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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO


                  DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL




          A RETOMADA DO BAIRRO DA LAPA, RIO DE JANEIRO

    O fenômeno de aumento de freqüentadores e opções de lazer no bairro

                                     boêmio




                          AUGUSTO MOTTA VERÍSSIMO
            Matrícula: 0520441 – Habilitação em Publicidade e Propaganda




                               RIO DE JANEIRO – RJ
                                       2009

1
Dissertação apresentada ao Departamento de
    Comunicação Social da PUC-RIO como parte
    dos   requisitos   para   a   graduação   em
    Comunicação: Publicidade e Propaganda.


    ORIENTADOR:
    Renato Cordeiro Gomes




2
AGRADECIMENTOS




. Aos meus pais, por todo o incentivo, exemplo e apoio.




. Ao meu avô Antônio Veríssimo Filho, Mestre da Vida, sempre presente na memória.




. Ao professor Renato Cordeiro Gomes, pelo diálogo esclarecedor.




. Ao professor Antônio Jorge Alaby, pela contribuição no meu desenvolvimento

profissional.




. À Fátima Rendeiro, por ser minha Madrinha no mirabolante mundo da publicidade.




. Ao professor Sérgio Mota, pelo despertar do prazer da investigação cultural.




. Ao professor Adair Rocha, pela contribuição com este estudo e o despertar do olhar

sobre a cidade.




. Ao ilustre amigo Mauricio Garces Ozório, pela amizade e carinho.




. A todos os amigos que conquistei na minha vida até hoje, obrigado pelo apoio.




3
SUMÁRIO




INTRODUÇÃO......................................................................................................... 6

1.       O DESPERTAR DA BOÊMIA........................................................................ 10

2.       ASCENÇÃO E QUEDA................................................................................. 17

3.       A RETOMADA............................................................................................... 24




CONCLUSÃO.......................................................................................................... 40

BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 44




4
INTRODUÇÃO




5
Esta dissertação tem sua origem no prazer da observação. Considero um

privilégio observar o comportamento humano com a cidade do Rio de Janeiro como

pano de fundo. A investigação das questões sociais e os comportamentos que deles

são gerados e aplicados na vida cotidiana revestem, qualquer observador nato, de

dúvidas e sedução. A descoberta de uma característica da cidade logo desperta uma

curiosidade, como em um ritmo interminável ,àqueles que se propõem à traduzi-la.

      Observar o conflito presente de maneira ubíqua no Rio de Janeiro (para o bem e

para o mal) assim como a maneira com que as pessoas se comportam, utilizam e

usufruem de uma cidade como o esta pode revelar sustos, surpresas e achados

reveladores ao virar de uma rua ou esquina. O simples ato de flanar pelas ruas e vielas

do centro da cidade ou da Lapa, por exemplo, pode revelar verdadeiras lições de vida.

Basta que o observador se envolva e permita que isso aconteça.

      Em uma cidade onde o choque de classes se encontra no cerne dos traços mais

característicos da cidade maravilhosa, é importante uma dose de cautela e outras

tantas de ponderação não apenas com o que se observa, mas também com aquilo que

se interpreta. Não existem verdades absolutas sobre o Rio. Existem apenas verdades

pequenas e grandes, que compõem esta metrópole que ainda insiste em ser

reconhecida como balneário, deixando pasmos aqueles que vêm de fora, por tamanha

pluralidade de estilos, comportamentos, pessoas, raças e belezas naturais.

      A cidade respira, transpira e vive de encontros. Empresários, favelados,

universitários, porteiros, etc.. todos cariocas “sangue bom”. Todos se encontram em

algum lugar, de alguma maneira, por algum motivo nesta cidade provinciana, cartão

postal e caótico, que diferencia o Rio de Janeiro de qualquer outra

cidade no mundo.

      E, da necessidade dos encontros, intrínseca na personalidade da cidade,


6
observa-se a redescoberta do bairro da Lapa como um pólo de entretenimento, lazer e

cultura. Um bairro que, mesmo com uma fama “marginal”, enraizada pelo passado,

possibilita hoje, novamente, o encontro dos cariocas de uma maneira suave e não

forçada. O rico e o pobre se encontram na Lapa. No entanto, se no decorrer do dia-a-

dia cada um exerce um papel social diferente, no bairro boêmio eles se encontram no

mesmo patamar no que diz respeito ao objetivo em comum entre os dois: apenas se

divertir.

        Ao passear pela Lapa, no período da noite, observa-se uma vasta gama de

opções de lazer atendendo aos mais variados gostos de cidadãos e cidadãs de toda a

cidade. O Hip-Hop, representado por batalhas de rima, o samba e o choro - gêneros

musicais apresentados na maioria das casas noturnas do bairro - , o forró, o reggae

além de diversas outras expressões musicais, como o jongo por exemplo, encontram

espaço naquilo que pode ser considerado o mosaico artístico-cultural que a Lapa

oferece atualmente aos seus visitantes e frequentadores assíduos.

        O objetivo desta pesquisa é estudar como e de que maneira se deu o atual

fenômeno classificado e denominado pela mídia, formadores de opinião e a população

fluminense e carioca como “retomada”, “revitalização” ou “redescoberta” do bairro da

Lapa, no centro da cidade do Rio de Janeiro.

        Considera-se “retomada”, “revitalização” ou “redescoberta”, uma vez que, no

início do século XX até o final da década de 30, o bairro era conhecido e considerado

pela população carioca (e principalmente pelos boêmios que ali frequentavam), como a

“Montmatre Carioca” - uma alusão ao bairro boêmio da cidade de Paris, na França,

uma vez que o bairro parisiense, assim como a Lapa, era o palco da concentração da

classe artísticas e intelectuais e boêmias da época, abrigando famosos cabarés, bares

e prostíbulos, oferecendo todo o tipo de diversão mundana e adulta para os boêmios


7
que ali freqüentavam, visitavam, viviam e se divertiam.

       Com as “medidas moralizadoras” 1 do Governo de Getúlio Vargas no final da

década de 30, os cabarés da Lapa tiveram que ser fechados, e o bairro perdera um de

seus maiores atrativos. Acrescido a este fato, houve também o movimento de

expansão da população da cidade para bairros da Zonal Sul que estavam em pleno

crescimento, como a charmosa Copacabana e a longínqua Ipanema. Desta maneira, a

boêmia se mudara, encantada pelo brilho da orla e das boates de Copacabana.

Enquanto, décadas mais tarde artistas como Nara Leão e Vinicius de Morais reuniam

os amigos em seus apartamentos de frente para o mar para compor músicas de Bossa-

Nova 2 - com constituintes do que considerava-se a “nova boêmia-intelectual” -.A Lapa

se encontrava em estado de desvalorização imobiliária e abandono, caracterizando

uma situação de decadência.

