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A construção sígnica da novela O invasor, de
Marçal Aquino: conceitos de narratologia
genettiana aplicada
The signic construction of the novela O Invasor, by Marçal Aquino:
Applied concepts of genettian narratology
Igor Iuri Dimitri Nakamura (UFMS-G)
RESUMO: Objetivou-se, por meio deste trabalho, analisar a construção sígnica da novela O invasor,
de Marçal Aquino, com ênfase nas categorias narrativas do tempo, aspecto e modo. Para tanto,
fundamenta-se no modelo da gramática narrativa de Genette (1995), sobretudo, no que tange aos
conceitos de ordem, duração, frequência, modo e voz. Assim, explana-se o método de análise
estrutural da narrativa genettiana, seguido de uma interpretação da novela de modo a articular
conjuntamente os elementos narrativos e os seus respectivos efeitos de sentido. Logo, conclui-se que
os temas da obra, como o interesse e a crise psicológica, se subjazem a partir da discordância
temporal entre diegese e narrativa, enquanto que a suspense, o mistério e o desmascaramento se
desvelam através da focalização.
PALAVRAS-CHAVE: Marçal Aquino. Narratologia. Discurso.
ABSTRACT: It was objected, by this work, analyze the signic construction of the novela O Invasor, by
Marçal Aquino, emphasizing the narrative categories of time, aspect and mode. For this purpose, the
study was based on Genette model of narrative grammar (1995), especially in what is related to the
concepts of order, duration, frequency, mode and voice. Thus, the structural analysis method of
genettian narrative is explained, followed by an interpretation of the novela as a way to articulate the
narrative elements and their respective effects of meaning together. Therefore, it is concluded that the
work subjects, such as interest and psychological crisis, underlie from the time discrepancy between
diegese and narrative, while the suspense, mystery and unmasking are unveiled by focusing.
KEYWORDS: Marçal Aquino. Narratology. Discourse.
Introdução
Este trabalho consiste em uma análise da narrativa de O invasor, de Marçal
Aquino (2011), sob o viés da narratologia genettiana e, por isso, tem como objetivo
geral a interpretação da tessitura formal-conteudística da obra, selecionada como
corpus da pesquisa. Para tanto, analisa-se a novela do autor, centrando-se nos
elementos narrativos e seus devidos efeitos de sentido para a abstração dos signos
que sintetizam, e apresenta-se a análise depreendida, didaticamente, mediante os
conceitos de “ordem”, “duração”, “frequência”, “modo” e “voz”.
Deste modo, este trabalho se subdivide em cinco etapas, além da introdução e
conclusão: inicialmente, apresenta-se a biografia de Marçal Aquino e contextualiza-
se a sua obra; feito isso, discute-se O invasor, seu enredo e estrutura; na sequência,
explana-se o método de Genette e sua terminologia; em seguida, faz-se um recorte
didático do método e, por fim, analisa-se a novela, perpassando, linearmente, os
conceitos da narratologia genettiana e seus efeitos de sentido na obra.
Vida e obra de Marçal Aquino
Marçal Aquino nasceu em 1958, graduou-se em jornalismo pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas em 1983, trabalhou como jornalista na Gazeta
Esportiva e no jornal O estado de S. Paulo, atuou como repórter policial no Jornal da
Tarde, produziu inúmeros roteiros, entre os quais o do filme O invasor (2002), em
parceria com Beto Brand, e o da série televisionada Força tarefa (2009-2011), com
Fernando Bonassi, e, recentemente, tem participado como consultor do IV
Laboratório de Roteiros de Sundance / Rio Filme pela Sundance Institute.
Além de um master em cinema, Marçal Aquino também é autor de inúmeras
obras literárias, dos mais variados gêneros, sendo elas: A depilação da noiva no dia
do casamento (1983, poesia), Por bares nunca dantes naufragados (1985, poesia),
A turma da rua Quinze (1989, infanto-juvenil), Abismos, modos de usar (1990,
poesia), As fomes de setembro (1991, contos), Famílias terrivelmente felizes (1991,
contos), O jogo do camaleão (1992, infanto-juvenil), Miss Danúbio (1994, contos), O
mistério da cidade fantasma (1994, infanto-juvenil), O primeiro amor e outros perigos
(1996, infanto-juvenil), O amor e outros objetos pontiagudos (1999, contos),
Faroestes (2001, contos), O invasor (2002, novela), Cabeça a prêmio (2003,
romance) e Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (2005, romance).
Uma leitura de O invasor, de Marçal Aquino
A novela O invasor (AQUINO, 2011) tematiza a história de um trio de recém-
formados engenheiros, amigos desde os tempos de faculdade e sócios em uma
construtora, em que dois deles, Ivan – o narrador que vivencia os acontecimentos –
e Alaor tramam a morte do majoritário, Estevão, após desentendimentos
empresariais, e, para tal fim, contratam o matador de aluguel Anísio, indicado pelo
desconhecido Norberto. Feita a contratação em um bar da Zona Leste, Ivan e Alaor
partem a um prostíbulo em Pinheiros, onde o narrador, após transa com a garota
Mirna e epifania com sonhos pretéritos e proféticos, descobre que seu sócio é
também proprietário da casa e envolvido com prostituição infantil, em sociedade com
Norberto. Após o assassinato de Estevão e de sua esposa, Silvana, delineia-se um
período de investigações policiais e de interrogatórios dispersos com familiares e
amigos das vítimas. Mesmo nesse período, o pistoleiro Anísio se propõe a trabalhar
como segurança na construtora, isto é, deixa seu espaço marginalizado e invade o
espaço da burguesia paulistana, de forma a causar o temor e o peso na consciência,
sobretudo, de Ivan. Não obstante, a filha de Estevão, Marina, assume o cargo do pai
e, com o tempo, Ivan descobre o relacionamento dela com Anísio. Então, Ivan
associa a proximidade de Alaor, Anísio e Marina a um plano de eliminá-lo das
frentes de negócios da construtora e, por isso, conflui para uma crise interior, que o
leva a planejar uma fuga frustrada com a amante, Paula. Nesse entremeio, Anísio
convida Ivan para a festa do seu aniversário e denuncia sua onisciência sobre o
caso do protagonista com Paula. Ademais, Ivan parte para casa de Paula para a
fuga, mas descobre o plano de seu sócio com ela, prostituta de Alaor e, com isso,
resolve encaminhar-se ao prostíbulo e assassiná-lo. Porém, Ivan não o encontra, é
expulso do prostíbulo e quebra o pé. Logo, a crise psicológica de Ivan é tamanha a
ponto de fazê-lo confessar o crime em uma delegacia. Para sua surpresa, no
entanto, os policiais da delegacia o levam ao delegado corrupto, Norberto, e seus
comparsas Alaor e Anísio, em plena festa de aniversário do invasor.
Estruturalmente, a obra O invasor se subdivide em quinze pequenos capítulos
ou partes, sendo elas: 1 – contratação de Anísio (pp. 9-18); 2 – saída da Zona Leste
rumo ao Pinheiros e praga da mulher na Radial Leste (pp. 19-20) / prostíbulo e Mirna
(pp. 21-34); 3 – conversa de Ivan e Estevão (pp. 35-42); 4 – discussão de Ivan e
Alaor (pp. 43-52); 5 – assassinato de Estevão e Silvana (pp. 53-58); 6 – delegado
Junqueira (pp. 59-65); 7 – decisão de matar Estevão e encontro com Paula (pp. 66-
69) / conversa com Anísio (pp. 69-73); 8 – pagamento de Anísio (pp. 74-78) /
primeiro dia de trabalho de Anísio (pp. 78-80); 9 – volta de reunião com Rangel e
delegado Junqueira no Aeroporto de Congonhas (pp. 81-82) / Marina (pp. 82-87); 10
– visita à mãe de Ivan (pp. 88-89) / empréstimo a Claudino (pp. 90-93); 11 – outro
encontro com Paula (pp. 94-95) / decisão de Ivan de desligamento da sociedade (pp.
95-97) / término do casamento de Ivan e Cecília (pp. 97-98) / morte de empresário
(pp. 98-99); 12 – compra do revólver (pp. 100-102) / convite à festa de Anísio (pp.
102-103) / plano fuga de Paula e Ivan (pp. 103-106); 13 – tocaia de Ivan na
construtora (pp. 107-108) / furto de Ivan na construtora (pp. 108-110) / saída de Ivan
da própria casa (pp. 110-112) / fuga frustrada de Ivan e descoberta sobre a trama de
Alaor e Paula (pp. 112-115); 14 – invasão de Ivan ao prostíbulo, impedimento e
quebra do pé (pp. 116-118) / batida de carro (pp. 118-119) / delação de Ivan à
delegacia (pp. 119-120); 15 – entrega de Ivan às mãos de Alaor, Anísio e Norberto.
Princípios de narratologia genettiana e descrição do método
Durante o limiar do pensamento estruturalista, Gérard Genette (1995) publica,
em Figures III, um estudo sobre À la recherche du temps perdu, intitulado Discurso
da narrativa, a partir do qual propõe, não só a interpretação ao Proust romanesco,
como também um modelo teórico-metodológico, no âmbito narratológico. Para isso,
Genette (ibidem, p. 25) distingue história ou diegese (significado, conteúdo narrativo)
de narrativa ou discurso (significante, texto narrativo) e narração (ato de produção
narrativa), ao passo que subdivide seu método em três categorias, similares à forma
verbal: tempo (relação narrativa X história), modo (relação narrativa/história) e voz
(relação entre narração/narrativa e narração/história), de forma a abranger a
categoria tempo os elementos ordem, duração e frequência dos acontecimentos
narrados no discurso. Assim, o modelo narratológico genettiano de análise se
configura em torno de cinco básicos: ordem, duração, frequência, modo e voz.
A ordem, abordada como primeiro conceito teórico de Genette (ibid., pp. 31-
83), equivale à ordenação dos acontecimentos narrados (ou tempo da história) em
concordância (acronia) ou discordância (anacronia) temporal no discurso (disposição
dos acontecimentos, tempo da narrativa). Esta última, a discordância temporal da
ordenação, ou anacronia, antecipa (movimento proativo ou prolepse) ou retrocede
(movimento retroativo ou analepse) os acontecimentos no discurso, tomando como
referência a narrativa primeira (ponto de referência de uma anacronia) de modo a
produzir uma extensão (amplitude) e um limite (alcance) de prospecção ou
retrospecção (do tipo „olhou a foto dele: há três anos casaram-se/casar-se-ão‟,
sendo analepse/prolepse = casaram-se/casar-se-ão, narrativa primeira = momento
em que se olha a foto, amplitude = três anos, alcance = o casamento).
Define-se a analepse, pois, com referência ao seu campo de extensão e o da
narrativa primeira, sendo analepse interna heterodiegética (ou ainda analepse
completiva ou reenvio) aquela intercalada com a diegese da narrativa primeira, ou
analepse interna homodiegética (ou ainda analepse repetitiva ou rappel) aquela com
diegese equivalente, memorativa, à da narrativa primeira, analepse mista aquela que
entrecruza os campos interno e externo de expansão da narrativa primeira e, ainda,
analepse completa aquela que se realiza e analepse parcial a que caminha para
uma elipse da narrativa. Têm-se também, mas de movimento lógico-temporal
contrário ao da analepse, a prolepse externa heterodiegética, prolepse interna
heterodiegética (ou prolepse completiva), prolepse interna homodiegética (ou
prolepse repetitiva ou anúncio), prolepse mista, prolepse completa e prolepse
parcial.
A duração, advogada por Genette (1995, pp. 85-112), refere-se à velocidade da
narrativa, a qual pode ser classificada, a partir da simultaneidade entre tempo da
história (abreviado por TH) e tempo da narrativa (abreviado por TN), no caso de
isocronia, ou, por outro lado, a partir da aceleração ou retardamento entre TH e TN,
no caso de anisocronia.
Logo, quando cessa o tempo da história, numa equivalência a zero, de modo
que há prosseguimento no tempo da narrativa, de modo que este se coloque como
infinitamente maior do que o tempo da história, tem-se uma pausa (esquematizada,
sinteticamente, por TN = n, TH = 0. Logo: TN ∞ > TH, do tipo „Ana era loira, alta,
olhos castanhos...‟), geralmente, com função descritiva, reflexiva ou de digressão.
