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Cadernos Aquilinianos, 22, 2014, 47-54
A ALEMANHA VISTA POR AQuILIN0
RIBEIRO, Aquilino (1958). Maria Benigna. Lisboa: Bertrand.
(2009). As Três Mutheres de Sansão. Lisboa: Bertrand.
(1983). 0 Livro do Menino-Deus. Lisboa: Bertrand.
(1985). Caminhos Errados. Lisboa: Bertrand.
RICOEUR, Paul (2010). Amor eJustiça. Lisboa: Ediçoes 70.
(2013). A SimbOlica do Mal. Lisboa: EdiçOes 70.
TOURNIER, Michel (1996). Le miroir des idees. Paris: Mercure de
France.
VIDIGAL, Luis (1996). “Volfrãmio: Anglofobia e Germanofilia em
Aquilino Ribeiro”. Cadernos Aquiinianos 4, 37-45.
W.AA. (1986). Biblia Sagrada. I 3 ed. Lisboa: Difusora BIblica.
W. AA. (2012). A Biblia deJerusalërn. São Paulo: Paulus.
WRIGHT, Robert (2011). A Evoluçao de Deus. Lisboa: Guerra e Paz.
Resumo: Na novela As Trés Muiheres de SansJo, Aquilino Ribeiro
relë, de forma crftica, a histc5tia de Sansão, o herói israelita.
Abstract: In the novella As Trés Mumeres de Sansão, Aquilino Ribeiro
reads, in a critical way, the story of Samson, the Israeli hero.
Peter Hanenberg
Centro de Estudos de ComunicacAo e Cultura
Universidade CatOlica Portuguesa
Tuclo começou em 1906:0 jovem Aquilino Ribeiro oriundo da Beira Alta
instala-se em Lisboa para servir a revoluçao contra uma monarquia cansada e
em dedInlo. Um ano depois pareda que a mudança estava para acontecer: 0
partido republicano ganhara força, os jornais estavam cheios de polemicas, o
parlamento seria encerrado pelo exército, estudantes entravarn em greve e
bombas rebentavam um pouco por todo o lado. E também no quarto de
Aquilino na Rua do Cariião. Os amigos Gonçalves Lopes e Belmonte de Lemos
morrerarn quando estavam a preparar a bomba, Aquilino que salu ileso foi
preso no mesmo dia a noite e conseguiu fugir da prisao pouco depois,
inidando a sua primeira fuga do pals e o seu primeiro exilio em Paiis. Corn a
implantaçao da Repüblica no dia 5 cle Outubro de 1910, Aquilino regressa
brevemerite a Portugal para depois começar urn curso de Filosofia e Sociologia
na Sorbonne.
na Sorbonne que Aquilino conhece Grete Tiedemann, uma jovem
alemã de Medemburgo, no Norte da Alemanha. Corn ela faz, em 1912, a sua
primeira viagem para a Alemanha, ficando algumas semanas em Bedim e em
Parchim, terra natal da sua noiva. “Este casarnento”, escreveu mais tarde, “que
foi urn acto voluntarioso das duas partes, sobretudo da minha mulher que,
durante dois anos, lutou com a resisténcia da farnulia, foi laborioso e intrincado.
Ao pal repugnava-Ihe dar a fliha a urn homem duma nadonaildade pequena e
anarquica, sem profissAo lucrativa, argumentando-me que ‘a grandeza ou
pequenez das nacOes se reflectia sobra a grandeza ou pequenez das famuilas’.
Afinal foi minha mulher quem triunfou e tudo se resolveu a bem.” Aquilino e
I Joao Bigotte chorao: Cartas inéditas de Aquilino Ribeiro a Carlos Maiheiro Dias, In:
Coloqulo Letras 106(1988), pp. 58-64; aqui p.61.
47
Grete Tiedemann casaram no dia 28 de fevereiro de 1913 em Schwerin, onde
o pal da noiva, Fritz Tiedemann, era urn hornem conhecido e respeitado ate na
corte deste pequeno ducado. No mesmo ano, a pubhcaçao de Jardim das
Tormentas fez de Aquilino urn escritor conheado e reconheddo.
Ate ao outono de 1914 o casal luso-alemao permaneceu em Paris
onde nasceu também o fliho AnIbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro em
fevereiro deste ano. No diärio deste tempo que salu mais tarde sob o tItulo
E a guerra, o escritor lamenta o ambiente hostil e a propaganda bélica que
se fazia sentir em toda a cidade:
Quem me dera já em Portugal, na minha aldela, dormente desde que
- o primeiro homem au ergueu uma palhoça! Fechar-me nela como em
• deserto e nunca mais ler a maldita palavra humana em livros e jornais!
Esquecer-me na casa tranquila dos horrores que nestes meses tenho visto e
pulsado ate sempre [•••]•2
Em finais de setembro de 1914 a famIlia e obrigada a deixar a Franca
e volta a Portugal. No firn da Grande Guerra, Aquilino trabalha na Biblioteca
Nacional que Ihe propordona uma segunda viagem a Alemanha cujo relato
foi publicado sob o tItulo Alemanha Ensanguentada, logo a seguir ao diário
E a Guerra em 1934. “Embora negOdos da familia me levem a Alernanha,”
expilca Aquilino numa entrevista dada ao jornal A Pátria pouco antes da
partida, “viajarel pausadamente, demorando-me em Madrid, Paris,
Bruxelas e sobretudo em Berlim. Necessito sentir a nova Europa, as suas
lutas, as suas esperanças. Tomarel notas e escreverei uma longa série de
cartas para A Pãtria, a pedido do seu director.”3 Na realidade, Aquilino
publicou cinco “Cartas da Alemanha” que correspondem grosso modo a
alguns capitulos do livro vindo a lume rnais tarde. Aquilirto possulu,
portanto, uma acreditaçAo como jornalista4 o que Ihe abriu acesso a
determinados sftios (como urn campo de prisoneiros de guerra; vd. AE
I 04-113). Mas Aquilino não viajou exclusivarnente como jornalista. Além
dos negOcios da familia — o pai de Grete tinha falecido durante a guerra e
havia de abordar questOes de herança — Aquillno aproveitou a viagem para
2Aquilino Ribeiro (1934): E a Guerra. I ecliçao de 1934; cita-se a ediçao do Bertrand
1975, p. 281.
