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Improvisar – espaço de possibilidades
Mariana Muniz
Doutora em Improvisação pela Universidad de Alcalá. Professora da graduação e pósgraduação do Curso de teatro da EBA/UFMG. Diretora teatral. Últimos trabalhos: Match de
Improvisação (2006), Sobre Nós (2008), No Início era o Princípio (2008).

Atualmente, a palavra improvisação adquiriu uma significação despectiva que
não lhe pertence. Dizer na linguagem cotidiana que algo é improvisado é dizer
que carece preparação, que é caótico e sem rigor. Pode ser que, para alguns
apressados, improvisar seja algo muito recente que nada tem a ver com a
“Grande Tradição Teatral”. Entretanto, improvisação e teatro quase sempre
andaram unidos, tornando-se, em alguns momentos da história, sinônimos.
Segundo o Diccionario da Oxford University:
“Muito da história do teatro se centrou na habilidade do ator de
improvisar a partir de um tema dado, como nas cenas cômicas do
mistery play, nas antigas farsas e comédias oriundas da tradição
popular e também das produções da Commedia dell`arte. (...) Em
reação ao texto, a influência do Dadá e do surrealismo encorajou a
atividade espontânea e rejeitou o que esse chamou “work of art”.
Essa filosofia resultou na emergência da criação coletiva baseada
inteiramente na improvisação de um grupo a partir de uma pauta
mínima. Daí se desenvolveu o happening e eventos similares que
incorporavam as reações da audiência criando uma experiência teatral
única, considerada por muitos preferível à repetição controlada da
peça escrita.”1

Ampliando esta contextualização, o Dictionaire encyclopédique du
théâtre reflete sobre o interesse contemporâneo da improvisação:
“O interesse contemporâneo pela improvisaçao se desenvolveu nos
anos 60. Improvisadores se reportaram às ideologias espontaneistas,
ao desejo, talvez naif, de inventar algumas coisas a partir de nada. (...)
Improvisar apareceu como uma forma de se opor ao teatro de texto,
de escapar ao modelo de uma representaçao sentida como muito
literária. »2

Mas, é realmente possível criar a partir do nada? Segundo Brook, ator,
espaço e público são esenciais para a existência do fato teatral, portanto, para
haver teatro necessitamos da interação estes elementos. Sendo assim, como
1

The Oxford Companion to the Theatre. Edited by Phillis Hartnol. Oxford University Press. Oxford,
1983. Pg. 409. Tradução da autora.
2
CORVIN, Muchel. Dictionnaire encyclopédique du thèâtre. Larousse. Québec, 1998. Pg. 825-826.
Tradução da autora.
podemos dizer que partimos do nada ao improvisar ? O ator é seu corpo, sua
voz, suas idéias, suas vivências, suas emoções e seus desejos, o público também
o é e interage mesmo quando apenas observa, frui da obra teatral. O espaço, por
sua vez, é o lugar do encontro, onde tudo é possível porque, supostamente,
ainda nao há « nada ». Assim, quando se diz “criação a partir do nada”, referese apenas a ausência de um roteiro e texto pré-estabelecido, pois sempre há algo
a partir do qual a cena se constrói no aqui e no agora, no jogo vivo entre atores,
espaço e público.
Esse jogo é conduzido pelo ator, mas não se estabelece somento por ele. O
público é co-criador da cena, mesmo que não se mova, que não fale, que não se
expresse diretamente. Ainda assim, só existe cena porque o público está alí
observando, e observar é um verbo e, portanto, uma ação. É para o público e
com o público que o teatro improvisado é criado. Uma criação que é efêmera
por excelência, pois se consome a medida em que é construida.
Assim, o espaço da improvisação é o espaço da potencialidade. A improvisação,
pode ser tudo e nada, pode ser boa ou ruim, e o que for, será criado em
cumplicidade com o público uma única vez. Não será por isso que o homem
contemporâneo volta seus olhos e desejos para a improvisaçao ? Talvez neste
espaço de potencialidades, de construção, tenhamos a sensação, real ou ilusória,
de estar criando algo e não apenas reproduzindo velhas formas. O ator deixa de
ser intérprete de palavras alheias e passa a dizer as próprias e o público sai do
escurinho confortável da platéia e se transforma em co-criador da cena.
Segundo Peter Brook em seu livro Ponto de Mudança::
“Neste sentido improvisar significa que os atores se colocarão
frente ao público preparados para produzir um diálogo e não
uma demonstração. (…) Também o público percebe isso de
imediato, compreende que participa ativamente no
desenvolvimento, no crescimento da ação, e se surpreende
gratamente ao descobrir que é parte integrante do evento.”3
Para que o jogo entre público e atores conquiste e mantenha o interesse,
é fundamental que os improvisadores sejam portadores de uma extensa
bagagem cultural e que possuam técnicas bem estabelecidas através das quais
seu universo pessoal possa aflorar na criação de uma cena improvisada. Ao
contrário do sentido comum, a improvisação requer ordem e rigor, pois,
somente se tenho algo ordenado e fixo sobre o qual me apoiar é que posso me
arriscar no caos da criação instantânea.
Para ser um bom improvisador, o ator precisa saber muito bem do ofício
teatral em todas as suas funções: atuação, direção, dramaturgia, iluminação, etc.
Mais do que apenas intérprete, o ator-improvisador é o criador da cena, ele é,
antes de tudo, um excelente contador de histórias, daqueles que conseguem
3