       No entanto, devido à contribuição de diversos personagens e fatores, no início

do século XXI o bairro boêmio assistiu ao fenômeno de um aumento exponencial do

fluxo de visitantes e frequentadores por parte da população carioca, fluminense e

turistas de todo o mundo, que atualmente lotam as ruas, vielas e becos do bairro, todas

as noites em busca de diversão, cultura e lazer.

        Considera-se, portanto, este o fenômeno denominado neste estudo como

“retomada”, “revitalização” ou “redescoberta” da Lapa.




1 RANGEL, Carlos Fronteira Brasil-Uruguai: entre o nacional e o regional (1928/1938) p.12
2 MOTTA, Nelson. O Som e a Fúria de Tim Maia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006 p. 36

8
O DESPERTAR DA BOEMIA




9
Até o século XVII, a Lapa permanecia praticamente desabitada. Naquela época,

não havia sequer ruas, esquinas ou vielas. No bairro que atualmente abriga diversas

opções de lazer e recebe visitantes, frequentadores e turistas todos os dias da semana,

quase 24 horas por dia, existia a extinta lagoa do Boqueirão, o que tornava a Lapa um

dos lugares mais insalubres da cidade para viver.

        No início do século XVIII a maioria da população brasileira habitava os campos e

as lavouras, o que dava ao Brasil o título de um país rural em sua maioria. No entanto,

com o desenvolvimento do comércio e da exportação, a cidade passa a ter seu

crescimento e desenvolvimento acelerados e ganha novas dimensões e proporções, tanto

populacional quanto urbanisticamente.


                           (...) Tudo começou a mudar a partir do início do século XVIII, quando o Rio de
                           Janeiro assume a função de “centro abastecedor da região aurífera e escoadouro
                           de todo o ouro que ia alimentar o fausto da coroa portuguesa durante quase três
                                                    3
                           quartos do século XVIII ”. A intensa movimentação do porto faz com que a cidade
                           comece a crescer rapidamente. Sua população que, em 1710, era de 12.000
                           habitantes (por Joaquim Caetano da Silva), passa a 24.397, em 1749 (cálculo de
                           Baltazar Lisboa), e quase duplica no fim do século. O núcleo urbano se expande,
                           ultrapassando a barreira defensiva que seguia pela Rua da Vala (hoje
                           Uruguaiana). Começam a ser ocupadas as áreas vazias situadas fora dos limites
                                        4
                           da cidade.


        Desta maneira, foram necessárias obras de infraestrutura e o aterramento de

diversos mangues e lagoas da capital do então Estado da Guanabara, com a necessidade

de ampliação de terreno sob as planícies da cidade, a lagoa do Boqueirão foi aterrada.

        Logo após esta medida, havia a necessidade de conduzir as águas do Rio Carioca

– que nasce no Cosme Velho, passando por Santa Teresa - até as construções,

monumentos e obras públicas do centro da cidade. Por este motivo, iniciaram-se as obras



3 Filho, Enéas Martins. 1967. "O Rio de Janeiro do ouro ao tempo dos vice-reis. Curso sobre a fundação da cidade do
  Rio de Janeiro". Separata da Revista do instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.276, jul-set, p. 43.
4 Pinheiro,Eliane Canedo de Freitas e Rabha, Nina Maria de Carvalho Rua do Lavradio p. 41

10
do monumental e charmoso Aqueduto Carioca, hoje mundialmente conhecido como Arcos

da Lapa, construído com pedra, areia e cal é hoje cartão-postal do bairro e do Rio de

Janeiro. Sua construção em estilo romano já foi objeto de estudo e inspiração para

diversos livros, poesias, pinturas, músicas ou qualquer outra forma de expressão que

simbolizasse a boemia carioca e o bairro da Lapa , tanto no Rio de Janeiro quanto nos

mais diversos cantos do mundo.

        Portanto, da necessidade de expansão da cidade devido ao seu crescimento e

desenvolvimento nascia o bairro da Lapa, que décadas depois ficaria conhecido como o

bairro da boemia, dos malandros, da prostituição, da jogatina e do lazer mundano e

adulto, carregando em sua história diversos mistérios, histórias populares, personagens e

toda uma mística em sua áurea.

        No decorrer do século XIX, ocorrem grandes mudanças na região da praça da

constituição (atual Tiradentes), que ganhava opções de entretenimento, como edificações

destinadas a teatros, bares, cafés e ao pequeno comércio, passando o local a

desempenhar o papel de complementar de lazer e de moradia de personalidades do

império e da classe média constituinte dos bairros nobres como Santa Teresa, Glória,

Catete, Tijuca, São Cristóvão, etc.

        A construção do Real Teatro de São João – onde hoje se localiza o teatro João

Caetano pode ser considerada como grande marco desta época. A população passava a

demandar cada vez mais por lazer, entretenimento e cultura. A Lapa e sua intermediações

eram cada vez mais requisitadas para este tipo de atividade e o centro da cidade era o

local que concentrava a maioria das opções de lazer do Rio de Janeiro. 5

        Este movimento era fomentado de maneira direta e indireta devido à chegada da

família real Portuguesa ao Rio de Janeiro, conforme cita o autor Lima Barreto:



5 PINHEIRO, Eliane, PINHEIRO, Augusto. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p.65

11
“O Rio de Janeiro não possuía palácios nem educação mundana, motivo pelo qual

                         o imperador incentivava as artes, especialmente a música e a ópera, para

                         acrescentar erudição ao menos aos membros da nobreza que se intencionava
                                6
                         formar” .


       A influência da chegada e permanência da família real atrelado ao fenômeno de

crescimento da cidade contribuiu demasiadamente para a cena cultural da cidade, que

começava a ganhar cada vez mais força. A população carioca estava curiosa e estimulada

a se abrir e descobrir os novos hábitos de lazer e cultura trazidos da Europa pela realeza.

A invasão do elemento europeu, com hábitos e outros modos de vida, resultou na

mudança do comportamento social da população. A vida mundana não se limitava mais

às reuniões fechadas em circulo familiar. A cidade perdia o ar de roça e se abria para

hábitos e comportamento de uma metrópole. 7

       No final do século XIX, a localização geográfica da Lapa e a chegada dos bondes

elétricos à cidade foi um dos principais contribuintes para que sua característica e fama

boemia se estabelecesse de vez.

       Em 1894, começam a circular no Rio de Janeiro os primeiros bondes elétricos

importados dos EUA pela companhia do Jardim Botânico. 8 O centro da cidade, ponto de

partida do principal meio de transporte coletivo da época tornou-se um palco

movimentado para onde os constituintes das mais diversas classes sociais convergiam

para trabalhar, fazer compras e se divertir. Foi, no entanto, devido à frequência aos

teatros localizados na praça Tiradentes e aos cabarés da Lapa que a vida noturna da

cidade passou a fervilhar como nunca antes visto no Rio de Janeiro. Nos primeiros anos,

existiam ainda poucos bondes e, por este motivo, ao sair do trabalho, a população



6 BARRETO, Lima, HENRIQUES, Afonso. A Vida e morte de J. Gonzaga de Sá. São Paulo: Brasiliense,1956, p.101
7 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 57
8 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 82

12
preferia permanecer no centro da cidade até a hora dos espetáculos.