3 Entrevista em A Pãtria, II de setembro de 1920.
Vd. Aquilino Ribeiro (1885-1963). Catalogo do E.xposiçao Comemorariva do Primeiro
Centenárjo do Nascjmento. Lisboa: Biblioteca Nacional 1985. n2. 1386.
efectuar pesquisas bibllograficas em nome da Bibiloteca Nacional e para
participar num congresso bibliotecário em Bruxelas.5
Mas mais do que nos livros, confessa Aquilino, na referida entrevista,
estar interessado na vida das pessoas e nas grandes mudanças sociais.
espirituais, artIsticas, económicas e poilticas que se verificavam pela
Europa fa. E corn especial interesse olhava para a Alemanha, Ia muito
longe de Portugal, numa especie de sombra distante, vencida pelos aliados
aos quals Portugal se juntou em boa hora, mas com pouco éxito e sob pena
de milhares de mortos e feridos. A Alemanha — sabe Aquilino no momento
da sua malor derrota — voltará a marcar a histOria da Europa. Disse Aquilino
ao jornal A Pátria:
A Alemanha desde que se estabilize, dentro das grandes ideias de
renovaçao que a agitam, voltará a ser urn povo ilustre. A guerra foi para ela
urna catãstrofe, urn terrIvel ensinamento. 0 alemao, porém, e reflectido,
sabendo tirar dos acontecimentos as liçoes infaliveis. [.. .1 A indüstria,
sciência, a arte, a filosofla vao tornar-se para ele urn novo e alto
imperialismo. A sua acçao neste campo deve ser notabilIssima. A sua
cultura deixará de ser agressiva. A Europa e corn ela o mundo pertencera as
naçoes mais cultas. A Alemanha conta corn urn lugar de destaque. E eu que
vivo da rninha pena de escritor, apredando, portanto, mais a paz que a
guerra, saudarei nela a libertacao da humanidade.6
Estas palavras são representativas da atitude positiva e
simpatizante corn que Aquilino iniciou a sua viagem em 1920. A questao
da chamada “Germanofilia Aquiliniana” tern aqui a sua origem.7 Mas a
viagem pelas terras germãnicas proporcionou ao escritor também uma
visão dos perigos que se conjecturaram e que acabaram por se
concretizar poucos anos depois: “Não sei, mas estou em crer”, escreve
num artigo pubilcado em 26 de outubro de 1920, “que da paz forjicada
tao torpemente em Versalhes ou sal uma Alemanha corn todos os
instintos da fera que foi traquejada, pronta a dar o salto no momento
oportuno, ou uma Alemanha que há-de acabar por se entregar a Lenine
de alma e coraçao” (AE 32). Ou mais tarde:
5 Vd. no catalogo citado n 1387.
6 Vd. a entrevista citada.
Vd. a dissertacAo de mestrado de Filipe costa: A5 Representacaes cia Alemanha no
Diarlo de Viagem Alemanha Ensanguentada de Aquilino R1L’eiro. A Questao da Germanofihia
Aquilinia.na. coimbra: FLUC 2006.
48
49
Se aparecer urn aventureiro, resoluto e de maus uigados, que se
confine nurna vaga e apocaliptica ideologia, que bata o pê ao vencedor,
misto de Ariticristo e de Lohengrin, tern povo. Vencida, mas não derrotada,
a Alernanha quando puder voltarã a desembainhar a espada, no que, de
resto, nao faz mais que obedecer a estüpida condiçao humana. (AE 116)
São observaçOes como estas que lentamente modificaram a imagem
da Alemanha em Aquilino, apesar de sempre manter a admiraçao pela sua
cultura e pelas artes: “Estamos passando dias bem tristes”, escreve
Aquilino nurna carta de Serum:
£ verdade, mas deixe-me dizer-Ihe que o meu gerrnanofihismo
- sofreu muita correcçao. A verdade obriga em muitos pontos, a desestimar
o que estirnara. A Alemanha não tern razAo em muita coisa; as acusacOes
dos allados, muitas são legItimas e corn fundamento. Mas expoliam-nos em
excesso, e e outra verdade.8
Aquillno alerta para Os perigos que se adivinharam numa Alernanha
ferida, mas orgulhosa, derrotada, mas poderosa, vencida, mas sempre
preparada. E ele defende a necessidade de conhecer melhor esta Alemanha,
as suas condicOes e vivências, a sua potência cultural e os desafios sociais e
humanos de urn povo que — através do Tratado de Versaihes — acabara de ser
obrigado a assumir a responsabilidade exciusiva da guerra mais desastrosa e
cruel de todos os tempos. Aqulilno defende na medida em que olha corn
atençao, ouve, aprende, na medida em que se confronta corn as realidades
de urn pals que para Portugal e o mundo tinha dado as Ultimas provas da sua
agressividade. Tal como Aquilino nao temeu as autoridades da monarquia (e
mais tarde da ditadura em Portugal), também nao temia uma opinião püblica
que tinha feito o seu juizo negativo sobre o inimigo de guerra, longa e
profundamente preparado pela propaganda dos anos anteriores. A opiniao
püblica contrapOe as suas experiências em terras alheias, as suas descricOes
conhecedoras das terras e das paisagens, das pessoas que encontra no
cornboio entre a Belgica e a Alemanha, nas ruas, casas e espacos püblicos de
Berlirn e Parchim, de Schwerin, Hildesheim, 1-lameln, Pyrmont, Hanover,
Hamburgo e Colónia, as suas licOes de História e Politica e — ate de lingua
alernã. Mais do que ninguern, Aquilino percebeu as realidades e os segredos
do seu tempo e soube transrniti-Ios numa prosa inconfundivel.
