A redução de tráfego provocada pelo COVID-19 tende a ensejar a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão rodoviária, se considerarmos o quanto usualmente disposto nas respectivas cláusulas de alocação de riscos sobre (i) fato do príncipe e (ii) ocorrência de caso fortuito ou força maior. Eu e a Renata Faria escrevemos breve artigo sobre o assunto, que compartilho com vocês! Críticas e sugestões são bem-vindas!
1. CABE REEQUILÍBRIO DAS CONCESSÕES RODOVIÁRIAS EM FUNÇÃO DO COVID-19?1
A pandemia do COVID-19 vem prejudicando severamente toda a economia brasileira.
Um dos setores econômicos que têm sido mais duramente afetados pela pandemia certamente é o de
rodovias. Levantamentos recentes2 já indicam sensível diminuição no tráfego de rodovias – em alguns
casos, superior a 50% –, e nem se pode vislumbrar, ainda, o final da pandemia.
A redução no tráfego decorre, sobretudo, das medidas que vêm sendo tomadas pelos governos
federais, estaduais e municipais para enfrentamento da pandemia, que vão desde o fechamento de
divisas3 e o bloqueios de estradas4 até as restrições ao funcionamento do comércio e de serviços
públicos5 e as recomendações públicas de isolamento social6.
Todas essas medidas influenciam negativamente o tráfego – em alguns casos, mais diretamente, como
nos bloqueios de estradas; em outros, de forma mais indireta, como nas recomendações de isolamento
social, o que desencoraja as pessoas a viajarem ou percorrerem longas distâncias.
A receita tarifária, advinda da cobrança de pedágio, constitui a principal fonte de remuneração das
concessionárias de rodovias. Por consequência, uma diminuição abrupta e significativa no tráfego —
tal qual se verifica no presente caso — gera consequência graves para as concessionárias de
concessão de rodovias.
Com algumas poucas exceções, os contratos de concessão de rodovias no Brasil apresentam
cláusulas contratuais que refletem uma alocação de riscos entre as partes contratantes. Usualmente,
1
Versão de 15/04/2020.
2 https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/coronavirus-transito-estradas-cidades.html
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/30/movimento-nas-rodovias-de-sp-cai-46percent-apos-quarentena-
determinada-pelo-governo.ghtml
3 Como ocorreu, por exemplo, no estado do RJ:
https://veja.abril.com.br/brasil/governador-anuncia-fechamento-de-divisas-do-estado-do-rio/
4 Como ocorreu, por exemplo, em cidades do litoral paulista, embora os bloqueios já tenham sido retirados:
https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2020/03/21/cidades-no-litoral-de-sp-tem-acessos-bloqueados-para-turistas-por-
conta-do-coronavirus.ghtml
5 Como ocorreu, por exemplo, nos estados do RJ e SP e no DF:
https://www.brasildefato.com.br/2020/03/30/estado-do-rio-de-janeiro-prorroga-quarentena-ate-13-de-abril
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/06/doria-prorroga-quarentena-em-sp-ate-22-de-abril.ghtml
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,distrito-federal-oficializa-quarentena-ate-3-de-maio-e-mantem-fechamento-de-boates-
e-igrejas,70003257124
6 https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/28/mandetta-volta-a-mudar-o-tom-do-discurso-e-defende-isolamento-
social.ghtml
2. Página 2 de 3
no âmbito das cláusulas de alocação de riscos, atribui-se às concessionárias o risco de variações no
tráfego e na receita tarifária7.
A redução de tráfego provocada pelo COVID-19, no entanto, deve ensejar a recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos, se considerarmos o quanto usualmente disposto nessas cláusulas
de alocação de riscos sobre (i) fato do príncipe e (ii) ocorrência de caso fortuito ou força maior.
Frequentemente, os contratos de concessão rodoviária no Brasil alocam ao Poder Concedente o risco
de ocorrência de eventos conhecidos como “fato do príncipe”, isto é, determinações estatais, sem
relação específica com o contrato, que afetam diretamente sua equação econômico-financeira. As
medidas governamentais de combate da pandemia, citadas acima, enquadram-se perfeitamente no
conceito de “fato do príncipe”, já que são atos estatais, de caráter geral, que geram agravos
econômicos diretos aos contratos de concessão de rodovias, ensejando, portanto, a recomposição de
seu equilíbrio econômico-financeiro.
Há, ainda, um segundo fundamento jurídico que também pode ser utilizado para justificar a
necessidade de reequilíbrio contratual: os contratos costumam alocar ao Poder Concedente o risco de
ocorrência de caso fortuito ou força maior não segurável no Brasil. Pelo que se sabe, os seguros
disponíveis no Brasil não cobrem a perda de receita (lucros cessantes, no jargão do mercado
securitário) decorrente de pandemias, dado que esse tipo de evento costuma ser uma excludente da
cobertura securitária. Dessa perspectiva, a ocorrência de uma pandemia como aquela decorrente do
COVID-19 tende a ser enquadrada como um evento de caso fortuito ou força maior não segurável no
Brasil.
Por um ou outro fundamento, entende-se que a perda de receita tarifária provocada pela pandemia
tende a ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de rodovias, pois,
como dito, a grande maioria desses contratos aloca ao Poder Concedente o risco de ocorrência de
Fato do Príncipe e de caso fortuito e força maior, prevendo, como consequência, o dever do Poder
Concedente de compensar as perdas sofridas pela concessionária.
Sabe-se que os governos provavelmente terão seus orçamentos comprometidos em função dos gastos
incorridos para enfrentamento da pandemia. Por isso, as modalidades de reequilíbrio mais factíveis
7 Com exceção de algumas rodovias em que há compartilhamento do risco de tráfego, como no caso da concessão patrocinada
da Rodovia Tamoios.
3. Página 3 de 3
seriam: (i) o aumento do valor da tarifa, embora tal medida acarrete um impacto social que pode ser
indesejável no atual contexto; (ii) a prorrogação do prazo de vigência dos contratos de concessão; e
(iii) a extinção ou modificação de obrigações da concessionária, incluindo: (a) exclusão ou adiamento
de investimentos não essenciais neste momento; e (b) diferimento ou isenção de pagamento de
outorga variável ou de outras verbas contratuais devidas ao Poder Concedente ou a órgãos da
Administração Pública, de maneira a aliviar no curto prazo o fluxo de caixa das concessionárias. Essas
modalidades poderiam ser até mesmo combinadas entre si.
LUCAS NAVARRO PRADO. Sócio do Navarro Prado Advogados e Presidente da Casa da
Infraestrutura. Graduado em Direito pela USP e pós-graduado em Finanças pela FIA/USP.
RENATA DE ALMEIDA FARIA. Advogada do Navarro Prado Advogados. Graduada em Direito pela
USP. Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUCSP.