luta pelo progresso levou o Brasil na década de 1960 a, teoricamente, caminhar para a reforma agrária na Amazônia, onde pudesse haver um desenvolvimento das relações e resolução das tensões suscitadas pela mudança das estruturas industriais brasileiras e pelos equilíbrios sociais decorrentes do desenvolvimento – o que não ocorreu. O crescimento de Rio Branco, que já vinha ali- mentando-se do deslocamento populacional desde a dé- cada de 1960, foi nutrido tanto pelas populações expro- priadas dos seringais quanto pelas populações que, em face às condições difíceis vividas nos seringais, precisavam se deslocar de lá para sobreviver. Rio Branco tornou-se o centro receptor dos contingentes populacionais recentes do Acre, das gentes retirantes da zona rural que também foram obrigadas a sair por circunstâncias como a inter- rupção do aviamento, a desistência dos responsáveis pelos
  • 44. Reginâmio Bonifácio de Lima44 seringais, as pressões dos credores, a queda do preço da borracha, dentre outros. A reforma agrária teria um peso decisivo no modo de atuação do governo e das relações com o mercado, con- tudo, a política aplicada persistiu numa via de moderni- zação mais conservadora, com a persistência do latifúndio e a configuração de um sistema político mais autoritário. As políticas propostas para o projeto de desenvolvimento foram principalmente para exportação. O mercado e o Estado buscaram compensar suas falhas pela intervenção mútua, sendo que as intervenções públicas do Estado foram no setor de comunicações, e rodovias, aparatos bási- cos para a atuação do mercado gerador de lucros e dividendos. No caso acreano da reforma agrária, Nascimento afirma que ela se deu ao contrário. Na década de 1980 havia maior quantidade de propriedades latifundiárias de grande porte que nas décadas proximamente anteriores – o que leva a pensar a estruturação do governo para a expan- são do capital. Não foi diferente no restante da Amazônia, o que houve foi uma subdivisão dos minifúndios em relação às décadas anteriores. Demografia da Capital A população riobranquense atualmente representa cerca de 46% da população total do Estado, sendo que, desse contingente, 89,4% concentra-se na cidade. De acor- do com o Censo Demográfico de 2000, a população total do município é de 253.059 habitantes, o que representa um crescimento populacional de 3,40% ao ano, no período de 1991 a 2000. Esse índice é muito elevado se comparado à taxa de crescimento demográfico brasileira, que ficou em torno de 1,3% ao ano no mesmo período; mas também é representativo, quando comparado ao crescimento ocorrido
  • 45. Sobre Terras e Gente... 45 na Capital durante a década de 1980, que era de 4,35% ao ano. Na década de 1970, 42,3% da população riobran- quense residia na área urbana; na década de 1980, esse percentual passou para 79,38%; e, da década de 1990, até os dias atuais, as estimativas dão conta de que a população urbana seja 89,4%. As justificativas apresentadas para esse incremento populacional são as de que houve a incorpo- ração na zona urbana de áreas que em censos anteriores eram consideradas rurais; há um êxodo quase constante em direção à cidade; e o próprio crescimento vegetativo nas áreas urbanas de Rio Branco. Populações de Rio Branco e do Acre – Censos de 1940 a 2000. Rio Branco AcreAno Urbano Rural Total Urbano Rural Total Participação de Rio Branco em relação à população total (%) 1940 4.945 11.093 16.038 14.138 65.630 79.768 20,09 1950 9.371 18.875 28.246 * * 114.755 24,61 1960 17.104 30.333 47.437 17.620 63.753 158.852 29,86 1970 35.578 48.399 83.977 59.307 155.992 215.299 39,00 1980 87.646 29.467 117.113 132.174 169.432 301.605 38,82 1991 167.882 19.287 187.169 258.520 159.198 417.718 44,81 1996 201.347 27.510 228.857 351.271 168.322 438.593 47,33 2000 226.298 26.761 253.059 370.672 187.259 557.931 45,36 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. * Não foram encontrados dados precisos, então se optou pela omissão. Na década de 1970, a população riobranquense era predominantemente jovem, seguindo a característica brasi- leira da época, com altos índices de fecundidade. As crian- ças e adolescentes (de 0 a 14 anos) representavam 44,82% da população do município; a população jovem e adulta (de 15 anos acima) representava 55,18%.