Já quando o tempo da história e o tempo da narrativa ocorrem
simultaneamente, isto é, equivalem-se, há a cena (esquematizada por TN = TH, do
tipo „Ana lhe disse, eu não vou mais, pegou a bolsa e saiu‟), geralmente, configurada
na instauração do diálogo e no consequente e hipotético desaparecimento do
narrador.
Por sua vez, quando se resume o tempo da história, ou melhor, acelera-se a
narrativa em contraposição à cena, tem-se o sumário (esquematizado por TN < TH,
do tipo „João acordou, fez sua higiene, vestiu-se e seguiu à escola‟), com a função
de narrar-se apenas o que se julga importante, no discurso.
Já quando se elimina do discurso algum acontecimento, o tempo da narrativa
figura infinitamente menor que o tempo da história e há, pois, a elipse
(esquematizada pela fórmula TN = 0, TH = n. Logo: TN < ∞ TH), podendo ser elipse
explícita (demonstrada no texto, do tipo „passado algum tempo, retornou‟) elipse
implícita (não perceptível no texto, do tipo „retornou...‟) e elipse hipotética, quando
dela se origina uma analepse, ou ainda, elipse determinada (com duração indicada,
do tipo „dois anos depois, retornou‟), indeterminada (sem indicação, do tipo „tempos
depois, retornou‟) e qualificada (quando adjetivada, do tipo „após anos de alegria,
retornou‟).
A frequência, enquanto o terceiro conceito genettiano (idem, ibidem, pp. 114-
158), associa-se à recorrência dos elementos na narrativa. Assim, têm-se o
singulativo em que se conta uma vez aquilo que se passou uma vez (representado
pela fórmula 1N/1H, do tipo „sábado foi à igreja‟, sendo H = ida à igreja); o
singulativo anafórico, no qual se conta n vezes aquilo que se passou n vezes
(esquematizado por nN/nH, do tipo „sábado, foi à igreja... domingo, ao ir à igreja‟,
sendo H = várias idas à igreja); a narrativa repetitiva, em que se conta n vezes aquilo
que se passou uma só vez (representado por nN/1H, do tipo „sábado foi à igreja...
àquela ida, sábado, na igreja...‟, sendo H = ida à igreja no sábado); e narrativa
iterativa, na qual se conta uma única vez o que se passou n vezes (na fórmula
1N/nH, do tipo „ia à igreja‟, sendo H = idas frequentes à igreja).
Sobre a narrativa iterativa, a iteração se expressa pelo imperfeito („lia‟,
„acordava‟, „dormia‟) e pelo durativo („todos os dias‟, „aos sábados‟) e possui função
proximal à da descrição (de característica de pessoas, espaços...) por traços
iterativos (do tipo „José lia‟ = intelectualidade), monótonos no tempo da história.
Ademais, a iteração acontece a serviço das cenas singulares, ou melhor, no
interior destas. Então, a iteração pode extravasar o tempo das cenas com duração
mais ampla, exterior a elas, sendo, pois iteração externa ou generalizante (do tipo
„ali [cena singulativa descrita] José lia todos os dias‟, sendo duração de „lia todos os
dias‟ (iterativo/diariamente) externo ou ≠ de duração de „ali‟ (singulativo)). Por outro
lado, a iteração pode limitar-se às cenas com duração equivalente, interna a elas,
sendo, por fim, iteração interna ou sintetizante, (do tipo „ali, [cena singulativa
descrita], José lia‟, sendo duração de „ali‟ (singulativo) = duração de „lia‟
(iterativo/naquele espaço da cena)). Por fim, a iteração também pode figurar-se com
cenas de caráter singulativo pelo uso do imperfeito (do tipo „[naquele dia] José lia
rapidamente‟ = equivalente ao singulativo), tratando-se do pseudo-iterativo em que a
iteração que não acontece.
A iteração figurativiza-se, em sua duração, por meio da determinação, ou
melhor, do início e término dos limites diacrônicos exteriores das séries iterativas
recorrentes, de forma definida ou indefinida textualmente (do tipo definido em „à
tarde, José lia‟, do tipo indefinido em „em certas tardes, José lia‟) ou enquanto
determinação interna às cenas singulares, completa ou em fragmentos (como „José
lia‟..., „José lia‟...). Além disso, a iteração classifica-se pela sua especificação ou,
grosso modo, frequência (do tipo simples em „nos sábados de maio, José lia‟, do tipo
complexa em „nos sábados de calor, José lia‟, do tipo indefinido em „muitas vezes,
José lia‟), que pode ser uma especificação interna às cenas singulares. Por fim, a
iteração desenvolve-se em uma amplitude diacrônica ou duração temporal,
denominada extensão, (do tipo extensões pontuais em „há dois anos, José lia‟).
Ressalta-se, contudo, que as diversificações ou variações ancoradas pelas
determinações e especificações internas da iteração podem ou não desdobrar uma
narrativa desenvolvida, segundo a extensão, analisável em quantidade de páginas.
Ainda sobre a iteração, pondera-se que ela também pode variar em uma série
sucessiva de acontecimentos do singulativo, a diacronia real, sendo esta condizente
à unidade sintética da cena singulativa (diacronia interna do tipo „faz duas horas que
José lê... José ainda lê...‟, sendo duas horas = elemento interno-variável à duração
do singulativo) ou condizente à série real externa interferente na cena singulativa
(diacronia externa do tipo „nas primaveras, José lê... José ainda lê‟, sendo primavera
= elemento externo-variável à duração do singulativo). Todavia, faz-se necessário
considerar que, na frequência em geral, é preciso abstrair a alternância e transição
do singulativo/iterativo da narrativa, tal qual, na duração, da relação cena/sumário.
Já o modo, na gramática narrativa de Genette (1995, pp. 159-209),
corresponde ao processo de regulagem de informação da narrativa, sendo a
distância e a perspectiva do fato narrado as formas subjacentes a esse processo. De
antemão, a distância é o mecanismo de expressão narrativa em que se mostra ou
conta algo, sendo o mostrar e o contar elementos já retratados na dicotomia
platônica “diegesis X mimesis” e na dicotomia da crítica americana ou jamesiana
“showing X telling”, de forma que quanto mais informador e informação, mais
mimético é o texto, e do contrário, mais diegético (no esquema +informação e
+informador = C, em que +informação e –informador = mimesis, –informação e
+informador = diegesis).
Do âmbito +mimético, depreende-se a narrativa de acontecimentos e do âmbito
+diegético, depreende-se a narrativa de falas, sendo estas classificadas como
discurso narrativizado ou contado (discurso da personagem mencionado
resumidamente pelo narrador, do tipo „Maria disse da sua viagem à Europa e etc.‟),
discurso transposto (em estilo indireto, pronunciado ou interior, com a tênue
presença do narrador, do tipo „Maria disse-lhe que viajou à Europa‟) e discurso
relatado ou reportado (diálogo ou forma dramática, em que o narrador finge delegar,
com totalidade, a fala à personagem, do tipo „Maria lhe disse: viajei à Europa‟).
Em contraste à distância, a perspectiva refere-se ao ponto de vista pelo qual os
acontecimentos são narrados e dela abstraem-se, a partir do foco narrativo em uma
personagem dita “focal” (sobre a qual lhe recai o foco), a focalização zero ou
narrativa não focalizada (em que o narrador onisciente, demiurgo, sabe mais que a
personagem, segundo o esquema narrador > personagem, do tipo „João, alegre,
mas em silêncio, olhava-a‟), a focalização interna (decorrente a partir da
personagem em que o narrador conta apenas o ela sabe, segundo o esquema
narrador = personagem, sendo, pois, focalização interna fixa, do tipo „João olhava-a
alegremente‟, variável do tipo „João olhava-lhe o sorriso... ela o viu, ignorou-o e
seguiu‟ ou múltipla do tipo „João olhava-lhe o sorriso... José avistou-a distante... Ana
observava-a com furor... ela, embora sorridente, chorava...‟) e a focalização externa
(decorrente na externalidade superficial da personagem, em que o narrador ignora o
saber da personagem, segundo o esquema narrador < personagem, do tipo „João
parou, esperou o semáforo fechar e seguiu‟).
Entretanto, na tomada das focalizações emergem (ou podem emergir)
alterações do ponto de vista, com efetuação de ruptura proposital (focalização
variável, onisciente ou com restrição parcial) ou equivocada (no caso de infração
momentânea) ao código narrativo vigente. Então, essas infrações isoladas, advindas
das alterações, concedem menos informação que o necessário (paralipse) ou mais
informação que o necessário (paralepse) nos limites focalização. Porém, a partir de
um narrador em primeira pessoa (como o autobiográfico) ou onisciente, a
focalização pode, tratando-se de polimodalidade, tanto bifurcar-se em uma dupla
focalização, envolvendo herói e testemunha, quanto permitir ao narrador afirmar
hipoteticamente o que não é capaz, por meio de algumas locuções modalizantes (do
tipo „talvez‟, „sem dúvida‟, „como se‟, „parecer‟, „aparecer como‟), ou até mesmo
denunciar a experiência ulterior do herói (dos personagens em geral) e do narrador
com outras locuções (do tipo „vim depois a saber‟).
Quanto à voz, último conceito de Genette (1995, pp. 211-260), cabe-lhe, em
primeira instância, o tempo da narração, a partir do qual esta pode ser ulterior
(narrativa no passado), anterior (narrativa preditiva, no futuro, como sonhos e
profecias), simultânea (narrativa no presente) ou intercalada (entre vários momentos
da narrativa heterogeneizados).
Cabem também à voz as funções do narrador e a tipologia deste. As funções
do narrador se classificam segundo o aspecto da história, em função narrativa
(narrador centra-se na história), o aspecto do texto narrativo, em função de regência
(narrador centra-se no texto, como uma metalinguagem), e o aspecto da situação
narrativa (relação narrador x narratário), em função de comunicação (narrador como
pródigo comunicador), função testemunhal ou de atestação (em episódios que
despertam a emotividade do narrador) e função ideológica (intervenções diretas ou
indiretas do narrador). Já o narrador classifica-se, pois, como narrador
heterodiegético (ausente, não participante da história, narrador de terceira pessoa),
homodiegético (presente, na história, como testemunha, narrador de segunda
pessoa) e autodiegético (que narra a própria história, sendo narrador = herói,
protagonista, narrador de primeira pessoa).
Por fim, os níveis narrativos são aqueles a partir dos quais o narrador, tal qual
o narratário, situa-se exteriormente (nível extradiegético) ou interiormente (nível
intradiegético) à diegese que narra, podendo conceber a voz a uma personagem na
conversão de mais um nível (metadiegético), sendo que, em suma, os níveis se
hierarquizam em: N (extradiegético) [P/N₂ (intradiegético) [P/N₃ (metadiegético)
[P/N...]]], de modo que um nível (N) se insere em outro, mediante a pessoa (P) que
detém a voz, embora um nível metadiegético possa não se concretizar como tal,
tornando-se, assim, nível pseudodiegético.
Nossas premissas
Embora a narratologia genettiana se apresente como uma semiótica ou
gramática narrativa centrada, estruturalmente, em conceitos teórico-metodológicos
próprios, imanentes no texto, faz-se necessário delinear algumas premissas voltadas
à aplicação do método, à apresentação da aplicação do método e ao recorte dos
seus conceitos.
Genette (1995) define a narrativa ou discurso como seu objeto de estudo, já
que é por ela que a história se faz perceptível, mesmo que ambas coexistam. Logo,
na coexistência de história e narrativa, enquanto significado e significante,
subentende-se que estes se imbricam indissociavelmente na textura do signo.
Assim, na aplicação do método de Genette (ibidem), considera-se que os elementos
narrativos figurativizam o conteúdo, de forma a tecer uma construção sígnica na
análise da obra literária.
Ademais, a densidade narrativa varia na economia e particularidade de cada
obra, a ponto de alguns conceitos genettianos serem mais recorrentes a uma
interpretação do que outros. Entretanto, para a apresentação do método
narratológico de Genette (ibid.), persiste-se na linearidade dos domínios, da ordem à
voz, em prol de uma explanação didática dos signos da novela O invasor.