       Desta maneira, o carioca procurava restaurantes e bares para passar o tempo,

aproveitando para beber, jantar e trocar uma prosa nas opções oferecidas no entorno da

Lapa, Rua do Lavradio e praça Tiradentes, além das opções de lazer adulto,

proporcionado pelos diversos cabarés ou “inferninhos”, como são popularmente

conhecidos. Por este motivo, multiplicaram-se as cervejarias, bares e cafés, que

concentravam diversos intelectuais e formadores de opinião cultural da época, muitos

pertencentes às camadas da elite da sociedade onde se encontravam tanto para diversão

quanto para discussões de cunho político que, indiretamente, viriam a influenciar a vida

política da cidade e do país. 9, dentre estes intelectuais e formadores de opinião pública

estavam Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade 10, entre diversos outros

pensadores da época, conforme cita o autor Luís Martins, que fizera parte das rodas dos

principais intelectuais que frequentaram a Lapa quando o bairro vivia seu auge:


                         “(...) Além disso, foi nesse tempo que conheci e me liguei, em estreita
                         camaradagem, que perdura através dos anos, a Odylo Costa, Filho, R. Magalhães
                         Júnior, Dante Costa, Deocleciano Martins de Oliveira; foi por esse tempo que
                         conheci Santa Rosa, Márcio Reis, Martins Castello, Amadeu Amaral Junior, que
                         estão mortos; mortos também estão Carstens e Marcelo Rizzi, mas estes são
                         posteriores; foi nessa época que me aproximei de Joaquim Ribeiro e Teodomiro
                         Tostes; foi então, ou pouco depois, que me tornei amigo de Carlos Lacerda, Jorge
                         Amado, Francisco de Assis Barbosa, Murilo Miranda, Henrique Pongetti, Valdemar
                         Cavalcanti, Rubem Braga, Newton Freitas, Moacir Werneck de Castro, Genolino
                         Amado, Clóvis Remalhete, Lúcio Rangel, Dante milano – que todos (salvo erro ou
                         omissão) foram comparsas, em maior ou menor escala, da grande ópera que se
                                                                         11
                         apresentou na Lapa, na agitada década de 30.”


       Estes e outros personagens presenciaram a boemia vivida na Lapa do início do


9 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 82
10 PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC-
   RIO, 1998, p. 68
11 MARTINS, Luís in: PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa.
   Rio de Janeiro: PUC-RIO, 1998, p. 141

13
século XX, que teve seu auge até a década de 30. Foi a classe de artistas que, além de

integrar aquilo que fora considerada a elite intelectual da boemia carioca, também assistiu

ao surgimento de personagens peculiares do bairro, como João Francisco dos Santos –

ou Madame Satã.

                                              Madame Satã



        Pernambucano do agreste, filho de uma família grande (tinha 16 irmãos) e pobre.

Muito Jovem foi para o Recife e, logo depois, para o Rio de Janeiro. Descobriu a Lapa,

onde inicialmente sobreviveu fazendo pequenos serviços e com o decorrer do tempo, foi

se integrando à malandragem 12.

        Devido a esta integração, tornou-se uma espécie de malandro e artista

transformista que se tornara figura lendária da Lapa e suas intermediações, sendo

considerado – até hoje – o maior dos malandros que já passou pela Lapa.

        Madame Satã teve sua biografia registrada no livro Memórias de Madame Satã,

aonde João Francisco dos Santos narra ao autor Sylvan Paezzo (uma vez que Madame

Satã era analfabeto) algumas de suas histórias mais emblemáticas vividas na Lapa.

        O livro aborda as históricas brigas do travesti com a polícia, a vida boemia agitada

da Lapa dos anos 30, os principais malandros que já passaram pelo bairro, suas brigas de

rua e até mesmo os homicídios cometidos por este personagem peculiar das ruas

cariocas estão imortalizados neste livro de memória que é, atualmente, objeto raro de

colecionador, uma vez que não se encontra mais disponível para impressão pela editora e

é dificilmente encontrado em sebos da cidade.

        Outro registro de sua vida data de 1971, quando a equipe do jornal O Pasquim se

deslocou até o presídio de segurança máxima de Ilha Grande, no estado do Rio de



12 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 102

14
Janeiro para entrevistar Madame Satã, que se encontrava cumprindo pena.

        Na ocasião, Madame Satã revelou aos entrevistadores Chico, Sérgio Cabral e

Jaguar que manteve estreitos laços de amizade, graças à convivência no bairro da Lapa,

com alguns dos maiores letristas e sambistas do país.

                          (...) Sérgio - Você disse que foi amigo do Francisco Alves. O que que você achava
                         dele?
                         Satã - O Chico Alves pra mim foi uma grande pessoa, não só como cantor, mas
                         também como companheiro de farra e como amigo.

                         Sérgio - E Noel Rosa, era bom sujeito?
                         Satã - Noel Rosa já desceu de Vila Isabel como um bom sujeito, pelo menos como
                         cantor e como companheiro.

                         Jaguar - Você conheceu a Araci de Almeida?
                         Satã - Araci de Almeida eu conheci menina, ainda, quando ela começou a gravar
                         as músicas de Noel Rosa. Pra mim foi uma grande amiga e uma grande
                         companheira. Era o meu tipo, o tipo assim que quando se queimava já viu, né.

                         Jaguar - Quando Nelson Cavaquinho foi da polícia, ele nunca te prendeu, não?
                         Satã - Nunca. Nelson Cavaquinho é muito meu amigo, sempre foi.
                         Jaguar - Mas ele não era civil.
                                                           13
                         Satã - Mas era muito meu amigo.


        A história e vida de Madame Satã revela e reforça a singularidade que existe no

que diz respeito ao bairro da Lapa, uma vez que a vivência no bairro concedera o título de

maior dos malandros, a um homossexual assumido e possibilitara a um cidadão

analfabeto, pobre e marginalizado a convivência intensa com uma elite boemia-intelectual

e formadora de opinião da época.




13 MADAME SATÃ. Entrevista. In: As grandes entrevistas do Pasquim, Rio de Janeiro: Codecri, 1975

15
ASCENÇÃO E QUEDA




16
No período em que a Lapa vivenciava seu auge, a Rua do Lavradio – logradouro

que foi moradia para João Francisco dos Santos (Madame Satã), dentre diversos outros

nomes importantes do bairro - funcionava como uma espécie de “ponte” para a boemia

que freqüentava o bairro, uma vez que conectava os bares e prostíbulos da velha Lapa

com os teatros e outras opções de lazer e cultura da praça Tiradentes. A rua desempenha

até hoje um papel vital para a o bairro e sua retomada, uma vez que atualmente casas de

shows dividem espaço com antiquários e brechós da Lavradio, evidenciando a

característica e capacidade do bairro de misturar o novo com o antigo, além de abrigar,

desde 1996, uma feira de antiguidades que ocorre mensalmente, atraindo milhares de

visitantes dos mais diversos cantos da cidade.

