A Casa de Cultura Digital é um coletivo de organizações ligadas à tecnologia e transformação social que funciona em São Paulo e Santos. O local abriga empresas, programadores, jornalistas e outros profissionais criativos que colaboram em projetos inovadores de forma descentralizada e em rede.
Revista Brasileiros - Mapa da Cachaça e Casa da Cultura Digital
1. inovação | comportamento
VILA
OPERÁRIA
EM REDE
A CASA DE CULTURA DIGITAL
é um coletivo formado por uma dúzia de organizações
– entre empresas e ONGs – ligadas de alguma
forma às novas tecnologias e transformações sociais.
Por enquanto, funciona em São Paulo e Santos,
mas logo, logo estará também no Rio de Janeiro
texto ANDRÉ DE OLIVEIRA fotos LUIZA SIGULEM
Visto de fora, o sobrado de tijolinhos 2009 a Casa de Cultura Digital, ou
não impressiona, mas ao abrir o portão apenas CCD – um espaço compar-
de metal preto o visitante encontra, tilhado por empresas de diferentes
além de um espaçoso e caprichado áreas. Mas não é só isso. O que as
jardim, outras casinhas do mesmo une, além da vila, é uma forma digital
estilo. Na verdade, é uma vila ope- de pensar o mundo. Em outras pala-
rária construída por volta dos anos vras, o trabalho em rede, a colabo-
1920, no bairro central paulistano da ração e a descentralização de deci-
Barra Funda. É lá que funciona desde sões são o mote do lugar.
30 Inovação
2. Rodrigo Savazoni, um
dos criadores da CCD,
diz que descentralização
é um dos motes do lugar
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3. inovação | comportamento
A IDEIA ERA TER
UM AMBIENTE
LIBERTÁRIO DE
CRIAÇÃO. HOJE, É
UM LABORATÓRIO
DE VIVÊNCIAS”
Rodrigo Savazoni
Por ali, trabalham programadores, recriarmos o que fazemos em São Paulo,
engenheiros e tecnólogos, empenhados tudo depende de quem vai ocupar o
em construir máquinas e desvendar espaço”, diz Savazoni. O colega de
códigos-fonte. Mas há também jorna- espaço Adriano de Angelis, que pre-
listas, publicitários, cineastas, produ- tende levar em breve a vivência da
tores, comunicadores em geral. Rodrigo casa para o Rio de Janeiro, faz a sua
Savazoni, um dos idealizadores da casa, definição do que é a CCD. “A casa
formou-se em Jornalismo e, até 2008, consegue transferir para o cotidiano
trabalhou na grande imprensa. De lá uma lógica digital, que vai potencia-
para cá, está na CCD operando em pro- lizar as ações a serem desenvolvidas.
jetos ligados ao mundo digital e às novas Muita gente acha que trabalhar com
tecnologias. “A casa surgiu como um cultura digital é simplesmente operar
sonho de construir um ambiente liber- com tecnologias no ambiente digital.
tário de criação e hoje é uma espécie É mais que isso.”
de laboratório de vivências”, explica. “Por abrigar empresas e pessoas com
A experiência da CCD de São Paulo pensamentos consoantes, a casa possi-
já começa a se estender por aí. A casa bilita a troca de informações e ideias,
também está em Santos, desde o mês permitindo a criação e a promoção de
passado. “Não existe uma receita para soluções inovadoras”, segundo Savazoni.
32 Inovação
4. Na tentativa de facilitar o entendimento, projetos”, diz Gilberto Vieira, um dos Trabalham diariamente nas empresas
ele compara a CCD a um cluster (con- organizadores do festival. Formado em da CCD pelo menos 60 pessoas, mas
junto de computadores ligados ao mesmo Publicidade, Vieira não está ligado a a população flutuante da casa beira
tempo). Para ele, a casa, guardadas nenhuma empresa da vila, mas parti- cem pessoas, segundo estima Paulo
as devidas proporções, é semelhante cipa de todas as rotinas da casa, traba- Fehlauer, um dos três criadores da
a Hollywood. “Os caras juntaram um lhando em projetos que vão surgindo. Garapa, produtora que está na casa
monte de gente no mesmo lugar para “Uma vez aqui, não consigo mais sair.” desde a fundação. “Atuamos em duas
fazer cinema. Por isso, a produção é Como é possível realizar um festival frentes. De um lado, produzimos um
tão boa”, acredita. com uma verba pequena? “O Baixo trabalho mais autoral. De outro, mate-
Resultado: é praticamente impossível Centro foi um investimento nosso, não rial multimídia para clientes, como Itaú
dar conta de todos os projetos que deu dinheiro para nenhum dos organi- Cultural e o jornal Folha de S. Paulo.”
acontecem na Casa de Cultura Digital. zadores”, diz Savazoni. “Conseguimos Gabriela Barreto, que já trabalhou na
“Aqui, pensamos inovação como formas realizar o evento porque o ambiente de Garapa, hoje ocupa uma mesa em uma
criativas de transformar a cultura, e criação da casa propicia isso. Muitas sala com a estante preenchida por gar-
não formas de melhorar a produção das tecnologias usadas na divulgação rafas de pinga. Ela e Felipe Jannuzzi
industrial”, diz Savazoni. A jogada é e execução do festival, como sites e são os responsáveis pela Paralelo Mul-
complexa, mas funciona. Foi lá, por outras ferramentas, foram criadas aqui.” timídia. A empresa tem, entre outros, o
exemplo, que nasceu o Baixo Centro, projeto de mapear a cachaça no Brasil.