Por fim, a estruturação tipológica de alguns conceitos (por exemplo, a
classificação das analepses, das elipses e da iteração) podem não conduzir, em sua
terminologia, a efeitos de sentido tão profícuos. Por isso, analisa-se a obra O
invasor, de Marçal Aquino, mediante a um recorte dos conceitos e de suas devidas
classificações tipológicas, de modo a filtrar a excessiva abrangência terminológica
empregada pelo narratólogo.
Ordem
Em O invasor, de Marçal Aquino, é perceptível o jogo temporal opositivo das
relações entre passado X presente, presente X futuro e suas devidas
transformações na narrativa, entre alcance-amplitude analépticos-prolépticos e as
ações da narrativa primeira, envolvendo a imundície e a fragmentação das
personagens.
Como exemplo, tem-se a passagem em que o narrador Ivan encontra-se só, na
construtora, após agravamentos psicológicos e que, ao observar o espaço, retorna
ao passado, no momento em que, juntos – ele, Alaor e Estevão – abriram o negócio,
de modo a enunciar, na relação entre passado X presente, a oposição
amizade/esperança/coletivismo X interesse/desesperança/individualismo, como se
nota em:
Lembrei dos nossos primeiros tempos ali. Estevão, Alaor e eu. Três caras
cheios de planos e sonhos. Éramos amigos, a vida se abria à nossa frente.
Olhei as paredes da sala, os móveis, o carpete de cor escura que, numa
tonalidade mais clara, desgastada, exibia uma trilha que conduzia da porta
à minha mesa. (AQUINO, 2011, p. 109).
Além disso, figurativizam-se, na oposição entre passado X presente, os signos
da atenuação da vida conjugal, na qual Ivan enuncia a analepse da efervescência
amorosa, em: “Eu tinha me casado com ela dois anos de depois de associar-me a
Estevão e Alaor na construtora. Foi um tempo feliz, hoje eu sei. Havia certeza que
todos os nossos planos dariam certo, era só questão de tempo.” (AQUINO, 2011, p.
33). Em contraposição à efervescência pretérita, Ivan relata, no presente das ações
da narrativa primeira, a acomodação volitivo-afetiva: “A camisola que ela vestia
estava levantada e pude ver que sua calcinha saíra do lugar, deixando exposta a
carne branca de suas nádegas.” (idem, ibidem, p. 33).
Observa-se, pois que as analepses desempenham, em O invasor, uma função
primordial: sintetizar, concisamente, a deterioração em torno das personagens, nas
contraposições do passado versus presente. Assim, essas relações opositivas
culminam com a tensão que acompanha as personagens no decorrer da narrativa e
as fragmenta, ao longo do tempo, segundo as suas devidas amplitudes
retrospectivas (alguns anos da montagem da construtora, 2 anos de casamento...).
Já no domínio lógico-temporal contrário ao das analepses, em O invasor, as
prolepses (= antecipações) sobre o assassinato de Estevão instauram-se não só a
convicção do narrador, como também a avidez de sua condição volitivo-emocional,
consonante com o presente das ações da narrativa primeira da conversa com
Estevão: “Anísio vai matá-lo. (...) Anísio vai matar Estevão, que continua parado à
frente da minha mesa (...). Anísio vai acabar com esse sorriso a tiros.” (AQUINO,
2011, p. 41).
Portanto, as oposições das anacronias, em relação às ações da diegese da
narrativa primeira, constroem, retrospectivamente, os signos do interesse e da
atenuação conjugal da elite paulistana, enquanto que constroem, prospectivamente,
o signo da frieza adjunto à ansiedade.
Duração
Em O invasor, há a alternância entre aceleração e desaceleração do ritmo da
narrativa, que implica na duração ou velocidade. Observa-se que, nessa alternância,
a aceleração (sumário/elipse) equivale à ligeireza da narrativa refletida no discurso
do narrador, enquanto que a desaceleração ou lentidão (pausa/cena) equivale à
aproximação do detrimento do exterior-interior de Ivan.
A exemplo disso, a pausa, com função de pausa descritiva, apresenta a
degradação da externalidade em consonância com a deterioração, da internalidade,
do “eu” que narra em O invasor. Percebe-se isso logo no capítulo inicial, em que
Ivan e Alaor chegam ao bar, onde está Anísio, e o espaço é adjetivado com o teor
da interioridade do narrador: “Havia algo de melancólico no calçamento pintado de
verde e amarelo, uma lembrança desbotada dos dias de jogos da Seleção na Copa.”
(AQUINO, 2011, p. 9, grifos nossos).
Ainda sobre a pausa descritiva envolvendo o espaço descrito e a interioridade
do “eu”, tem-se a confluência externa, espacial, com a inconcretude interna,
psicológica, de Ivan acerca da ameaça de um sonho ruim, no prostíbulo: “Continuou
me oprimindo, pairando no quarto que, naquele momento, tinha o aspecto de uma
paisagem lunar, por causa da luz azulada que entrava pelas frestas da janela.”
(idem, ibidem, p. 27, grifos nossos). Atesta-se, pois, que a pausa corrobora com a
inconcretude psicológica de Ivan aderida ao cansaço e ao sono, em detrimento com
o espaço, tal qual em: “Eu me sentei na cama e fiquei olhando no resto do meu
corpo algo entre o melancólico e o ridículo – camisa aberta, calças arriadas sobre os
sapatos e semiereto.” (Id., ibid., p. 25, grifos nossos). Nessa perspectiva, a pausa
não só é responsável pela descrição do espaço, mas também dos detalhes, dos
elementos externos em profusão com a interioridade de Ivan.
Já as cenas de O invasor delineiam-se na simultaneidade dos acontecimentos
mostrados (showing) em confluência com a intensidade da obra, como se percebe
nas ações de Estevão, ao perscrutar Ivan, gradativamente, em: “Estevão está
sentado à minha frente, folheando sem muito interesse uma revista de arquitetura
(...). Várias vezes ele levanta os olhos da revista e me observa, dissimulado. (...)
Estevão quer me falar alguma coisa. Mas espera, faz rodeios. (...) me olha mais uma
vez e tira o porta-cigarrilhas (...). Pega uma cigarrilha marrom e passa-a diante do
nariz.” (AQUINO, 2011, p. 35)”.
Por sua vez, o sumário articula, em O invasor, a aceleração da narrativa e sua
função refere-se à redução temporal da história para o acabamento da obra, isto é,
contar o não importante e necessário em poucas linhas, como se nota na passagem
da montagem da construtora em: “Quando saímos da faculdade, Estevão usou o
dinheiro da família para abrir a construtora. Como éramos amigos, ele nos deu parte
na sociedade.” (AQUINO, 2011, p. 13).
Ressalta-se, pois, que a novela O invasor é uma mescla rítmica equipolente
entre o modo cena e a narrativa sumária, ou seja, entre expansão e condensação da
diegese. Logo, a relação entre o mostrar (o expandir, showing, diegesis) e o contar
(o condensar, telling, mimesis) se dá de forma equiparada: no capítulo inicial, por
exemplo, as cenas encadeiam diálogos em cenas narrativas e a sumarização
explica a montagem da construtora e o plano de Estevão; o terceiro capítulo traz à
tona a intensidade do diálogo de Estevão e Ivan via cenas narrativas, enquanto que
os capítulos finais condizem à narrativa sumária correspondente à aceleração
gradativa das ações vividas pelo narrador (compra do revólver, tocaia e furto na
construtora, fuga frustrada, descoberta da trama de Alaor e Paula, invasão de Ivan
ao prostíbulo para matar Alaor, impedimento dos seguranças e o pé quebrado,
acidente de carro, chegada do táxi, delação e desfecho da história).
Já os movimentos de elipses são responsáveis pelo acabamento final de
algumas temáticas de O invasor. Como ilustração, no episódio de Paula e Ivan, as
elipses ocultam, assim como alguns sumários, o ato sexual em si e, por isso, tecem
o fechamento da erotização: “Abri os olhos e ergui a cabeça no momento em que
ouvi o ruído da porta do banheiro. A tempo de ver Paula surgir por ela. Como uma
vertigem. Vestida apenas com seus brincos.” (AQUINO, 2011, p. 69). Nota-se, pois,
que o encerramento do episódio, nesta moldura, induz ao ato sexual dos amantes,
elidido no tempo da narrativa, de modo a conservar a erotização em torno de Paula
e evitar a vulgaridade do ato em si.
Outro fechamento orientado pela elipse é perceptível ao final do livro: “O
investigador ligou o motor da viatura. Eu abri os olhos.” (idem, ibidem, p. 122). Nesta
elipse, o narrador Ivan elimina o final mais tangível da novela, deixando à indução o
fato de estar, pelo menos, vivo, já que narra a própria história.
Frequência
Na novela de Marçal Aquino, constata-se também a intensificação dos
acontecimentos pelo filtro narrativo de Ivan no discurso, desde a singularidade das
cenas ao desenho iterativo das personagens, a ponto de as recorrências
frequentativas se imbricarem com a crise psicológica do narrador.
Ressalta-se, pois, que, em O invasor, as cenas singulativas, por muitas vezes,
não figuram uma simples singularidade, propriamente dita, que irrompe com a
iteração não marcada na narrativa. Pelo contrário, o singulativo aparece enquanto
decorrência, ou até mesmo enquanto causa → consequência, da crise interior de
Ivan e seu reflexo exterior, tal qual se uma onda de azar o afetasse, ao longo da
história. A respeito disso, por exemplo, observa-se que, após a contratação do
invasor, o protagonista narra a cena em que Anísio levara um amigo para lhe pedir
empréstimo: “Na tarde daquele dia, Anísio havia entrado na minha sala
acompanhado por um mulato barrigudo. (...) o homem estava desempregado havia
meses e, como não achava trabalho, planejava abrir um bar (...).” (AQUINO, 2011, p.
90).
Além da cena singulativa descrita, recapitula-se que Ivan viu-se obrigado a
contratar o matador de aluguel, tolerá-lo durante os dias de serviço e emprestar-lhe
a um amigo o dinheiro correspondente à abertura de um boteco. Nesta sequência de
acontecimentos, até certo ponto negativos, Ivan reflete sobre sua onda de azar: “O
mundo começou a desabar ao meu redor” (idem, ibidem, p. 97). Depois disso, o
narrador ainda apresenta, de uma só vez, outras duas desgraças decorrentes da
fase ruim de sua vida:
Uma noite, ao chegar em casa, encontrei a empregada me esperando na
cozinha. Ela reclamou que seu salário estava atrasado – era Cecília quem
cuidava disso, porém a empregada disse que não se encontrava com ela
fazia dias. Estranhei e fui conferir. E descobri que minha mulher tinha saído
de casa. (AQUINO, 2011, p. 97).
Todavia, a degradação de Ivan mediante a presença do invasor, Anísio, se
compõe através do singulativo-anafórico, como se percebe no primeiro dia do novo
segurança da construtora: “Na manhã seguinte, quando cheguei à construtora,
Anísio já estava lá. Sentado numa das poltronas da recepção, ele conversava
animadamente com nossa secretaria.” (idem, ibidem, p. 78). As outras descrições
em cenas singulares do encargo de Anísio intensificam, da história (do externo, da
diegese) ao discurso (do interno, filtrado por Ivan-narrador), a intrusão do matador
de aluguel, como em “Assim que cheguei, vi um carro deixando um de nossos
funcionários mais assíduos” (id., ib., p. 87) ou “Anísio me aguardava na entrada do
estacionamento” (id., ibid., p. 102).
Nota-se, pois, que é o singulativo dos acontecimentos na narrativa que condiz
com a invasão de Anísio, por intermédio da recorrência e intensificação gradual da
figura do homicida e, quando não, esse singulativo condiz com os acontecimentos
axiologicamente negativos ocorrentes na vida do narrador-herói. Portanto, a
frequência em O invasor condensa, no discurso, tanto o signo da invasão junto aos
signos do medo e da inadequação (de Ivan), quanto o signo do azar ou mau agouro.
Distante do presente, do atual momento de Ivan, o tempo da montagem da
construtora, ocorrido há anos, fica a encargo da memória do narrador, a partir da
narrativa repetitiva, como se lê em “Quando saímos da faculdade, Estevão usou o
dinheiro da família para abrir a construtora. Como éramos amigos, ele nos deu parte
na sociedade.” (AQUINO, 2011, p. 13)” ou “Lembrei dos nossos primeiros tempos ali.
Estevão, Alaor e eu. Três caras cheios de planos e sonhos” (idem, ibidem, p. 109). A
partir desse discurso repetitivo de Ivan sobre um acontecimento ocorrido uma vez,
apreendem-se os signos da união, da lembrança, compostos, gradualmente, pela
repetição memorial-discursiva.
No tocante à rotina das personagens de O invasor, observa-se o desvelamento
dos caráteres escondidos por trás do singulativo. Como ilustração, recorda-se da
cena singulativa em que, após a saída do prostíbulo, o narrador dialoga com Alaor e
este lhe diz: “Eu tenho de ir lá [prostíbulo] com frequência. Sabe como é: a gente
nunca pode descuidar dos negócios” (AQUINO, 2011, p. 30). Nota-se, neste caso,
que Alaor conduz com o aspecto iterativo („tenho de‟, „frequentemente‟ = o que se
passou n vezes) a um quadro moral: um amigo dos tempos de faculdade, sócio em
uma construtora, que esconde do outro amigo ser sócio de um prostíbulo (com
adolescentes, inclusive), mas que, somente após aliança em um plano homicida,
conta-lhe tudo o que já é rotineiro.
Outro desvelamento de caráteres de personagens, descrito uma vez na
narrativa e n vezes na história, converge com a chegada de Ivan à casa de Paula
para a efetivação da fuga, em que o narrador, ao não encontrá-la e vasculhar os
objetos do quarto dela, traz à tona uma surpresa: “Em todas elas [fotos], Paula
aparecia seminua. Paula era uma das prostitutas de Alaor. (...) Desde o começo, ele
[Alaor] não confiava em mim. Por isso, colocou Paula por perto, para monitorar meus
movimentos.” (AQUINO, 2011, p. 114). Consta-se, pois, que o aspecto durativo (das
formas verbais era, confiava, monitorar/monitorava) descreve Paula como prostituta
de Alaor e cúmplice do seu plano, isto é, Paula não era a vítima que Ivan previa,
mas sim a coadjuvante do seu vilão.
Modo
Há também na obra, o teor volitivo-emocional do narrador (numa relação „eu x
outro‟), implicado no discurso das personagens, quando Ivan, por exemplo, faz
menção à fala de Alaor, após deixarem o prostíbulo: “Olhei para Alaor, que batucava
eufórico no painel do carro, falando de um endereço onde iríamos nos divertir muito,
e invejei-o.” (AQUINO, 2011, p. 14, grifo nosso). Nesse discurso narrativizado ou
contado, o narrador infere com sua carga volitivo-emocional, no caso, a inveja,
reduzindo a fala da personagem que o acompanha. Outra recorrência do teor
volitivo-emocional no discurso narrativizado ou contado de Ivan e seu primeiro
encontro com Paula é: “Conversamos sobre tudo. O céu e o inferno. Música (...).
Livros (...). Cinema (...). Comidas (...). Religião (...). Viagens (...).” (idem, ibidem, p.
68, grifo nosso).
Já neutro, sem implicações nos discursos alheios, o narrador traz a lume o
tempo real, simultâneo, a ponto de construir, gradualmente, a intensidade da
história, como se observa no discurso relatado ou reportado de Ivan, que liga para
Alaor:
A figura [Anísio] está aqui.
Eu sei, Alaor disse. Liguei de manhã avisando a Márcia que o segurança ia
começar a trabalhar hoje.
Você falou com o Norberto?
Alaor ficou em silêncio. Achei que a ligação tinha caído.
Alô, Alaor?
Eu estou aqui, Ivan. Você se esqueceu daquele negócio que eu disse sobre
as conversas pelo celular?
Foda-se. Você falou com ele ou não falou?
Falei, Ivan, falei.
E aí?
(AQUINO, 2011, p. 79)
Lado a lado com a explicitação proximal dos acontecimentos e sua tensão,
abstraída a partir do tempo real, está a intensidade do „eu‟ que narra/vê e recepciona
os acontecimentos, como se nota após a contratação de Anísio: “Eu também deveria
estar feliz. Mas não conseguia. Estava me sentindo sujo, cansado, doente.”
(AQUINO, 2011, p. 14). Nesse fragmento, a focalização recai sobre Ivan e este, por
ser narrador e personagem, sabe o tanto quanto sabe (narrador = personagem), na
medida em que expõe sua interioridade, sua crise psicológica e, axiologicamente, se
coloca como diferente de Alaor, seu caráter e naturalidade.
Ademais, ao fim do nó da narrativa, Ivan expressa o seu querer (matar Alaor),
reflexo do clímax de sua crise interior, em: “Rodei sem rumo pela cidade durante
horas (...) minha pressa tinha acabado. (...) Só queria encontrar Alaor – antes que
Anísio me achasse.” (AQUINO, 2011, p. 116). Outro exemplo que reforça a recepção
de Ivan é quando se descobre Alaor proprietário do prostíbulo: “Fiquei atento
olhando para o rosto daquele homem ao meu lado, como se o estivesse vendo pela
primeira vez.” (idem, ibidem, p. 32).
Amiúde, a explicitação do interior de Ivan por meio da focalização interna se
concatena, coerentemente, na narrativa com o mistério que a obra encerra, afinal, o
narrador, que é a personagem, sabe o equivalente a todos os acontecimentos, já
que os viveu anteriormente. Então, em O invasor, o mistério se processa em não
revelar todos os acontecimentos, ou melhor, suspendê-los e somente revelá-los
gradativamente. Assim, dessa regulagem ou paralepse, o mistério e seu efeito, o
suspense, estão em consonância com o desmascaramento das ações, das
personagens, tal qual em: “A frase que Anísio disse (...) teve o impacto de um soco
em meu estômago: Leva a ruivinha com você.” (AQUINO, 2011, p. 110). Neste caso,
a paralepse reside no fato de Ivan informar apenas o necessário para o mistério e
suspense da narrativa (ou seja, que ele e a inocente Paula são vigiados) e não os
acontecimentos como um todo (ou seja, que Paula integra o plano de Alaor,
Norberto e Anísio).
O mistério e o suspense truncados na paralipse figuram-se no desenlace da
novela, no momento em que Ivan, após entregar-se a polícia e delatar os crimes
cometidos, é levado em uma viatura para Alaor, Norberto e Anísio: “Olha só o que
vocês me aprontaram. Alaor baixou a cabeça, evitou olhar para mim. Anísio me
encarou. Tinha um ar de vitória no rosto.” (AQUINO, 2011, p. 122). Vê-se que a
paralepse está na indefinição do final tido pelo narrador Ivan, que, embora se saiba
que sobreviveu, afinal é ele que narra, não se revela como sobreviveu às mãos dos
assassinos e comparsas.
Voz
Ao tratar-se de mistério e suspense em O invasor, constata-se que, no âmbito
da narração, a obra toda é construída a partir de fatos já ocorridos e, em decorrência
dessa narrativa ulterior, as lacunas são preenchidas gradualmente (por anacronias,
analepses), como se percebe no fragmento, durante a contratação de Anísio:
“Quando saímos da faculdade, Estevão usou o dinheiro da família para abrir a
construtora. Como éramos amigos, ele nos deu parte na sociedade.” (AQUINO,
2011, p. 13). Atenta-se, neste caso, que a lacuna posta em jogo a Anísio é a
propósito da montagem da construtora.
Já no capítulo da conversa de Ivan e Estevão, as ações acontecem
simultaneamente, isto é, por uma narrativa simultânea, só que com cujo efeito é a
apresentação do majoritário a ser assassinado, como se lê no recorte: “Começam
aparecer na barba de Estevão os primeiros fios brancos. Nos cabelos, eles já são
maioria e dão um tom acinzentado à sua cabeça” (AQUINO, 2011, p. 35). Trata-se,
neste trecho, de uma tentativa de aproximação a Estevão, dado que tal capítulo é o
único de toda novela em que o majoritário age, fala.
De uma forma geral, todo mistério, engendrado na história do jogo de
interesses da burguesia paulistana, só se define enquanto tal através das escolhas
do nível intradiegético, com narrador autodiegético, uma vez que a este lhe é cabido
a incumbência de narrar a própria história, a partir da relação entre o contar e o não-
contar. Lê-se, pois: “Fiquei quieto, olhando para o rosto daquele homem ao meu
redor. Ali estava o meu sócio Alaor, o inofensivo Alaor, meu amigo desde os tempos
de faculdade, a quem eu pensava que conhecia bem.” (AQUINO, 2011, p. 32).
É, pois, o narrador, presente na narrativa como protagonista ou narrador
autodiegético, que se situa em uma posição de não-saber mais do que as
personagens que o cercam (isto é, mediado pela focalização interna fixa) no nível
intradiegético, a ponto de elevar ao extremo a loucura decorrente da sua crise e
denunciar Alaor, Anísio, os demais e a si à polícia, sem oscilar perante a possíveis
consequências: “Contei toda a história. O homem não chegou a tomar notas ou fazer
comentário. (...) Estávamos em sua sala e a placa sobre a mesa informava que ele
era o escrivão de plantão no distrito policial.” (AQUINO, 2011, p. 119).
Em suma...
Por meio da narratologia de Genette (1995), depreende-se uma gama de
signos em O invasor, que se definem enquanto tais sendo um todo, constituído de
conteúdo (temas) em coerência com a forma (estrutura narrativa).
Tabela 1 – Análise estrutural da narrativa de O invasor
ESTRUTURA NARRATIVA
semiótica narrativa de Genette (1995)
SIGNOS
análise do discurso narrativo de O invasor
analepse (recuo) interesse, individualismo, atenuação conjugal
prolepse (avanço) volitivo-emocional, avidez
pausa (TN = n, TH = 0. Logo: TN ∞ > TH) inconcretude psicológica
cena (TN = TH) simultaneidade
sumário (TN < TH) aceleração
elipse (TN = 0, TH = n. Logo: TN < ∞ TH) –
singulativo (1N/1H) mau agouro, azar
singulativo-anafórico (nN/nH) invasão, medo, inadequação
narrativa repetitiva (nN/1H) união, lembrança
narrativa iterativa (1N/nH) desmascaramento
discurso narrativizado ou contado volitivo-emocional
discurso relatado ou reportado simultaneidade
focalização interna interioridade
paralepse mistério, suspense, desmascaramento
narrativa ulterior mistério, suspense
narrativa simultânea aproximação
nível intradiegético –
narrador autodiegético não-saber
Fonte: autoria própria
Em suma, tem-se na novela O invasor, de Marçal Aquino, um complexo e
coerente enredamento a serviço da narrativa, sua organicidade e verossimilhança:
na imanência, depreendida pela análise textual, constata-se que o narrador
autodiegético, utiliza-se da paralipse, da focalização externa e do aspecto iterativo
para, gradativamente, desvelar os acontecimentos, as personagens e a podridão
humana, de modo a apreender a atenção do leitor, uma vez que tais elementos
narrativos não culminam, de forma tangível, com o final da obra, nem com sequência
narrativa que possa induzir uma leitura convergente a ele.
Pondera-se também que o ritmo acelerado/desacelerado, advindo das
variantes cena/sumário e singulativo/iterativo, corrobora com a fluidez da obra, já
que delimita o discurso a qualquer monotonia. No entanto, esse ritmo só se realiza
em meio à segunda história da novela de Marçal Aquino: a invasão de Anísio no
espaço elitista, da ostentação e da aparência. Invasão no sentido de deflagração
moral das personagens, sobretudo Ivan, e o peso da mancha individualista que
carregam, em consequência do interesse próprio.
Conclusão
Atestou-se, por meio deste estudo, que a análise da narrativa de base
genettiana proporciona a abstração dos signos de uma obra literária, na coerência
interna do discurso, uma vez que tempo, modo e voz, enquanto categorias da
narrativa, no âmbito dos significantes, balizam a história ou diegesis, no âmbito do
significado, de modo a possibilitar um método cujo objeto, o discurso da narrativa, se
coloque como suscetível de uma análise textual de sua significação como um todo.
Além disso, atestou-se, pois, que a novela O invasor trata tematicamente do
jogo de interesse por trás das relações econômicas da elite paulistana. Ao
apresentar esse tema na diegese, o narrador o desmascara e coloca-se como um
impossibilitado do saber, através da focalização externa, e como um ser em conflito
psicológico, através da simultaneidade dos tempos da história e da narrativa e da
interiorização do discurso.