  • 46. Reginâmio Bonifácio de Lima46 De acordo com o último Censo do IBGE, a popula- ção de crianças e adolescentes era de 34,7%, enquanto a de jovens e adultos representava 65,13%, o que representou um aumento na parcela de jovens e adultos. A estabilização e a diminuição de fecundidade levaram a um amadure- cimento na população riobranquense. Outro dado que não pode passar despercebido é a relação por grupo de idade e sexo entre 1970 e 1991, o fato do envelhecimento populacional estar intimamente ligado ao fato de as mulheres também estarem vivendo mais. Com exceção da faixa entre 60 anos ou mais, em todas as outras, a quantidade de mulheres tornou-se maior em relação a número de homens, na década de 1990; quadro invertido se analisado e comparado em relação aos apresentados nas décadas de 1970 e 1980 onde os homens eram a maioria em todas as categorias. População por grupo de idade e sexo – 1970/1991. 1970 1980 1991Grupo de Idade Homem Mulher Total Homem Mulher Total Homem Mulher Total 0-19 26.018 23.551 49.569 32.337 32.247 65.584 47.379 48.480 95.859 20-59 16.456 14.586 31.042 23.823 23.495 47.318 40.052 41.896 81.948 60 e + 1.381 1.087 2.468 2.663 2.305 4.968 4.860 4.502 9.362 Total 43.855 39.224 83.079 58.954 58.149 117.713 92.291 94.878 187.169 Fonte: IBGE. Durante todo o trabalho se falará em bairro e em bairros, mas é certo que não existem bairros em Rio Bran- co, ao menos de acordo com a conjuntura para constituição legal dos mesmos, com necessidades de delimitação for- mal, decreto de criação e formalização. Todavia, para que não seja preciso “inventar” um nome ou outra designação que não seja corriqueira ou acertada para a realidade vigente, se falará de onde há habitações, convivências, sociabilidades e, enfim, a transformação do espaço em local como sendo o “bairro”, com a consciência de que, nas palavras de Marco Antônio Otsubo:
  • 47. Sobre Terras e Gente... 47 Rio Branco tem hoje uma particularidade, que não exis- tem bairros na sua forma legal. Um bairro sob o ponto de vista legal, tem que ter delimitações físicas, preferen- cialmente, e que essas delimitações estejam embasadas em algum documento. No caso de Rio Branco, a gente não tem bairros definidos com seus limites físicos. O que existe hoje dentro da cidade como um todo, são as defi- nições populares convencionadas e criadas pelos próprios moradores. A partir de uma criação de um loteamento, seja ele oficial ou não, regular ou irregular. O morador tende a tratar aquilo como seu bairro. Então, às vezes, um loteamento que faria parte de um bairro, que é um con- texto maior, uma região que tem característica seme- lhante em torno, ele passa a ser considerado um bairro. Dessa forma, Rio Branco tem esse número de bairros, considerado absurdo para muitas capitais11 . Vista aérea da área central de Rio Branco – 1980. Fonte: Acervo digital IBGE. 11 Otsubo, Marco Antônio. Engenheiro Civil. Técnico da Divisão de Georeferenciamento da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Rio Branco. Entrevista concedida dia 17/03/2005.
  • 49. Sobre Terras e Gente... 49 AS POPULAÇÕES RURAIS EXPROPRIADAS E A PERIFERIA ESTENDIDA A Expansão da Fronteira12 A localidade está contida em um lugar maior e esse passa por conjecturas políticas, econômicas, interesses mercantis e projeções de analogias com fins, ora especu- lativos, ora cognitivos, em grande parte, oscilando confor- me os grupos que estão no controle. Deve-se ressaltar que qualquer atividade conflituosa ou ainda, que conduza a um êxodo, impelindo a uma migração afeta não apenas o local de saída, mas também, o curso, o motivo, as circunstâncias e o local de chegada. As migrações constituem-se em marcos na vida dos indivíduos, à medida que estabelecem mudanças que pro- vocam rupturas e conflitos. Ao mesmo tempo, apontam para a perspectiva de novos horizontes. É preciso estar atento para o fato de que a mudança espacial implica outras mudanças na vida das gentes migrantes, rela- 12 No sentido dado por Carlos E. Reboratti: Fronteira é “a área de transição entre o território utilizado e povoado por uma socie- dade e outro que, em um momento particular do desenvolver dessa sociedade e de seu ponto de vista, não tenha sido ocupado de forma estável, ainda que já tenha sido utilizado” (REBORATTI, 1990, p. 04) e sua expansão se dá quando a ter- ra, já quase totalmente ocupada, transforma-se de um simples elemento de produção em mercadoria, e como uma das conse- qüência aparece uma imigração que não apenas ocupa os espaços vazios, como também “obriga” os pioneiros dessa área a migrar (1990, p. 22).
  • 50. Reginâmio Bonifácio de Lima50 cionadas a novas dinâmicas sociais, diferenças culturais e alteração de hábitos no cotidiano, mudanças que também ocorrem na esfera das relações interpessoais, além das rupturas, distanciamentos e traumas decorrentes de situa- ções desse tipo. Ao ter em comum situações de mudanças em suas trajetórias de vida, essas pessoas passam por rupturas, adaptações e resistência aos novos espaços e culturas, mo- dificando no próprio processo de mudança espacial, im- pregnado de rupturas, a reconstrução de sua identidade individual e coletiva, formando-se gradativamente uma memória social13 . Todo este processo envolve laços afetivos, alegrias, tristezas, conquistas, perdas e, sobretudo, vivên- cias, não mais da mesma forma que dantes, mas em um outro espaço, em um outro tempo, em uma outra perspectiva, circunstanciados no desenvolver de afinidades e divergências do que se faz no constituir do local. Para os migrantes, a relação entre o passado e o pre- sente remete a ganhos e perdas vivenciados em suas trajetórias. O passado – que muitas vezes está associado em parte a dificuldades, limitações, escassez e estagnação, considerando o quadro cristalizado em seus locais de ori- gem – também representa aspectos positivos, envolvendo laços familiares, hábitos e práticas do cotidiano, tradições e manifestações populares, a vida comunitária, o lazer e a diversão, a riqueza da cultura local. Há uma imensidão de postulações representativas nas vozes desses homens e mulheres. De acordo com Bakhtin, os discursos interagem entre si, ora por intertex- tualidades, ora por interdiscursividade. E a tentativa de fazer algum tipo de análise, por si só já leva o historiador a mudar a si e ao conteúdo que se propõe a estudar porque, segundo Paul Thompson: 13 FENTRESS, James & WICKHAM, Chris (1992).