8 Biblioteca Nacional, Lisboa, Esp E 7/1727.
Ponderar pontos de vista e posicOes, entender o que está a
acontecer e quais os seus efeitos e as suas consequências, perceber como
as pessoas reagern perante as rnudancas e como se habituam a ela: eis o
interesse de Aquilino. Os seus apontamentos no “caderno de urn viajante”
— assim o subtitulo de Alemanha Ensanguentada — são urn documento
variado e historicamente rico sobre a Alemanha acabada de sair da guerra
e da derrota, numa ëpoca que parecia ser o inicio da paz e acabou por ser
a preparacao do prOximo conflito. Aquilino ja o sabia em 1920: “A guerra”,
anotou em Parchim no dia 22 de outubro, “não é a mae de todas as coisas,
corno pretendia Herãclito, mas do que ela e mae corn toda a certeza é da
guerra, e nao é nem será outra a sua genealogia desde o corneco ao fim
dos tempos. Pouco há-de viver quem não vir o Reno e o VIstula arrastar
enxurradas de cadãveres.” (AE 116).
A publlcaçAo de Alemanha Ensanguentada, em 1934, foi por isso
também uma tentativa de oferecer ao püblico português alguma
explicação para a tornada de poder de Hitler no ano anterior: como o
resultado de erros politicos, oportunidades perdidas, vaidades magoadas,
angüstias essenclais, miséria e pobreza. No prefãcio dedicado ao medico
de famlila, Dr. Francisco Pulido Valente, Aquilino escreve em 1934:
Decerto que a Alernanha, agora na berra, não quadra ao gosto durn
espirito sensivel a moderacão e harmonia. Os autos-de-fé que reduziram a
cinzas livros menos ortodoxos e o êxodo dos sábios e escritores que nao
comungavam no credo novo representam os piores atentados contra a
inteligência. Para eles não ha absolutOria possivel no tribunal da razAo. £
preciso descer a sua prOpria etiologia para explicá-los. (AE 7)
E mais adiante:
Nao sei se algumas destas pãginas destoam, querido e ilustre amigo,
do seu douto critério e da rigorosa objectividade aconselhãvel em tudo o
que respeita ao facto de Indole social. 0 Pulido Valente veja nelas o
propOsito de esclarecer o fenOmeno estupendo da Alemanha hitleriana [...1.
(AE 9-10)
0 caderno de urn viajante tern, portanto, urn objectivo funcional:
descer a histOria recente para explicar a Alernanha actual e “esclarecer o
fenOrneno estupendo da Alemanha hitleriana”. As observaçOes que
Aquilino oferece aos seus leitores podem, de facto, ajudar a explicar o
desenvolvimento da situacao politica nos anos que se seguem a Grande
50 51
Guerra — mas nunca servem para justificar ou desculpar o rumo que a
Aiemanha tomou. Isto vale tanto mats nos longos trechos de texto em que
Aquilino dä voz as personagens que encontra durante a sua viagem. Aqul
como em tudo, Aqullino não pretende ensinar ou teorizar, mas antes
testemunhar experiencias diferenciadas.
Um exemplo ilustrativo e o modo como Aquilirio introduz as suas
observaçoes sobre a revoluçao republicana na Alemanha:
Entro para urn taxi na Bremer Str. e dou 0 endereço:
- Biblioteca Imperial...
- Bibiloteca Imperial nao sei o que seja - responde-me o chauffeur,
lazendo uma careta.
Ora essa! ... Biblioteca püblica... onde ha muitos livros...
- Biblioteca Nacional, quer o senhor dizer...? Isso set o que e. (AE 38)
Urn taxista que pouco depots de urn ano, j náo sabe (ou tinge não
saber) o que era a Biblioteca Imperial ë um dado muito concreto para
ilustrar as profundas alteraçoes polIticas que houve na Alernanha depois da
Grande Guerra. Um outro exemplo muito itustrativo é a maneira como
Aquilino faz sentir o sofrimento que a Grande Guerra trouxe para a
populaçao alemã, exemplllIcando-o numa sO rua:
o meu guia vai-rne [...] avivando a mernOria: “All naquele res-do
chao, de porta negra e cerrada, morava urn vesteiro. [...] A terra da Flandres
come-the o rapaz e o velho morreu de paixäo. [...J Mais adiante, era Max,
mecânico de bicicletas; morto diante de Liege. A esquerda certo veiho
fotografo [...] Dois flihos varôes que tinha ambos a guerra the levou.
Andando sempre e as duas bandas tinham morrido: urn fliho a dona do
estanco de tabacos, na Russia [...J, o marceneiro da esquina na Flandres; e
quase ao fundo, aquele ediffclo [...], Correios e Telegrafos, converter-se-ia
em necrOpole se the depositassem dentro as ossadas daqueles que all
serviam e foram ceifados pelo aço. Corno nao, se a Alemanha no ültimo ano
de luta sofria cerca de cern mu baixas por mês? Se o total dos mortos supera
dots milhOes? (AE 99-100)
Na sua densidade literänia o relato e simultaneamente histOrico e
smbOlico. Urn exemplo disso é a descriçao da cidade de Hildesheim que
Aquilino visitou no dia 8 de novembro de 1920 (AE 160-166). 0 que se
apresenta aqui ao leitor é uma reminiscencia a uma cidade, que não
sobreviveu a segunda catástrofe alema, vinte anos depois. Mas ao mesmo
tempo toda a descriçao das complexas construçôes em madeira é urn
sImbolo da “alma alemã” que Aquilino parece ter encontrado aqul: digna
de histOria e em antiguidade, urn pouco versãtil e estranha, mas instrulda
e culta, tecnicamente avancada e excêntrica na expressao.
Os leitores de hoje encontram em Alemanha Ensanguentada urn
testernunho que surpreende pela distãncia e pela neutralidade,
alimentadas pelo conhecimento profundo e pela simpatia empenhada e
prevenida. Taxistas, bibliotecänos, oticials demitidos, vitimas da inflacao,
nacionalistas, pacifistas, professores e mendigos e mesmo aqueles que
souberam tirar proveito da guerra — e que Aquilino chama pelo seu nome
alemão Kriegs-Gewinner (AE 17) — encontram-se aqul ao lado de viajantes
espanhOis ou russos prontos a combater novamente. Aquilino retrata o dia
a-dia de uma Alernanha entre guerra, revoluçao e paz, entre senhas para o
pão, tarnancos, frio, luto, esperanca e uma nunca cessante reflexão sobre
os meandros do destino que se veriflcou tAo enganador.