Subentende-se, portanto, que a arquitetura formal da novela O invasor,
suscetível de uma análise do discurso narrativo, se deve também à capacidade
criadora do escritor Marçal Aquino, que se utiliza de temas simples, cotidianos,
presentes nos jornais e noticiários, como o “interesse” e a “violência”, sem deixá-los
à mesmice, mas, do contrário, tece-os genuinamente no acabamento da sua obra.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Marçal. O invasor: novela. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. Lisboa:
Vega, 1995.

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A construção sígnica da novela O invasor, de Marçal Aquino: conceitos de narratologia genettiana aplicada

  • 1. A construção sígnica da novela O invasor, de Marçal Aquino: conceitos de narratologia genettiana aplicada The signic construction of the novela O Invasor, by Marçal Aquino: Applied concepts of genettian narratology Igor Iuri Dimitri Nakamura (UFMS-G) RESUMO: Objetivou-se, por meio deste trabalho, analisar a construção sígnica da novela O invasor, de Marçal Aquino, com ênfase nas categorias narrativas do tempo, aspecto e modo. Para tanto, fundamenta-se no modelo da gramática narrativa de Genette (1995), sobretudo, no que tange aos conceitos de ordem, duração, frequência, modo e voz. Assim, explana-se o método de análise estrutural da narrativa genettiana, seguido de uma interpretação da novela de modo a articular conjuntamente os elementos narrativos e os seus respectivos efeitos de sentido. Logo, conclui-se que os temas da obra, como o interesse e a crise psicológica, se subjazem a partir da discordância temporal entre diegese e narrativa, enquanto que a suspense, o mistério e o desmascaramento se desvelam através da focalização. PALAVRAS-CHAVE: Marçal Aquino. Narratologia. Discurso. ABSTRACT: It was objected, by this work, analyze the signic construction of the novela O Invasor, by Marçal Aquino, emphasizing the narrative categories of time, aspect and mode. For this purpose, the study was based on Genette model of narrative grammar (1995), especially in what is related to the concepts of order, duration, frequency, mode and voice. Thus, the structural analysis method of genettian narrative is explained, followed by an interpretation of the novela as a way to articulate the narrative elements and their respective effects of meaning together. Therefore, it is concluded that the work subjects, such as interest and psychological crisis, underlie from the time discrepancy between diegese and narrative, while the suspense, mystery and unmasking are unveiled by focusing. KEYWORDS: Marçal Aquino. Narratology. Discourse. Introdução Este trabalho consiste em uma análise da narrativa de O invasor, de Marçal Aquino (2011), sob o viés da narratologia genettiana e, por isso, tem como objetivo geral a interpretação da tessitura formal-conteudística da obra, selecionada como corpus da pesquisa. Para tanto, analisa-se a novela do autor, centrando-se nos elementos narrativos e seus devidos efeitos de sentido para a abstração dos signos que sintetizam, e apresenta-se a análise depreendida, didaticamente, mediante os conceitos de “ordem”, “duração”, “frequência”, “modo” e “voz”. Deste modo, este trabalho se subdivide em cinco etapas, além da introdução e conclusão: inicialmente, apresenta-se a biografia de Marçal Aquino e contextualiza- se a sua obra; feito isso, discute-se O invasor, seu enredo e estrutura; na sequência, explana-se o método de Genette e sua terminologia; em seguida, faz-se um recorte
  • 2. didático do método e, por fim, analisa-se a novela, perpassando, linearmente, os conceitos da narratologia genettiana e seus efeitos de sentido na obra. Vida e obra de Marçal Aquino Marçal Aquino nasceu em 1958, graduou-se em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 1983, trabalhou como jornalista na Gazeta Esportiva e no jornal O estado de S. Paulo, atuou como repórter policial no Jornal da Tarde, produziu inúmeros roteiros, entre os quais o do filme O invasor (2002), em parceria com Beto Brand, e o da série televisionada Força tarefa (2009-2011), com Fernando Bonassi, e, recentemente, tem participado como consultor do IV Laboratório de Roteiros de Sundance / Rio Filme pela Sundance Institute. Além de um master em cinema, Marçal Aquino também é autor de inúmeras obras literárias, dos mais variados gêneros, sendo elas: A depilação da noiva no dia do casamento (1983, poesia), Por bares nunca dantes naufragados (1985, poesia), A turma da rua Quinze (1989, infanto-juvenil), Abismos, modos de usar (1990, poesia), As fomes de setembro (1991, contos), Famílias terrivelmente felizes (1991, contos), O jogo do camaleão (1992, infanto-juvenil), Miss Danúbio (1994, contos), O mistério da cidade fantasma (1994, infanto-juvenil), O primeiro amor e outros perigos (1996, infanto-juvenil), O amor e outros objetos pontiagudos (1999, contos), Faroestes (2001, contos), O invasor (2002, novela), Cabeça a prêmio (2003, romance) e Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (2005, romance). Uma leitura de O invasor, de Marçal Aquino A novela O invasor (AQUINO, 2011) tematiza a história de um trio de recém- formados engenheiros, amigos desde os tempos de faculdade e sócios em uma construtora, em que dois deles, Ivan – o narrador que vivencia os acontecimentos – e Alaor tramam a morte do majoritário, Estevão, após desentendimentos empresariais, e, para tal fim, contratam o matador de aluguel Anísio, indicado pelo desconhecido Norberto. Feita a contratação em um bar da Zona Leste, Ivan e Alaor partem a um prostíbulo em Pinheiros, onde o narrador, após transa com a garota Mirna e epifania com sonhos pretéritos e proféticos, descobre que seu sócio é
  • 3. também proprietário da casa e envolvido com prostituição infantil, em sociedade com Norberto. Após o assassinato de Estevão e de sua esposa, Silvana, delineia-se um período de investigações policiais e de interrogatórios dispersos com familiares e amigos das vítimas. Mesmo nesse período, o pistoleiro Anísio se propõe a trabalhar como segurança na construtora, isto é, deixa seu espaço marginalizado e invade o espaço da burguesia paulistana, de forma a causar o temor e o peso na consciência, sobretudo, de Ivan. Não obstante, a filha de Estevão, Marina, assume o cargo do pai e, com o tempo, Ivan descobre o relacionamento dela com Anísio. Então, Ivan associa a proximidade de Alaor, Anísio e Marina a um plano de eliminá-lo das frentes de negócios da construtora e, por isso, conflui para uma crise interior, que o leva a planejar uma fuga frustrada com a amante, Paula. Nesse entremeio, Anísio convida Ivan para a festa do seu aniversário e denuncia sua onisciência sobre o caso do protagonista com Paula. Ademais, Ivan parte para casa de Paula para a fuga, mas descobre o plano de seu sócio com ela, prostituta de Alaor e, com isso, resolve encaminhar-se ao prostíbulo e assassiná-lo. Porém, Ivan não o encontra, é expulso do prostíbulo e quebra o pé. Logo, a crise psicológica de Ivan é tamanha a ponto de fazê-lo confessar o crime em uma delegacia. Para sua surpresa, no entanto, os policiais da delegacia o levam ao delegado corrupto, Norberto, e seus comparsas Alaor e Anísio, em plena festa de aniversário do invasor. Estruturalmente, a obra O invasor se subdivide em quinze pequenos capítulos ou partes, sendo elas: 1 – contratação de Anísio (pp. 9-18); 2 – saída da Zona Leste rumo ao Pinheiros e praga da mulher na Radial Leste (pp. 19-20) / prostíbulo e Mirna (pp. 21-34); 3 – conversa de Ivan e Estevão (pp. 35-42); 4 – discussão de Ivan e Alaor (pp. 43-52); 5 – assassinato de Estevão e Silvana (pp. 53-58); 6 – delegado Junqueira (pp. 59-65); 7 – decisão de matar Estevão e encontro com Paula (pp. 66- 69) / conversa com Anísio (pp. 69-73); 8 – pagamento de Anísio (pp. 74-78) / primeiro dia de trabalho de Anísio (pp. 78-80); 9 – volta de reunião com Rangel e delegado Junqueira no Aeroporto de Congonhas (pp. 81-82) / Marina (pp. 82-87); 10 – visita à mãe de Ivan (pp. 88-89) / empréstimo a Claudino (pp. 90-93); 11 – outro encontro com Paula (pp. 94-95) / decisão de Ivan de desligamento da sociedade (pp. 95-97) / término do casamento de Ivan e Cecília (pp. 97-98) / morte de empresário (pp. 98-99); 12 – compra do revólver (pp. 100-102) / convite à festa de Anísio (pp. 102-103) / plano fuga de Paula e Ivan (pp. 103-106); 13 – tocaia de Ivan na construtora (pp. 107-108) / furto de Ivan na construtora (pp. 108-110) / saída de Ivan
  • 4. da própria casa (pp. 110-112) / fuga frustrada de Ivan e descoberta sobre a trama de Alaor e Paula (pp. 112-115); 14 – invasão de Ivan ao prostíbulo, impedimento e quebra do pé (pp. 116-118) / batida de carro (pp. 118-119) / delação de Ivan à delegacia (pp. 119-120); 15 – entrega de Ivan às mãos de Alaor, Anísio e Norberto. Princípios de narratologia genettiana e descrição do método Durante o limiar do pensamento estruturalista, Gérard Genette (1995) publica, em Figures III, um estudo sobre À la recherche du temps perdu, intitulado Discurso da narrativa, a partir do qual propõe, não só a interpretação ao Proust romanesco, como também um modelo teórico-metodológico, no âmbito narratológico. Para isso, Genette (ibidem, p. 25) distingue história ou diegese (significado, conteúdo narrativo) de narrativa ou discurso (significante, texto narrativo) e narração (ato de produção narrativa), ao passo que subdivide seu método em três categorias, similares à forma verbal: tempo (relação narrativa X história), modo (relação narrativa/história) e voz (relação entre narração/narrativa e narração/história), de forma a abranger a categoria tempo os elementos ordem, duração e frequência dos acontecimentos narrados no discurso. Assim, o modelo narratológico genettiano de análise se configura em torno de cinco básicos: ordem, duração, frequência, modo e voz. A ordem, abordada como primeiro conceito teórico de Genette (ibid., pp. 31- 83), equivale à ordenação dos acontecimentos narrados (ou tempo da história) em concordância (acronia) ou discordância (anacronia) temporal no discurso (disposição dos acontecimentos, tempo da narrativa). Esta última, a discordância temporal da ordenação, ou anacronia, antecipa (movimento proativo ou prolepse) ou retrocede (movimento retroativo ou analepse) os acontecimentos no discurso, tomando como referência a narrativa primeira (ponto de referência de uma anacronia) de modo a produzir uma extensão (amplitude) e um limite (alcance) de prospecção ou retrospecção (do tipo „olhou a foto dele: há três anos casaram-se/casar-se-ão‟, sendo analepse/prolepse = casaram-se/casar-se-ão, narrativa primeira = momento em que se olha a foto, amplitude = três anos, alcance = o casamento). Define-se a analepse, pois, com referência ao seu campo de extensão e o da narrativa primeira, sendo analepse interna heterodiegética (ou ainda analepse completiva ou reenvio) aquela intercalada com a diegese da narrativa primeira, ou
  • 5. analepse interna homodiegética (ou ainda analepse repetitiva ou rappel) aquela com diegese equivalente, memorativa, à da narrativa primeira, analepse mista aquela que entrecruza os campos interno e externo de expansão da narrativa primeira e, ainda, analepse completa aquela que se realiza e analepse parcial a que caminha para uma elipse da narrativa. Têm-se também, mas de movimento lógico-temporal contrário ao da analepse, a prolepse externa heterodiegética, prolepse interna heterodiegética (ou prolepse completiva), prolepse interna homodiegética (ou prolepse repetitiva ou anúncio), prolepse mista, prolepse completa e prolepse parcial. A duração, advogada por Genette (1995, pp. 85-112), refere-se à velocidade da narrativa, a qual pode ser classificada, a partir da simultaneidade entre tempo da história (abreviado por TH) e tempo da narrativa (abreviado por TN), no caso de isocronia, ou, por outro lado, a partir da aceleração ou retardamento entre TH e TN, no caso de anisocronia. Logo, quando cessa o tempo da história, numa equivalência a zero, de modo que há prosseguimento no tempo da narrativa, de modo que este se coloque como infinitamente maior do que o tempo da história, tem-se uma pausa (esquematizada, sinteticamente, por TN = n, TH = 0. Logo: TN ∞ > TH, do tipo „Ana era loira, alta, olhos castanhos...‟), geralmente, com função descritiva, reflexiva ou de digressão. Já quando o tempo da história e o tempo da narrativa ocorrem simultaneamente, isto é, equivalem-se, há a cena (esquematizada por TN = TH, do tipo „Ana lhe disse, eu não vou mais, pegou a bolsa e saiu‟), geralmente, configurada na instauração do diálogo e no consequente e hipotético desaparecimento do narrador. Por sua vez, quando se resume o tempo da história, ou melhor, acelera-se a narrativa em contraposição à cena, tem-se o sumário (esquematizado por TN < TH, do tipo „João acordou, fez sua higiene, vestiu-se e seguiu à escola‟), com a função de narrar-se apenas o que se julga importante, no discurso. Já quando se elimina do discurso algum acontecimento, o tempo da narrativa figura infinitamente menor que o tempo da história e há, pois, a elipse (esquematizada pela fórmula TN = 0, TH = n. Logo: TN < ∞ TH), podendo ser elipse explícita (demonstrada no texto, do tipo „passado algum tempo, retornou‟) elipse implícita (não perceptível no texto, do tipo „retornou...‟) e elipse hipotética, quando dela se origina uma analepse, ou ainda, elipse determinada (com duração indicada,
