O documento discute três passagens bíblicas que tratam da espera pela vinda de Jesus e da necessidade de praticar a justiça. A primeira leitura fala sobre a busca do sentido da vida através da sabedoria. A parábola das dez virgens ensina que devemos estar preparados pela prática da justiça. A carta aos Tessalonicenses consola sobre a união dos cristãos vivos e mortos quando Cristo voltar.
1. VIGIAR É PRATICAR A JUSTIÇA
Pe. José Bortoline, Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades, Paulos, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 32° DOMINGO COMUM – COR: VERDE
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. "Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos
deste cálice anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquan-to
esperamos vossa vinda".
2. Vivemos tempo de espera. Enquanto esperamos, ce-lebramos
já a nossa vitória com Cristo Jesus, até que ele
se manifeste plenamente, até estarmos para sempre com
o Senhor (cf. 2ª leitura 1Ts 4,13-18). Enquanto isso não
acontece, vamos buscando um sentido para nossa cami-nhada
e para a vida, na certeza de que vale a pena ma-drugar
ou ficar vigiando a fim de encontrar esse sentido
(cf. 1ª leitura Sb 6,12-16). Enquanto não chegar a hora
de "ir ao encontro do noivo", vamos enchendo nossas
lâmpadas com o óleo da justiça, a fim de que a morte,
coroa de nossa vida, nos introduza na festa de casamento
que não termina (cf. evangelho Mt 25,1-13).
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Sb 6,12-16): A busca de um sentido para a
vida
3. O livro da Sabedoria foi escrito na segunda metade
do séc. I a.C. É o mais recente dos livros do Antigo Tes-tamento.
Seu autor é um judeu piedoso de Alexandria,
capital cultural do helenismo e grande concentração de
judeus dispersos. A comunidade judaica de Alexandria
sente o desejo de inculturar a fé dos antepassados, assi-milando
os valores da cultura grega, sem abandonar o
núcleo central da fé judaica. Percebe-se, nesse livro, a
abertura para o diálogo com a cultura grega.
4. O autor fala da sabedoria, comparando-a às vezes
com uma jovem muito bonita a ser conquistada e amada.
Quem é essa sabedoria? Propositalmente o autor do livro
não a define, permitindo que os leitores e ouvintes, não
judeus ou judeus, façam suas aplicações: alguém poderá
pensar que ela seja o próprio sentido da vida que resulta
de experiências vitais amadurecidas com o tempo; outros
poderão deduzir que a sabedoria é o próprio Deus ou o
seu projeto.
5. Os versículos deste domingo falam dessa persona-gem
misteriosa, procurada e desejada, pela qual vale a
pena madrugar ou ficar de vigília à sua espera, pois ela
se deixa encontrar, antecipando-se e dando-se a conhecer
aos que a desejam. Ela deve ser procurada a qualquer
hora do dia: de manhã (v. 14a) e pelas noites (v. 15b), e
em qualquer lugar: à porta (v. 14b) e pelas estradas (v.
16b), ou seja, sempre e em qualquer lugar. O esforço
para encontrar a sabedoria será logo recompensado, pois
ela própria se dá a conhecer sem dificuldades, dando
sentido a tudo o que realizam.
Evangelho (Mt 25,1-13): Vigiar é praticar a justiça
6. A parábola das dez virgens faz parte do "discurso
escatológico" de Mateus (caps. 24-25). Ela fala do final
dos tempos.
7. Muitas pessoas ficam perplexas e perdem o sono di-ante
da vida, seus desafios e suas múltiplas possibilida-des
de realização (cf. v. 15). Algumas pessoas desani-mam
na busca de um sentido para a própria existência,
desistindo inclusive de viver. O texto de hoje nos ensina
que a vida tem sentido, mas ele não nos é dado de "mão
beijada": é preciso lutar para encontrá-lo. Os que assim
agem vão perceber, dentro em breve, que a vida está pre-sente
em todos os seus projetos (cf. v. 16), portanto,
identificar as personagens da parábola: o noivo é Jesus, o
esperado; as dez virgens são as pessoas que, no tempo
que se chama hoje, vão se preparando para a vinda do es-poso;
o tempo da demora são os nossos dias, feitos de
expectativa e esperança; e o casamento é símbolo da fes-ta
final, à qual todos os seguidores de Jesus estão desde
já convidados, com a condição de estarem comprometi-dos
com a prática da justiça do Reino (óleo).
8. Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer no fi-nal
dos tempos. Para Mateus e suas comunidades, não
interessa a especulação sobre os detalhes. O evangelista,
contudo, nos dá algumas indicações: longe de satisfaze-rem
nossa curiosidade, essas indicações apontam para o
modo como devemos agir hoje a fim de podermos parti-cipar
da festa final. De fato, a parábola aponta para seu
final, que é a celebração do casamento de Jesus com a
humanidade. Nós somos convidados para essa festa.
Contudo, desde já precisamos saber que a porta estará
aberta para uns e fechada para outros.
9. Jesus tomou como pano de fundo uma festa de casa-mento
do seu tempo, realizado à tardinha e, às vezes, de
noite. A noiva ficava em sua casa, aguardando a chegada
do noivo. Era costume que um grupo de amigas estivesse
com ela durante o tempo de espera. O noivo, por sua vez,
não tinha hora marcada para chegar, o que aumentava a
expectativa. Na parábola, o noivo chega em hora inusita-da,
quando todos já estão dormindo. Esse elemento é im-portante
para as comunidades de Mateus, ansiosas pela
vinda de Jesus (cf. também a 2ª leitura): Jesus chega de
improviso e, enquanto ele não chegar, é preciso vigiar
(cf. v. 13: "Fiquem vigiando, porque vocês não sabem
qual será o dia, nem a hora").
10. O que é vigiar? Como se pode falar em vigilância
quando todas as virgens da parábola acabam dormindo,
sem que isso seja considerado ato de insensatez? A vigi-lância,
na parábola, não consiste no fato de as virgens fi-carem
acordadas, e sim no fato de terem ou não óleo su-ficiente
para suas lâmpadas. De fato, quando é dado o
grito que anuncia a chegada do noivo, não há mais tem-po
para sair em busca de óleo, pois logo em seguida ini-ciam
os festejos e, quem tem óleo em suas lâmpadas, en-tra
a fazer parte da festa, ao passo que quem não tinha
2. óleo consigo, mesmo que o encontrasse, encontraria a
porta fechada.
11. Vigilância, portanto, é estar pronto para a "hora do
grito", isto é, desde o começo. Mas como é que as pesso-as
podem estar prontas desde o começo? A resposta pare-ce
estar na leitura que fazemos do significado do óleo.
Isso não é fácil, pois é possível ler aí muitas coisas. Se-gundo
o ensinamento rabínico, o óleo é símbolo das
ações de justiça. Essa informação é importante e nos re-mete
ao cerne do evangelho de Mateus. Aí Jesus é apre-sentado
como o Mestre da Justiça. Sendo a parábola das
dez virgens um texto que fala do final dos tempos, é fácil
então perceber como podemos estar ou não prontos para
o banquete final: a preparação depende de nosso com-promisso
com a justiça do Reino. É inútil querer, em
cima da hora, arrumar um pouco de azeite junto a outras
pessoas, pois cada qual é responsável pelo que acumulou
ao longo da própria vida. A recusa das cinco virgens pru-dentes
em emprestar óleo para as cinco sem juízo é sin-tomática:
não é possível a transferência de "méritos" de
uma pessoa a outra. Cada qual irá receber pelo que fez.
Além disso, descobrimos o que, finalmente, é ter juízo
ou não tê-lo em nossa sociedade: bom senso ou loucura
dependem da consciência que temos da justiça e da práti-ca
que daí deriva.
12. Estar prontos para a hora do grito é, portanto, ser
criadores de uma prática da justiça que traduza em con-creto
o Reino de Deus inaugurado por Jesus: "Se a justi-ça
de vocês não superar a dos doutores da Lei e a dos fa-riseus,
vocês não entrarão no Reino do céu" (5,20). Sen-do
a parábola um texto que fala do final dos tempos, per-mite-
nos também uma consideração sobre a morte do
discípulo de Jesus, o Mestre da Justiça. Nossa vida pre-sente
é um convite constante à festa da vida que não ter-mina
(casamento). Mas a porta estará aberta ou fechada
de acordo com nossa prática da justiça ou da injustiça,
pois a morte do discípulo é fruto e coroa da vida que le-vamos.