BROOK, Peter. Provocaciones. 40 años de exploración en el teatro. Fausto Ediciones. Buenos Aires,
1989. pp. 128-129
captar nossa atenção e fazer com que esqueçamos que tudo está sendo criado ali
naquele momento. Para o ator, improvisar é ter a coragem de se lançar no vazio,
é contar constantemente com a possibilidade do erro, do fracasso, é trazer o
público como cúmplice e criar com ele e para ele. Ser público de um espetáculo
improvisado é estar disposto a entrar no processo de criação e desfrutar dos
erros tanto quanto dos acertos, é aceitar que o que ali acontecer será único,
construído através da interação irrepetível entre aqueles atores, aquele público
e aquele espaço.
Bibiliografia:
MUNIZ, M. La improvisación como espectáculo – principales experimentos y técnicas
de formación del actor-improvisador”. Tese Doutoral. Universidad de Alcalá, 2005.

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  • 1. Improvisar – espaço de possibilidades Mariana Muniz Doutora em Improvisação pela Universidad de Alcalá. Professora da graduação e pósgraduação do Curso de teatro da EBA/UFMG. Diretora teatral. Últimos trabalhos: Match de Improvisação (2006), Sobre Nós (2008), No Início era o Princípio (2008). Atualmente, a palavra improvisação adquiriu uma significação despectiva que não lhe pertence. Dizer na linguagem cotidiana que algo é improvisado é dizer que carece preparação, que é caótico e sem rigor. Pode ser que, para alguns apressados, improvisar seja algo muito recente que nada tem a ver com a “Grande Tradição Teatral”. Entretanto, improvisação e teatro quase sempre andaram unidos, tornando-se, em alguns momentos da história, sinônimos. Segundo o Diccionario da Oxford University: “Muito da história do teatro se centrou na habilidade do ator de improvisar a partir de um tema dado, como nas cenas cômicas do mistery play, nas antigas farsas e comédias oriundas da tradição popular e também das produções da Commedia dell`arte. (...) Em reação ao texto, a influência do Dadá e do surrealismo encorajou a atividade espontânea e rejeitou o que esse chamou “work of art”. Essa filosofia resultou na emergência da criação coletiva baseada inteiramente na improvisação de um grupo a partir de uma pauta mínima. Daí se desenvolveu o happening e eventos similares que incorporavam as reações da audiência criando uma experiência teatral única, considerada por muitos preferível à repetição controlada da peça escrita.”1 Ampliando esta contextualização, o Dictionaire encyclopédique du théâtre reflete sobre o interesse contemporâneo da improvisação: “O interesse contemporâneo pela improvisaçao se desenvolveu nos anos 60. Improvisadores se reportaram às ideologias espontaneistas, ao desejo, talvez naif, de inventar algumas coisas a partir de nada. (...) Improvisar apareceu como uma forma de se opor ao teatro de texto, de escapar ao modelo de uma representaçao sentida como muito literária. »2 Mas, é realmente possível criar a partir do nada? Segundo Brook, ator, espaço e público são esenciais para a existência do fato teatral, portanto, para haver teatro necessitamos da interação estes elementos. Sendo assim, como 1 The Oxford Companion to the Theatre. Edited by Phillis Hartnol. Oxford University Press. Oxford, 1983. Pg. 409. Tradução da autora. 2 CORVIN, Muchel. Dictionnaire encyclopédique du thèâtre. Larousse. Québec, 1998. Pg. 825-826. Tradução da autora.