          Outro fator importante para a questão da boemia na cidade foi a chegada da

cerveja ao Brasil ou “chopes-berrantes”, apelidado assim pela população devido às

cervejarias barulhentas que se concentravam na Lapa e na região do centro da cidade. A

cerveja, tipo mais adaptado de bebida alcoólica ao clima tropical brasileiro, era um

produto importado da Europa e só passou a ser comercializada para a população do Rio

de Janeiro a partir do século XX, depois da emancipação do Brasil da coroa Portuguesa,

que não permitia a entrada no país de outra bebida que não fosse o vinho Português. 14

          A boemia carioca do início do século XX vivia seu auge, tendo a Lapa como uma

espécie referência naquilo que diz respeito à diversão adulta e mundana, com seus

cabarés, bares e espetáculos em um ritmo frenético, atraindo a população carioca para o

bairro.



14 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 144

17
Outro espaço da cidade que também colaborou de maneira orgânica para a cena

para esta concentração de frequentadores na região, na mesma época, era a vizinha – e

também boemia - praça Tiradentes.



                                      A praça Tiradentes



      A história da cena de cultura e lazer na cidade do Rio de Janeiro, assim como a

história do bairro da Lapa, está diretamente ligada à importância da praça Tiradentes. No

período compreendido entre o século XIV e início do século XX a Tiradentes era o local

onde se concentravam os principais teatros e casas de espetáculo da cidade, atraindo

milhares de visitantes para as ruas do centro da cidade em busca de cultura e diversão.

      Inicialmente, o hábito de ir aos teatros era quase que exclusivo às classes mais

abastadas da cidade. Aos poucos, o costume fora absorvido também pela pequena

burguesia moradora dos bairros servidos pelas linhas dos bondes elétricos e das demais

camadas sociais da população, o que fez surgir e proliferar diversas companhias teatrais

e casas de espetáculo na região da praça Tiradentes. O teatro foi, durante muito tempo, a

principal opção de lazer da cidade e as atividades comerciais ao redor da praça

mantinham a Tiradentes acessa quase 24 horas por dia.

      Com o decorrer do tempo a praça foi dividindo sua importância para a cena teatral

da cidade com outros bairros, que começavam a abrigar casas e companhias teatrais

para atender a demanda que se estendia Rio de Janeiro a fora. Mesmo assim,

atualmente, a praça ainda se destaca na vida cultural da cidade, abrigando dois dos mais

importantes teatros da cidade, o João Caetano e o Carlos Gomes que, anualmente,

recebem algumas das mais importantes peças teatrais e apresentações do país.

      Acrescido a esta efervescência cultura-teatral da praça Tiradentes do século XIV e



18
XX, que se estendia também por ruas importantes para a cena boemia da cidade como a

Rua do Lavradio - aonde também existiam importantes bares e casas de espetáculo,

(como o Teatro Apolo, por exemplo) -, estava a Lapa vivenciando o auge de seus anos

dourados.

        Neste período, a Lapa dos malandros, dos poetas, dos vagabundos, dos cabarés,

das prostitutas francesas, polacas e mulatas15, do lazer noturno e adulto fez com que a

imagem do bairro da Lapa fica ligada a estes elementos antes citados, e o bairro ganha

alguns atributos da vida noturna que lhe conferem fama de bairro marginal e vadio, para o

restante da população.

        Desta espécie de condenação, pode manifestar-se por uma recusa a compartilhar

este espaço e participar das relações nele contidas, através da rejeição do discurso

sensual e/ou criminoso em nome da ordem e da moral burguesa estabelecidas, conforme

cita o autor Luís Martin no livro Noturno da Lapa:


                                                (...) Eu acho engraçadíssimo o ar de malícia escandalizada
                                        com que algumas pessoas, falando baixinho, às vezes me
                                        perguntam, como se aludissem a uma coisa secreta e inconfessável: -
                                        Você, em moço, freqüentou muito a Lapa, não foi ?


        Dessa maneira, podemos considerar que o bairro da Lapa exerce uma função de

“ilha” para a cidade do Rio de Janeiro, observa-se que neste espaço os prazeres da

carne, os pequenos crimes, a prostituição e o culto à malandragem são tolerados e muitas

vezes aceitos, se o palco for a Lapa. O bairro permeia o imaginário popular como uma

espécie de espaço que possui leis próprias, aonde existe o caos, mas ao mesmo tempo é

organizado

        Nos idos do início do século IXX até o final da década de 30 (ao contrário do que

ocorre atualmente na Lapa), o principal pilar de diversão e renda para o bairro era a

15 LUSTOSA, Isabel A Lapa do desterro e do desvario. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p.109

19
exploração da prostituição e com o início do de Governo de Getúlio Vargas - que

governava e morava no Catete, bairro separado da Lapa apenas pela Glória -, vieram

ações e medidas de seu programa de governo conhecidas como “medidas

moralizadoras”.

       A através de um decreto proferido no final da década de 30, obrigando o

fechamento imediato de todos os prostíbulos e cabarés da cidade, colocando um ponto

final na principal fonte de atração de frequentadores do bairro. O decreto soou como um

duro golpe para a economia o bairro. A Lapa, que perdera a característica de bairro de

moradia da elite carioca para dar espaço à cena noturna das “diversões adultas” tinha a

prostituição como um dos principais pilares de sustentação econômica do bairro.

       Os cabarés requintados que se estendiam ao longo das ruas que cruzavam o

bairro eram o grande atrativo do bairro da Lapa. O sexo pago atraia visitantes que

transitavam pelas ruas e lá gastavam seus salários não apenas nos cabarés, mas

também nos restaurantes, cafés, bares e casas de espetáculo que existiam na região.

       No entanto, acabar com a prostituição em uma capital não era algo possível de

fazer em um curto prazo de tempo, muito menos de uma maneira sutil e polida. O

momento do decreto que, dera início a decadência do bairro, é traduzido pelo autor

Moacyr Andrade, no livro Lapa do Desterro e do Desvario, de Isabel Lustosa como um

movimento violento por parte do estado, que promovera uma verdadeira “caça às bruxas”

dentre os estabelecimentos de prostituição e ruas da Lapa, utilizando-se da força policial.


                         (...) O regime getulista fechou-lhe os prostíbulos, numa cruzada moralista
                         executada sob o comando de um coronel de artilharia, o chefe da polícia Alcides
                         Gonçalves Etchegoyen. Promoveu uma caçada aos malandros e às prostitutas.
                         Vasculhavam pensões, cabarés, casas de jogos. Queria dar a impressão de que
                                                                  16
                         tinha a obsessão da ética do trabalho.