  • 6. do tipo „dois anos depois, retornou‟), indeterminada (sem indicação, do tipo „tempos depois, retornou‟) e qualificada (quando adjetivada, do tipo „após anos de alegria, retornou‟). A frequência, enquanto o terceiro conceito genettiano (idem, ibidem, pp. 114- 158), associa-se à recorrência dos elementos na narrativa. Assim, têm-se o singulativo em que se conta uma vez aquilo que se passou uma vez (representado pela fórmula 1N/1H, do tipo „sábado foi à igreja‟, sendo H = ida à igreja); o singulativo anafórico, no qual se conta n vezes aquilo que se passou n vezes (esquematizado por nN/nH, do tipo „sábado, foi à igreja... domingo, ao ir à igreja‟, sendo H = várias idas à igreja); a narrativa repetitiva, em que se conta n vezes aquilo que se passou uma só vez (representado por nN/1H, do tipo „sábado foi à igreja... àquela ida, sábado, na igreja...‟, sendo H = ida à igreja no sábado); e narrativa iterativa, na qual se conta uma única vez o que se passou n vezes (na fórmula 1N/nH, do tipo „ia à igreja‟, sendo H = idas frequentes à igreja). Sobre a narrativa iterativa, a iteração se expressa pelo imperfeito („lia‟, „acordava‟, „dormia‟) e pelo durativo („todos os dias‟, „aos sábados‟) e possui função proximal à da descrição (de característica de pessoas, espaços...) por traços iterativos (do tipo „José lia‟ = intelectualidade), monótonos no tempo da história. Ademais, a iteração acontece a serviço das cenas singulares, ou melhor, no interior destas. Então, a iteração pode extravasar o tempo das cenas com duração mais ampla, exterior a elas, sendo, pois iteração externa ou generalizante (do tipo „ali [cena singulativa descrita] José lia todos os dias‟, sendo duração de „lia todos os dias‟ (iterativo/diariamente) externo ou ≠ de duração de „ali‟ (singulativo)). Por outro lado, a iteração pode limitar-se às cenas com duração equivalente, interna a elas, sendo, por fim, iteração interna ou sintetizante, (do tipo „ali, [cena singulativa descrita], José lia‟, sendo duração de „ali‟ (singulativo) = duração de „lia‟ (iterativo/naquele espaço da cena)). Por fim, a iteração também pode figurar-se com cenas de caráter singulativo pelo uso do imperfeito (do tipo „[naquele dia] José lia rapidamente‟ = equivalente ao singulativo), tratando-se do pseudo-iterativo em que a iteração que não acontece. A iteração figurativiza-se, em sua duração, por meio da determinação, ou melhor, do início e término dos limites diacrônicos exteriores das séries iterativas recorrentes, de forma definida ou indefinida textualmente (do tipo definido em „à tarde, José lia‟, do tipo indefinido em „em certas tardes, José lia‟) ou enquanto
  • 7. determinação interna às cenas singulares, completa ou em fragmentos (como „José lia‟..., „José lia‟...). Além disso, a iteração classifica-se pela sua especificação ou, grosso modo, frequência (do tipo simples em „nos sábados de maio, José lia‟, do tipo complexa em „nos sábados de calor, José lia‟, do tipo indefinido em „muitas vezes, José lia‟), que pode ser uma especificação interna às cenas singulares. Por fim, a iteração desenvolve-se em uma amplitude diacrônica ou duração temporal, denominada extensão, (do tipo extensões pontuais em „há dois anos, José lia‟). Ressalta-se, contudo, que as diversificações ou variações ancoradas pelas determinações e especificações internas da iteração podem ou não desdobrar uma narrativa desenvolvida, segundo a extensão, analisável em quantidade de páginas. Ainda sobre a iteração, pondera-se que ela também pode variar em uma série sucessiva de acontecimentos do singulativo, a diacronia real, sendo esta condizente à unidade sintética da cena singulativa (diacronia interna do tipo „faz duas horas que José lê... José ainda lê...‟, sendo duas horas = elemento interno-variável à duração do singulativo) ou condizente à série real externa interferente na cena singulativa (diacronia externa do tipo „nas primaveras, José lê... José ainda lê‟, sendo primavera = elemento externo-variável à duração do singulativo). Todavia, faz-se necessário considerar que, na frequência em geral, é preciso abstrair a alternância e transição do singulativo/iterativo da narrativa, tal qual, na duração, da relação cena/sumário. Já o modo, na gramática narrativa de Genette (1995, pp. 159-209), corresponde ao processo de regulagem de informação da narrativa, sendo a distância e a perspectiva do fato narrado as formas subjacentes a esse processo. De antemão, a distância é o mecanismo de expressão narrativa em que se mostra ou conta algo, sendo o mostrar e o contar elementos já retratados na dicotomia platônica “diegesis X mimesis” e na dicotomia da crítica americana ou jamesiana “showing X telling”, de forma que quanto mais informador e informação, mais mimético é o texto, e do contrário, mais diegético (no esquema +informação e +informador = C, em que +informação e –informador = mimesis, –informação e +informador = diegesis). Do âmbito +mimético, depreende-se a narrativa de acontecimentos e do âmbito +diegético, depreende-se a narrativa de falas, sendo estas classificadas como discurso narrativizado ou contado (discurso da personagem mencionado resumidamente pelo narrador, do tipo „Maria disse da sua viagem à Europa e etc.‟), discurso transposto (em estilo indireto, pronunciado ou interior, com a tênue
  • 8. presença do narrador, do tipo „Maria disse-lhe que viajou à Europa‟) e discurso relatado ou reportado (diálogo ou forma dramática, em que o narrador finge delegar, com totalidade, a fala à personagem, do tipo „Maria lhe disse: viajei à Europa‟). Em contraste à distância, a perspectiva refere-se ao ponto de vista pelo qual os acontecimentos são narrados e dela abstraem-se, a partir do foco narrativo em uma personagem dita “focal” (sobre a qual lhe recai o foco), a focalização zero ou narrativa não focalizada (em que o narrador onisciente, demiurgo, sabe mais que a personagem, segundo o esquema narrador > personagem, do tipo „João, alegre, mas em silêncio, olhava-a‟), a focalização interna (decorrente a partir da personagem em que o narrador conta apenas o ela sabe, segundo o esquema narrador = personagem, sendo, pois, focalização interna fixa, do tipo „João olhava-a alegremente‟, variável do tipo „João olhava-lhe o sorriso... ela o viu, ignorou-o e seguiu‟ ou múltipla do tipo „João olhava-lhe o sorriso... José avistou-a distante... Ana observava-a com furor... ela, embora sorridente, chorava...‟) e a focalização externa (decorrente na externalidade superficial da personagem, em que o narrador ignora o saber da personagem, segundo o esquema narrador < personagem, do tipo „João parou, esperou o semáforo fechar e seguiu‟). Entretanto, na tomada das focalizações emergem (ou podem emergir) alterações do ponto de vista, com efetuação de ruptura proposital (focalização variável, onisciente ou com restrição parcial) ou equivocada (no caso de infração momentânea) ao código narrativo vigente. Então, essas infrações isoladas, advindas das alterações, concedem menos informação que o necessário (paralipse) ou mais informação que o necessário (paralepse) nos limites focalização. Porém, a partir de um narrador em primeira pessoa (como o autobiográfico) ou onisciente, a focalização pode, tratando-se de polimodalidade, tanto bifurcar-se em uma dupla focalização, envolvendo herói e testemunha, quanto permitir ao narrador afirmar hipoteticamente o que não é capaz, por meio de algumas locuções modalizantes (do tipo „talvez‟, „sem dúvida‟, „como se‟, „parecer‟, „aparecer como‟), ou até mesmo denunciar a experiência ulterior do herói (dos personagens em geral) e do narrador com outras locuções (do tipo „vim depois a saber‟). Quanto à voz, último conceito de Genette (1995, pp. 211-260), cabe-lhe, em primeira instância, o tempo da narração, a partir do qual esta pode ser ulterior (narrativa no passado), anterior (narrativa preditiva, no futuro, como sonhos e
  • 9. profecias), simultânea (narrativa no presente) ou intercalada (entre vários momentos da narrativa heterogeneizados). Cabem também à voz as funções do narrador e a tipologia deste. As funções do narrador se classificam segundo o aspecto da história, em função narrativa (narrador centra-se na história), o aspecto do texto narrativo, em função de regência (narrador centra-se no texto, como uma metalinguagem), e o aspecto da situação narrativa (relação narrador x narratário), em função de comunicação (narrador como pródigo comunicador), função testemunhal ou de atestação (em episódios que despertam a emotividade do narrador) e função ideológica (intervenções diretas ou indiretas do narrador). Já o narrador classifica-se, pois, como narrador heterodiegético (ausente, não participante da história, narrador de terceira pessoa), homodiegético (presente, na história, como testemunha, narrador de segunda pessoa) e autodiegético (que narra a própria história, sendo narrador = herói, protagonista, narrador de primeira pessoa). Por fim, os níveis narrativos são aqueles a partir dos quais o narrador, tal qual o narratário, situa-se exteriormente (nível extradiegético) ou interiormente (nível intradiegético) à diegese que narra, podendo conceber a voz a uma personagem na conversão de mais um nível (metadiegético), sendo que, em suma, os níveis se hierarquizam em: N (extradiegético) [P/N₂ (intradiegético) [P/N₃ (metadiegético) [P/N...]]], de modo que um nível (N) se insere em outro, mediante a pessoa (P) que detém a voz, embora um nível metadiegético possa não se concretizar como tal, tornando-se, assim, nível pseudodiegético. Nossas premissas Embora a narratologia genettiana se apresente como uma semiótica ou gramática narrativa centrada, estruturalmente, em conceitos teórico-metodológicos próprios, imanentes no texto, faz-se necessário delinear algumas premissas voltadas à aplicação do método, à apresentação da aplicação do método e ao recorte dos seus conceitos. Genette (1995) define a narrativa ou discurso como seu objeto de estudo, já que é por ela que a história se faz perceptível, mesmo que ambas coexistam. Logo, na coexistência de história e narrativa, enquanto significado e significante,
  • 10. subentende-se que estes se imbricam indissociavelmente na textura do signo. Assim, na aplicação do método de Genette (ibidem), considera-se que os elementos narrativos figurativizam o conteúdo, de forma a tecer uma construção sígnica na análise da obra literária. Ademais, a densidade narrativa varia na economia e particularidade de cada obra, a ponto de alguns conceitos genettianos serem mais recorrentes a uma interpretação do que outros. Entretanto, para a apresentação do método narratológico de Genette (ibid.), persiste-se na linearidade dos domínios, da ordem à voz, em prol de uma explanação didática dos signos da novela O invasor. Por fim, a estruturação tipológica de alguns conceitos (por exemplo, a classificação das analepses, das elipses e da iteração) podem não conduzir, em sua terminologia, a efeitos de sentido tão profícuos. Por isso, analisa-se a obra O invasor, de Marçal Aquino, mediante a um recorte dos conceitos e de suas devidas classificações tipológicas, de modo a filtrar a excessiva abrangência terminológica empregada pelo narratólogo. Ordem Em O invasor, de Marçal Aquino, é perceptível o jogo temporal opositivo das relações entre passado X presente, presente X futuro e suas devidas transformações na narrativa, entre alcance-amplitude analépticos-prolépticos e as ações da narrativa primeira, envolvendo a imundície e a fragmentação das personagens. Como exemplo, tem-se a passagem em que o narrador Ivan encontra-se só, na construtora, após agravamentos psicológicos e que, ao observar o espaço, retorna ao passado, no momento em que, juntos – ele, Alaor e Estevão – abriram o negócio, de modo a enunciar, na relação entre passado X presente, a oposição amizade/esperança/coletivismo X interesse/desesperança/individualismo, como se nota em: Lembrei dos nossos primeiros tempos ali. Estevão, Alaor e eu. Três caras cheios de planos e sonhos. Éramos amigos, a vida se abria à nossa frente. Olhei as paredes da sala, os móveis, o carpete de cor escura que, numa tonalidade mais clara, desgastada, exibia uma trilha que conduzia da porta à minha mesa. (AQUINO, 2011, p. 109).
