SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 22
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA
Análise da obra
Memorial do Convento, de José Saramago
Profª Isabel Fernandes
Era uma vez…
Baltasar, o Sete-Sóis, maneta, regressado da guerra de Jerez de los Caballeros e Blimunda Sete-
-Luas, filha de Sebastiana Maria de Jesus, condenada ao degredo pelo Tribunal do Santo Ofício; D.
João V e sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que não lhe dá herdeiros; a construção do Convento de
Mafra com o ouro e os diamantes provenientes do Brasil; a “Passarola” do padre Bartolomeu
Lourenço de Gusmão, a quem chamaram o Voador…..
As histórias dentro da história.
Romance Histórico?
• Apesar de neste romance encontrarmos uma recriação fiel do passado, é-nos dada, desse
tempo, uma perspetiva com base no presente e os factos históricos permitem a crítica ao
tempo presente, por isso pode-se considerar que o romance não cumpre a essência daquilo
que se considera o tradicional romance histórico.
• O narrador dá-nos outra visão da História oficial ao centrar a Acão no relato dos
acontecimentos realizados pelo povo, propondo-nos uma reflexão por oposição à História de
Portugal habitualmente veiculada.
• Assim, podemos concluir que Memorial do Convento não é verdadeiramente um romance
histórico, mas relaciona-se de forma muito próxima com esta tipologia textual pois podemos
detetar vários aspetos que conduzem à recriação do passado:
 a referência pormenorizada ao vestuário das personagens;
 a descrição exaustiva dos espaços físicos;
 o relato de episódios que surgem como reconstituição de acontecimentos históricos;
 a linguagem das personagens.
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA
Análise da obra
Memorial do Convento, de José Saramago
Profª Isabel Fernandes
A Época de D. João V
A Acão de Memorial do Convento decorre no reinado de D. João V.
D. João V nasceu em Lisboa a 22 de Outubro de 1689.
Foi aclamado rei a 1 de Janeiro de 1707.
Casou com D. Maria Ana de Áustria a 9 de Junho de 1708.
Faleceu em Lisboa a31 de Julho de 1750.
 O reinado de D. João V coincidiu com o período histórico em que se verificou um maior
afluxo de ouro vindo do Brasil, para além do tabaco, do açúcar, do pau-brasil e do comércio de
escravos africanos. No entanto este contexto não produziu efeitos duradouros porque:
• D. João V (soberano absoluto cujo modelo era Luís XIV) gastou quase tudo o que
pertenceu ao Estado do rendimento das minas brasileiras, de modo a promover o seu
prestígio e a manter uma corte dominada pelo luxo;
• o país não dispunha de pessoas preparadas para produzir riqueza a partir daquela que
entrava em Portugal.
 A obra mais importante deste rei foi o projeto da construção do Palácio-Convento de Mafra, o
que levou à importação de técnicos estrangeiros e de obras de arte produzidas fora de Portugal,
pois o país não possuía meios técnicos nem pessoas que pudessem realizar este edifício
monumental.
 A Acão dos estrangeirados (homens que partiam para o estrangeiro com o objetivo de
apreenderem as novas ideias que proliferavam nos países mais evoluídos da Europa e que
desejavam implementar em Portugal) marcou este período. Os homens mais cultos defendiam
a experiência e o método indutivo. É com este incentivo que o padre Bartolomeu de Gusmão
inventou a passarola.
 O rei revelou-se sensível às novas ideias.
 A Inquisição é uma das instituições mais marcantes deste reinado. Caracteriza-se pela
perseguição aos judeus, muitos deles convertidos à força. Aqueles que, apesar disso,
mantinham práticas de judaísmo, eram condenados à morte e os seus bens eram confiscados.
Muitas pessoas foram condenadas por feitiçaria ou corrupção de costumes. À Inquisição liga-
se também a censura intelectual. A Inquisição manteve Portugal afastado das ideias que
surgiam na Europa, fechando o país à inovação e ao movimento cultural que se fazia sentir lá
fora.
 O primeiro auto-de-fé realizou-se em 1541 e as execuções só terminaram no tempo do
Marquês de Pombal.
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA
Análise da obra
Memorial do Convento, de José Saramago
Profª Isabel Fernandes
Estrutura da Obra
Acão
• Frei António de São José diz a D. João V que só terá um filho da rainha, D. Maria Ana,
que viera de Áustria havia mais de dois anos, se o rei mandar construir um convento em
Mafra. pp.13-14
• O desejo de D. Maria Ana Josefa e de D. João V realiza-se finalmente: a rainha
encontra-se grávida da futura princesa D. Maria Xavier Francisca Leonor Bárbara. pp.31
• Apresentação de Baltasar Sete-Sóis, mutilado, dirigindo-se para Lisboa, soldado numa
“guerra em que se haveria de decidir quem viria a sentar-se no trono de Espanha, se
um Carlos austríaco ou um Filipe francês, português nenhum (…)” – (p.36) – trata-se da
Guerra da Sucessão. pp.35
• Em dia de auto-de-fé, o dia em que Sebastiana Maria de Jesus é condenada ao degredo
para Angola, sua filha, Blimunda, conhece Baltasar Sete-Sóis. pp.53-54
• O padre Bartolomeu Lourenço pergunta a Baltasar se este o quer ajudar a construir a
passarola; Baltasar responde afirmativamente. Entretanto, porque o padre precisa de
arranjar dinheiro para comprar os ímanes de que necessita para continuar a sua obra,
Baltasar vai trabalhar num açougue. pp.68-69
• A rainha dá à luz uma menina. Pp.73-74
• Nasce o segundo filho do casal real, o infante D. Pedro, que morrerá com dois anos de
idade.
• D. João V cumpre a sua promessa e, apesar da morte de Frei António de São José, vai a
Mafra escolher o local onde será construído o convento. p.88
• Baltasar e Blimunda vão viver para S.Sebastião da Pedreira, para que o primeiro possa
trabalhar na passarola do padre Bartolomeu Lourenço.
• O padre Bartolomeu Lourenço parte para a Holanda, na esperança de conseguir éter para
que a passarola possa voar; Blimunda e Baltasar vão para Mafra, instalando-se em casa
do pai deste: João Francisco e Marta Maria. p.98
• O padre regressa passados três anos e, antes de ir para Coimbra, dirige-se a Mafra e pede
a Baltasar e a Blimunda que voltem a Lisboa, para continuarem a construção da máquina
voadora, na quinta abandonada, em S. Sebastião da Pedreira. Pp.117-118
• O rei D. João V, entretanto, procede à inauguração do início da construção do convento
de Mafra, colocando a primeira pedra nos alicerces do edifício (no dia 17 de Novembro
de 1717).
• O padre Bartolomeu Lourenço regressa de Coimbra, já “doutor em cânones, confirmado
de Gusmão por apelativo onomástico” (p. 161) instalando-se no Terreiro do Paço em
casa de uma viúva. p.161
• Em Lisboa, assiste-se à epidemia que “é vómito negro ou febre amarela” (p.181);
Blimunda, a pedido do padre Bartolomeu, vai “recolher as vontades dos moribundos”
(p.180) num frasco para que depois as possa transferir para as esferas da passarola, de
modo a que esta possa voar; Baltasar acompanha-a. pp.180-181
• Blimunda adoece. Domenico Scarlatti toca cravo e, ouvindo-o, Blimunda sente-se
melhor até que “a saúde voltou depressa, se realmente faltara” (p.187).
• A passarola está concluída e pronta para voar.
• Certo dia, o padre Bartolomeu anuncia a Baltasar e a Blimunda que têm de fugir, pois o
tribunal do Santo Ofício anda à sua procura. Decidem utilizar, na fuga, a máquina que
voa, passando por Mafra até Monte Junto, aterrando na serra do Barregudo.
• O padre tenta incendiar a passarola, mas Baltasar impede-o e ele desaparece.
• Baltasar e Blimunda vão viver para Mafra; Baltasar trabalha na construção do convento
e quando pode, vai ao Monte Junto ver a máquina que lá deixara coberta de ramagens
secas. p.224
• D. João V diz a Francisco Ludovice que quer ampliar o convento de Mafra para
trezentos frades, ordenando que todos os homens sejam enviados para Mafra,
independentemente da sua vontade, para participarem na construção do convento.
• Cortejo real e casamento dos príncipes portugueses, D. Maria Bárbara e D. José com os
infantes espanhóis, D. Fernando VI e Mariana Vitória. p.299
• Baltasar vai ver a passarola ao Monte Junto. Está dentro dela quando, inesperadamente,
esta sobe no ar. p.290
• Blimunda vai à serra do Barregudo procurar Baltasar, que não regressara. p.294
• Em Mafra, no dia 22 de Outubro de 1730, data do quadragésimo primeiro aniversário do
rei, faz-se a sagração do convento. p.342
• Blimunda procura Baltasar, de terra em terra, durante nove anos. Finalmente, encontra-o
em Lisboa, quando ali passa pela sétima vez: ardia na fogueira do Santo Ofício durante a
realização de um auto-de-fé (juntamente com outros supliciados, entre os quais António
José da Silva). pp.355-359
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA
Análise da obra
Memorial do Convento, de José Saramago
Profª Isabel Fernandes
Personagens
• D. João V
 D. João V representa o poder real que, de forma absoluta, condena uma nação a
servir a sua religiosidade fanática e a sua vaidade.
 A figura real é construída através do olhar crítico do narrador, de forma
multifacetada:
 É o devoto fanático que submete o país inteiro ao cumprimento de uma
promessa pessoal e que assiste aos autos-de-fé;
 É o marido que não evidencia qualquer sentimento amoroso pela rainha,
apresentando uma faceta quase animalesca, enfatizada pela utilização de
vocábulos como emprenhou ou cobridor;
 É o megalómano que desvia as riquezas nacionais para manter uma corte
dominada pelo luxo, pela corrupção e pelo excesso;
 É o rei vaidoso que se equipara a Deus nas suas relações com as religiosas;
 É o curioso que se interessa pelas invenções do padre Bartolomeu;
 É o esteta que convida Domenico Scarlatti a permanecer em Portugal;
 É o homem que teme a morte e que antecipa a sua imortalidade, através da
sagração do convento no dia do seu quadragésimo primeiro aniversário.
• D. Maria Ana Josefa
 A rainha representa a mulher que só através do sonho se liberta da sua condição
aristocrática para assumir a sua feminilidade.
 É caracterizada como uma mulher passiva, insatisfeita, que vive um casamento
baseado na aparência, na sexualidade reprimida e num falso código ético, moral e
religioso.
 A transgressão onírica é a única expressão da rainha que se rende ao sentimento de
culpa que a conduz a uma busca constante de redenção através da oração e da
confissão.
 Consciente da virilidade e da infidelidade do marido, D. Maria Ana assume uma
atitude de passividade e de infelicidade perante a vida.
• Baltasar Sete-Sóis
 É um dos membros do casal protagonista da narrativa.
 Representa a crítica do narrador à desumanidade da guerra.
 É um homem pragmático e simples.
 Assume o papel de criador na construção da passarola.
 Participa na construção do convento.
 Morre às mãos da Inquisição.
• Blimunda Sete-Luas
 É o segundo membro do casal protagonista da narrativa.
 Mulher sensual e inteligente, vive sem subterfúgios, sem regras que a condicionem e
escravizem.
 Escolhe Baltasar para partilhar a sua vida, numa existência de amor pleno, de
liberdade, sem compromissos e sem culpa.
 Representa o transcendente e a inquietação constante do ser humano em relação à
morte, ao amor, ao pecado e à existência de Deus.
 O seu dom transfigura esta personagem, aproximando-a da espiritualidade da música
de Scarlatti e do sonho de Bartolomeu de Gusmão
 Ao visualizar a essência dos que a rodeiam, transgride os códigos existentes e
perceciona a hipocrisia e a mentira.
• Padre Bartolomeu de Gusmão
 Representa as novas ideias que causavam estranheza na inculta sociedade portuguesa.
 Estrangeirado.
 Torna-se alvo da Inquisição e da chacota da corte, apesar da proteção real.
 Homem curioso e grande orador sacro (a sua fama aproximava-o de padre António
Vieira) evidencia uma profunda crise de fé a que as leituras diversificadas não serão
alheias, numa busca incessante de saber.
 Era conhecido por “Voador”.
 O trio composto pelo padre, Baltasar e Blimunda corporiza o sonho e o empenho
tornados realidade, a par da desgraça partilhada – loucura e morte, em Toledo, do
padre; morte de Baltasar no auto-de-fé; solidão de Blimunda.
• Domenico Scarlatti
 Representa a arte que, aliada ao sonho, permite a cura de Blimunda e possibilita a
conclusão e o voo da passarola.
• Povo
 O povo trabalhador é o verdadeiro protagonista da obra.
 Espoliado, rude e violento, ao longo da narrativa, surge-nos como uma personagem
corporizada em Baltasar e Blimunda mas tipificada na massa coletiva e anónima que
construiu o convento.
 A crítica e olhar mordaz do narrador enfatizam a escravidão a que foram sujeitos
quarenta mil portugueses, para alimentar o sonho de um rei megalómano.
• Clero
 Todo o discurso narrativo enfatiza a hipocrisia e a violência dos representantes do
espiritualismo convencional, da religiosidade vazia, baseada em rituais que originam o
desregramento, a corrupção e a degradação moral, em vez de elevarem o espírito, a
que não é alheio o papel da Inquisição.
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA
Análise da obra
Memorial do Convento, de José Saramago
Profª Isabel Fernandes
O ESPAÇO
Espaço físico
o A Acão desenrola-se em dois espaços físicos: Lisboa e Mafra.
o Lisboa integra outros espaços.
o Mafra é o outro espaço. A Vela foi o lugar escolhido para a construção do convento, que deu
lugar à vila nova, à volta do edifício. Nas imediações da obra surge a “Ilha da Madeira”,
onde começaram por se alojar dez mil trabalhadores, passando, mais tarde, a quarenta mil.
o São ainda referidos espaços como Pêro Pinheiro, a serra do Barregudo, Monte Junto e
Torres Vedras.
Espaço social
• É construído através do relato de determinados episódios e do percurso de personagens que
tipificam um determinado grupo social.
• Procissão da Quaresma (pp.27-30)
• Caracterização da cidade de Lisboa.
• Excessos praticados durante o Entrudo e brincadeiras carnavalescas – as pessoas
comiam e bebiam demasiado, davam umbigadas nas esquinas, atiravam água à
cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-
-se nas ruas.
Terreiro
do Paço
Rossio
São
Sebastião
da
Pedreira
Lisboa
• Permanência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o
Entrudo – é tempo de mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se.
• A descrição da procissão – os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as
imagens nos andores, as confrarias e as irmandades.
• Manifestações de fé que tocavam a histeria – as pessoas arrastam-se pelo chão,
arranham-se, puxam os cabelos, esbofeteiam-se – enquanto o bispo faz o sinal da
cruz e um acólito balança o incensório; os penitentes recorrem à auto flagelação.
O narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa permanecia
uma cidade suja, caótica e a sua população era dominada pela hipocrisia de uma alma ironicamente
“perfumada”.
• Autos-de-fé (Rossio) – (pp50-54)
• O Rossio está cheio de assistência; a população está em festa, porque é domingo e
porque vai assistir a um auto-de-fé (haviam passado dois anos desde o último
acontecimento deste tipo).
• O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos-de-
fé ou de touradas, evidenciando a sua ironia crítica perante um povo que revela um
gosto sanguinário e procura nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio
da sua existência.
• A assistência feminina, à janela, exibe as suas toilettes, preocupa-se com
pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto,
a borbulha encoberta…), e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de sedução
com os pretendentes que se passeiam em baixo.
• A proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de festa;
esta constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador. Na realidade, o facto
de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados iriam arder nas fogueiras não
os impedia de se refrescarem com água, limonada e talhadas de melancia e de se
consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e queijadas; a família real jantaria na
Inquisição depois do auto-de-fé, pois os castigados eram os outros.
• Sai a procissão – à frente os dominicanos, depois os Inquisidores.
• Distinção entre os vários sentenciados (através do gorro e sambenito), assim como
o crucifixo de costas voltadas para as mulheres que irão arder na fogueira. É de
salientar que a visão dos prisioneiros origina a violência verbal da assistência.
• Menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de Sebastiana
Maria de Jesus, mãe de Blimunda).
• Início da relação entre Baltasar e Blimunda.
• Punição dos condenados pelo Santo Ofício – o povo dança em frente das
fogueiras.
• Tourada (Terreiro do Paço) – (pp.98-102)
• O espetáculo começa e o narrador enfatiza a forma como os touros são torturados,
exibindo o sangue, as feridas, as “tripas” ao público que, em exaltação, se liberta
de inibições – os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas
esfregam-se por eles sem disfarce.
• Dois touros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na praça,
de um saem coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas, de outro, pombas
que acabam por ser apanhadas pela multidão.
• Procissão do Corpo de Deus (pp.148-159)
- preparação da procissão:
• Descrição dos preparos da festa feita pelo narrador, que assume o olhar do povo
(as colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros enfeitados com
seda e ouro, as janelas ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e franjas
de ouro), que se sente maravilhado com a riqueza da decoração (uma reflexão do
narrador leva-o a concluir que não se verificam muitos roubos durante a cerimónia,
pois o povo teme os pretos que se encontram armados à porta da lojas e os
quadrilheiros, que procederiam à prisão dos infratores).
• Referência do narrador às damas que aparecem às janelas, exibindo penteados,
rivalizando com as vizinhas e gritando motes.
• À noite, passam pessoas que tocam e dançam, improvisa-se uma tourada.
• De madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar as alas da procissão,
devidamente fardadas.
- realização da procissão:
• O acontecimento começa logo de manhã cedo, descrição do aparato: à frente, as
bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro lugar a dos
carpinteiros em honra de São José; atrás, a imagem de São Jorge, os tambores, os
trombeteiros, as irmandades, o estandarte do Santíssimo Sacramento, as
comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas, dominicanos, entre
outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo crucificado e cantores
de hinos sacros.
• Crítica do narrador às crenças e interditos religiosos; comentários; referência à
forma como Blimunda e Baltasar vivem a procissão; crítica à vida dissoluta do rei
com as freiras.
• Visão oficial da procissão como forma de purificação das almas, que tentam
libertar-se dos pecados cometidos.
• Histeria coletiva das pessoas que se batem a si próprias e aos outros como
manifestação da sua condição de pecadores.
As procissões e os autos-de-fé caracterizam Lisboa como um espaço caótico, dominado por
rituais religiosos cujo efeito exorcizante esconjura um mal momentâneo que motiva a exaltação
absurda que envolve os habitantes.
A crítica irónica do narrador ao clero condena a religião enquanto “ópio do povo”, isto é,
condena a visão redutora do mundo apresentada pela Igreja, que condiciona os comportamentos,
manipula os sentimentos e conduz os fiéis a atitudes estereotipadas.
A violência das touradas ou dos autos-de-fé agrada ao povo que, obscuro e ignorante, se diverte
sensualmente com as imagens da morte, esquecendo a miséria em que vive.
A capital simboliza, assim, o espaço infetado, alimentado pelo ódio (aos judeus e aos cristãos-
-novos), pela corrupção eclesiástica, pelo poder repressivo e hipócrita do Santo Ofício e pelo poder
autocrático do rei.
• Mafra simboliza o espaço da servidão humana a que D. João V sujeitou todos os seus
súbditos para alimentar a sua vaidade.
Vivendo em condições deploráveis, os cerca de quarenta mil portugueses foram obrigados, à
força de armas, a abandonar as suas casas e a erigir o convento para cumprir a promessa do
seu rei e aumentar a sua glória.
Sabia já Baltasar que o sítio (…) e oficiais da guerra que governavam os soldados-pp215
Nestas grandes barracas de madeira (…) tantas tendas de campanha (…) estavam em
Mafra muitos soldados (…) os muitos eram milhares. (…) que nova Mafra é esta (…) é uma
algazarra de ensurdecer(…) – pp.216-217
• O Alentejo associa-se à fome e à miséria daqueles que, longe da capital, lutam pela
sobrevivência e, por vezes, se entregam a comportamentos imorais. É de realçar, logo no
início da obra, as referências aos salteadores:
(…) o exército da Beira se deixava ficar pelos quartéis (…) nada lhes devia e sofria
desespero igual. –p.36
- Cortejo real:
Quando chegaram aos Pegões, já el-rei estava jantando (…) a cova de um dente. (…) A
falperra de pedintes ajuntou-se à porta (…) já lá ia no caminho. p.305
À estrada saía o povo miúdo (…) envergonhar do mundo que criou. p. 317
Espaço psicológico
• O espaço psicológico é constituído pelo conjunto de elementos que traduz a interioridade das
personagens.
• Nesta obra é constituído através de dois processos:
o Os sonhos das personagens que funcionam como um processo de caracterização das
mesmas ou que, num processo que lhes confere densidade humana, traduzem
relações com as suas vivências.
Deste involuntário orgulho nunca fez confissão (…) como uma cegonha negra. p.17
(…) porque de repente adormece (…)e ela que quererá. p.32
Nessa noite Baltasar sonhou que andava a lavrar (…) deram-se um ao outro. pp.
106-107.
o Os pensamentos.
(…) o pardal é uma ave da terra (…) mesmo se tivesse acabado de levantar (…) p.
117-118. Temos acesso aos pensamentos do padre Bartolomeu Lourenço, que
estivera na Holanda durante três anos, no momento em que, de regresso a Lisboa,
visitava a quinta de S. Sebastião da Pedreira, onde se encontrava a passarola.
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA
Análise da obra
Memorial do Convento, de José Saramago
Profª Isabel Fernandes
O TEMPO
Tempo da história
 Trata-se do tempo em que decorre a ação.
 A ação decorre em 1711. D. João V não fizera vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa
chegara há mais de dois anos da Áustria.
 O fluir do tempo é sugerido pelas transformações sofridas pelas personagens e por alguns
espaços e objetos ao longo da obra. – Baltasar não tens espelhos, a não ser estes nossos
olhos que o estão vendo a descer o caminho lamacento para a vila, e eles são que lhe dizem,
Tens a barba cheia de brancas, Baltasar, tens a testa carregada de rugas, Baltasar, tens
correado o pescoço, Baltasar, já te descaem os ombros, nem pareces o mesmo homem,
Baltasar - p.328
Enferrujam-se os arames e os ferros, cobrem-se os panos de mofo, destrança-se o vime
ressequido, obra que em meio ficou não precisa envelhecer para ser ruína. p. 143
Tempo histórico
No início do romance podemos concluir que a Acão tem início no ano de 1711, através da
seguinte referência do narrador:
(…) São Francisco andava pelo mundo, precisamente há quinhentos anos, em mil duzentos e
onze (…) p. 21
 Referências cronológicas:
 Em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do convento de Mafra.
 Em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa para trabalhar na passarola do
padre Bartolomeu de Gusmão.
 Em 1729, celebra-se o casamento de D. José com Mariana Vitória e de Maria
Bárbara com o príncipe D. Fernando (VI de Espanha).
 Em 1730, mais propriamente no dia 22 de Outubro, o dia do quadragésimo
aniversário do rei, realiza-se a sagração do convento de Mafra.
 A Acão termina em 1739, no momento em que Blimunda vê Baltasar a ser queimado
em Lisboa, num auto-de-fé.
Muitas vezes, a passagem do tempo é anunciada por situações precisas – para D. Maria Ana é
que lhe vem chegando o tempo. A barriga não aguenta crescer mais por muito que a pele estique –
p.71 – ou por referências temporais que se integram em marcações referenciais, como é o caso dos
excertos que se seguem:
- (…) tendo partido daqui há vinte meses (…) – p. 72
- Meses inteiros se passaram desde então, o ano é já outro – p.77
- Entretanto nasceu o Infante D. Pedro – p.88
- Bartolomeu Lourenço foi à quinta de S.Sebastião da Pedreira, três anos inteiros haviam passado
desde que partira. – p. 117
- (…) é certo que há seis anos que vivem como marido e mulher (…) – p. 130
- (…) se não ficou dito já, sempre são seis anos de casos acontecidos (…) – p.134
- (…) e já vão onze anos passados (…) – p. 162
- (…) passaram catorze anos (…) –p. 214
- Desde que na vila de Mafra, já lá vão oito anos, foi lançada a primeira pedra da basílica(…) –
p. 231
Tempo do discurso
O tempo do discurso é revelado através da forma como o narrador relata os acontecimentos. Este
pode apresentá-los de forma linear, optar por retroceder no tempo em relação ao momento da
narrativa em que se encontra ou antecipar situações.
 As analepses
 Explicam, geralmente, acontecimentos anteriores, contribuindo para a coesão da
narrativa.
 Assinale-se, anteriormente ao ano do início da Acão (1711), a analepse que explica,
em parte, a construção do convento como consequência do desejo expresso, em
1624, pelos franciscanos, de possuírem um convento em Mafra.
 As prolepses
A antecipação de alguns acontecimentos serve os seguintes objetivos:
 A crítica social – é o caso das prolepses que dão a conhecer as mortes do sobrinho
de Baltasar e do Infante D. Pedro, de modo a estabelecer o contrate entre os dois
funerais, ou a morte de Álvaro Diogo, que viria a cair d uma parede, durante a
construção do convento, assim como a informação sobre os bastardos que o rei iria
gerar, filhos das freiras que seduzia.
 A visão globalizante de tempos distintos por parte do narrador (o tempo da
história e, num tempo futuro, o do momento da escrita) – verificam-se as referências
aos cravos (outrora, nas pontas das varas dos capelães; muito mais tarde, símbolos da
revolução do 25 de Abril); a associação entre os possíveis voos da passarola e o facto
de os homens terem ido à lua, no século XX, a alusão ao tipo de diversões que se
vivia no século XVII e ao cinema, entre outras.
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA
Análise da obra
Memorial do Convento, de José Saramago
Profª Isabel Fernandes
O Narrador e a focalização da narrativa
• O narrador é, geralmente, heterodiegético, ou seja, uma entidade exterior à história que
assume a função de relatar os acontecimentos. Surge normalmente na terceira pessoa, ainda
que, por vezes, ocorra a primeira pessoa do plural e do singular. Neste caso, o narrador
identifica-se com as outras personagens, como:
(…) na grande entrada de onze mil homens que fizemos em Outubro do ano passado e que
se terminou com perda de duzentos nossos (…) A Olivença nos recolhemos, com algum saque
que tomámos em Bancarrota e pouco gosto para gozar dele (…) p.35
• O narrador que utiliza a primeira pessoa do plural é narrador homodiegético – é uma
personagem da história que revela as suas próprias vivências, mas não se trata da
participação como protagonista. Ele é apenas uma personagem que se insere na diegese e
que relata os acontecimentos que viveu.
• A voz do narrador heterodiegético confunde-se com o pensamento de outra personagem:
Veio andando devagar. Não tem ninguém à sua espera em Lisboa, e em Mafra, donde partiu
anos atrás para assentar praça na infantaria de sua majestade, se pai e mãe se lembram
dele, julgam-no vivo porque não têm notícias de que esteja morto, ou morto porque as não
têm de que seja vivo. Enfim, tudo acabará por saber-se com o tempo. – p. 36
• A voz do narrador e a de outras personagens substitui o discurso direto:
Num canto da abegoaria desenrolaram a enxerga e a esteira, aos pés delas encostaram o
escano, fronteira a arca, como os limites de um novo território, raia traçada no chão e em
panos levantada, suspensos estes de um arame, para que isto seja de facto uma casa e nela
possamos encontrarmo-nos sós quando estivermos sozinhos. – p.90
Focalização
• Focalização omnisciente – o narrador tem conhecimento absoluto dos acontecimentos e
fornece as informações necessárias para que a história seja coerente. Ele funciona como um
deus que tudo viu e tudo sabe. Este é o tipo de focalização predominante na obra. Trata-se
aqui de um saber que implica uma perspetiva tridimensional do tempo – passado, presente e
futuro.
• Focalização interna – Instaura-se do ponto de vista de uma das personagens que vive a
história. Neste romance, é a perspetiva de determinada personagem que nos é apresentada,
acontecendo que esta relata os acontecimentos, como é o caso de Sebastiana Maria de Jesus,
quando nos relata a sua situação durante o auto-de-fé – pp.52-53 – ou a descrição do espaço
físico de Mafra feita de acordo com o olhar de Baltasar – p.217.
• Focalização interventiva – surge com a função de comentário, aliada à adesão ou rejeição
de comportamentos ou formas de estar das personagens e geralmente apresenta uma função
ideológica. Esses momentos correspondem às seguintes situações:
 O narrador tece comentários, por vezes com carácter valorativo, a propósito dos
eventos narrados.
Um dia terão lástima de nós as gentes do futuro por sabermos tão pouco e tão mal,
padre Francisco Gonçalves, isto dissera o padre Bartolomeu Lourenço antes de
recolher ao seu quarto, e o padre Francisco Gonçalves, como lhe competia,
respondeu, Todo o saber está em Deus, Assim é, respondeu o Voador, mas o saber
de Deus é como um rio de água que vai correndo para o mar, é Deus a fonte, os
homens o oceano, não valia a pena ter criado tanto universo se não fosse para ser
assim, e a nós parece-nos impossível poder alguém dormir depois de ter dito ou
ouvido dizer coisas destas. – pp.123-124
 Os comentários do narrador traduzem a voz do povo
(…) já se ouviu bater a porta, soaram os passos na escada, Vêm falando
familiarmente a ama e a criada, pudera não(…) – p.31
 As intervenções do narrador surgem como prolepses, antecipando acontecimentos.
Aulas sobre o memorial
Aulas sobre o memorial

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Fontana Di Trevi
Fontana Di TreviFontana Di Trevi
Fontana Di Trevihcaslides
 
A cultura do salão arte rococó
A cultura do salão   arte rococóA cultura do salão   arte rococó
A cultura do salão arte rococócattonia
 
Módulo 7 caso pratico 2 lisboa pombalina
Módulo 7   caso pratico 2 lisboa pombalinaMódulo 7   caso pratico 2 lisboa pombalina
Módulo 7 caso pratico 2 lisboa pombalinaCarla Freitas
 
Rococó da Europa para o mundo
Rococó da Europa para o mundoRococó da Europa para o mundo
Rococó da Europa para o mundoAna Barreiros
 
A vida de D. João IV
 A vida de D. João IV A vida de D. João IV
A vida de D. João IVblog-eic
 
A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...
A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...
A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...Hca Faro
 
Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios
Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios
Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios Mafalda06
 
Palácio da Pena
Palácio da PenaPalácio da Pena
Palácio da Penahcaslides
 
15 a arte e a mentalidade barrocas
15   a arte e a mentalidade barrocas15   a arte e a mentalidade barrocas
15 a arte e a mentalidade barrocassofiasimao
 
Pintura Barroca
Pintura BarrocaPintura Barroca
Pintura BarrocaHca Faro
 
Arte Flamenga
Arte FlamengaArte Flamenga
Arte Flamengalucfabbr
 
Arte barroca
Arte barrocaArte barroca
Arte barrocacattonia
 
Módulo 6 caso prático 3 trono de são pedro
Módulo 6   caso prático 3 trono de são pedroMódulo 6   caso prático 3 trono de são pedro
Módulo 6 caso prático 3 trono de são pedroCarla Freitas
 
. Batalha de alcácer quibir
. Batalha de alcácer quibir. Batalha de alcácer quibir
. Batalha de alcácer quibirHelena Coutinho
 

Mais procurados (20)

Fontana Di Trevi
Fontana Di TreviFontana Di Trevi
Fontana Di Trevi
 
A cultura do salão arte rococó
A cultura do salão   arte rococóA cultura do salão   arte rococó
A cultura do salão arte rococó
 
Convento de Mafra
Convento de MafraConvento de Mafra
Convento de Mafra
 
Módulo 7 caso pratico 2 lisboa pombalina
Módulo 7   caso pratico 2 lisboa pombalinaMódulo 7   caso pratico 2 lisboa pombalina
Módulo 7 caso pratico 2 lisboa pombalina
 
Rococó da Europa para o mundo
Rococó da Europa para o mundoRococó da Europa para o mundo
Rococó da Europa para o mundo
 
Absolutismo
AbsolutismoAbsolutismo
Absolutismo
 
A vida de D. João IV
 A vida de D. João IV A vida de D. João IV
A vida de D. João IV
 
Toddy
ToddyToddy
Toddy
 
A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...
A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...
A Cerimónia turca na obra “O burguês gentil-homem” (1670) de Molière (1622-16...
 
Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios
Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios
Pap regras-gerais-para-elaboracao-relatorios
 
Palácio da Pena
Palácio da PenaPalácio da Pena
Palácio da Pena
 
15 a arte e a mentalidade barrocas
15   a arte e a mentalidade barrocas15   a arte e a mentalidade barrocas
15 a arte e a mentalidade barrocas
 
Pintura Barroca
Pintura BarrocaPintura Barroca
Pintura Barroca
 
Arte Flamenga
Arte FlamengaArte Flamenga
Arte Flamenga
 
Arte barroca
Arte barrocaArte barroca
Arte barroca
 
História da Cidade do Porto - O Mercado do Bolhão - Artur Filipe dos Santos
História da Cidade do Porto - O Mercado do Bolhão - Artur Filipe dos SantosHistória da Cidade do Porto - O Mercado do Bolhão - Artur Filipe dos Santos
História da Cidade do Porto - O Mercado do Bolhão - Artur Filipe dos Santos
 
O Barroco
O BarrocoO Barroco
O Barroco
 
Arquitetura barroca
Arquitetura barrocaArquitetura barroca
Arquitetura barroca
 
Módulo 6 caso prático 3 trono de são pedro
Módulo 6   caso prático 3 trono de são pedroMódulo 6   caso prático 3 trono de são pedro
Módulo 6 caso prático 3 trono de são pedro
 
. Batalha de alcácer quibir
. Batalha de alcácer quibir. Batalha de alcácer quibir
. Batalha de alcácer quibir
 

Semelhante a Aulas sobre o memorial

Memorial do convento
Memorial do conventoMemorial do convento
Memorial do conventoMarcos Alex
 
6. sequências narrativas
6. sequências narrativas6. sequências narrativas
6. sequências narrativasHelena Coutinho
 
Resumo - Memorial do Convento
Resumo - Memorial do ConventoResumo - Memorial do Convento
Resumo - Memorial do ConventoMariana Hiyori
 
Capítulo X - MC
Capítulo X - MCCapítulo X - MC
Capítulo X - MC12anogolega
 
Memorial convento- José Saramago
Memorial convento- José SaramagoMemorial convento- José Saramago
Memorial convento- José Saramagobecresforte
 
memorial_do_convento (1).pptx
memorial_do_convento (1).pptxmemorial_do_convento (1).pptx
memorial_do_convento (1).pptxIriaFernandes2
 
MC construção da passarola
MC construção da passarolaMC construção da passarola
MC construção da passarolaAnaFPinto
 
Aulas digitais memorial do convento
Aulas digitais memorial do conventoAulas digitais memorial do convento
Aulas digitais memorial do conventoDulce Gomes
 
Fi.js mc
Fi.js mcFi.js mc
Fi.js mcfabio-g
 
2 enquadramento e personagens
2   enquadramento e personagens2   enquadramento e personagens
2 enquadramento e personagensDuarte Grulha
 
Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88
Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88
Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88luisprista
 
Memorial- Análise por Capítulos
Memorial- Análise por CapítulosMemorial- Análise por Capítulos
Memorial- Análise por CapítulosRui Matos
 

Semelhante a Aulas sobre o memorial (20)

Memorial do convento
Memorial do conventoMemorial do convento
Memorial do convento
 
Memorial Do Convento
Memorial Do ConventoMemorial Do Convento
Memorial Do Convento
 
6. sequências narrativas
6. sequências narrativas6. sequências narrativas
6. sequências narrativas
 
Memorial do Convento 3ª E - 2011
Memorial do Convento   3ª E - 2011Memorial do Convento   3ª E - 2011
Memorial do Convento 3ª E - 2011
 
Resumo - Memorial do Convento
Resumo - Memorial do ConventoResumo - Memorial do Convento
Resumo - Memorial do Convento
 
Jose Saramago
Jose Saramago Jose Saramago
Jose Saramago
 
Capítulo X - MC
Capítulo X - MCCapítulo X - MC
Capítulo X - MC
 
Memorial convento- José Saramago
Memorial convento- José SaramagoMemorial convento- José Saramago
Memorial convento- José Saramago
 
memorial_do_convento (1).pptx
memorial_do_convento (1).pptxmemorial_do_convento (1).pptx
memorial_do_convento (1).pptx
 
MC construção da passarola
MC construção da passarolaMC construção da passarola
MC construção da passarola
 
Aulas digitais memorial do convento
Aulas digitais memorial do conventoAulas digitais memorial do convento
Aulas digitais memorial do convento
 
Fi.js mc
Fi.js mcFi.js mc
Fi.js mc
 
José saramago
José saramagoJosé saramago
José saramago
 
2 enquadramento e personagens
2   enquadramento e personagens2   enquadramento e personagens
2 enquadramento e personagens
 
D. José I
D. José ID. José I
D. José I
 
Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88
Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88
Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, aula 87-88
 
Capítulo i
Capítulo iCapítulo i
Capítulo i
 
Memorial- Análise por Capítulos
Memorial- Análise por CapítulosMemorial- Análise por Capítulos
Memorial- Análise por Capítulos
 
2. a contracapa
2. a contracapa2. a contracapa
2. a contracapa
 
ROMANCE memorial.pdf
ROMANCE memorial.pdfROMANCE memorial.pdf
ROMANCE memorial.pdf
 

Aulas sobre o memorial

  • 1. ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Análise da obra Memorial do Convento, de José Saramago Profª Isabel Fernandes Era uma vez… Baltasar, o Sete-Sóis, maneta, regressado da guerra de Jerez de los Caballeros e Blimunda Sete- -Luas, filha de Sebastiana Maria de Jesus, condenada ao degredo pelo Tribunal do Santo Ofício; D. João V e sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que não lhe dá herdeiros; a construção do Convento de Mafra com o ouro e os diamantes provenientes do Brasil; a “Passarola” do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, a quem chamaram o Voador….. As histórias dentro da história. Romance Histórico? • Apesar de neste romance encontrarmos uma recriação fiel do passado, é-nos dada, desse tempo, uma perspetiva com base no presente e os factos históricos permitem a crítica ao tempo presente, por isso pode-se considerar que o romance não cumpre a essência daquilo que se considera o tradicional romance histórico. • O narrador dá-nos outra visão da História oficial ao centrar a Acão no relato dos acontecimentos realizados pelo povo, propondo-nos uma reflexão por oposição à História de Portugal habitualmente veiculada. • Assim, podemos concluir que Memorial do Convento não é verdadeiramente um romance histórico, mas relaciona-se de forma muito próxima com esta tipologia textual pois podemos detetar vários aspetos que conduzem à recriação do passado:  a referência pormenorizada ao vestuário das personagens;  a descrição exaustiva dos espaços físicos;  o relato de episódios que surgem como reconstituição de acontecimentos históricos;
  • 2.  a linguagem das personagens.
  • 3. ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Análise da obra Memorial do Convento, de José Saramago Profª Isabel Fernandes A Época de D. João V A Acão de Memorial do Convento decorre no reinado de D. João V. D. João V nasceu em Lisboa a 22 de Outubro de 1689. Foi aclamado rei a 1 de Janeiro de 1707. Casou com D. Maria Ana de Áustria a 9 de Junho de 1708. Faleceu em Lisboa a31 de Julho de 1750.  O reinado de D. João V coincidiu com o período histórico em que se verificou um maior afluxo de ouro vindo do Brasil, para além do tabaco, do açúcar, do pau-brasil e do comércio de escravos africanos. No entanto este contexto não produziu efeitos duradouros porque: • D. João V (soberano absoluto cujo modelo era Luís XIV) gastou quase tudo o que pertenceu ao Estado do rendimento das minas brasileiras, de modo a promover o seu prestígio e a manter uma corte dominada pelo luxo; • o país não dispunha de pessoas preparadas para produzir riqueza a partir daquela que entrava em Portugal.  A obra mais importante deste rei foi o projeto da construção do Palácio-Convento de Mafra, o que levou à importação de técnicos estrangeiros e de obras de arte produzidas fora de Portugal, pois o país não possuía meios técnicos nem pessoas que pudessem realizar este edifício monumental.  A Acão dos estrangeirados (homens que partiam para o estrangeiro com o objetivo de apreenderem as novas ideias que proliferavam nos países mais evoluídos da Europa e que desejavam implementar em Portugal) marcou este período. Os homens mais cultos defendiam a experiência e o método indutivo. É com este incentivo que o padre Bartolomeu de Gusmão inventou a passarola.  O rei revelou-se sensível às novas ideias.  A Inquisição é uma das instituições mais marcantes deste reinado. Caracteriza-se pela perseguição aos judeus, muitos deles convertidos à força. Aqueles que, apesar disso, mantinham práticas de judaísmo, eram condenados à morte e os seus bens eram confiscados. Muitas pessoas foram condenadas por feitiçaria ou corrupção de costumes. À Inquisição liga- se também a censura intelectual. A Inquisição manteve Portugal afastado das ideias que surgiam na Europa, fechando o país à inovação e ao movimento cultural que se fazia sentir lá fora.  O primeiro auto-de-fé realizou-se em 1541 e as execuções só terminaram no tempo do Marquês de Pombal.
  • 4. ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Análise da obra Memorial do Convento, de José Saramago Profª Isabel Fernandes Estrutura da Obra Acão • Frei António de São José diz a D. João V que só terá um filho da rainha, D. Maria Ana, que viera de Áustria havia mais de dois anos, se o rei mandar construir um convento em Mafra. pp.13-14 • O desejo de D. Maria Ana Josefa e de D. João V realiza-se finalmente: a rainha encontra-se grávida da futura princesa D. Maria Xavier Francisca Leonor Bárbara. pp.31 • Apresentação de Baltasar Sete-Sóis, mutilado, dirigindo-se para Lisboa, soldado numa “guerra em que se haveria de decidir quem viria a sentar-se no trono de Espanha, se um Carlos austríaco ou um Filipe francês, português nenhum (…)” – (p.36) – trata-se da Guerra da Sucessão. pp.35 • Em dia de auto-de-fé, o dia em que Sebastiana Maria de Jesus é condenada ao degredo para Angola, sua filha, Blimunda, conhece Baltasar Sete-Sóis. pp.53-54 • O padre Bartolomeu Lourenço pergunta a Baltasar se este o quer ajudar a construir a passarola; Baltasar responde afirmativamente. Entretanto, porque o padre precisa de arranjar dinheiro para comprar os ímanes de que necessita para continuar a sua obra, Baltasar vai trabalhar num açougue. pp.68-69 • A rainha dá à luz uma menina. Pp.73-74 • Nasce o segundo filho do casal real, o infante D. Pedro, que morrerá com dois anos de idade. • D. João V cumpre a sua promessa e, apesar da morte de Frei António de São José, vai a Mafra escolher o local onde será construído o convento. p.88 • Baltasar e Blimunda vão viver para S.Sebastião da Pedreira, para que o primeiro possa trabalhar na passarola do padre Bartolomeu Lourenço. • O padre Bartolomeu Lourenço parte para a Holanda, na esperança de conseguir éter para que a passarola possa voar; Blimunda e Baltasar vão para Mafra, instalando-se em casa do pai deste: João Francisco e Marta Maria. p.98
  • 5. • O padre regressa passados três anos e, antes de ir para Coimbra, dirige-se a Mafra e pede a Baltasar e a Blimunda que voltem a Lisboa, para continuarem a construção da máquina voadora, na quinta abandonada, em S. Sebastião da Pedreira. Pp.117-118 • O rei D. João V, entretanto, procede à inauguração do início da construção do convento de Mafra, colocando a primeira pedra nos alicerces do edifício (no dia 17 de Novembro de 1717). • O padre Bartolomeu Lourenço regressa de Coimbra, já “doutor em cânones, confirmado de Gusmão por apelativo onomástico” (p. 161) instalando-se no Terreiro do Paço em casa de uma viúva. p.161 • Em Lisboa, assiste-se à epidemia que “é vómito negro ou febre amarela” (p.181); Blimunda, a pedido do padre Bartolomeu, vai “recolher as vontades dos moribundos” (p.180) num frasco para que depois as possa transferir para as esferas da passarola, de modo a que esta possa voar; Baltasar acompanha-a. pp.180-181 • Blimunda adoece. Domenico Scarlatti toca cravo e, ouvindo-o, Blimunda sente-se melhor até que “a saúde voltou depressa, se realmente faltara” (p.187). • A passarola está concluída e pronta para voar. • Certo dia, o padre Bartolomeu anuncia a Baltasar e a Blimunda que têm de fugir, pois o tribunal do Santo Ofício anda à sua procura. Decidem utilizar, na fuga, a máquina que voa, passando por Mafra até Monte Junto, aterrando na serra do Barregudo. • O padre tenta incendiar a passarola, mas Baltasar impede-o e ele desaparece. • Baltasar e Blimunda vão viver para Mafra; Baltasar trabalha na construção do convento e quando pode, vai ao Monte Junto ver a máquina que lá deixara coberta de ramagens secas. p.224 • D. João V diz a Francisco Ludovice que quer ampliar o convento de Mafra para trezentos frades, ordenando que todos os homens sejam enviados para Mafra, independentemente da sua vontade, para participarem na construção do convento. • Cortejo real e casamento dos príncipes portugueses, D. Maria Bárbara e D. José com os infantes espanhóis, D. Fernando VI e Mariana Vitória. p.299 • Baltasar vai ver a passarola ao Monte Junto. Está dentro dela quando, inesperadamente, esta sobe no ar. p.290 • Blimunda vai à serra do Barregudo procurar Baltasar, que não regressara. p.294 • Em Mafra, no dia 22 de Outubro de 1730, data do quadragésimo primeiro aniversário do rei, faz-se a sagração do convento. p.342
  • 6. • Blimunda procura Baltasar, de terra em terra, durante nove anos. Finalmente, encontra-o em Lisboa, quando ali passa pela sétima vez: ardia na fogueira do Santo Ofício durante a realização de um auto-de-fé (juntamente com outros supliciados, entre os quais António José da Silva). pp.355-359 ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Análise da obra Memorial do Convento, de José Saramago Profª Isabel Fernandes Personagens • D. João V  D. João V representa o poder real que, de forma absoluta, condena uma nação a servir a sua religiosidade fanática e a sua vaidade.  A figura real é construída através do olhar crítico do narrador, de forma multifacetada:  É o devoto fanático que submete o país inteiro ao cumprimento de uma promessa pessoal e que assiste aos autos-de-fé;  É o marido que não evidencia qualquer sentimento amoroso pela rainha, apresentando uma faceta quase animalesca, enfatizada pela utilização de vocábulos como emprenhou ou cobridor;  É o megalómano que desvia as riquezas nacionais para manter uma corte dominada pelo luxo, pela corrupção e pelo excesso;  É o rei vaidoso que se equipara a Deus nas suas relações com as religiosas;  É o curioso que se interessa pelas invenções do padre Bartolomeu;  É o esteta que convida Domenico Scarlatti a permanecer em Portugal;  É o homem que teme a morte e que antecipa a sua imortalidade, através da sagração do convento no dia do seu quadragésimo primeiro aniversário. • D. Maria Ana Josefa
  • 7.  A rainha representa a mulher que só através do sonho se liberta da sua condição aristocrática para assumir a sua feminilidade.  É caracterizada como uma mulher passiva, insatisfeita, que vive um casamento baseado na aparência, na sexualidade reprimida e num falso código ético, moral e religioso.  A transgressão onírica é a única expressão da rainha que se rende ao sentimento de culpa que a conduz a uma busca constante de redenção através da oração e da confissão.  Consciente da virilidade e da infidelidade do marido, D. Maria Ana assume uma atitude de passividade e de infelicidade perante a vida. • Baltasar Sete-Sóis  É um dos membros do casal protagonista da narrativa.  Representa a crítica do narrador à desumanidade da guerra.  É um homem pragmático e simples.  Assume o papel de criador na construção da passarola.  Participa na construção do convento.  Morre às mãos da Inquisição. • Blimunda Sete-Luas  É o segundo membro do casal protagonista da narrativa.  Mulher sensual e inteligente, vive sem subterfúgios, sem regras que a condicionem e escravizem.  Escolhe Baltasar para partilhar a sua vida, numa existência de amor pleno, de liberdade, sem compromissos e sem culpa.  Representa o transcendente e a inquietação constante do ser humano em relação à morte, ao amor, ao pecado e à existência de Deus.  O seu dom transfigura esta personagem, aproximando-a da espiritualidade da música de Scarlatti e do sonho de Bartolomeu de Gusmão
  • 8.  Ao visualizar a essência dos que a rodeiam, transgride os códigos existentes e perceciona a hipocrisia e a mentira. • Padre Bartolomeu de Gusmão  Representa as novas ideias que causavam estranheza na inculta sociedade portuguesa.  Estrangeirado.  Torna-se alvo da Inquisição e da chacota da corte, apesar da proteção real.  Homem curioso e grande orador sacro (a sua fama aproximava-o de padre António Vieira) evidencia uma profunda crise de fé a que as leituras diversificadas não serão alheias, numa busca incessante de saber.  Era conhecido por “Voador”.  O trio composto pelo padre, Baltasar e Blimunda corporiza o sonho e o empenho tornados realidade, a par da desgraça partilhada – loucura e morte, em Toledo, do padre; morte de Baltasar no auto-de-fé; solidão de Blimunda. • Domenico Scarlatti  Representa a arte que, aliada ao sonho, permite a cura de Blimunda e possibilita a conclusão e o voo da passarola. • Povo  O povo trabalhador é o verdadeiro protagonista da obra.  Espoliado, rude e violento, ao longo da narrativa, surge-nos como uma personagem corporizada em Baltasar e Blimunda mas tipificada na massa coletiva e anónima que construiu o convento.
  • 9.  A crítica e olhar mordaz do narrador enfatizam a escravidão a que foram sujeitos quarenta mil portugueses, para alimentar o sonho de um rei megalómano. • Clero  Todo o discurso narrativo enfatiza a hipocrisia e a violência dos representantes do espiritualismo convencional, da religiosidade vazia, baseada em rituais que originam o desregramento, a corrupção e a degradação moral, em vez de elevarem o espírito, a que não é alheio o papel da Inquisição.
  • 10.
  • 11. ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Análise da obra Memorial do Convento, de José Saramago Profª Isabel Fernandes O ESPAÇO Espaço físico o A Acão desenrola-se em dois espaços físicos: Lisboa e Mafra. o Lisboa integra outros espaços. o Mafra é o outro espaço. A Vela foi o lugar escolhido para a construção do convento, que deu lugar à vila nova, à volta do edifício. Nas imediações da obra surge a “Ilha da Madeira”, onde começaram por se alojar dez mil trabalhadores, passando, mais tarde, a quarenta mil. o São ainda referidos espaços como Pêro Pinheiro, a serra do Barregudo, Monte Junto e Torres Vedras. Espaço social • É construído através do relato de determinados episódios e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social. • Procissão da Quaresma (pp.27-30) • Caracterização da cidade de Lisboa. • Excessos praticados durante o Entrudo e brincadeiras carnavalescas – as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam umbigadas nas esquinas, atiravam água à cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam- -se nas ruas. Terreiro do Paço Rossio São Sebastião da Pedreira Lisboa
  • 12. • Permanência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo – é tempo de mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se. • A descrição da procissão – os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as imagens nos andores, as confrarias e as irmandades. • Manifestações de fé que tocavam a histeria – as pessoas arrastam-se pelo chão, arranham-se, puxam os cabelos, esbofeteiam-se – enquanto o bispo faz o sinal da cruz e um acólito balança o incensório; os penitentes recorrem à auto flagelação. O narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa permanecia uma cidade suja, caótica e a sua população era dominada pela hipocrisia de uma alma ironicamente “perfumada”. • Autos-de-fé (Rossio) – (pp50-54) • O Rossio está cheio de assistência; a população está em festa, porque é domingo e porque vai assistir a um auto-de-fé (haviam passado dois anos desde o último acontecimento deste tipo). • O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos-de- fé ou de touradas, evidenciando a sua ironia crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência. • A assistência feminina, à janela, exibe as suas toilettes, preocupa-se com pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto, a borbulha encoberta…), e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de sedução com os pretendentes que se passeiam em baixo. • A proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de festa; esta constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador. Na realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados iriam arder nas fogueiras não os impedia de se refrescarem com água, limonada e talhadas de melancia e de se consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e queijadas; a família real jantaria na Inquisição depois do auto-de-fé, pois os castigados eram os outros. • Sai a procissão – à frente os dominicanos, depois os Inquisidores. • Distinção entre os vários sentenciados (através do gorro e sambenito), assim como o crucifixo de costas voltadas para as mulheres que irão arder na fogueira. É de salientar que a visão dos prisioneiros origina a violência verbal da assistência. • Menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda).
  • 13. • Início da relação entre Baltasar e Blimunda. • Punição dos condenados pelo Santo Ofício – o povo dança em frente das fogueiras. • Tourada (Terreiro do Paço) – (pp.98-102) • O espetáculo começa e o narrador enfatiza a forma como os touros são torturados, exibindo o sangue, as feridas, as “tripas” ao público que, em exaltação, se liberta de inibições – os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce. • Dois touros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na praça, de um saem coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas, de outro, pombas que acabam por ser apanhadas pela multidão. • Procissão do Corpo de Deus (pp.148-159) - preparação da procissão: • Descrição dos preparos da festa feita pelo narrador, que assume o olhar do povo (as colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e franjas de ouro), que se sente maravilhado com a riqueza da decoração (uma reflexão do narrador leva-o a concluir que não se verificam muitos roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os pretos que se encontram armados à porta da lojas e os quadrilheiros, que procederiam à prisão dos infratores). • Referência do narrador às damas que aparecem às janelas, exibindo penteados, rivalizando com as vizinhas e gritando motes. • À noite, passam pessoas que tocam e dançam, improvisa-se uma tourada. • De madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar as alas da procissão, devidamente fardadas. - realização da procissão: • O acontecimento começa logo de manhã cedo, descrição do aparato: à frente, as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro lugar a dos carpinteiros em honra de São José; atrás, a imagem de São Jorge, os tambores, os trombeteiros, as irmandades, o estandarte do Santíssimo Sacramento, as comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas, dominicanos, entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos sacros.
  • 14. • Crítica do narrador às crenças e interditos religiosos; comentários; referência à forma como Blimunda e Baltasar vivem a procissão; crítica à vida dissoluta do rei com as freiras. • Visão oficial da procissão como forma de purificação das almas, que tentam libertar-se dos pecados cometidos. • Histeria coletiva das pessoas que se batem a si próprias e aos outros como manifestação da sua condição de pecadores. As procissões e os autos-de-fé caracterizam Lisboa como um espaço caótico, dominado por rituais religiosos cujo efeito exorcizante esconjura um mal momentâneo que motiva a exaltação absurda que envolve os habitantes. A crítica irónica do narrador ao clero condena a religião enquanto “ópio do povo”, isto é, condena a visão redutora do mundo apresentada pela Igreja, que condiciona os comportamentos, manipula os sentimentos e conduz os fiéis a atitudes estereotipadas. A violência das touradas ou dos autos-de-fé agrada ao povo que, obscuro e ignorante, se diverte sensualmente com as imagens da morte, esquecendo a miséria em que vive. A capital simboliza, assim, o espaço infetado, alimentado pelo ódio (aos judeus e aos cristãos- -novos), pela corrupção eclesiástica, pelo poder repressivo e hipócrita do Santo Ofício e pelo poder autocrático do rei. • Mafra simboliza o espaço da servidão humana a que D. João V sujeitou todos os seus súbditos para alimentar a sua vaidade. Vivendo em condições deploráveis, os cerca de quarenta mil portugueses foram obrigados, à força de armas, a abandonar as suas casas e a erigir o convento para cumprir a promessa do seu rei e aumentar a sua glória. Sabia já Baltasar que o sítio (…) e oficiais da guerra que governavam os soldados-pp215 Nestas grandes barracas de madeira (…) tantas tendas de campanha (…) estavam em Mafra muitos soldados (…) os muitos eram milhares. (…) que nova Mafra é esta (…) é uma algazarra de ensurdecer(…) – pp.216-217 • O Alentejo associa-se à fome e à miséria daqueles que, longe da capital, lutam pela sobrevivência e, por vezes, se entregam a comportamentos imorais. É de realçar, logo no início da obra, as referências aos salteadores:
  • 15. (…) o exército da Beira se deixava ficar pelos quartéis (…) nada lhes devia e sofria desespero igual. –p.36 - Cortejo real: Quando chegaram aos Pegões, já el-rei estava jantando (…) a cova de um dente. (…) A falperra de pedintes ajuntou-se à porta (…) já lá ia no caminho. p.305 À estrada saía o povo miúdo (…) envergonhar do mundo que criou. p. 317 Espaço psicológico • O espaço psicológico é constituído pelo conjunto de elementos que traduz a interioridade das personagens. • Nesta obra é constituído através de dois processos: o Os sonhos das personagens que funcionam como um processo de caracterização das mesmas ou que, num processo que lhes confere densidade humana, traduzem relações com as suas vivências. Deste involuntário orgulho nunca fez confissão (…) como uma cegonha negra. p.17 (…) porque de repente adormece (…)e ela que quererá. p.32 Nessa noite Baltasar sonhou que andava a lavrar (…) deram-se um ao outro. pp. 106-107. o Os pensamentos. (…) o pardal é uma ave da terra (…) mesmo se tivesse acabado de levantar (…) p. 117-118. Temos acesso aos pensamentos do padre Bartolomeu Lourenço, que estivera na Holanda durante três anos, no momento em que, de regresso a Lisboa, visitava a quinta de S. Sebastião da Pedreira, onde se encontrava a passarola.
  • 16. ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Análise da obra Memorial do Convento, de José Saramago Profª Isabel Fernandes O TEMPO Tempo da história  Trata-se do tempo em que decorre a ação.  A ação decorre em 1711. D. João V não fizera vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa chegara há mais de dois anos da Áustria.  O fluir do tempo é sugerido pelas transformações sofridas pelas personagens e por alguns espaços e objetos ao longo da obra. – Baltasar não tens espelhos, a não ser estes nossos olhos que o estão vendo a descer o caminho lamacento para a vila, e eles são que lhe dizem, Tens a barba cheia de brancas, Baltasar, tens a testa carregada de rugas, Baltasar, tens correado o pescoço, Baltasar, já te descaem os ombros, nem pareces o mesmo homem, Baltasar - p.328 Enferrujam-se os arames e os ferros, cobrem-se os panos de mofo, destrança-se o vime ressequido, obra que em meio ficou não precisa envelhecer para ser ruína. p. 143 Tempo histórico No início do romance podemos concluir que a Acão tem início no ano de 1711, através da seguinte referência do narrador: (…) São Francisco andava pelo mundo, precisamente há quinhentos anos, em mil duzentos e onze (…) p. 21  Referências cronológicas:  Em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do convento de Mafra.  Em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa para trabalhar na passarola do padre Bartolomeu de Gusmão.  Em 1729, celebra-se o casamento de D. José com Mariana Vitória e de Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando (VI de Espanha).
  • 17.  Em 1730, mais propriamente no dia 22 de Outubro, o dia do quadragésimo aniversário do rei, realiza-se a sagração do convento de Mafra.  A Acão termina em 1739, no momento em que Blimunda vê Baltasar a ser queimado em Lisboa, num auto-de-fé. Muitas vezes, a passagem do tempo é anunciada por situações precisas – para D. Maria Ana é que lhe vem chegando o tempo. A barriga não aguenta crescer mais por muito que a pele estique – p.71 – ou por referências temporais que se integram em marcações referenciais, como é o caso dos excertos que se seguem: - (…) tendo partido daqui há vinte meses (…) – p. 72 - Meses inteiros se passaram desde então, o ano é já outro – p.77 - Entretanto nasceu o Infante D. Pedro – p.88 - Bartolomeu Lourenço foi à quinta de S.Sebastião da Pedreira, três anos inteiros haviam passado desde que partira. – p. 117 - (…) é certo que há seis anos que vivem como marido e mulher (…) – p. 130 - (…) se não ficou dito já, sempre são seis anos de casos acontecidos (…) – p.134 - (…) e já vão onze anos passados (…) – p. 162 - (…) passaram catorze anos (…) –p. 214 - Desde que na vila de Mafra, já lá vão oito anos, foi lançada a primeira pedra da basílica(…) – p. 231 Tempo do discurso O tempo do discurso é revelado através da forma como o narrador relata os acontecimentos. Este pode apresentá-los de forma linear, optar por retroceder no tempo em relação ao momento da narrativa em que se encontra ou antecipar situações.  As analepses  Explicam, geralmente, acontecimentos anteriores, contribuindo para a coesão da narrativa.  Assinale-se, anteriormente ao ano do início da Acão (1711), a analepse que explica, em parte, a construção do convento como consequência do desejo expresso, em 1624, pelos franciscanos, de possuírem um convento em Mafra.  As prolepses A antecipação de alguns acontecimentos serve os seguintes objetivos:
  • 18.  A crítica social – é o caso das prolepses que dão a conhecer as mortes do sobrinho de Baltasar e do Infante D. Pedro, de modo a estabelecer o contrate entre os dois funerais, ou a morte de Álvaro Diogo, que viria a cair d uma parede, durante a construção do convento, assim como a informação sobre os bastardos que o rei iria gerar, filhos das freiras que seduzia.  A visão globalizante de tempos distintos por parte do narrador (o tempo da história e, num tempo futuro, o do momento da escrita) – verificam-se as referências aos cravos (outrora, nas pontas das varas dos capelães; muito mais tarde, símbolos da revolução do 25 de Abril); a associação entre os possíveis voos da passarola e o facto de os homens terem ido à lua, no século XX, a alusão ao tipo de diversões que se vivia no século XVII e ao cinema, entre outras.
  • 19. ESCOLA SECUNDÁRIA DE ALBUFEIRA Análise da obra Memorial do Convento, de José Saramago Profª Isabel Fernandes O Narrador e a focalização da narrativa • O narrador é, geralmente, heterodiegético, ou seja, uma entidade exterior à história que assume a função de relatar os acontecimentos. Surge normalmente na terceira pessoa, ainda que, por vezes, ocorra a primeira pessoa do plural e do singular. Neste caso, o narrador identifica-se com as outras personagens, como: (…) na grande entrada de onze mil homens que fizemos em Outubro do ano passado e que se terminou com perda de duzentos nossos (…) A Olivença nos recolhemos, com algum saque que tomámos em Bancarrota e pouco gosto para gozar dele (…) p.35 • O narrador que utiliza a primeira pessoa do plural é narrador homodiegético – é uma personagem da história que revela as suas próprias vivências, mas não se trata da participação como protagonista. Ele é apenas uma personagem que se insere na diegese e que relata os acontecimentos que viveu. • A voz do narrador heterodiegético confunde-se com o pensamento de outra personagem: Veio andando devagar. Não tem ninguém à sua espera em Lisboa, e em Mafra, donde partiu anos atrás para assentar praça na infantaria de sua majestade, se pai e mãe se lembram dele, julgam-no vivo porque não têm notícias de que esteja morto, ou morto porque as não têm de que seja vivo. Enfim, tudo acabará por saber-se com o tempo. – p. 36 • A voz do narrador e a de outras personagens substitui o discurso direto: Num canto da abegoaria desenrolaram a enxerga e a esteira, aos pés delas encostaram o escano, fronteira a arca, como os limites de um novo território, raia traçada no chão e em panos levantada, suspensos estes de um arame, para que isto seja de facto uma casa e nela possamos encontrarmo-nos sós quando estivermos sozinhos. – p.90 Focalização
  • 20. • Focalização omnisciente – o narrador tem conhecimento absoluto dos acontecimentos e fornece as informações necessárias para que a história seja coerente. Ele funciona como um deus que tudo viu e tudo sabe. Este é o tipo de focalização predominante na obra. Trata-se aqui de um saber que implica uma perspetiva tridimensional do tempo – passado, presente e futuro. • Focalização interna – Instaura-se do ponto de vista de uma das personagens que vive a história. Neste romance, é a perspetiva de determinada personagem que nos é apresentada, acontecendo que esta relata os acontecimentos, como é o caso de Sebastiana Maria de Jesus, quando nos relata a sua situação durante o auto-de-fé – pp.52-53 – ou a descrição do espaço físico de Mafra feita de acordo com o olhar de Baltasar – p.217. • Focalização interventiva – surge com a função de comentário, aliada à adesão ou rejeição de comportamentos ou formas de estar das personagens e geralmente apresenta uma função ideológica. Esses momentos correspondem às seguintes situações:  O narrador tece comentários, por vezes com carácter valorativo, a propósito dos eventos narrados. Um dia terão lástima de nós as gentes do futuro por sabermos tão pouco e tão mal, padre Francisco Gonçalves, isto dissera o padre Bartolomeu Lourenço antes de recolher ao seu quarto, e o padre Francisco Gonçalves, como lhe competia, respondeu, Todo o saber está em Deus, Assim é, respondeu o Voador, mas o saber de Deus é como um rio de água que vai correndo para o mar, é Deus a fonte, os homens o oceano, não valia a pena ter criado tanto universo se não fosse para ser assim, e a nós parece-nos impossível poder alguém dormir depois de ter dito ou ouvido dizer coisas destas. – pp.123-124  Os comentários do narrador traduzem a voz do povo (…) já se ouviu bater a porta, soaram os passos na escada, Vêm falando familiarmente a ama e a criada, pudera não(…) – p.31  As intervenções do narrador surgem como prolepses, antecipando acontecimentos.