16 ANDRADE, Moacyr in: A Lapa do Desterro e do Desvario, p.89

20
Além da prática da prostituição, a Lapa também era abrigo do jogo, que fora o alvo

posterior do governo de Getúlio Vargas, logo após o decreto de fechamento dos

prostíbulos e cabarés. Sem o jogo e o sexo pago, começava o processo de decadência

do bairro “ilha”, aonde quase tudo podia.

      A boemia intelectual que frequentava o bairro trocava a penumbra dos abajours dos

quartos onde as “moças de vida fácil” - como são popularmente conhecidas as prostitutas

– trabalhavam, pelas luzes coloridas e ofuscantes das boates de Copacabana. O “chope-

berrante” dava espaço para o whisky e o samba e o choro para a cultuada Bossa Nova.

      Em outra passagem do livro, o autor recorda alguns dos fatos que evidenciavam o

processo de decadência do bairro, citando ainda o após as proibições “moralizadoras”

que o bairro sofrera e o afastamento da bemia para os bairros da zona sul:


                           “(...) O jogo logo teria a ilegalidade decretada. A Lapa caía. Intelectuais,
                     artistas e políticos e boêmios atravessaram os túneis rumo a Copacabana, as
                     boates tomavam o lugar dos cabarés.
                           A última instituição a resistir na Lapa como era ela foi a feira-livre dos
                     sábados no Largo, ao lado da estaçãozinha dos bondes - “o bonde da Lapa é cem
                     reis de chapa”, dizia a marchinha “Seu condutor”, grande sucesso do carnaval de
                     1938 da maior dupla caipira do rádio, Alvarenga e Ranchinho -, do ponto de venda
                     do Hidrolitol, um sal para curar ressaca dos boêmios, que se tomava ali mesmo no
                     balcão junto ao Café Imperial (o vendedor punha num copo com água o pozinho
                     que provocava efervescência) ou era levados para casa em saquinhos e
                     caixinhas, Descrita em 1954, em crônica de Homero Homem que é um legítimo
                     curta-metragem, essa feira reunia, depois do meio-dia, quando os guardas
                     sopravam o apito de encerramento, o lado mais sombrio do bairro, a multidão de
                     párias que disputava a sobra dos produtos não vendidos, os legumes e frutas semi
                     perecidos refugados pelos compradores. Um bota-abaixo retardatário fez
                     desaparecer o Largo, hoje prolongamento de imenso descampado. Essa
                     derrubada levou o Capela a mudar de pouco e nome, instalado na Avenida Mem
                     de Sá. Guarda-se ali o último elo com a Lapa da belle époque carioca: o conjunto
                     de aquarelas art noveau – o jogador de futebol, o jóquei, os pugilistas, a nadadora,
                     a tenista a atiradora e a mulher com piteira e copo – transferindo da casa antiga e
                     disposto nas paredes laterais, por sobre as mesas, de um lado e do outro da
                     entrada.


21
Além disso – ao fundo do bairro, soberano – só o cartão-postal, o colonial
                          Aqueduto dos Arcos, um desafio aos milênios.”



        Até o final da década de 60 e o início de 70 o bairro vivia em estado de decadência

e total abandono. Os inúmeros cortiços da Lapa, que existem e resistem até hoje nas ruas

do bairro, eram moradias que apresentavam condições precárias de vida. Enquanto

bairros como Ipanema e Leblon viviam seu auge, a velha Lapa sucumbia perante à cidade

como ponto de drogas, crimes e prostituição. Dos intelectuais, sobrara apenas Aguinaldo

Silva como um dos últimos escritores a abandonar o bairro, em 1969. 17



                                           O Corredor Cultural



        Agnaldo vivenciou um momento-chave do bairro, da cidade, do país naquele

instante, pelas lentes e códigos daquele espaço, deixando a Lapa um pouco antes da

grande reforma urbana sofrida com o projeto Corredor Cultural, que trouxe uma completa

remodelagem ao bairro, tendo como conseqüência uma mudança drástica no aspecto

geográfico e visual da Lapa até os dias de hoje. Silva também não assistiu à derrubada

dos cortiços e do chamado Ferro de Engomar – um quarteirão em bico, exatamente no

formato do utensílio doméstico. 18

        O projeto Corredor Cultural pode ser considerado um dos principais fatores para a

retomada do bairro, uma vez que com a reforma urbanística, a Lapa não apenas perdeu

parte de sua característica decadente e asquerosa, aos olhos da sociedade, como

ganhou espaço para a livre circulação de um número muito maior de pessoas.

        O bairro não perdera a fama de marginal após a reforma, nem atraíra uma

quantidade expressiva de visitantes em um curto prazo de tempo, todavia, ruas, praças e

17 LUSTOSA, Isabel Lapa do Desterro e do Desvario – Uma antologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p.221
18     KUSHNIR, Beatriz A Lapa e os filhos da revolução boêmia. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, p.6

22
calçadas surgiram ou foram alargadas melhorando a circulação dos transeuntes do bairro.

O projeto Corredor Cultural marcou a Lapa como mais uma intervenção do governo que

modificou a paisagem do bairro possibilitando ao bairro, anos mais tarde, absorver o

número expressivo de visitantes que recebe todos os finais de semana, após seu

processo de retomada cultural.




                                    A RETOMADA




23
A retomada da vida cultural e noturna do bairro é um fenômeno também

contemplado por outras grandes cidades ao redor do mundo. Em Buenos Aires, por

exemplo, houve uma espécie de reciclagem de antigos espaços portuários deteriorados,

que após a revitalização passaram a receber turistas e visitantes.

      Ao redor do mundo, os espaços históricos e/ou boêmios de grandes capitais como

Londres, Paris e Nova York também sofreram um processo de revitalização, contribuindo

para a transformação de locais abandonados ou em decadência em pontos de turismo,

cultura e lazer, como ocorre atualmente com o bairro da Lapa, que atrai um número de

turistas brasileiros e estrangeiros cada vez maior para suas ruas e casas de espetáculo.

      No caso da Lapa, este processo de retomada se deu de maneira gradual, onde se

destacam investimentos por parte da iniciativa privada, uma mudança de comportamento

de vida noturna por parte da população carioca e fluminense - que passou a considerar o

a Lapa como opção de lazer, buscando por atrações de cultura, entretenimento e lazer

que ofereçam identidade brasileira -, além de algumas contribuições por parte dos

governos do municipais e estaduais, que interviram na Lapa através de investimentos,

reformas tanto urbanísticas quanto de centros de cultura na área.

      Um dos fatores considerados mais relevantes, na opinião dos frequentadores

entrevistados para este estudo, é que a Lapa tem como diferencial dos demais centros de

entretenimento e lazer da cidade, o fato de oferecer uma extensa e variada gama de

opções de lazer próximas umas das outras a preços acessíveis e um perfil diferenciado



24
de visitantes. Os entrevistados a consideram um espaço democrático, que busca

preservar as características históricas da cidade, sendo um dos poucos que, atualmente

(e mesmo com a violência vivida na cidade todos os dias), pode propiciar o encontro das

mais diversas camadas sócio-econômicas da sociedade fluminense e carioca em um

espaço em comum e com o mesmo objetivo: a diversão.