Corn o seu “caderno de urn viajante” Aquilino charna a atencAo para
uma epoca que urge redescobrir — mesmo para perceber os anos que se
seguirarn. Quem lé estas observacoes facilmente entende como aqui forarn
encarninhados os conflitos e as decisOes do seculo XX, muito em especial
no prOprio ano de 1920, em que o Tratado de Versalhes entrou em vigor,
em que a Sociedade das NacOes iniciou o seu trabaiho, em que a guerra
civil na Rissia acabou corn a vitOria do exército venmelho sobre o exército
branco, em que o conflito entre a Russia e a PolOnia se decidlu em favor da
PolOnia e em que na Alernanha o chamado golpe de Kapp demostrou a
forca e a vontade de urna contra-revoluçAo da direita, em que Hitler se
tinha apresentado pubilcamente no famoso Hofbräuhaus em Munique e
em que nas regloes industrials se movirnentaram os comunistas e em que
tudo isto anunciou as crises que preparavam, desde jA, o fracasso da
Republica de Weimar. As mudanças que a Grande Guerra trouxe
inscreveram-se marcadamente na fisionomia europela e do mundo: o tim
da rnonarquia, a lenta agonia do colonialismo e a divisAo do mundo num
bloco capitalista de urn lado e cornunista do outro são os resultados de urn
estranho progresso que tern inIclo no tim da guerra de 1914-1918. Por isso
mesmo, as observacoes de Aqullino podern ajudar a entender meihor esta
carninhada para o que viria a ser uma ‘Europa nova’.
Portugal entrou na guerra por nazOes rnuito prOprias — e urn pouco
contra a vontade do seu allado de longa data, o Reino Unido. Mas os
antagonismos internos, a necessidade de atlrrnacAo da jovem Repüblica e
os velhos conflitos com a Alernanha em relaçao as colónias em Africa
acabaram por determinar a entrada do pals ao lado dos allados. Aquitino
52
53
Cadernos Aquilinianos, 22, 2014, 55-70visitou mais tarde os campos de bataiha onde muitos portugueses
deixaram as suas vidas. 0 relatOrio sobre esta visita estä incluldo na
segunda parte do livro Alemanha Ensanguentada. Na altura desta visita, no
outono de 1928, Aquilino encontrava-se novamente no exllio em Paris,
depois de ter participado numa revolta contra a ditadura militar. No ano
anterior — e no meio das convulsOes poifticas — a esposa Grete Tiedemann
falecera na Soutosa. Com a publicaçao do caderno de um viajante deixou
também uma homenagern as suas experiências germanicas,
testemunhando sem qualquer tipo de sentimentalidade as grandes
convulsOes politicas que tanto marcararn a Alemanha como o seu pals, ja
a caminho da ditadura.
Entretanto, Aquilino tornara-se um dos escritores mais respeitados
.da sua geraçAo. Ao contrãrio de poetas como Fernando Pessoa, a atençAo
de Aquilino não se destina aos exercicios da alma e dos seus
existencialismos, mas sim as condicOes de vida, nao se destina as idelas
filosOficas de um Quinto lrnpério, mas as necessidades, oportunidades e
erräncias do quotidiano e as rnudanças epocais de uma modernidade
acelerada. São as condicOes particulares, as complexidades contraditórias,
os abismos do animalesco na vida humana e as seducOes do materiallsmo
que Aquilino explora nas suas obras, mais do que as construcOes sublimes
de urn mundo artificial de ideias e de ideais. NAo se trata de antever o
homem novo, trata-se de reconhecer como as pessoas vivem. E mesmo
assim, as descriçOes da vida do dia-a-dia que Aquilino nos deixou estão
cheias de urn humanismo profundo e de uma moralidade inabalãvel.
Tambérn aqui reside o grande valor do seu relato sobre a Alernanha no ano
de 1920: tornando visIvel uma época que rnuito marcou o destino do
seculo XX de que sornos herdeiros.
AQuILIN0 R1BEIRO, MANUEL DA FONSECA
E A ALCATEIA DOS LoBos UIVANTES
Manuel da Lima Bastos
Em 1958 Aquilino Ribeiro publicou a obra Quando os Lobos Ulvam que
o regime ditatorial salazarista considerou urn desaflo afrontoso a sua poiltica
de refiorestação de certas zonas serranas de media altitude a qual seria feita,
em larguissima medida, a custa dos baldios de uso comunitãrio e da
consequente espoliação de urn recurso que constitula o principal sustentáculo
da precaria subsistënda das populacOes montesinhas no interior beirAo.
A história, sendo veiha de muitos séculos e bern conhecida a posicao
do escritor, serviu ao mestre das letras portuguesas para dar a estampa
uma obra de ficcAo em que narra, corno se fosse urn imenso mural, a
resistência heróica dos povos serranos ao rniserãvel esbuiho que o regime
totalitãrio se preparava para cometer. Aquilino, pese embora a sua
condiçAo de civilizado culto, lamais renegou da capucha que o vestira e
agasalhara quando apareceu neste rnundo por entre Os desdobres das suas
bern arnadas serras da Lapa e da Nave.
Assirn foi, assirn se sentiu toda a vida e do facto quis deixar, jA perto
do fim, o testemunho infiexo: nunca soube o que era seividão aos
preconceitos, ao poder, as classes, nem mesmo ao gosto do publico. Ja no
primeiro nümero da Seara Nova quis consignar o que a pollcia polltica
impedira que dissesse de viva voz em 1945 nurn acto publico promovido
pelo MUD: A literatura, em tanto que arte, é uma manifestacão de homens
livres e eu nunca vesti a libré de ninguëm, nern do rei, nem do rico, nem
do politico, nem do cOnsul.
