Formação da Instrução Básica - Congregação Mariana
Como escrever o mundo com poucas letras
1. Com quantas letras se escreve o mundo?
Depende de quem escreve.
O mundo pode ser escrito com dez letras, letras de ‘hipocrisia’. É tão fácil
cuidar do alheio que o próprio se torna demagogo. Hipocrisia e demagogia estão sinônimas
em sua batalha constante em fazer valer o que é lei só para o outro, para fazer o que se fala
e não o que se faz, de fingir tudo sem remorso.
O mundo pode ser escrito com onze letras, letras de ‘imoralidade’. Mas por
que só é imoral o que os outros fazem ou pensam? Porque nós temos o direito de pensar e
fazer o que queremos, afinal vivo num regime “democrático”, contudo o nosso semelhante
vive sob a égide dos nossos valores, das nossas razões. De certo que valores se perdem e
se adquirem com o viver, com o avanço das culturas, sobretudo com o que começa ou deixa
de nos incomodar, muda quando temos que escolher entre perder tudo ou perder menos.
Pode ser escrito com nove letras, de ‘fanatismo’, o mesmo que separa terras,
nações, irmãos, pais e filhos. Que se alicerça em preceitos religiosos, que define quem tem
o amor de um Deus, quem merece estar vivo. Que justifica guerras, ações que fogem à
nossa vã compreensão, que cria mitos e suicidas, e suicidas homicidas ou vice-versa, que
divide o mundo.
O mundo também pode ser escrito com as mesmas onze letras de
‘capitalismo’. E capitalismo não se resume apenas ao câmbio comercial livre, à troca de
produtos por dinheiro, vai mais além. O comércio de ideias, opiniões e imposições é limítrofe
do banal. É claro que é natural do ser humano a argumentação, queremos a todo instante
convencer alguém de nossas convicções, mesmo quando esse alguém somos nós mesmos,
mas repentinamente queremos que o mundo pense igual a nós. Acreditamos firmemente
que somos os únicos seres certos na imensidão, e quando temos os meios de comunicação
a nosso favor, então, não encontramos barreiras para o que somos capazes de fazer.
O mundo pode ser escrito com outras dez letras, de ‘banalidade’. Banalidade
na forma como nos expomos para conseguir fama ou dinheiro, melhor ainda se vierem os
dois. Banalidade na forma como fazemos do que é íntimo algo público, comercial, ainda
mais quando essa intimidade não é nossa. Na forma como podemos infligir, reprimir,
sobrepujar, matar o outro sem qualquer pretexto, ou mesmo para nos sentirmos senhores
de algum destino, poderosos, alguém.
Não há limites de quantas letras podemos usar para escrever o mundo, de
quantas outras nove, dez, doze letras podemos lançar mão. Entretanto também podemos
usar as oito letras de ‘coragem’, as três letras de ‘paz’, as sete de ‘justiça’, ou ainda as
quatro de ‘amor’.
Percebam que todas têm menos letras que hipocrisia, imoralidade,
capitalismo, banalidade e quantas mais quiserem usar. Alguém disse uma vez que é mais
fácil sentir ódio que amor porque o ódio já nasce conosco, é inerente ao ser humano, e amor
se adquire com o passar do tempo e com a cultura em que se está inserido. Pode até ser,
mas aprender a amar não é uma coisa difícil, basta se permitir, basta querer, e o querer
mova a vida. Mesmo quando se pratica o mal, é necessário querer realizar a maldade,
muitas vezes não há motivos aparentes, mas é imprescindível que se queira fazer algo.
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2. Com quantas letras se escreve o mundo?
É preciso querer ter coragem de admitir que o que é justo para mim pode até
não ser justo para o outro, mas não pode prejudicá-lo sem que se considerem todas as
possiblidades de meio termo, de um acordo plausível.
É preciso querer entender que a paz que almejo a todos tem que começar
dentro de mim e é necessário querer ter coragem para ceder. Numa guerra sempre haverá o
derrotado, mas nunca este deverá ser o desonrado, humilhado, submetido. Vencer a
qualquer custo não premia o vencedor, mas torna mártir o perdedor.
Com quaisquer poucas letras que se queira escrever o mundo, o resultado
será melhor que buscar cifras alfabéticas para camuflá-lo. Ser simples e objetivo facilita para
quem tem que decidir. Pensar que não quero ao outro o que não desejo para mim me faz
refletir antes de esbravejar e pura e simplesmente criticar.
Pensando bem, há uma palavra com doze letras que com as quais o mundo
poderia ser escrito, ‘fraternidade’. E o que você acha?
Renato Crissafi
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