      Outro fator determinante é o fato do bairro oferecer opções de lazer (choro, samba,

MPB, etc.) que trazem ao visitante do bairro a sensação de estar em maior contato e

experiência com gêneros musicais que fazem parte das raízes culturais e folclóricas de

seu país.

      O frequentador da Lapa, em sua maioria, busca por opções de lazer que ofereçam

e carreguem características da identidade brasileira, conforme cita Plínio Fróes – dono

das casas Rio Scenarium e Mangue Seco em entrevista ao professor Micael Herschmann,

para o livro “Lapa, a cidade da música”, no ano de 2005:



                   (...) Eu vou te dar um dado curioso: o 11 de setembro foi marcante – aquele
            atentado – e, naquela época, foi muito comentado pela imprensa os reais objetivos
            daquele atentado...Foi um não à colonização do americano, não à globalização... No
            Rio Scenarium, coincidentemente ou não, a partir daquele momento, mesmo num
            ambiente de perplexidade, tivemos certamente o menor número de pessoas na casa -
            todo mundo em casa vendo televisão principalmente naquela semana -, mas depois
            disso a curva das pessoas em busca da identidade brasileira começou a ascender e
            não parou mais... a gente verificou, agora, numa pesquisa que é isso que nosso
            público quer. Esse público passou a freqüentar a nossa casa, eu não sei se as outras
            casas da Lapa têm a mesma estatística, mas eu acredito que sim porque não foi só o
            Rio Scenarium que cresceu a partir desse momento.



      Desta maneira, a crescente demanda da busca por identidade brasileira, por parte

dos freqüentadores do bairro, fez com que diversos casarões ao longo das ruas da Lapa

fossem comprados, reformados e transformados em casas de shows e espetáculos,


25
oferecendo aquilo que pode ser considerado “música de raiz”, para o ouvido dos boêmios

da cidade. A reforma e inauguração de estabelecimentos voltados para este tipo de

público estimulou o desenvolvimento econômico do bairro que hoje apresenta uma

retomada não apenas cultural como econômica, evidenciada pela quantidade de casas de

diversão e cultura, restaurantes, bares além de condomínios de classe média que vêm

sendo inaugurados no bairro, uma das consequências do processo de retomada do

bairro.

          Aos poucos, o carioca foi descobrindo uma Lapa para chamar de sua. O bairro hoje

não se restringe ao samba, choro e cabarés dos tempos de Noel Rosa, Di Cavalcanti e

Madame Satã. Caminhar pelas ruas do bairro em uma sexta-feira ou sábado à noite é

perceber que o bairro soube aproveitar e explorar a cultura de nicho, oferecendo diversas

opções de lazer dos mais variados tipos.

          Atualmente, existe uma Lapa para cada tipo de gosto, para cada tipo de ouvido e

de gênero. Do Jongo à música eletrônica existe espaço para o Reggae, Rock and Roll,

Forró, Rap, Funk, etc. Segundo Adair Rocha, chefe da Representação Regional do Rio de

Janeiro e do Espírito Santo no Ministério da Cultura e professor de Comunicação Social

da PUC-RIO, a Lapa representa hoje uma síntese da cidade do Rio de Janeiro, por ser

um dos poucos espaços da cidade (além das praias), onde a população converge e se

encontra, independente de raça, credo ou condição social. Onde existe o conflito e a

tensão existentes no Rio de Janeiro condensados em uma espécie de organismo sob o

guarda chuva da boemia, vida noturna e diversão.

          Mesmo sendo a Lapa um bairro considerado democrático, ela apresenta

segmentações estabelecidas pelos próprios frequentadores. Por exemplo, observa-se

uma concentração de adeptos ao gênero Rock and Roll no gramado da praça dos arcos,

enquanto logo em frente, na calçada da casa FEBARJ, na Rua do Riachuelo – casa



26
noturna destinada à músicas afro-descendentes, concentram-se frequentadores vestidos

ao caráter do gênero musical Hip-Hop. Desta maneira, diferentes grupos ou “tribos”19 se

encontram e se separam de uma maneira quase sempre pacífica, em um mesmo

ambiente.

        Também observa-se uma segmentação por faixa econômica. Considerando-se que

transitar pelas ruas do bairro pode ser considerado uma opção de entretenimento e lazer,

a Lapa atrai um público das mais variadas faixas econômicas que também convergem e

se segmentam neste espaço comum que é a Lapa. Algumas casas de shows do bairro

como o Rio Scenarium, localizado na Rua do Lavradio e o Carioca da Gema e o

Sacrilégio e Estrela da Lapa todos localizados na Avenida Mem de Sá, oferecem um

serviço de qualificação consideravelmente mais elevada em comparação com as demais

casa do bairro, tendo seu foco na atração e retenção de clientes de classe média/alta,

enquanto outras casas como por exemplo a FEBARJ e o Manifesta, ambos localizados na

Rua do Riachuelo, que oferecem opções de lazer mais acessíveis e atraem todo tipo de

público, dos constituintes das classes mais baixas às mais abastadas, abrigando também

muitos turistas, que visitam o bairro em busca de uma cena alternativa de diversão na

cidade maravilhosa.

        São todos personagens que dão à Lapa esta a característica plural nela

reconhecida atualmente e que a caracteriza como um espaço democrático, que devido à

busca por diversão, lazer e cultura, possibilita um espaço amplo e único. É neste palco de

multifacetado onde ocorrem todas as noites encontros de classes, tribos, etnias, raças e

crenças, sob a aura boemia, malandra e democrática que o bairro carrega e preserva até

hoje.

        Outro fenômeno observado no processo de retomada da Lapa foi aquilo que pode


19      Considera-se por “tribo” microgrupos de indivíduos urbanos que têm como objetivo principal
estabelecer rede de amigos com base em interesses comuns.

27
ser considerado e denominado como uma espécie de “redescoberta” de espaços de

entretenimento e lazer e por parte da população fluminense e carioca como ,por exemplo,

o Clube dos Democráticos, localizado na Rua do Riachuelo.

        Fundado em 19 de janeiro de 1867, o Clube dos Democráticos é a mais antiga

sociedade carnavalesca do Brasil e uma das poucas ainda em atividade. Sua sede na

Lapa – o Castelo dos Democráticos, tombado pelo IPHAN em 1987, voltou aos tempos de

glória, já que atualmente o espaço tem sido palco para músicos da nova geração do

samba e do choro que promovem animadas noitadas frequentadas por um público

composto, em sua maioria, por jovens universitários de classe média. 20

        Como consequência, de todo o fenômeno de retomada cultural do bairro, observou-

se um aumento no nível da qualidade de serviço das casas de espetáculo do bairro. Este

fenômeno contribuiu para a atração e retenção de um público de classe média alta,

exigente e acostumado com serviços de melhor qualidade. Estes, por sua vez, foram os

porta-vozes do fenômeno de retomada para seu ciclo social, mídia e formadores de

opinião, fazendo com que as classes mais abastadas também considerassem o bairro

antes conhecido apenas pelos prostíbulos, tráfico de drogas e travestis como uma boa

opção entretenimento e lazer.

