1. LEI DE RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL
NOTA SOBRE O SUBSTITUTIVO AO PL 7.420/2006,
EM DEBATE NA COMISSÃO ESPECIAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
O PL 7.420/2006, que visa regulamentar a Lei de Responsabilidade Educacional (LRE), embora
seja anterior ao Plano Nacional de Educação (PNE) vigente, teve sua redação adaptada por
proposições parlamentares ulteriores com o objetivo de atender ao preceito da estratégia 20.11 da
Lei 13.005/2014, transcrita abaixo:
20.11) aprovar, no prazo de 1 (um) ano, Lei de Responsabilidade
Educacional, assegurando padrão de qualidade na educação básica, em cada
sistema e rede de ensino, aferida pelo processo de metas de qualidade
aferidas por institutos oficiais de avaliação educacionais.
O substitutivo ao PL 7.420, ora proposto pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, reúne
dispositivos de vários projetos que vêm sendo debatidos há mais de uma década na Câmara dos
Deputados, e seu conteúdo ainda é polêmico e exige mais debate público.
Em que pese o PNE vincular a futura Lei de Responsabilidade Educacional a “processo de metas de
qualidade aferidas por institutos oficiais de avaliação educacionais”, a CNTE entende ser esse um
dos agravantes da proposta parlamentar em tramitação na Câmara dos Deputados, ao lado da
Emenda Constitucional (EC) n. 95.
O PNE e os planos subnacionais devem (ou deveriam) guiar as administrações públicas em relação
aos investimentos educacionais, porém, pouco mais de um ano de suas aprovações pelo Congresso
e respectivas Casas Legislativas, o ilegítimo Presidente da República e o próprio Congresso
Nacional inviabilizaram a meta 20 do Plano Decenal vigente, assim como a consecução do próximo
PNE. Isso porque a EC n. 95 congela os investimentos educacionais por 20 anos e desvincula por
igual período as receitas decorrentes de impostos da União para a educação, inviabilizando por
completo o atual projeto de LRE, pautado na proibição ao retrocesso educacional. Com as medidas
do ajuste fiscal, contraditoriamente, o atraso socioeducacional que se tenta impedir com a LRE já
está instaurado desde a promulgação EC n. 95, em 15/12/2016. Dessa forma, como pretender
responsabilizar os gestores pelos inevitáveis retrocessos que a Emenda 95, os sucessivos
contingenciamentos em rubricas da educação ou os vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
causarão na educação? Se a meta 20 do PNE não mais poderá ser alcançada com as (des)medidas
do ajuste, como tentar aferir a consecução das demais metas do Plano Decenal de forma equitativa e
sistêmica?
Os contrassensos entre a realidade fática do País e a intensão expressa no substitutivo ao PL 7.420
de tentar evitar o retrocesso educacional, à luz dos indicadores das avaliações educacionais, nos
2. parece além de paradoxal, extemporâneo neste momento de intenso ajuste fiscal. Contudo, é preciso
destacar outros pontos preocupantes no Projeto de LRE, quais sejam:
1. A avaliação educacional, em qualquer país, inclusive nos Estados Unidos da América, possui
função diagnóstica para orientar a aplicação das políticas públicas. E vale destacar que os EUA
abdicaram de vincular os testes padronizados a punições às escolas, aos professores e aos
gestores públicos, estando o Brasil na contramão dessa experiência ao propor uma Lei de
Responsabilidade Educacional estritamente vinculada a diagnósticos incompletos e passíveis de
distorções na aferição da qualidade, sem contar as possibilidades de fraudes no processo.
2. Sobre a fraude, é sabido que convivemos com inúmeras denúncias envolvendo o IDEB, a Prova
Brasil e outros instrumentos de avaliação, que vão desde a aprovação automática dos estudantes
e da prévia seleção desses nas escolas para responderem aos testes padronizados, até a explícita
sabotagem de dados prestados pelas redes de ensino sobre evasão e aprovação escolares. E não é
difícil imaginar que essa prática deverá se intensificar diante da possibilidade de os gestores
serem criminalizados por indicadores de avaliações que eles próprios ajudam a construir
fornecendo inúmeras informações.
3. Um dos riscos decorrentes da presente versão do substitutivo ao PL 7.420 consiste em
degenerarmos por completo os instrumentos de avaliação, ainda incompletos, dificultando a real
aferição da qualidade e inviabilizando a gestão de políticas públicas futuras. Esse processo
nefasto de sabotagem das avaliações educacionais ocorreu nos EUA e foi minuciosamente
documentado pela educadora Diane Ravitch, em seu livro “Vida e Morte do Grande Sistema
Escolar Americano: Como os Testes Padronizados e o Modelo de Mercado Ameaçam a
Educação”.