um festival cultural independente, que Ambiente a la Stanford “Lancei essa ideia na lista de discus-
aconteceu entre março e abril e reuniu Uma marca importante da casa é a sões da CCD, que está hospedada na
mais de cem eventos entre festas, expo- descontração. Na sala coletiva, almo- ferramenta de grupos do Google. Em
sições e intervenções de arte, ocupou fadões estão espalhados pelo chão e pouco tempo, eu já tinha a equipe para
ruas e polos culturais do centro de São redes foram instaladas em ganchos na desenvolver nosso site sobre a bebida”,
Paulo. Até aí, tudo certo. Mas o fato parede, causando um clima relax. A afirma Gabriela, que é formada em
marcante foi como a CCD arrecadou decoração rende à CCD comparações audiovisual. O mapeamento começou
verba para realizar as programações: com a Stanford University, uma das mais com vídeos com o sommelier Leandro
via catarse, o site de crowdfunding, importantes universidades dos Estados Batista. “Hoje, somos reconhecidos na
que opera sistemas de financiamento Unidos, e com empresas contemporâ- área e temos projetos para lançar um
colaborativo. “Não arrecadamos muito neas, como o Google, conhecidas por guia impresso.”
dinheiro, algo em torno de R$ 22 mil. adotarem rotinas mais flexíveis que No porão, funciona o Garoa Hacker
Depois, abrimos inscrições para os as do mundo corporativo tradicional. Clube, um hackerspace, ou seja, um local
em que programadores, engenheiros e
aficionados por eletrônica desmontam
utensílios, inventam novos equipa-
mentos e trocam ideias. “Não somos
uma incubadora de empresas, mas um
clube que possibilita a interação entre
pessoas com as mesmas afinidades e,
melhor, propicia espaço e ferramentas
que as pessoas não costumam ter em
suas casas”, diz DQ, um dos fundadores.
Apesar de não ter como finalidade a
criação de empresas, o clube inventou
a Metamáquina, que também funciona
na vila operária, vendendo e fabri-
cando impressoras 3D de baixo custo.
“A partir de um modelo de impressora
com software livre, fizemos a nossa”,
explica Rodrigo Rodrigues da Silva. O
Na outra página, Gabriela dinheiro inicial para a produção veio
Barreto e Felipe Jannuzzi.
Acima, um hacker do porão
via o site catarse, mas hoje a empresa
já toca sozinha o negócio.
Inovação 33
5. inovação | comportamento
Equipe faz a programação da
Virada Hacker, na sede do Garoa
CRIAMOS Informando por aí passado, estacionou em Paraty, cidade do
Os hackers são um capítulo à parte. Rio de Janeiro, para participar da Virada
UMA LÓGICA Eles embarcam em um ônibus com Digital – evento que também nasceu na
DIGITAL PARA um desejo comum: ocupar cidades Casa de Cultura Digital. “Ensinamos,
O COTIDIANO. brasileiras com ações políticas. Por por exemplo, crianças a ler dados em
ISSO política, eles entendem: “Toda a apro- planilhas, relativos a gastos públicos.
priação tecnológica, gambiarra, ques- Surpreendentemente, elas adoram essa
POTENCIALIZA tionamento e exercício de direitos”. atividade”, afirma Lívia Ascava, uma
AS AÇÕES Por ação: “A prática, o faça você das organizadoras do projeto.
A SEREM mesmo, um projeto de lei, uma escola”. O espaço parece ser ultracontempo-
DESENVOLVIDAS” O chamado Ônibus Hacker é uma râneo, mas Savazoni discorda. Modes-
Adriano de Angelis iniciativa ligada à Transparência tamente, diz que não haver nada de
Hacker, grupo locado virtualmente diferente na CCD: “O modelo de dis-
com o objetivo de promover a transpa- tribuição do hip hop, por exemplo,
rência pública, abrindo dados gover- sempre circulou por uma malha de
namentais para os cidadãos. contatos em rede. Desde os anos 1980,
O projeto desse ônibus começou em o movimento organizou cenas de forma
junho de 2009, quando a Transparência independente, reunindo pessoas do
Hacker o lançou no catarse, uma pla- Brasil inteiro. A diferença é que agora
taforma de financiamento coletivo. Em existe um aparato tecnológico, que é
dois meses, 500 pessoas doaram descentralizado por natureza”.
R$ 60 mil para a compra do veículo, É até irônico que a CCD esteja baseada
que começou a rodar para valer neste em uma vila operária – o trabalho rea-
ano. Ele tem viajado para cidades e lizado ali é radicalmente oposto ao de
FOTOS: DIVULGAÇÃO
bairros, levando cursos e oficinas que uma indústria. No entanto, as incer-
mostram como, por meio da tecnologia, tezas parecem ser uma constante nesse
é possível atuar politicamente. No mês novo-velho mundo digital. I
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