  • 51. Sobre Terras e Gente... 51 A natureza da memória coloca muitas armadilhas para os incautos [...] oferece[m] também recompensas inespe- radas para um historiador que esteja preparado para apreciar a complexidade com que a realidade e o mito, o "objetivo" e o "subjetivo", se mesclam inextricavelmente em todas as percepções que o ser humano tem do mundo, individual e coletivamente (THOMPSON, 1992, p. 179). A expansão da fronteira acreana está intimamente ligada ao aumento populacional e aos problemas por ele produzidos; o nascente mercado de terras aos poucos foi se estruturando. Essa expansão é problemática, envolta em violência e dor; as áreas cultivadas pelos antes extratores e agora colonos é apropriada pelos governantes para produ- ção que tenha maior rendimento, uma vez que poucas eram as pessoas que tinham o título das terras. Assim, não apenas os “espaços vazios” são retomados e preenchidos, mas há a expulsão dos velhos pioneiros que os obriga a migrar. Com a presença do médio e grande capital agropecuário no Acre, a população expulsa do interior, ou que abandonava as terras ocupadas, procurava oportuni- dades de emprego e negócios, indo para a periferia das cidades. Para se ter em conta, segundo o Anuário Esta- tístico Estadual de 1977, a renda produzida pela pecuária superava a da borracha. Mesmo os seringais mais produ- tivos sofriam as constantes pressões para serem transfor- mados em fazendas de criação de gado. Nas décadas que se seguiram ao pós-guerra são vistas as muitas facetas dos interesses políticos e econô- micos do Centro-Sul para com a Amazônia, e para com o Acre especificamente. O sistema de comunicações foi melhorado, as rodovias abertas, o Território Federal do Acre foi transformado em Estado, no ano de 1962, o que deu mais autonomia a ele. A própria política de colonização oficial, na década de 1970, produziu impacto decisivo sobre o isolamento em que o Acre ainda se encontrava, dando
  • 52. Reginâmio Bonifácio de Lima52 continuidade a uma política de integração, para beneficiar o capital que estava se estabelecendo no Acre. Grileiros, “paulistas14 ” e especuladores compraram terras a um preço extremamente baixo. A expansão territorial do Acre se deu de forma diferenciada entre os Vales do Juruá e Purus. Enquanto neste as BR’s 364 e 317 favoreciam a intensificação do contato com frentes demo- gráficas externas; naquele pairou o isolamento, falta de estradas, e a inacessibilidade para imigrantes. Isso fez com que o aumento populacional e a concentração de novas fontes de produção permanecessem estreitamente agluti- nadas no leste acreano. O propagandeado futuro fator de desenvolvimento do Acre, a pecuária extensiva, não alcançou seu objetivo, o governador Wanderley Dantas e seus auxiliares não conse- guiram enriquecer o Acre com o progresso e o desenvol- vimento. Antes, a concentração de terras nas mãos de uns poucos, a crescente derrubada das florestas para transfor- mar em pastos, a venda das toras por madeireiras vindas ao Acre e o êxodo rural, são mais visíveis como conseqüência da política implementada e do capital especulativo, que do alardeado progresso acreano. Por conseguinte, as gentes foram migrando na direção campo-cidade, e assim vão se firmando os “bolsões” populacionais ao redor das cidades e às margens das rodovias. Nas cidades, os comércios e as indústrias tiveram a mão-de-obra necessária para produzir, embora não “quali- 14 O termo “paulistas” é utilizado nesta obra para designar os migrantes do Centro-Sul do país que adquiriram grande parte das terras acreanas para transformá-las em fazendas de criação de gado. Quando das primeiras expulsões em algumas áreas, ao perguntar aos entrevistados quem os retirara das terras, estes respondiam que havia sido os paulistas. Com o passar do tempo o termo “paulistas” passou a ser utilizado para designar os migrantes envolvidos em conflitos nos seringais acreanos durante a segunda metade do século XX.
  • 53. Sobre Terras e Gente... 53 ficada”. É certo que durante a década de 1970 e início da de 1980, houve um aumento substancial da quantidade de indústrias e casas de comércio acreanas, além de o Estado tornar-se o principal empregador. Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Xapuri e outras cidades, na década de 1920 experimentaram uma urbanização por causa da borracha, tiveram ao fim dos anos 1950 um aumento considerável em suas populações e nos anos 1980, viram o inchamento de suas periferias pelos que foram expulsos de suas terras. Analisando os dados do IBGE nos censos de 1960 e 1970, percebe-se que a população quase que dobrou se comparada ao número de habitantes. Na década de 1960 eram 47. 437 habitantes, na década de 1970 a população riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana, totalizando 83.977 habitantes. Nesse período de andanças das populações amazô- nicas, com cerca de 77% da população migrando, ocorreu também um fluxo populacional para a capital acreana. De acordo com estudos realizados pela SUDAM15 , a migração interna de Rio Branco nas décadas de 60/70 foi marcada pela procedência regional e local, com cerca de 60% da população migrante; e os outros 40% provenientes de outras localidades do país, com predominância nordestina – 14% provenientes do estado do Ceará. 15 SUDAM appud OLIVEIRA, 1983.