4. Por óbvio que a CNTE é favorável à responsabilização dos gestores públicos que não cumprem a
legislação educacional, mas a Entidade não concorda em tornar os critérios de avaliação em um
instrumento persecutório e punitivo. Até porque ela (avaliação) e mesmo a LRE não dão conta
de abranger todos os requisitos que influenciam a qualidade da educação, além do que esse
simplismo (avaliação-punição) colocará em risco a liberdade escolar para definir seu projeto
político-pedagógico à luz da qualidade social da educação requerida pelas comunidades.
5. Neste sentido, nos parece mais confiável do ponto de vista das experiências acumuladas sobre os
processos de avaliação educacional, do ajuste fiscal sem precedentes em curso no País e da
própria segurança jurídica, que a LRE se atenha em garantir o cumprimento dos preceitos legais
que formam a base do padrão de qualidade da educação básica (normas constitucionais e
infraconstitucionais de caráter material, objetivo e vinculante, a exemplo da aplicação dos
limites mínimos orçamentários, do cumprimento do piso salarial nos planos de carreira, da
implementação da gestão democrática nos sistemas, redes e escolas, da aplicação do CAQi e
CAQ etc), os quais vão além do que está listado no Capítulo II do substitutivo ao PL 7.420, pois
representam a essência de todo o PNE, dos preceitos da Constituição e de diversas leis em vigor.
3. 6. Também ao propor os Parâmetros Nacionais para a Oferta da Educação Básica (art. 3º do
substitutivo), o Projeto extrapola os limites da legalidade, pois eleva uma gama de diagnósticos
subjetivos, temporários e condicionados a fatores externos (vide EC n. 95 e vetos à LDO) à
condição de normativas legais incondicionais.
7. Outrossim, não há como concordar com o Capítulo III do substitutivo em apreço, pois o mesmo
subverte a lógica do Custo Aluno Qualidade Inicial e do Custo Aluno Qualidade (estratégias
20.6 a 20.8 do PNE), criando valores de investimento per capita diferenciados por escolas, de
acordo com padrões a serem alcançados nos testes de avaliação. Frise-se: essa experiência
seletiva do “saber escolar” não deu certo nos EUA e em país algum! Ademais, o Estado
brasileiro está propondo criar categorias diferenciadas de redes, escolas e estudantes (1ª, 2ª e 3ª
categorias), sendo que as duas últimas estarão fadadas a permanecer em seus estágios de
avaliação, quiçá piorar, uma vez que receberão menos recursos públicos. E mesmo que se
priorize um CAQi de maior valor para as redes e escolas com menores índices nas avaliações,
esse mecanismo puniria as mais bem avaliadas. O PNE trata o CAQi e o CAQ como
instrumentos universais de financiamento e não compete a LRE – instrumento de suporte à
consecução do PNE – modificar sua essência de forma restritiva, desconsiderando o amplo
debate social sobre o tema.
8. Os critérios para a responsabilização ou não dos gestores públicos listados no Capítulo IV do
substitutivo contém vícios apontados nos tópicos acima elencados. Por isso, propomos que o
Projeto se concentre em alterar a Lei 7.347 (Ação Civil Pública), prevendo punição nos casos de
infrações legais (materiais), sem levar em consideração os requisitos do Capítulo IV, passíveis
de subjetividade, anomalias e fraudes no processo de avaliação educacional.
9. Ainda sobre a responsabilização, o substitutivo omite o tratamento a ser conferido para os casos
onde as gestões educacionais e das escolas forem capturadas por Organizações Sociais (OSs) e
Organizações da Sociedade Civil de Direito Público (OSCIPs), experiências altamente danosas
para a educação – especialmente porque escancara as portas das escolas públicas para o
malfadado clientelismo –, mas que, infelizmente, possuem previsão legal. Nesses casos haveria
litisconsórcio de réus com responsabilidades solidárias e/ou subsidiárias (Prefeitos e
Organizações)?
10.Por fim, o substitutivo ao PL 7.420 sugere novos prazos para a consecução de metas e estratégias
do PNE, situação que não merece guarida, pois compete aos gestores públicos, das diferentes
esferas administrativas, cumprirem os compromissos dos planos decenais no mais curto prazo de
tempo possível.
Brasília, 17 de agosto de 2017
Diretoria da CNTE