        A frequência dos moradores mais abastados contribuiu não apenas para a melhoria

a qualidade das casas e serviços oferecidos, mas também modificou o perfil do quem vai

à Lapa, atraindo um número de visitantes mais qualificados como empregados de

museus, centros culturais, estudantes universitários, professores universitários, etc.,

resgatando ao bairro os ares de seus “anos dourados”, vividos até o final da década de

30, quando diversos intelectuais frequentavam o bairro.

        Dessa maneira, a Lapa vive o que pode ser considerado um momento ímpar na



20 Informação retirada do site Samba & Choro no dia 14/11 no link: http://www.samba-choro.com.br/casas/rio/355

28
história do bairro, uma vez que a prostituição - considerada em um passado não muito

distante o principal atrativo do bairro - perdeu e vem perdendo seu espaço para esta nova

Lapa revitalizada. De uma maneira gradual, as ruas do bairro que eram conhecidas como

ponto de prostituição, vêm inaugurando centros culturais e casas noturnas de música

brasileira e de raiz que consequentemente gera um processo de afastamento dos pontos

de prostituição para locais cada vez mais periféricos do bairro. O “novo frequentador” da

Lapa, em sua maioria, não busca mais a prostituição de rua, mas sim de opções de lazer

que não são facilmente encontradas nos demais bairros da cidade, nem na quantidade

que a Lapa oferece.

       Outro fenômeno interessante de ser observado no bairro, após a sua retomada, é a

diferença entre sua rotina diurna e noturna. Ao cair da noite, funcionários dos centros

empresariais do centro da cidade e visitantes dos mais variados bairros se encontram na

Lapa. Os bares e casas noturnas do bairro ficam cheios e as principais vias públicas que

cortam o bairro - a Avenida Mem de Sá e a Rua do Riachuelo – ficam engarrafadas. Aos

finais de semana, é preciso reforço policial e em casos de necessidade, parte do trânsito

da Rua do Riachuelo é desviada para a Rua do Lavradio. O bairro não deixa a cidade

dormir com suas casas noturnas e bares funcionando a todo o vapor, enquanto os outros

bairros vizinhos à Lapa repousam em sono.

       À luz do dia, a rotina do bairro muda, o sol escaldante do Rio de Janeiro, as casas

noturnas que ficam fechadas durante o dia e a população de rua afastam os turistas e

visitantes, transformando a Lapa em um bairro de passagem durante o período diurno.

Mesmo os restaurantes e bares que costumam ficar lotados aos finais de semana,

quando abrem, recebem um número tímido de clientes no período diurno não lembrando

em nada a Lapa da noite, que desde o início do século XXI voltou à sua efervescência

cultural.



29
O Circo Voador



      Para que o fenômeno de retomada ocorresse, alguns fatores determinantes foram

necessários e aquele que pode ser considerado como um dos mais emblemáticos foi a

ida do Circo Voador para a Lapa.

      O Circo Voador começou em janeiro de 1982 na praia do Arpoador, cultuada pela

nata da cultura e juventude carioca de então. Foi neste cenário que o Circo levantou sua

lona azul e branca pela primeira vez. Fruto do anseio de uma enorme onda de artistas

carentes de espaço para atingir o grande público, o Circo foi a grande alavanca para

muitos grupos, hoje consagrados.

      O primeiro passo foi dado pelos grupos de teatro criados a partir dos cursos

ministrados pelos integrantes do Asdrúbal Trouxe o Trombone, Perfeito Fortuna, Patrícia

Travassos, Evandro Mesquita, Regina Casé e Luis Fernando Guimarães.

      A princípio, a montagem duraria apenas um mês (durante o qual diversas

atividades artísticas se desenvolveram), mas durou três meses e ainda assim foi

necessária força policial para desmontar e retirar a estrutura. Este grupo de artistas,

liderado por Perfeito Fortuna, saiu em campo buscando um novo espaço para o projeto,

até que a Prefeitura destinasse um terreno baldio defronte aos Arcos da Lapa para que o

Circo pudesse se estabelecer. A localização interessou aos organizadores e o Circo



30
ganhou seu novo lugar, servindo de espaço para a criação e apresentação de tudo o que

estava para explodir em termos de arte e cultura populares, 21 mesmo com a Lapa ainda

decadente, marginal e esquecida pela cena noturna do entretenimento e lazer da cidade,

conforme cita Diogo Tratado, responsável pela comunicação do Circo Voador, em

entrevista:


                                   “(...) Bom, o circo chegou na Lapa em 82, naquela época a Lapa já era
                           bem decadente mesmo. O terreno que estamos aqui era bem abandonado,
                           frequentado por travestis e prostitutas, apesar de que até hoje é frequentado por
                           essa galera, isso era basicamente o que tínhamos aqui.”


        Concebido e administrado por Perfeito Fortuna, Maurício Sette e Marcio Calvão, o

Circo foi o pioneiro em iniciativas, contribuindo de maneira orgânica para o processo de

retomada cultural do bairro:


                           “(...) Desde aquela a época vem crescendo no imaginário carioca, começou a ter a
                           classe média passando a frequentar aqui, era um filão que não era explorado.
                           Tava mais pro lado da decadência, das drogas e da prostituição e que conseguiu,
                           através da cultura, dar esta volta por cima.”


        Em 1996, o então prefeito da cidade Luiz Paulo Conde fazia uma carreata pelo

bairro para sua reeleição ao cargo. Quando Conde e seus cabos-eleitorais decidiram

fazer uma visita ao Circo, ocorria um show da banda “Ratos de Porão”, comandada pelo

apresentador da MTV João Gordo, que iniciou uma vaia ao prefeito. Poucos dias após o

ocorrido, o Circo Voador fechava suas portas, devido a um mandato que alegava que a

casa estava às voltas com dívidas judiciais e por sua estrutura física ser incapaz de

manter os moradores vizinhos a salvo do barulho insuportável.

        Após 8 anos fechados, a casa reabriu para o público carioca no mesmo endereço

no ano de 2004 com uma estrutura moderna, ampla, segura, com tratamento acústico e

21 Informação retirada do site da Fundição Progresso no dia 15/11/2009 no link:
   http://www.fundicaoprogresso.com.br/index.php?page=Internas.MemoriaCirco

31
sem pendências judiciais, trazendo artistas de renome nacional e internacional para

apresentações exclusivas no bairro, atraindo mais público para o bairro, reforçando e

evidenciando o momento de retomada cultural que o bairro da Lapa já se encontrava.




32
22




                    O Circo Voador “aterrizou” em uma Lapa decadente, na década de 80.