  • 54. Reginâmio Bonifácio de Lima54 MIGRAÇÕES EM RIO BRANCO - 1960/1970 34,37% 25,43% 40,20% Intra regional Intra estadual Interregional Fonte: SUDAM A população que foi atingida pela penetração do capital sulista nos anos de 1970, já residia há várias dé- cadas nas terras acreanas. Os dados obtidos em uma pes- quisa efetuada pelo Centro de Desenvolvimento e Plane- jamento Regional (CEDEPLAR) no ano de 1978, em Rio Branco, revelaram que 45% dos chefes de família que migraram para Rio Branco chegaram há menos de 10 anos, sendo a intensidade do fluxo migratório expressa em concomitância com as políticas públicas de acumulação de capital. Ou seja, o próprio CEDEPLAR16 vincula a migração dos chefes de família e as andanças populacionais às políticas públicas implementadas no período. De acordo com dados levantados pela SUCAM, a relação entre a quantidade de bairros e número de moradores fora do núcleo central nos anos de 1975 e 1979, demonstra a expansão fronteiriça ocorrida em Rio Branco; em 1975 existiam apenas 19 bairros fora do núcleo central, e, quatro anos depois, em 1979, já se contabilizavaM 26 bairros. Quanto à população desses locais, o número era de 18.176 pessoas em 1975, e, em 1979, passou para 53.935, o 16 CEDEPLAR appud OLIVEIRA, 1983, P. 91.
  • 55. Sobre Terras e Gente... 55 que totalizava um acréscimo de 296,7% em apenas quatro anos. Cidade de Rio Branco – Bairros e Número de Moradores Número de MoradoresBairros (fora do Núcleo Central) 1975 1979 Aeroporto 455 2.219 Abraão Alab 603 1.438 Aprendizado (Palheiral) 476 3.935 Bahia 1.240 3.059 Baixa da COHAB 473 1.093 Castelo Branco - 1.882 Cadeia Velha I - 547 Cidade Nova 2.055 5.245 Estação Experimental 435 1.227 Guiomard Santos 2.033 3.304 Iniciação II 460 1.073 Vila Ivonete 448 698 Jardim Tropical - 766 Jardim São Francisco - 385 Mascarenha de Moraes 511 1.551 Nemmaia - 427 Olaria João Vila 1.122 3.020 Quinze 1.707 4.055 Quarto Batalhão Especial de Fronteira 220 1.089 Redenção 1.407 2.471 Santa Terezinha 1.393 4.043 Seis de Agosto 1.806 4.926 Santa Quitéria - 723 São Francisco 861 2.358 Triângulo 471 1.387 Oito Placas - 1.017 Fonte: Levantamento SUCAM/Acre, apud OLIVEIRA, 1983, p.90. Em 1976, ao analisar o contingente e as condições de existência da população urbana em Rio Branco, Fer- nando Garcia de Oliveira, em 1978, registrou a existência de oito bairros pobres, “que diferem dos demais bairros da
  • 56. Reginâmio Bonifácio de Lima56 cidade”. Para ele, o fluxo migratório contribuiu para o crescimento da cidade. Afirma ainda que o incremento desse fluxo foi grande se comparadas as proporções com que se deu e os níveis populacionais amazônicos em espe- cífico, uma vez que se a população riobranquense no perío- do fosse de quinhentos mil habitantes não se teria sentido de forma tão incisiva o fluxo migratório. Dentre os bairros pobres citados encontram-se os loteamentos não totalmente normalizados: Vila Redenção, Papouco, São Francisco e Aeroporto Velho, além de quatro outros resultantes da intervenção direta das populações chegantes à capital, que são: Cadeia Velha, Cidade Nova, Bahia e Palheiral. A cidade se distribuiu espacialmente nas diversas direções e os bairros periféricos são parte desse processo de alargamento do perímetro urbano. As Colônias Agrícolas do Aviário e São Francisco formaram-se a partir de bolsões pobres. Como eles, os bairros mais antigos como Base e Papouco (Dom Giocondo) tiveram um crescimento acelerado no número de seus habitantes, bem como, o surgimento do bairro Cidade Nova, na outra margem do rio, em terras pertencentes à Marinha. Também, como uma espécie de continuação do tradicional bairro Quinze, apareceram os bairros Triângulo Velho e Triângulo Novo, junto com o Cidade Nova e bairros adjacentes. O que na década de 1970 era um alagado da Marinha, foi povoado e dado o nome de Cidade Nova, este tornou-se o bairro mais populoso da cidade. É provável que seu excepcional crescimento deva-se, em parte, a sua localização próxima às rodovias que dão acesso a Brasiléia, Xapuri, Porto Velho, localidades onde a expul- são dos trabalhadores rurais foi crítica e incisiva. As Formações e Ampliações da Periferia O inchamento da cidade de Rio Branco se deu como resultado da urbanização acentuada, intensificando as ampliações dos bairros periféricos e os problemas sociais
  • 57. Sobre Terras e Gente... 57 na área urbana. Como conseqüência do acelerado cresci- mento, os problemas sociais se acumularam, já que Rio Branco não teve suporte para absorver o contingente popu- lacional que se deslocava da zona rural. Marginalidade, desemprego, falta de moradia, dentre outros, foram consta- tados como desdobramentos tão palpáveis quanto drama- ticos da realidade urbana desencadeada pelas mudanças sensíveis e características advindas a partir da penetração capitalista. Quando da desmobilização dos soldados da borra- cha – nordestinos que atenderam ao chamamento do Go- verno Federal precisando “escolher” entre ir à Europa para lutar na Segunda Guerra Mundial ou vir para a Amazônia, principalmente para os seringais do Acre, como soldados extratores de látex. Os que para cá se deslocaram cum- priam o propósito de extrair látex para os países aliados, principalmente para os EUA; esses