A propOsito desta necessária e irrenunciável independénda do artista,
em particular daqueles que escrevern, do mesmo passo sustenta que o
comprornetirnento corn o povo donde proveio lhe impOe que seja urn
inte,ventor no mundo, nao deixando por isso de fazer arte, corno exarou no
seu SolilOquio Autobiogrãfico Literário, urn dos ültirnos textos que escreveu.
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Aquilino ribeiro

  • 1. Cadernos Aquilinianos, 22, 2014, 47-54 A ALEMANHA VISTA POR AQuILIN0 RIBEIRO, Aquilino (1958). Maria Benigna. Lisboa: Bertrand. (2009). As Três Mutheres de Sansão. Lisboa: Bertrand. (1983). 0 Livro do Menino-Deus. Lisboa: Bertrand. (1985). Caminhos Errados. Lisboa: Bertrand. RICOEUR, Paul (2010). Amor eJustiça. Lisboa: Ediçoes 70. (2013). A SimbOlica do Mal. Lisboa: EdiçOes 70. TOURNIER, Michel (1996). Le miroir des idees. Paris: Mercure de France. VIDIGAL, Luis (1996). “Volfrãmio: Anglofobia e Germanofilia em Aquilino Ribeiro”. Cadernos Aquiinianos 4, 37-45. W.AA. (1986). Biblia Sagrada. I 3 ed. Lisboa: Difusora BIblica. W. AA. (2012). A Biblia deJerusalërn. São Paulo: Paulus. WRIGHT, Robert (2011). A Evoluçao de Deus. Lisboa: Guerra e Paz. Resumo: Na novela As Trés Muiheres de SansJo, Aquilino Ribeiro relë, de forma crftica, a histc5tia de Sansão, o herói israelita. Abstract: In the novella As Trés Mumeres de Sansão, Aquilino Ribeiro reads, in a critical way, the story of Samson, the Israeli hero. Peter Hanenberg Centro de Estudos de ComunicacAo e Cultura Universidade CatOlica Portuguesa Tuclo começou em 1906:0 jovem Aquilino Ribeiro oriundo da Beira Alta instala-se em Lisboa para servir a revoluçao contra uma monarquia cansada e em dedInlo. Um ano depois pareda que a mudança estava para acontecer: 0 partido republicano ganhara força, os jornais estavam cheios de polemicas, o parlamento seria encerrado pelo exército, estudantes entravarn em greve e bombas rebentavam um pouco por todo o lado. E também no quarto de Aquilino na Rua do Cariião. Os amigos Gonçalves Lopes e Belmonte de Lemos morrerarn quando estavam a preparar a bomba, Aquilino que salu ileso foi preso no mesmo dia a noite e conseguiu fugir da prisao pouco depois, inidando a sua primeira fuga do pals e o seu primeiro exilio em Paiis. Corn a implantaçao da Repüblica no dia 5 cle Outubro de 1910, Aquilino regressa brevemerite a Portugal para depois começar urn curso de Filosofia e Sociologia na Sorbonne. na Sorbonne que Aquilino conhece Grete Tiedemann, uma jovem alemã de Medemburgo, no Norte da Alemanha. Corn ela faz, em 1912, a sua primeira viagem para a Alemanha, ficando algumas semanas em Bedim e em Parchim, terra natal da sua noiva. “Este casarnento”, escreveu mais tarde, “que foi urn acto voluntarioso das duas partes, sobretudo da minha mulher que, durante dois anos, lutou com a resisténcia da farnulia, foi laborioso e intrincado. Ao pal repugnava-Ihe dar a fliha a urn homem duma nadonaildade pequena e anarquica, sem profissAo lucrativa, argumentando-me que ‘a grandeza ou pequenez das nacOes se reflectia sobra a grandeza ou pequenez das famuilas’. Afinal foi minha mulher quem triunfou e tudo se resolveu a bem.” Aquilino e I Joao Bigotte chorao: Cartas inéditas de Aquilino Ribeiro a Carlos Maiheiro Dias, In: Coloqulo Letras 106(1988), pp. 58-64; aqui p.61. 47
  • 2. Grete Tiedemann casaram no dia 28 de fevereiro de 1913 em Schwerin, onde o pal da noiva, Fritz Tiedemann, era urn hornem conhecido e respeitado ate na corte deste pequeno ducado. No mesmo ano, a pubhcaçao de Jardim das Tormentas fez de Aquilino urn escritor conheado e reconheddo. Ate ao outono de 1914 o casal luso-alemao permaneceu em Paris onde nasceu também o fliho AnIbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro em fevereiro deste ano. No diärio deste tempo que salu mais tarde sob o tItulo E a guerra, o escritor lamenta o ambiente hostil e a propaganda bélica que se fazia sentir em toda a cidade: Quem me dera já em Portugal, na minha aldela, dormente desde que - o primeiro homem au ergueu uma palhoça! Fechar-me nela como em • deserto e nunca mais ler a maldita palavra humana em livros e jornais! Esquecer-me na casa tranquila dos horrores que nestes meses tenho visto e pulsado ate sempre [•••]•2 Em finais de setembro de 1914 a famIlia e obrigada a deixar a Franca e volta a Portugal. No firn da Grande Guerra, Aquilino trabalha na Biblioteca Nacional que Ihe propordona uma segunda viagem a Alemanha cujo relato foi publicado sob o tItulo Alemanha Ensanguentada, logo a seguir ao diário E a Guerra em 1934. “Embora negOdos da familia me levem a Alernanha,” expilca Aquilino numa entrevista dada ao jornal A Pátria pouco antes da partida, “viajarel pausadamente, demorando-me em Madrid, Paris, Bruxelas e sobretudo em Berlim. Necessito sentir a nova Europa, as suas lutas, as suas esperanças. Tomarel notas e escreverei uma longa série de cartas para A Pãtria, a pedido do seu director.”3 Na realidade, Aquilino publicou cinco “Cartas da Alemanha” que correspondem grosso modo a alguns capitulos do livro vindo a lume rnais tarde. Aquilirto possulu, portanto, uma acreditaçAo como jornalista4 o que Ihe abriu acesso a determinados sftios (como urn campo de prisoneiros de guerra; vd. AE I 04-113). Mas Aquilino não viajou exclusivarnente como jornalista. Além dos negOcios da familia — o pai de Grete tinha falecido durante a guerra e havia de abordar questOes de herança — Aquillno aproveitou a viagem para 2Aquilino Ribeiro (1934): E a Guerra. I ecliçao de 1934; cita-se a ediçao do Bertrand 1975, p. 281. 3 Entrevista em A Pãtria, II de setembro de 1920. Vd. Aquilino Ribeiro (1885-1963). Catalogo do E.xposiçao Comemorariva do Primeiro Centenárjo do Nascjmento. Lisboa: Biblioteca Nacional 1985. n2. 1386. efectuar pesquisas bibllograficas em nome da Bibiloteca Nacional e para participar num congresso bibliotecário em Bruxelas.5 Mas mais do que nos livros, confessa Aquilino, na referida entrevista, estar interessado na vida das pessoas e nas grandes mudanças sociais. espirituais, artIsticas, económicas e poilticas que se verificavam pela Europa fa. E corn especial interesse olhava para a Alemanha, Ia muito longe de Portugal, numa especie de sombra distante, vencida pelos aliados aos quals Portugal se juntou em boa hora, mas com pouco éxito e sob pena de milhares de mortos e feridos. A Alemanha — sabe Aquilino no momento da sua malor derrota — voltará a marcar a histOria da Europa. Disse Aquilino ao jornal A Pátria: A Alemanha desde que se estabilize, dentro das grandes ideias de renovaçao que a agitam, voltará a ser urn povo ilustre. A guerra foi para ela urna catãstrofe, urn terrIvel ensinamento. 0 alemao, porém, e reflectido, sabendo tirar dos acontecimentos as liçoes infaliveis. [.. .1 A indüstria, sciência, a arte, a filosofla vao tornar-se para ele urn novo e alto imperialismo. A sua acçao neste campo deve ser notabilIssima. A sua cultura deixará de ser agressiva. A Europa e corn ela o mundo pertencera as naçoes mais cultas. A Alemanha conta corn urn lugar de destaque. E eu que vivo da rninha pena de escritor, apredando, portanto, mais a paz que a guerra, saudarei nela a libertacao da humanidade.6 Estas palavras são representativas da atitude positiva e simpatizante corn que Aquilino iniciou a sua viagem em 1920. A questao da chamada “Germanofilia Aquiliniana” tern aqui a sua origem.7 Mas a viagem pelas terras germãnicas proporcionou ao escritor também uma visão dos perigos que se conjecturaram e que acabaram por se concretizar poucos anos depois: “Não sei, mas estou em crer”, escreve num artigo pubilcado em 26 de outubro de 1920, “que da paz forjicada tao torpemente em Versalhes ou sal uma Alemanha corn todos os instintos da fera que foi traquejada, pronta a dar o salto no momento oportuno, ou uma Alemanha que há-de acabar por se entregar a Lenine de alma e coraçao” (AE 32). Ou mais tarde: 5 Vd. no catalogo citado n 1387. 6 Vd. a entrevista citada. Vd. a dissertacAo de mestrado de Filipe costa: A5 Representacaes cia Alemanha no Diarlo de Viagem Alemanha Ensanguentada de Aquilino R1L’eiro. A Questao da Germanofihia Aquilinia.na. coimbra: FLUC 2006. 48 49
  • 3. Se aparecer urn aventureiro, resoluto e de maus uigados, que se confine nurna vaga e apocaliptica ideologia, que bata o pê ao vencedor, misto de Ariticristo e de Lohengrin, tern povo. Vencida, mas não derrotada, a Alernanha quando puder voltarã a desembainhar a espada, no que, de resto, nao faz mais que obedecer a estüpida condiçao humana. (AE 116) São observaçOes como estas que lentamente modificaram a imagem da Alemanha em Aquilino, apesar de sempre manter a admiraçao pela sua cultura e pelas artes: “Estamos passando dias bem tristes”, escreve Aquilino nurna carta de Serum: £ verdade, mas deixe-me dizer-Ihe que o meu gerrnanofihismo - sofreu muita correcçao. A verdade obriga em muitos pontos, a desestimar o que estirnara. A Alemanha não tern razAo em muita coisa; as acusacOes dos allados, muitas são legItimas e corn fundamento. Mas expoliam-nos em excesso, e e outra verdade.8 Aquillno alerta para Os perigos que se adivinharam numa Alernanha ferida, mas orgulhosa, derrotada, mas poderosa, vencida, mas sempre preparada. E ele defende a necessidade de conhecer melhor esta Alemanha, as suas condicOes e vivências, a sua potência cultural e os desafios sociais e humanos de urn povo que — através do Tratado de Versaihes — acabara de ser obrigado a assumir a responsabilidade exciusiva da guerra mais desastrosa e cruel de todos os tempos. Aqulilno defende na medida em que olha corn atençao, ouve, aprende, na medida em que se confronta corn as realidades de urn pals que para Portugal e o mundo tinha dado as Ultimas provas da sua agressividade. Tal como Aquilino nao temeu as autoridades da monarquia (e mais tarde da ditadura em Portugal), também nao temia uma opinião püblica que tinha feito o seu juizo negativo sobre o inimigo de guerra, longa e profundamente preparado pela propaganda dos anos anteriores. A opiniao püblica contrapOe as suas experiências em terras alheias, as suas descricOes conhecedoras das terras e das paisagens, das pessoas que encontra no cornboio entre a Belgica e a Alemanha, nas ruas, casas e espacos püblicos de Berlirn e Parchim, de Schwerin, Hildesheim, 1-lameln, Pyrmont, Hanover, Hamburgo e Colónia, as suas licOes de História e Politica e — ate de lingua alernã. Mais do que ninguern, Aquilino percebeu as realidades e os segredos do seu tempo e soube transrniti-Ios numa prosa inconfundivel. 