  • 11. Além disso, figurativizam-se, na oposição entre passado X presente, os signos da atenuação da vida conjugal, na qual Ivan enuncia a analepse da efervescência amorosa, em: “Eu tinha me casado com ela dois anos de depois de associar-me a Estevão e Alaor na construtora. Foi um tempo feliz, hoje eu sei. Havia certeza que todos os nossos planos dariam certo, era só questão de tempo.” (AQUINO, 2011, p. 33). Em contraposição à efervescência pretérita, Ivan relata, no presente das ações da narrativa primeira, a acomodação volitivo-afetiva: “A camisola que ela vestia estava levantada e pude ver que sua calcinha saíra do lugar, deixando exposta a carne branca de suas nádegas.” (idem, ibidem, p. 33). Observa-se, pois que as analepses desempenham, em O invasor, uma função primordial: sintetizar, concisamente, a deterioração em torno das personagens, nas contraposições do passado versus presente. Assim, essas relações opositivas culminam com a tensão que acompanha as personagens no decorrer da narrativa e as fragmenta, ao longo do tempo, segundo as suas devidas amplitudes retrospectivas (alguns anos da montagem da construtora, 2 anos de casamento...). Já no domínio lógico-temporal contrário ao das analepses, em O invasor, as prolepses (= antecipações) sobre o assassinato de Estevão instauram-se não só a convicção do narrador, como também a avidez de sua condição volitivo-emocional, consonante com o presente das ações da narrativa primeira da conversa com Estevão: “Anísio vai matá-lo. (...) Anísio vai matar Estevão, que continua parado à frente da minha mesa (...). Anísio vai acabar com esse sorriso a tiros.” (AQUINO, 2011, p. 41). Portanto, as oposições das anacronias, em relação às ações da diegese da narrativa primeira, constroem, retrospectivamente, os signos do interesse e da atenuação conjugal da elite paulistana, enquanto que constroem, prospectivamente, o signo da frieza adjunto à ansiedade. Duração Em O invasor, há a alternância entre aceleração e desaceleração do ritmo da narrativa, que implica na duração ou velocidade. Observa-se que, nessa alternância, a aceleração (sumário/elipse) equivale à ligeireza da narrativa refletida no discurso
  • 12. do narrador, enquanto que a desaceleração ou lentidão (pausa/cena) equivale à aproximação do detrimento do exterior-interior de Ivan. A exemplo disso, a pausa, com função de pausa descritiva, apresenta a degradação da externalidade em consonância com a deterioração, da internalidade, do “eu” que narra em O invasor. Percebe-se isso logo no capítulo inicial, em que Ivan e Alaor chegam ao bar, onde está Anísio, e o espaço é adjetivado com o teor da interioridade do narrador: “Havia algo de melancólico no calçamento pintado de verde e amarelo, uma lembrança desbotada dos dias de jogos da Seleção na Copa.” (AQUINO, 2011, p. 9, grifos nossos). Ainda sobre a pausa descritiva envolvendo o espaço descrito e a interioridade do “eu”, tem-se a confluência externa, espacial, com a inconcretude interna, psicológica, de Ivan acerca da ameaça de um sonho ruim, no prostíbulo: “Continuou me oprimindo, pairando no quarto que, naquele momento, tinha o aspecto de uma paisagem lunar, por causa da luz azulada que entrava pelas frestas da janela.” (idem, ibidem, p. 27, grifos nossos). Atesta-se, pois, que a pausa corrobora com a inconcretude psicológica de Ivan aderida ao cansaço e ao sono, em detrimento com o espaço, tal qual em: “Eu me sentei na cama e fiquei olhando no resto do meu corpo algo entre o melancólico e o ridículo – camisa aberta, calças arriadas sobre os sapatos e semiereto.” (Id., ibid., p. 25, grifos nossos). Nessa perspectiva, a pausa não só é responsável pela descrição do espaço, mas também dos detalhes, dos elementos externos em profusão com a interioridade de Ivan. Já as cenas de O invasor delineiam-se na simultaneidade dos acontecimentos mostrados (showing) em confluência com a intensidade da obra, como se percebe nas ações de Estevão, ao perscrutar Ivan, gradativamente, em: “Estevão está sentado à minha frente, folheando sem muito interesse uma revista de arquitetura (...). Várias vezes ele levanta os olhos da revista e me observa, dissimulado. (...) Estevão quer me falar alguma coisa. Mas espera, faz rodeios. (...) me olha mais uma vez e tira o porta-cigarrilhas (...). Pega uma cigarrilha marrom e passa-a diante do nariz.” (AQUINO, 2011, p. 35)”. Por sua vez, o sumário articula, em O invasor, a aceleração da narrativa e sua função refere-se à redução temporal da história para o acabamento da obra, isto é, contar o não importante e necessário em poucas linhas, como se nota na passagem da montagem da construtora em: “Quando saímos da faculdade, Estevão usou o
  • 13. dinheiro da família para abrir a construtora. Como éramos amigos, ele nos deu parte na sociedade.” (AQUINO, 2011, p. 13). Ressalta-se, pois, que a novela O invasor é uma mescla rítmica equipolente entre o modo cena e a narrativa sumária, ou seja, entre expansão e condensação da diegese. Logo, a relação entre o mostrar (o expandir, showing, diegesis) e o contar (o condensar, telling, mimesis) se dá de forma equiparada: no capítulo inicial, por exemplo, as cenas encadeiam diálogos em cenas narrativas e a sumarização explica a montagem da construtora e o plano de Estevão; o terceiro capítulo traz à tona a intensidade do diálogo de Estevão e Ivan via cenas narrativas, enquanto que os capítulos finais condizem à narrativa sumária correspondente à aceleração gradativa das ações vividas pelo narrador (compra do revólver, tocaia e furto na construtora, fuga frustrada, descoberta da trama de Alaor e Paula, invasão de Ivan ao prostíbulo para matar Alaor, impedimento dos seguranças e o pé quebrado, acidente de carro, chegada do táxi, delação e desfecho da história). Já os movimentos de elipses são responsáveis pelo acabamento final de algumas temáticas de O invasor. Como ilustração, no episódio de Paula e Ivan, as elipses ocultam, assim como alguns sumários, o ato sexual em si e, por isso, tecem o fechamento da erotização: “Abri os olhos e ergui a cabeça no momento em que ouvi o ruído da porta do banheiro. A tempo de ver Paula surgir por ela. Como uma vertigem. Vestida apenas com seus brincos.” (AQUINO, 2011, p. 69). Nota-se, pois, que o encerramento do episódio, nesta moldura, induz ao ato sexual dos amantes, elidido no tempo da narrativa, de modo a conservar a erotização em torno de Paula e evitar a vulgaridade do ato em si. Outro fechamento orientado pela elipse é perceptível ao final do livro: “O investigador ligou o motor da viatura. Eu abri os olhos.” (idem, ibidem, p. 122). Nesta elipse, o narrador Ivan elimina o final mais tangível da novela, deixando à indução o fato de estar, pelo menos, vivo, já que narra a própria história. Frequência Na novela de Marçal Aquino, constata-se também a intensificação dos acontecimentos pelo filtro narrativo de Ivan no discurso, desde a singularidade das
  • 14. cenas ao desenho iterativo das personagens, a ponto de as recorrências frequentativas se imbricarem com a crise psicológica do narrador. Ressalta-se, pois, que, em O invasor, as cenas singulativas, por muitas vezes, não figuram uma simples singularidade, propriamente dita, que irrompe com a iteração não marcada na narrativa. Pelo contrário, o singulativo aparece enquanto decorrência, ou até mesmo enquanto causa → consequência, da crise interior de Ivan e seu reflexo exterior, tal qual se uma onda de azar o afetasse, ao longo da história. A respeito disso, por exemplo, observa-se que, após a contratação do invasor, o protagonista narra a cena em que Anísio levara um amigo para lhe pedir empréstimo: “Na tarde daquele dia, Anísio havia entrado na minha sala acompanhado por um mulato barrigudo. (...) o homem estava desempregado havia meses e, como não achava trabalho, planejava abrir um bar (...).” (AQUINO, 2011, p. 90). Além da cena singulativa descrita, recapitula-se que Ivan viu-se obrigado a contratar o matador de aluguel, tolerá-lo durante os dias de serviço e emprestar-lhe a um amigo o dinheiro correspondente à abertura de um boteco. Nesta sequência de acontecimentos, até certo ponto negativos, Ivan reflete sobre sua onda de azar: “O mundo começou a desabar ao meu redor” (idem, ibidem, p. 97). Depois disso, o narrador ainda apresenta, de uma só vez, outras duas desgraças decorrentes da fase ruim de sua vida: Uma noite, ao chegar em casa, encontrei a empregada me esperando na cozinha. Ela reclamou que seu salário estava atrasado – era Cecília quem cuidava disso, porém a empregada disse que não se encontrava com ela fazia dias. Estranhei e fui conferir. E descobri que minha mulher tinha saído de casa. (AQUINO, 2011, p. 97). Todavia, a degradação de Ivan mediante a presença do invasor, Anísio, se compõe através do singulativo-anafórico, como se percebe no primeiro dia do novo segurança da construtora: “Na manhã seguinte, quando cheguei à construtora, Anísio já estava lá. Sentado numa das poltronas da recepção, ele conversava animadamente com nossa secretaria.” (idem, ibidem, p. 78). As outras descrições em cenas singulares do encargo de Anísio intensificam, da história (do externo, da diegese) ao discurso (do interno, filtrado por Ivan-narrador), a intrusão do matador de aluguel, como em “Assim que cheguei, vi um carro deixando um de nossos
  • 15. funcionários mais assíduos” (id., ib., p. 87) ou “Anísio me aguardava na entrada do estacionamento” (id., ibid., p. 102). Nota-se, pois, que é o singulativo dos acontecimentos na narrativa que condiz com a invasão de Anísio, por intermédio da recorrência e intensificação gradual da figura do homicida e, quando não, esse singulativo condiz com os acontecimentos axiologicamente negativos ocorrentes na vida do narrador-herói. Portanto, a frequência em O invasor condensa, no discurso, tanto o signo da invasão junto aos signos do medo e da inadequação (de Ivan), quanto o signo do azar ou mau agouro. Distante do presente, do atual momento de Ivan, o tempo da montagem da construtora, ocorrido há anos, fica a encargo da memória do narrador, a partir da narrativa repetitiva, como se lê em “Quando saímos da faculdade, Estevão usou o dinheiro da família para abrir a construtora. Como éramos amigos, ele nos deu parte na sociedade.” (AQUINO, 2011, p. 13)” ou “Lembrei dos nossos primeiros tempos ali. Estevão, Alaor e eu. Três caras cheios de planos e sonhos” (idem, ibidem, p. 109). A partir desse discurso repetitivo de Ivan sobre um acontecimento ocorrido uma vez, apreendem-se os signos da união, da lembrança, compostos, gradualmente, pela repetição memorial-discursiva. No tocante à rotina das personagens de O invasor, observa-se o desvelamento dos caráteres escondidos por trás do singulativo. Como ilustração, recorda-se da cena singulativa em que, após a saída do prostíbulo, o narrador dialoga com Alaor e este lhe diz: “Eu tenho de ir lá [prostíbulo] com frequência. Sabe como é: a gente nunca pode descuidar dos negócios” (AQUINO, 2011, p. 30). Nota-se, neste caso, que Alaor conduz com o aspecto iterativo („tenho de‟, „frequentemente‟ = o que se passou n vezes) a um quadro moral: um amigo dos tempos de faculdade, sócio em uma construtora, que esconde do outro amigo ser sócio de um prostíbulo (com adolescentes, inclusive), mas que, somente após aliança em um plano homicida, conta-lhe tudo o que já é rotineiro. Outro desvelamento de caráteres de personagens, descrito uma vez na narrativa e n vezes na história, converge com a chegada de Ivan à casa de Paula para a efetivação da fuga, em que o narrador, ao não encontrá-la e vasculhar os objetos do quarto dela, traz à tona uma surpresa: “Em todas elas [fotos], Paula aparecia seminua. Paula era uma das prostitutas de Alaor. (...) Desde o começo, ele [Alaor] não confiava em mim. Por isso, colocou Paula por perto, para monitorar meus movimentos.” (AQUINO, 2011, p. 114). Consta-se, pois, que o aspecto durativo (das