brasileiros agiam como soldados da borracha no meio da selva amazônica – não havia necessidade da produção que se tornava “excedente” em relação às necessidades mercantis urbanas. As áreas agrícolas não se expandiram; mais pareciam um processo de assentamento da população mais pobre que não tinha posse da terra onde permanecia. As áreas agrícolas mais próximas do núcleo urbano, e pouco a pouco, as pessoas nelas residentes, foram afastando-se do vínculo de trabalho diretamente na terra. Rio Branco que havia mantido certa “estabilidade populacional” até meados da década de 1940, quando do fim da Segunda Guerra Mundial, e criação dos núcleos coloniais com o intuito de abastecimento das cidades e fixação dos chamados “soldados da borracha”, na década de 1950 contava com uma população urbana de 9.371 habitantes, dos 28.246 habitantes do município. Passou, pouco depois, pelo que Antônio Teixeira Guerra chamou de “zona ampliada”, para designar as novas áreas urbanas implementadas no território riobranquense, com predo- mínio de reassentamento na parte norte de Penápolis. A
  • 58. Reginâmio Bonifácio de Lima58 essa área Oliveira, ainda em 1982, vai chamar de Primeiro Eixo de ampliação espacial. Os habitantes desse eixo, em meados do século XX, eram utilizados pela administração pública como mão-de- obra auxiliar, intervindo a administração pública na organi- zação espacial urbana, construindo obras em alvenaria, numa progressiva expansão da fronteira urbana da capital. A classe média, formada por comerciantes e funcio- nários públicos, aos poucos teve modificações na edificação estrutural de suas casas, que foram deixando de ser cons- truídas de madeira para serem feitas de alvenaria. Ao mesmo tempo, os moradores pobres residiam na parte externa do núcleo central: a periferia. Guerra descreve que as casas periféricas da primeira zona ampliada ou Primeiro Eixo Ocupacional eram de madeira, cobertas de “palmeira de ouricuri, zinco ou cavacas”. De certa forma, os habitantes desse eixo ocupa- cional estavam inseridos nas atividades de trabalho, sejam ocasionais ou normais, e até o fim da década de 1960 esse anel periférico se manteve em grande medida delineado, uma vez que a estrutura interna da cidade havia se consolidado no perímetro antigo de Penápolis, contendo o centro comercial e administrativo. O que se pode observar à primeira vista é a constituição esférica nuclear de Rio Branco e o início do sobressalto de Penápolis em detri- mento a Empreza. É válido ressaltar que, embora a população urbana estivesse crescendo em projeção geométrica, uma vez que em 1960 era de 17.104, e, em 1970, era de 35.578, o nú- mero de bairros das classes médias e bairros pobres ao re- dor do “centro” eram pequenos, com um incremento contí- nuo. A construção do espaço urbano de Rio Branco foi pro- duzida a partir das modificações internas e transformação do espaço ocupado nas diversas direções. As zonas amplia- das, a formação e ampliação de alguns bairros em antigas áreas de colônias formaram o Primeiro Eixo Ocupacional.
  • 59. Sobre Terras e Gente... 59 Planta Funcional da Cidade de Rio Branco em 195317 . Fonte: Georeferenciamento. SEPLAM/PMRB. 17 A planta está dividida em 05 áreas distintas, de “A” até “E”, com algumas áreas sem demarcação. A área intitulada “A”
  • 60. Reginâmio Bonifácio de Lima60 O Segundo Eixo Ocupacional se deu principalmente a partir dos bairros pobres que já havia certo tempo ocupa- vam a margem esquerda do rio Acre, na parte próxima ao centro administrativo pertencente à Penápolis. Esses bairros que ficam em Penápolis como Papouco, Base, Pre- ventório, Estação Experimental, Aviário, Cerâmica, tiveram um considerável aumento no número de seus moradores. Também em áreas pertencentes à Empreza, alargaram-se bairros que mais pareciam a continuação – sem infra- estrutura – do bairro Quinze, como é o caso dos bairros Cidade Nova, Triângulo I e Triângulo II. A partir do momento que o Acre foi envolvido no processo de expansão econômica, seguindo o modelo do governo federal, suas terras ficaram a disposição do capital oriundo do Centro-Sul, conseguiu-se apartar as terras dos que nela habitavam, pela dificuldade de se adquirir docu- mentação da terra; os posseiros, ocupantes, seringueiros, moradores que nelas residiam, não tiveram acesso à lega- lização do local onde habitavam; também não era de inte- resse dos compradores das terras explorá-las produtiva- mente naquele momento. Como se pode constatar no mapa, a área comercial- administrativa torna-se focal, rodeada pelos bairros de classes médias e famílias mais tradicionais que usufruíam de uma linha de proximidade e ligação direta com o “cen- tro”, sendo, em terceiro plano, percebidos os bairros mais pobres, onde residiam as classes trabalhadoras de mora- dores pobres. Dada a falência dos seringais, as dificuldades per- meantes nos locais onde as populações rurais residiam, a falta de estímulo, a desativação das colônias agrícolas e a refere-se a “Zona ampliada”, descrita por Antônio Guerra; os Espaços que rodeiam as áreas “A”, “B” e “E”, referem-se ao Se- gundo Eixo, descrito por Luiz Oliveira; a parte Sudoeste do mapa, onde está a pista de aviação, refere-se ao Terceiro Eixo, descrito por Reginâmio Lima.