  • 2. podemos dizer que partimos do nada ao improvisar ? O ator é seu corpo, sua voz, suas idéias, suas vivências, suas emoções e seus desejos, o público também o é e interage mesmo quando apenas observa, frui da obra teatral. O espaço, por sua vez, é o lugar do encontro, onde tudo é possível porque, supostamente, ainda nao há « nada ». Assim, quando se diz “criação a partir do nada”, referese apenas a ausência de um roteiro e texto pré-estabelecido, pois sempre há algo a partir do qual a cena se constrói no aqui e no agora, no jogo vivo entre atores, espaço e público. Esse jogo é conduzido pelo ator, mas não se estabelece somento por ele. O público é co-criador da cena, mesmo que não se mova, que não fale, que não se expresse diretamente. Ainda assim, só existe cena porque o público está alí observando, e observar é um verbo e, portanto, uma ação. É para o público e com o público que o teatro improvisado é criado. Uma criação que é efêmera por excelência, pois se consome a medida em que é construida. Assim, o espaço da improvisação é o espaço da potencialidade. A improvisação, pode ser tudo e nada, pode ser boa ou ruim, e o que for, será criado em cumplicidade com o público uma única vez. Não será por isso que o homem contemporâneo volta seus olhos e desejos para a improvisaçao ? Talvez neste espaço de potencialidades, de construção, tenhamos a sensação, real ou ilusória, de estar criando algo e não apenas reproduzindo velhas formas. O ator deixa de ser intérprete de palavras alheias e passa a dizer as próprias e o público sai do escurinho confortável da platéia e se transforma em co-criador da cena. Segundo Peter Brook em seu livro Ponto de Mudança:: “Neste sentido improvisar significa que os atores se colocarão frente ao público preparados para produzir um diálogo e não uma demonstração. (…) Também o público percebe isso de imediato, compreende que participa ativamente no desenvolvimento, no crescimento da ação, e se surpreende gratamente ao descobrir que é parte integrante do evento.”3 Para que o jogo entre público e atores conquiste e mantenha o interesse, é fundamental que os improvisadores sejam portadores de uma extensa bagagem cultural e que possuam técnicas bem estabelecidas através das quais seu universo pessoal possa aflorar na criação de uma cena improvisada. Ao contrário do sentido comum, a improvisação requer ordem e rigor, pois, somente se tenho algo ordenado e fixo sobre o qual me apoiar é que posso me arriscar no caos da criação instantânea. Para ser um bom improvisador, o ator precisa saber muito bem do ofício teatral em todas as suas funções: atuação, direção, dramaturgia, iluminação, etc. Mais do que apenas intérprete, o ator-improvisador é o criador da cena, ele é, antes de tudo, um excelente contador de histórias, daqueles que conseguem 3 BROOK, Peter. Provocaciones. 40 años de exploración en el teatro. Fausto Ediciones. Buenos Aires, 1989. pp. 128-129
  • 3. captar nossa atenção e fazer com que esqueçamos que tudo está sendo criado ali naquele momento. Para o ator, improvisar é ter a coragem de se lançar no vazio, é contar constantemente com a possibilidade do erro, do fracasso, é trazer o público como cúmplice e criar com ele e para ele. Ser público de um espetáculo improvisado é estar disposto a entrar no processo de criação e desfrutar dos erros tanto quanto dos acertos, é aceitar que o que ali acontecer será único, construído através da interação irrepetível entre aqueles atores, aquele público e aquele espaço. Bibiliografia: MUNIZ, M. La improvisación como espectáculo – principales experimentos y técnicas de formación del actor-improvisador”. Tese Doutoral. Universidad de Alcalá, 2005.