8 Biblioteca Nacional, Lisboa, Esp E 7/1727. Ponderar pontos de vista e posicOes, entender o que está a acontecer e quais os seus efeitos e as suas consequências, perceber como as pessoas reagern perante as rnudancas e como se habituam a ela: eis o interesse de Aquilino. Os seus apontamentos no “caderno de urn viajante” — assim o subtitulo de Alemanha Ensanguentada — são urn documento variado e historicamente rico sobre a Alemanha acabada de sair da guerra e da derrota, numa ëpoca que parecia ser o inicio da paz e acabou por ser a preparacao do prOximo conflito. Aquilino ja o sabia em 1920: “A guerra”, anotou em Parchim no dia 22 de outubro, “não é a mae de todas as coisas, corno pretendia Herãclito, mas do que ela e mae corn toda a certeza é da guerra, e nao é nem será outra a sua genealogia desde o corneco ao fim dos tempos. Pouco há-de viver quem não vir o Reno e o VIstula arrastar enxurradas de cadãveres.” (AE 116). A publlcaçAo de Alemanha Ensanguentada, em 1934, foi por isso também uma tentativa de oferecer ao püblico português alguma explicação para a tornada de poder de Hitler no ano anterior: como o resultado de erros politicos, oportunidades perdidas, vaidades magoadas, angüstias essenclais, miséria e pobreza. No prefãcio dedicado ao medico de famlila, Dr. Francisco Pulido Valente, Aquilino escreve em 1934: Decerto que a Alernanha, agora na berra, não quadra ao gosto durn espirito sensivel a moderacão e harmonia. Os autos-de-fé que reduziram a cinzas livros menos ortodoxos e o êxodo dos sábios e escritores que nao comungavam no credo novo representam os piores atentados contra a inteligência. Para eles não ha absolutOria possivel no tribunal da razAo. £ preciso descer a sua prOpria etiologia para explicá-los. (AE 7) E mais adiante: Nao sei se algumas destas pãginas destoam, querido e ilustre amigo, do seu douto critério e da rigorosa objectividade aconselhãvel em tudo o que respeita ao facto de Indole social. 0 Pulido Valente veja nelas o propOsito de esclarecer o fenOmeno estupendo da Alemanha hitleriana [...1. (AE 9-10) 0 caderno de urn viajante tern, portanto, urn objectivo funcional: descer a histOria recente para explicar a Alernanha actual e “esclarecer o fenOrneno estupendo da Alemanha hitleriana”. As observaçOes que Aquilino oferece aos seus leitores podem, de facto, ajudar a explicar o desenvolvimento da situacao politica nos anos que se seguem a Grande 50 51
  • 4. Guerra — mas nunca servem para justificar ou desculpar o rumo que a Aiemanha tomou. Isto vale tanto mats nos longos trechos de texto em que Aquilino dä voz as personagens que encontra durante a sua viagem. Aqul como em tudo, Aqullino não pretende ensinar ou teorizar, mas antes testemunhar experiencias diferenciadas. Um exemplo ilustrativo e o modo como Aquilirio introduz as suas observaçoes sobre a revoluçao republicana na Alemanha: Entro para urn taxi na Bremer Str. e dou 0 endereço: - Biblioteca Imperial... - Bibiloteca Imperial nao sei o que seja - responde-me o chauffeur, lazendo uma careta. Ora essa! ... Biblioteca püblica... onde ha muitos livros... - Biblioteca Nacional, quer o senhor dizer...? Isso set o que e. (AE 38) Urn taxista que pouco depots de urn ano, j náo sabe (ou tinge não saber) o que era a Biblioteca Imperial ë um dado muito concreto para ilustrar as profundas alteraçoes polIticas que houve na Alernanha depois da Grande Guerra. Um outro exemplo muito itustrativo é a maneira como Aquilino faz sentir o sofrimento que a Grande Guerra trouxe para a populaçao alemã, exemplllIcando-o numa sO rua: o meu guia vai-rne [...] avivando a mernOria: “All naquele res-do chao, de porta negra e cerrada, morava urn vesteiro. [...] A terra da Flandres come-the o rapaz e o velho morreu de paixäo. [...J Mais adiante, era Max, mecânico de bicicletas; morto diante de Liege. A esquerda certo veiho fotografo [...] Dois flihos varôes que tinha ambos a guerra the levou. Andando sempre e as duas bandas tinham morrido: urn fliho a dona do estanco de tabacos, na Russia [...J, o marceneiro da esquina na Flandres; e quase ao fundo, aquele ediffclo [...], Correios e Telegrafos, converter-se-ia em necrOpole se the depositassem dentro as ossadas daqueles que all serviam e foram ceifados pelo aço. Corno nao, se a Alemanha no ültimo ano de luta sofria cerca de cern mu baixas por mês? Se o total dos mortos supera dots milhOes? (AE 99-100) Na sua densidade literänia o relato e simultaneamente histOrico e smbOlico. Urn exemplo disso é a descriçao da cidade de Hildesheim que Aquilino visitou no dia 8 de novembro de 1920 (AE 160-166). 0 que se apresenta aqui ao leitor é uma reminiscencia a uma cidade, que não sobreviveu a segunda catástrofe alema, vinte anos depois. Mas ao mesmo tempo toda a descriçao das complexas construçôes em madeira é urn sImbolo da “alma alemã” que Aquilino parece ter encontrado aqul: digna de histOria e em antiguidade, urn pouco versãtil e estranha, mas instrulda e culta, tecnicamente avancada e excêntrica na expressao. Os leitores de hoje encontram em Alemanha Ensanguentada urn testernunho que surpreende pela distãncia e pela neutralidade, alimentadas pelo conhecimento profundo e pela simpatia empenhada e prevenida. Taxistas, bibliotecänos, oticials demitidos, vitimas da inflacao, nacionalistas, pacifistas, professores e mendigos e mesmo aqueles que souberam tirar proveito da guerra — e que Aquilino chama pelo seu nome alemão Kriegs-Gewinner (AE 17) — encontram-se aqul ao lado de viajantes espanhOis ou russos prontos a combater novamente. Aquilino retrata o dia a-dia de uma Alernanha entre guerra, revoluçao e paz, entre senhas para o pão, tarnancos, frio, luto, esperanca e uma nunca cessante reflexão sobre os meandros do destino que se veriflcou tAo enganador. Corn o seu “caderno de urn viajante” Aquilino charna a atencAo para uma epoca que urge