  • 61. Sobre Terras e Gente... 61 incorporação de áreas antes rurais à zona urbana, muitas das famílias foram expulsas das terras em que residiam há décadas. O êxodo rural foi iminente. Os nordestinos recrutados para trabalhar na coleta extrativa eram homens e mulheres outrora oprimidos pelo patrão, mas conseguiram vencer várias etapas, modificar a interação com o trabalho, produzir na agricultura familiar e sobreviver na floresta. Contudo, a expansão capitalista obrigou a eles e a seus descendentes saírem das terras em que habitavam, e esses vieram para a cidade. Muitos se aglomeraram em áreas baixas e alagadiças, como Taquari e Cidade Nova, ou adensaram ainda mais os bairros da Base, Papouco, Quinze ou formaram novos bairros, como Oito Placas, São Francisco, Baixada da Cohab, Vila Ivonete, alargando as fronteiras periféricas dos bairros pobres. Não só de bairros pobres foi formado o Segundo Eixo Ocupacional, bairros como Jardim Tropical, Habitasa, Floresta, COHAB do Bosque, Castelo Branco, Bela Vista, dentre outros, configuram-se reduto da classe média emer- gente, fruto do capital industrial, das relações com o poder público ou de famílias tradicionais riobranquenses. A estrutura urbana não apenas aumentou, mas também valo- rizou altamente o solo, sendo mais valorizado o próximo ao Hotel Chuí, atual Prefeitura de Rio Branco – no núcleo central e desvalorizando-se à medida que distava deste. O núcleo central da cidade já estava cheio de cons- truções e com o solo valorizado. Havendo a demanda por habitação para a nova classe média que surgia, o embrio- nário capital imobiliário utilizava as áreas vazias próximas ao centro ou expulsava a população de baixa renda desses locais ocupados para erguer casas mais “sofisticadas”. Frutos da “modernização” de algumas funções urba- nas no Estado e das formas de ligação com o Centro-Sul, surgiram os redutos de classe média. Os chamados novos segmentos de classe média, recrutados entre negociantes, técnicos e especialistas vindos do Centro-Sul e Nordeste; e
  • 62. Reginâmio Bonifácio de Lima62 elementos locais associados a velhas formas de dominação, vão influir sobre o chamado mercado imobiliário. Acerca de Governos e Jornais Desde 1964, com a reorganização econômica pro- porcionada pelo Governo, após o Golpe Militar, houve uma visível política de transferência de seringais para empre- sários do Centro-Sul. Procópio afirma que várias transações aquisitivas de terras foram feitas, inclusive transações fraudulentas de terras no país, a ponto de se instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, no ano de 1968, para apurar as denúncias, tendo como resultado a verificação de mais de 150.000 Km² de área de terra negociados para gru- pos estrangeiros. O deputado Haroldo Veloso, da Aliança Renovadora Nacional – ARENA – apresentou tais resulta- dos em seu relatório. O projeto de transformação da economia acreana passou por um processo que contou com o apoio do gover- no do Acre, quando o então governador Jorge Kalume apoiou a “Operação Amazônia”, assinando junto com outros governadores, políticos, intelectuais e empresários a “Declaração da Amazônia”, de 11 de dezembro de 1966. Essa declaração era fruto da reunião denominada “Investi- dores da Amazônia”, ocorrida a bordo do navio Rosa da Fonseca, no Rio Amazonas, em dezembro de 1966. Em um dos itens da declaração acima citada lê-se: “que os índices de evolução da economia regional, nos anos recentes, de- monstram uma tendência espontânea à gradativa substitui- ção do extrativismo, como setor principal por atividade economicamente mais produtiva e socialmente mais evoluí- da”. Juntando-se a isso, no ano de 1971, o BASA suspen- deu as linhas de financiamento aos seringalistas endivi- dados, por considerá-los incapazes de saldar seus compro-
  • 63. Sobre Terras e Gente... 63 missos, decorrentes de empréstimos feitos ao banco. No mesmo ano, o novo governador acreano, professor Wan- derley Dantas, indicado pelo presidente Garrastazu Medi- ci, acreditou nessa política de modernização autoritária do Governo Federal e facilitou a aquisição de terras por em- presários de outros lugares. Como vários estados pobres, que dependiam de recursos federais para se manter, o Acre fez o que era para- zível à política do “Brasil Grande Potência” e seu governa- dor propagandeava as virtudes do solo e do clima acreano por todo o Brasil, principalmente pelo Centro-Sul, com slogans do tipo: “um nordeste sem secas”, “um Paraná sem geadas”; “Acre, uma nova Canaã”; “Invista no Acre e exporte pelo Pacífico”. Esse tipo de atitude foi visto e produzido por vários Estados, ministérios e intendências. No início dos anos 70, a reocupação das terras acreanas, proveniente da corrida pela incorporação de áreas de fronteira, fomentada pelo Governo Federal, se deu pela inserção de grandes grupos econômicos, principal- mente empresários paulistas. Três militares estiveram no mais alto posto de co- mando da nação durante o período de formação do Terceiro Eixo, indicaram diretamente os governadores do Acre e agiram na dinâmica – ainda que parcial – da escolha dos prefeitos. Esses generais-presidentes governaram o país durante um longo tempo e traçaram sua política para a nação, sendo os generais: Emílio Garrastazu Médici, de 1969 a 1974; Ernesto Geisel, de 1974 a 1979; e João Baptista Figueiredo, de 1979 a 1985. Com a aprovação do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento – PND –, em 1971, com abrangência de 1972 a 1974, durante o governo Médici, foi produzida uma série de investimentos nos setores siderúrgico, petroquí- mico, transportes e energia, foi criado o Mobral, iniciaram- se grandes obras como a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica; era um tempo de entusiasmo e euforia no