  • 16. formas verbais era, confiava, monitorar/monitorava) descreve Paula como prostituta de Alaor e cúmplice do seu plano, isto é, Paula não era a vítima que Ivan previa, mas sim a coadjuvante do seu vilão. Modo Há também na obra, o teor volitivo-emocional do narrador (numa relação „eu x outro‟), implicado no discurso das personagens, quando Ivan, por exemplo, faz menção à fala de Alaor, após deixarem o prostíbulo: “Olhei para Alaor, que batucava eufórico no painel do carro, falando de um endereço onde iríamos nos divertir muito, e invejei-o.” (AQUINO, 2011, p. 14, grifo nosso). Nesse discurso narrativizado ou contado, o narrador infere com sua carga volitivo-emocional, no caso, a inveja, reduzindo a fala da personagem que o acompanha. Outra recorrência do teor volitivo-emocional no discurso narrativizado ou contado de Ivan e seu primeiro encontro com Paula é: “Conversamos sobre tudo. O céu e o inferno. Música (...). Livros (...). Cinema (...). Comidas (...). Religião (...). Viagens (...).” (idem, ibidem, p. 68, grifo nosso). Já neutro, sem implicações nos discursos alheios, o narrador traz a lume o tempo real, simultâneo, a ponto de construir, gradualmente, a intensidade da história, como se observa no discurso relatado ou reportado de Ivan, que liga para Alaor: A figura [Anísio] está aqui. Eu sei, Alaor disse. Liguei de manhã avisando a Márcia que o segurança ia começar a trabalhar hoje. Você falou com o Norberto? Alaor ficou em silêncio. Achei que a ligação tinha caído. Alô, Alaor? Eu estou aqui, Ivan. Você se esqueceu daquele negócio que eu disse sobre as conversas pelo celular? Foda-se. Você falou com ele ou não falou? Falei, Ivan, falei. E aí? (AQUINO, 2011, p. 79) Lado a lado com a explicitação proximal dos acontecimentos e sua tensão, abstraída a partir do tempo real, está a intensidade do „eu‟ que narra/vê e recepciona os acontecimentos, como se nota após a contratação de Anísio: “Eu também deveria
  • 17. estar feliz. Mas não conseguia. Estava me sentindo sujo, cansado, doente.” (AQUINO, 2011, p. 14). Nesse fragmento, a focalização recai sobre Ivan e este, por ser narrador e personagem, sabe o tanto quanto sabe (narrador = personagem), na medida em que expõe sua interioridade, sua crise psicológica e, axiologicamente, se coloca como diferente de Alaor, seu caráter e naturalidade. Ademais, ao fim do nó da narrativa, Ivan expressa o seu querer (matar Alaor), reflexo do clímax de sua crise interior, em: “Rodei sem rumo pela cidade durante horas (...) minha pressa tinha acabado. (...) Só queria encontrar Alaor – antes que Anísio me achasse.” (AQUINO, 2011, p. 116). Outro exemplo que reforça a recepção de Ivan é quando se descobre Alaor proprietário do prostíbulo: “Fiquei atento olhando para o rosto daquele homem ao meu lado, como se o estivesse vendo pela primeira vez.” (idem, ibidem, p. 32). Amiúde, a explicitação do interior de Ivan por meio da focalização interna se concatena, coerentemente, na narrativa com o mistério que a obra encerra, afinal, o narrador, que é a personagem, sabe o equivalente a todos os acontecimentos, já que os viveu anteriormente. Então, em O invasor, o mistério se processa em não revelar todos os acontecimentos, ou melhor, suspendê-los e somente revelá-los gradativamente. Assim, dessa regulagem ou paralepse, o mistério e seu efeito, o suspense, estão em consonância com o desmascaramento das ações, das personagens, tal qual em: “A frase que Anísio disse (...) teve o impacto de um soco em meu estômago: Leva a ruivinha com você.” (AQUINO, 2011, p. 110). Neste caso, a paralepse reside no fato de Ivan informar apenas o necessário para o mistério e suspense da narrativa (ou seja, que ele e a inocente Paula são vigiados) e não os acontecimentos como um todo (ou seja, que Paula integra o plano de Alaor, Norberto e Anísio). O mistério e o suspense truncados na paralipse figuram-se no desenlace da novela, no momento em que Ivan, após entregar-se a polícia e delatar os crimes cometidos, é levado em uma viatura para Alaor, Norberto e Anísio: “Olha só o que vocês me aprontaram. Alaor baixou a cabeça, evitou olhar para mim. Anísio me encarou. Tinha um ar de vitória no rosto.” (AQUINO, 2011, p. 122). Vê-se que a paralepse está na indefinição do final tido pelo narrador Ivan, que, embora se saiba que sobreviveu, afinal é ele que narra, não se revela como sobreviveu às mãos dos assassinos e comparsas.
  • 18. Voz Ao tratar-se de mistério e suspense em O invasor, constata-se que, no âmbito da narração, a obra toda é construída a partir de fatos já ocorridos e, em decorrência dessa narrativa ulterior, as lacunas são preenchidas gradualmente (por anacronias, analepses), como se percebe no fragmento, durante a contratação de Anísio: “Quando saímos da faculdade, Estevão usou o dinheiro da família para abrir a construtora. Como éramos amigos, ele nos deu parte na sociedade.” (AQUINO, 2011, p. 13). Atenta-se, neste caso, que a lacuna posta em jogo a Anísio é a propósito da montagem da construtora. Já no capítulo da conversa de Ivan e Estevão, as ações acontecem simultaneamente, isto é, por uma narrativa simultânea, só que com cujo efeito é a apresentação do majoritário a ser assassinado, como se lê no recorte: “Começam aparecer na barba de Estevão os primeiros fios brancos. Nos cabelos, eles já são maioria e dão um tom acinzentado à sua cabeça” (AQUINO, 2011, p. 35). Trata-se, neste trecho, de uma tentativa de aproximação a Estevão, dado que tal capítulo é o único de toda novela em que o majoritário age, fala. De uma forma geral, todo mistério, engendrado na história do jogo de interesses da burguesia paulistana, só se define enquanto tal através das escolhas do nível intradiegético, com narrador autodiegético, uma vez que a este lhe é cabido a incumbência de narrar a própria história, a partir da relação entre o contar e o não- contar. Lê-se, pois: “Fiquei quieto, olhando para o rosto daquele homem ao meu redor. Ali estava o meu sócio Alaor, o inofensivo Alaor, meu amigo desde os tempos de faculdade, a quem eu pensava que conhecia bem.” (AQUINO, 2011, p. 32). É, pois, o narrador, presente na narrativa como protagonista ou narrador autodiegético, que se situa em uma posição de não-saber mais do que as personagens que o cercam (isto é, mediado pela focalização interna fixa) no nível intradiegético, a ponto de elevar ao extremo a loucura decorrente da sua crise e denunciar Alaor, Anísio, os demais e a si à polícia, sem oscilar perante a possíveis consequências: “Contei toda a história. O homem não chegou a tomar notas ou fazer comentário. (...) Estávamos em sua sala e a placa sobre a mesa informava que ele era o escrivão de plantão no distrito policial.” (AQUINO, 2011, p. 119).
  • 19. Em suma... Por meio da narratologia de Genette (1995), depreende-se uma gama de signos em O invasor, que se definem enquanto tais sendo um todo, constituído de conteúdo (temas) em coerência com a forma (estrutura narrativa). Tabela 1 – Análise estrutural da narrativa de O invasor ESTRUTURA NARRATIVA semiótica narrativa de Genette (1995) SIGNOS análise do discurso narrativo de O invasor analepse (recuo) interesse, individualismo, atenuação conjugal prolepse (avanço) volitivo-emocional, avidez pausa (TN = n, TH = 0. Logo: TN ∞ > TH) inconcretude psicológica cena (TN = TH) simultaneidade sumário (TN < TH) aceleração elipse (TN = 0, TH = n. Logo: TN < ∞ TH) – singulativo (1N/1H) mau agouro, azar singulativo-anafórico (nN/nH) invasão, medo, inadequação narrativa repetitiva (nN/1H) união, lembrança narrativa iterativa (1N/nH) desmascaramento discurso narrativizado ou contado volitivo-emocional discurso relatado ou reportado simultaneidade focalização interna interioridade paralepse mistério, suspense, desmascaramento narrativa ulterior mistério, suspense narrativa simultânea aproximação nível intradiegético – narrador autodiegético não-saber Fonte: autoria própria Em suma, tem-se na novela O invasor, de Marçal Aquino, um complexo e coerente enredamento a serviço da narrativa, sua organicidade e verossimilhança: na imanência, depreendida pela análise textual, constata-se que o narrador autodiegético, utiliza-se da paralipse, da focalização externa e do aspecto iterativo para, gradativamente, desvelar os acontecimentos, as personagens e a podridão humana, de modo a apreender a atenção do leitor, uma vez que tais elementos narrativos não culminam, de forma tangível, com o final da obra, nem com sequência narrativa que possa induzir uma leitura convergente a ele. Pondera-se também que o ritmo acelerado/desacelerado, advindo das variantes cena/sumário e singulativo/iterativo, corrobora com a fluidez da obra, já que delimita o discurso a qualquer monotonia. No entanto, esse ritmo só se realiza
  • 20. em meio à segunda história da novela de Marçal Aquino: a invasão de Anísio no espaço elitista, da ostentação e da aparência. Invasão no sentido de deflagração moral das personagens, sobretudo Ivan, e o peso da mancha individualista que carregam, em consequência do interesse próprio. Conclusão Atestou-se, por meio deste estudo, que a análise da narrativa de base genettiana proporciona a abstração dos signos de uma obra literária, na coerência interna do discurso, uma vez que tempo, modo e voz, enquanto categorias da narrativa, no âmbito dos significantes, balizam a história ou diegesis, no âmbito do significado, de modo a possibilitar um método cujo objeto, o discurso da narrativa, se coloque como suscetível de uma análise textual de sua significação como um todo. Além disso, atestou-se, pois, que a novela O invasor trata tematicamente do jogo de interesse por trás das relações econômicas da elite paulistana. Ao apresentar esse tema na diegese, o narrador o desmascara e coloca-se como um impossibilitado do saber, através da focalização externa, e como um ser em conflito psicológico, através da simultaneidade dos tempos da história e da narrativa e da interiorização do discurso. Subentende-se, portanto, que a arquitetura formal da novela O invasor, suscetível de uma análise do discurso narrativo, se deve também à capacidade criadora do escritor Marçal Aquino, que se utiliza de temas simples, cotidianos, presentes nos jornais e noticiários, como o “interesse” e a “violência”, sem deixá-los à mesmice, mas, do contrário, tece-os genuinamente no acabamento da sua obra. REFERÊNCIAS AQUINO, Marçal. O invasor: novela. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Vega, 1995.