redescobrir — mesmo para perceber os anos que se seguirarn. Quem lé estas observacoes facilmente entende como aqui forarn encarninhados os conflitos e as decisOes do seculo XX, muito em especial no prOprio ano de 1920, em que o Tratado de Versalhes entrou em vigor, em que a Sociedade das NacOes iniciou o seu trabaiho, em que a guerra civil na Rissia acabou corn a vitOria do exército venmelho sobre o exército branco, em que o conflito entre a Russia e a PolOnia se decidlu em favor da PolOnia e em que na Alernanha o chamado golpe de Kapp demostrou a forca e a vontade de urna contra-revoluçAo da direita, em que Hitler se tinha apresentado pubilcamente no famoso Hofbräuhaus em Munique e em que nas regloes industrials se movirnentaram os comunistas e em que tudo isto anunciou as crises que preparavam, desde jA, o fracasso da Republica de Weimar. As mudanças que a Grande Guerra trouxe inscreveram-se marcadamente na fisionomia europela e do mundo: o tim da rnonarquia, a lenta agonia do colonialismo e a divisAo do mundo num bloco capitalista de urn lado e cornunista do outro são os resultados de urn estranho progresso que tern inIclo no tim da guerra de 1914-1918. Por isso mesmo, as observacoes de Aqullino podern ajudar a entender meihor esta carninhada para o que viria a ser uma ‘Europa nova’. Portugal entrou na guerra por nazOes rnuito prOprias — e urn pouco contra a vontade do seu allado de longa data, o Reino Unido. Mas os antagonismos internos, a necessidade de atlrrnacAo da jovem Repüblica e os velhos conflitos com a Alernanha em relaçao as colónias em Africa acabaram por determinar a entrada do pals ao lado dos allados. Aquitino 52 53
  • 5. Cadernos Aquilinianos, 22, 2014, 55-70visitou mais tarde os campos de bataiha onde muitos portugueses deixaram as suas vidas. 0 relatOrio sobre esta visita estä incluldo na segunda parte do livro Alemanha Ensanguentada. Na altura desta visita, no outono de 1928, Aquilino encontrava-se novamente no exllio em Paris, depois de ter participado numa revolta contra a ditadura militar. No ano anterior — e no meio das convulsOes poifticas — a esposa Grete Tiedemann falecera na Soutosa. Com a publicaçao do caderno de um viajante deixou também uma homenagern as suas experiências germanicas, testemunhando sem qualquer tipo de sentimentalidade as grandes convulsOes politicas que tanto marcararn a Alemanha como o seu pals, ja a caminho da ditadura. Entretanto, Aquilino tornara-se um dos escritores mais respeitados .da sua geraçAo. Ao contrãrio de poetas como Fernando Pessoa, a atençAo de Aquilino não se destina aos exercicios da alma e dos seus existencialismos, mas sim as condicOes de vida, nao se destina as idelas filosOficas de um Quinto lrnpério, mas as necessidades, oportunidades e erräncias do quotidiano e as rnudanças epocais de uma modernidade acelerada. São as condicOes particulares, as complexidades contraditórias, os abismos do animalesco na vida humana e as seducOes do materiallsmo que Aquilino explora nas suas obras, mais do que as construcOes sublimes de urn mundo artificial de ideias e de ideais. NAo se trata de antever o homem novo, trata-se de reconhecer como as pessoas vivem. E mesmo assim, as descriçOes da vida do dia-a-dia que Aquilino nos deixou estão cheias de urn humanismo profundo e de uma moralidade inabalãvel. Tambérn aqui reside o grande valor do seu relato sobre a Alernanha no ano de 1920: tornando visIvel uma época que rnuito marcou o destino do seculo XX de que sornos herdeiros. AQuILIN0 R1BEIRO, MANUEL DA FONSECA E A ALCATEIA DOS LoBos UIVANTES Manuel da Lima Bastos Em 1958 Aquilino Ribeiro publicou a obra Quando os Lobos Ulvam que o regime ditatorial salazarista considerou urn desaflo afrontoso a sua poiltica de refiorestação de certas zonas serranas de media altitude a qual seria feita, em larguissima medida, a custa dos baldios de uso comunitãrio e da consequente espoliação de urn recurso que constitula o principal sustentáculo da precaria subsistënda das populacOes montesinhas no interior beirAo. A história, sendo veiha de muitos séculos e bern conhecida a posicao do escritor, serviu ao mestre das letras portuguesas para dar a estampa uma obra de ficcAo em que narra, corno se fosse urn imenso mural, a resistência heróica dos povos serranos ao rniserãvel esbuiho que o regime totalitãrio se preparava para cometer. Aquilino, pese embora a sua condiçAo de civilizado culto, lamais renegou da capucha que o vestira e agasalhara quando apareceu neste rnundo por entre Os desdobres das suas bern arnadas serras da Lapa e da Nave. Assirn foi, assirn se sentiu toda a vida e do facto quis deixar, jA perto do fim, o testemunho infiexo: nunca soube o que era seividão aos preconceitos, ao poder, as classes, nem mesmo ao gosto do publico. Ja no primeiro nümero da Seara Nova quis consignar o que a pollcia polltica impedira que dissesse de viva voz em 1945 nurn acto publico promovido pelo MUD: A literatura, em tanto que arte, é uma manifestacão de homens livres e eu nunca vesti a libré de ninguëm, nern do rei, nem do rico, nem do politico, nem do cOnsul. A propOsito desta necessária e irrenunciável independénda do artista, em particular daqueles que escrevern, do mesmo passo sustenta que o comprornetirnento corn o povo donde proveio lhe impOe que seja urn inte,ventor no mundo, nao deixando por isso de fazer arte, corno exarou no seu SolilOquio Autobiogrãfico Literário, urn dos ültirnos textos que escreveu. 55 * * 54