  • 64. Reginâmio Bonifácio de Lima64 chamado período do “milagre brasileiro”. Houve o aumen- to da produção industrial, crescimento das exportações e acentuada utilização de capitais externos. Mas nem tudo foi bonança, com a crise do petróleo de 1973, a conjuntura favorável desapareceu, a inflação cresceu e também a dívida externa. O governo montou um amplo esquema de controle autoritário da sociedade e adotou uma rígida política de arrocho salarial. Geisel enfatizou a necessidade de crescimento e expansão das indústrias, e pôs em vigor o segundo PND. Figueiredo também pôs em prática o terceiro PND, de 1980 a 1985, onde exprimia o pensamento de desenvolver a sociedade de forma livre, equilibrada e estável; assumindo o compromisso histórico de promover o aumento da “aber- tura política”, visando a democratização do Brasil. Nesse período o que se viu foi o agravamento da crise econômica influindo diretamente na dívida externa, inflação e no desemprego. Os diversos segmentos da sociedade se organizaram e resistiram ao autoritarismo político, e aos poucos, foram conquistando espaços através da diminuição progressiva da censura, anistia a diversos condenados políticos, volta do pluripartidarismo e das eleições diretas para governa- dores de estado. Nesse período houve a “abertura consen- tida”, a deflagração da campanha das “diretas”, que culmi- nou com a retirada de cena dos militares e o governo voltou a ser exercido por civis. Quanto aos governos acreanos no período em questão, pode-se dizer que o de Wanderley Dantas foi o que abriu as fronteiras para o grande capital e aos empre- sários do Centro-Sul, procurando não intervir nas questões de conflitos de terra, e omitindo as políticas públicas de proteção aos trabalhadores que eram expulsos de suas terras. O governo Geraldo Mesquita tinha uma perspectiva liberal do Estado, com ênfase no Estado de direito, em seu governo houve uma abertura, ainda que pequena, da
  • 65. Sobre Terras e Gente... 65 imprensa e dos órgãos oficiais às causas trabalhadoras. O governo Joaquim Falcão Macedo mostrou-se omisso no que tange às espúrias relações estabelecidas entre as forças de segurança pública e os interesses privados, o que fez com que os “donos da terra” retomassem a ofensiva, procurando cessar a força e combatividade atingida pela organização dos trabalhadores. O governo Wanderley Dantas estabeleceu como diretriz-marco de sua política a incorporação do Acre ao mercado nacional. Com o objetivo de desenvolver o Acre e “integrá-lo” ao Brasil, numa ocupação de “espaços vazios”, ele apenas fazia a vontade do Poder Central, uma vez que, a dinâmica utilizada foi o reflexo do “Projeto Oeste”, enfati- zado por uma pretensa necessidade de segurança nacional. Para atrair os empresários do Centro-Sul e garantir sua instalação nas terras acreanas, conversou com diretores do Banco da Amazônia sobre a necessidade de equacionar os problemas de créditos concedidos aos produtores de borracha, abriu estradas pioneiras, conservou e melhorou outras, interligou cidades. Na visão de economia compe- titiva, dinâmica e moderna, adotada pelo governo brasileiro para o Acre, a vocação pecuária e de extração de madeira é que lhe foi assentada, sempre na idéia de uma ligação direta com o pacífico, para a exportação desses e outros produtos. O governo Geraldo Mesquita tinha consciência das riquezas que ainda poderiam ser produzidas com o bom aproveitamento do solo e dos recursos que se fazem pre- sentes na região. O seu plano de governo convocava os acreanos para a construção de um Estado pujante, rico e forte, onde só com a ação integrada entre povo e Governo se poderia ser “germinada a semente que plantaremos”. Há a reafirmação do modelo de desenvolvimento proposto pelo Governo Federal, onde o Acre, por sua localização geográfica próxima ao Pacífico, funcionaria como um “corredor” natural em sentido de mão dupla, colocando