2ª leitura (1Ts 4,13-18): Estaremos sempre com o Se-nhor
13. Um dos temas importantes de 1Ts é o da vinda do
Senhor. É que Timóteo, voltando da visita que fez à co-munidade
de Tessalônica, relatou a Paulo a tristeza de al-guns
que perderam entes queridos no período que vai da
fundação da comunidade à visita de Timóteo. Ao fundar
a comunidade, Paulo havia transmitido os conteúdos bá-sicos
da fé cristã, ou seja, que Jesus morreu e ressuscitou
(cf. v. 14) e que virá dentro em breve (parusia). Paulo, e
com ele muitos dos primeiros cristãos, acreditavam estar
ainda vivos por ocasião dessa vinda (v. 17). A dificulda-de
dos tessalonicenses reside no fato de uma possível
desvantagem dos que já morreram em relação aos que
ainda vivem por ocasião da vinda do Senhor Jesus (cf. v.
15).
14. O fato serve de ocasião para que Paulo continue
transmitindo, desta vez por carta, os conteúdos básicos
da fé cristã. Um desses conteúdos diz respeito à condi-ção
dos que já passaram desta vida. Para ele, a tristeza
diante da morte é fruto do desconhecimento daquilo que
acontece com os que morrem, e é própria dos que não
têm esperança (v. 13). Em seguida, mostra que os cris-tãos
têm a mesma sorte de Jesus: "Se Jesus morreu e res-suscitou
— e é esta a nossa fé — assim também Deus le-vará,
por Jesus e com Jesus, aqueles que morreram" (v.
14), sem que os vivos possam ter vantagem sobre os fa-lecidos
(v. 15).
15. A seguir, Paulo fala da vinda de Jesus. Ele a descre-ve
nos moldes das apresentações em público das grandes
personagens daquele tempo, usando inclusive termos
próprios de teofanias. De fato, o texto fala de nuvens,
trombeta, ares, céu, palavras que recordam a peregrina-ção
do povo no Antigo Testamento ao encontro de Deus
no monte Sinai. A peregrinação do novo povo de Deus é
em direção à Jerusalém celeste, de modo que "assim es-taremos
sempre com o Senhor" (v. 17b).
16. Os cristãos de Tessalônica tinham grande apreço
pela união das pessoas, inclusive a união com os que já
passaram desta vida. Paulo soube captar, com sensibili-dade,
esse sentimento e apresentar uma resposta à altura
da fé: Deus não deixa sem solução o desejo que eles têm
de comunhão e união; pelo contrário, a pessoa de Jesus
ressuscitado é o cimento que une ao seu redor todos, tan-to
os que já morreram quanto os que ainda estão vivos:
"Deus levará, por Jesus e com Jesus, aqueles que morre-ram…
nós, os que estivermos ainda vivos, seremos arre-batados
com eles nas nuvens, para o encontro com o Se-nhor,
nos ares. Consolem-se, pois, uns aos outros com
essas palavras".
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
17. A 1ª leitura (Sb 6,12-16) nos mostra que o ser humano está à procura de algo que pode ser tra-duzido
como o sentido da vida ou o desejo de absoluto. Quem procura a sabedoria que oriente sua
vida irá encontrá-la em todos os seus projetos.
18. A parábola das dez virgens (Mt 25,1-13) mostra que cada qual irá receber pelo que fez. Vigiar,
na parábola, é comprometer-se com a prática da justiça. Um sábio judeu gostava de dizer às pesso-as:
"Viva hoje como se fosse morrer amanhã".
19. O texto da carta aos Tessalonicenses (1Ts 4,13-18) é de grande consolo e esperança para quan-tos
custam aceitar a morte de pessoas amadas. Além disso, reforça o sentido da união e comunhão
entre as pessoas.