  • 66. Reginâmio Bonifácio de Lima66 junto aos grandes mercados, as mercadorias brasileiras de exportação e recebendo as necessárias ao consumo nacio- nal. O governo buscou valorizar as potencialidades naturais da região e do homem da zona rural, frente à crise pela qual passava a produção da borracha. No plano político apresentado, o Governo tinha o objetivo de realizar a “ocupação econômica” da parte central do Estado, na tentativa de colonizar e integrar os dois principais vales que dividem o Acre, bem como a implantação de um pólo regional de desenvolvimento em Assis Brasil e projetos agroindustriais. O governo Joaquim Macedo tinha consciência da formação de “bolsões” populacionais na periferia e da ne- cessidade de uma política de terras voltada para a reso- lução dos problemas rurais, contudo, não observou a forma desorganizada em que estava a estrutura fundiária acrea- na, tampouco abriu o acesso à terra para a maioria dos trabalhadores do campo. Pelas políticas adotadas – ou falta delas – o fluxo populacional, que havia diminuído no governo de seu antecessor, voltou a crescer, impelindo as populações, pela necessidade de sobrevivência, à periferia dos centros urbanos, em grande medida, à periferia de Rio Branco. No âmbito municipal do período em questão, Rio Branco passou por uma Intervenção Federal através do Decreto Legislativo nº. 05/64 que durou até junho de 1977, quando foi suspensa a Intervenção Federal do Município, através do Decreto 79.890. Os prefeitos nomeados no período foram os seguintes: Adauto Brito da Frota, de 1966 a 1971; Durval Wanderley Dantas, de 1971 a 1975. E os interventores foram: Adauto Brito da Frota (que já houvera sido nomeado), de 1975 a 1977; Fernando Inácio dos Santos, de 1977 a 1983 (PMRB, 1983). Os conflitos no campo se desencadeavam desde 1971, mas somente em 1976, as notícias que já corriam a
  • 67. Sobre Terras e Gente... 67 boca pequena começaram a aparecer aos poucos no jornal “O Rio Branco”. As matérias se sucederam com os seguin- tes títulos: ‘Polícia Prende 4 posseiros’; ‘Colonos dizem porque inva- diram o Seringal Catuaba’; ‘Posseiros de tocaia matam capataz da fazenda’; ‘Família de seringueiro viveu noite de terror’; ‘Posseiros atacaram peões na defesa de suas terras’; ‘Polícia de Boca do Acre continua buscando pos- seiros de tocaia’; ‘SUDAM: situação fundiária no estado do Acre é problemática’ (COSTA SOBRINHO, 2000, 77). Pelo que se pode ver, as notícias dão idéia de um conflito no campo, mas a aparência que se tem é a de os posseiros estarem ilegitimamente no lugar. É como se eles buscassem algo que não era seu de direito, como se o lugar estivesse lá há décadas e só naquele momento os posseiros tentassem entrar, o que não é verdade. Os posseiros é que residiam no local há décadas, seus pais morreram e foram enterrados lá, aquelas terras eram deles por usucapião, mas não tinham o Título Definitivo, que foi dado aos compra- dores do Centro-Sul e grandes empresas capitalistas. Domingues ao fazer sua monografia de conclusão de curso sobre “Os 30 anos da História Oral do Jornal ‘O Rio Branco’”, reflete em sua escrita o que mais parece uma Ode ao jornal o Rio Branco, aparentemente demonstrando que as idéias contidas neste acerca das “populações em conflito por um lugar para morar” mais parecerem com as suas próprias. O que deveria ser uma análise ou pelo menos um estudo acerca do assunto, denota a forma como alguns estudiosos vêem as gentes que se dirigiram para a Capital durante as décadas de 1970 e 1980: percebem-nas com “ar de inferioridade”. Domingues (2002, p. 17) afirma que “a partir de 1972 de forma mais sistemática, iniciou-se a explosão migratória populacional do campo para as periferias de Rio Branco” e que esse “era o marco divisório entre o cresci-
  • 68. Reginâmio Bonifácio de Lima68 mento ordenado, lento e organizado de décadas anteriores substituído pelo êxodo rural, causando o desordenado inchaço das periferias da cidade...”. É sabido que não foi assim que ocorreu. Rio Branco não passou por uma sistemática explosão migratória, e sim, que esta se deu por causa de fatores anteriores e alheios à vontade das gentes tornadas migrantes. De mesma forma, não é certo dizer que o início da década de 1970 foi o “marco divisório do crescimento ordenado”, uma vez que Rio Branco não teve uma ordenação estrutural em seu espaço, senão no início de Penápolis e em alguns pontos isolados para o que se chama de “conjuntos habitacionais”; tendo em vista os poucos Planos Diretores efetuados nunca terem saído do papel. Assim, não se deve imputar culpa às gentes que vieram para a Capital inferindo a elas o “desordenado inchaço das periferias da cidade”. Em trabalhos como o supracitado está latente a visão preconceituosa sobre o modo de vida nas periferias riobranquenses, ao generalizar as formas de vida e neces- sidade de sobrevivência dos “excluídos”. Mesmo que cerca de um terço de seu trabalho seja formado por transcrições de relatos orais, não há a aparência de compreensão do que eles significam em seu contexto, há uma generalização e “coisificação” das populações migrantes, não apenas tra- tando os homens e mulheres adultos como relegados ao caos e à “escória social”, mas também taxando seus filhos, todos eles, com o selo de “prostitutas” e “assaltantes”, ao afirmar literalmente que: (...) Restou ao humilde seringueiro ser peão dos atuais patrões ou perambular pelas ruas como picolozeiros (sic), varredores, vendedores de “biriboute”, braçais, pe- dreiros, camelôs e proprietários de barraquinhas onde se vende doces e cigarros. Como parte do legado seus filhos hoje são os novos assaltantes, assassinos e freqüentadores de bares e donos de boca-de-fumo da cidade que abastecem de