                                          A Fundição Progresso



        No final da década de 80, ao lado do Circo Voador, uma antiga e desativada

fundição de fogões e cofres estava sendo demolida. O ato de destruir um prédio antigo e

grande inteiro mobilizou um o grupo de artistas e circenses do Circo Voador, que se

puseram entre as marretas e o prédio enquanto outros foram buscar ajuda, com o objetivo

de embargar politicamente a demolição 23. Os integrantes do Circo se organizaram para

intervir no processo de demolição da Fundição Progresso e conseguiram, com a

intervenção do poder público, a suspensão das obras de destruição daquele espaço.

        Como principal contribuinte para a preservação deste espaço e devido à sua

influência na cena cultural da cidade, os integrantes do Circo Voador receberam da

Prefeitura do Rio de Janeiro e do Governo do Estado a concessão para utilizar o espaço

da Fundição. A partir daí, a Fundição passou a ser uma extensão do Circo Voador e

ambos os espaços culturais funcionavam ao mesmo tempo, complementando-se

mutuamente.

        Após mais de 20 anos de existência, a Fundição Progresso vem sendo utilizada

com o intuito de se tornar um espaço em um centro de cultura, meio-ambiente e educação

para toda a população. Várias obras, melhoramentos arquitetônicos e medidas de

segurança fundamentais foram necessários para que a Fundição Progresso pudesse

abrigar um número cada vez maior de pessoas.

        Atualmente, o palco da Fundição recebe alguns dos artistas mais renomados e

22 Imagem retirada do site: http://www.circovoador.com.br/circo/diario.htm. Acessado no dia 14/11/2009
23 Informação retirada do site da Fundição Progresso, no dia 20/10/2009 no link:
   http://www.fundicaoprogresso.com.br/index.php?page=Internas.MemoriaFundicao

33
reconhecidos no cenário cultural, tanto nacional quanto internacionalmente, atraindo

milhares de visitantes aos grandes eventos promovidos no decorrer de sua história.

      Desta maneira, a contribuição da Fundição Progresso para o fenômeno de

retomada da Lapa se dá na medida em que ela se torna e se consolida como uma casa

das mais importantes e estruturadas casas espetáculo do Rio de Janeiro, entrando para o

calendário cultural da cidade e se tornando uma opção de lazer que atrai os mais diversos

estilos e gêneros e frequentadores para o mosaico cultural que é a Lapa.



                              A Rua e a Feira do Lavradio



      Outro movimento que contribuiu para a retomada cultural do bairro é a Feira do

Lavradio, organizada mensalmente na Rua do Lavradio.

      Esta rua pode ser considerada uma das mais importantes da história da cidade e

do bairro da Lapa. Servindo como ponte entre a Lapa e a Praça Tiradentes – dois dos

principais pontos turísticos e arquitetônicos da cidade – e facilitando a proximidade com a

Cinelândia, o Largo da Carioca, a praça XV, o Campo de Santana, dentre outras atrações

igualmente importantes do Centro Histórico, esta rua ganha um caráter plural e muito

especial.

      Mesmo tendo sofrido diversas transformações ao longo de sua história, como o

“Bota Abaixo” - proposta de transformação do centro histórico da cidade conduzido pelo

prefeito Pereira Passos que conferiu um novo visual ao bairro do centro, no início do

século XX -.Primeira rua residencial da cidade mantém a arquitetura do lado direito da rua

praticamente intacto. Casarões, moradias populares, quitandas, restaurantes, bares,

brechós e até grandes antiquários e casas noturnas evidenciam a pluralidade existente




34
nela. 24

        Na década de 90 um grupo de comerciantes locais que tinham em comum o gosto

pelo comércio, restauração de antiguidades além da insatisfação com o estado de

abandono da região começaram a debater possibilidades de solução para atrair mais

visitantes para a rua e lucro para seus negócios. Desses encontros, surgiu em outubro de

1996, a ideia de promover a Feira Rio Antigo de móveis, antiguidades arte e cultura – hoje

conhecida como Feira do Lavradio. 25

        Organizada pela ACCRA – Associação dos Comerciantes do Centro do Rio Antigo,

a feira foi aos poucos ganhando um número cada vez maior de freqüentadores,

formadores de opinião e entrou no calendário cultural da cidade, conforme cita Plínio

Fróes – dono das casas noturnas Rio Scenarium e Mangue Seco -, na apresentação do

livro Rua do Lavradio:


                   (...)Primeiro, atraímos os comerciantes da Zona Sul, depois, formadores de opinião como
                   o cartunista Ziraldo, o arquiteto Chicô Gouveia e a jornalista Danuza Leão, considerada a
                   madrinha da rua. Cada nota na “Coluna da Danuza” era sinal de sucesso – e de muitos
                   bons negócios. Fomos inovando e garantindo público.
                   Nós mesmo produzíamos os vários shows, sempre preocupados em oferecer projetos
                   musicais de qualidade para um público exigente, já identificado com o evento. Quando
                   nos demos conta, a feira era uma realidade e se transformava em opção cultural da
                   cidade.


        Atualmente, a feira organizada todo o primeiro sábado do mês é um sucesso de

público. Dezenas de barraquinhas expõem móveis e artigos de decoração, discos antigos

e raros de vinil e roupas antigos ao longo da rua, também havendo espaço para

apresentações artísticas de dança, teatro, circo etc.

        A agitação e o grande número de visitantes da feira mensal contrastam com a

tranquilidade diurna da rua. A rua é tomada por visitantes, turistas nacionais e


24 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 41
25 FRÓES, Plínio Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 13

35
estrangeiros, colecionadores e vendedores. O evento garante lucro aos donos de bares e

restaurantes que ficam lotados ao longo do espaço físico da rua, além de revelar - aos

freqüentadores noturnos o bairro -, seus brechós e antiquários, que encerram suas

atividades ao início da vida noturna da Lapa.

      Tendo em vista a contribuição não apenas cultural, mas também comercial e

econômica da Feira do Lavradio - no sentido de atração de um grande número de

visitantes e formadores de opinião que voltaram a lançar a atenção da população carioca

e fluminense para o bairro, a feira pode ser considerada como uma das principais

protagonistas para o fenômeno de retomada e redescoberta do bairro da Lapa.



                                     Outros Atores



      Além do Circo Voador, Fundição Progresso e a Feira do Lavradio, a retomada da

Lapa também se deve a investimentos como a casa Estrela da Lapa, o Rio Scenarium e o

Café Musical Carioca da Gema, que usufruíram e exploraram a demanda por opções de

lazer que agregassem identidade nacional e boêmia, abrindo suas portas para artistas

que agregassem esses valores, oferecendo serviço qualificado, voltado para os públicos

das classes sociais A e B, agregando valor, sofisticação e contribuindo positivamente para

a imagem do bairro boêmio junto à população carioca.

      Enquanto investimentos privados somavam atributos ao bairro da Lapa, no campo

artístico-musical destaca-se a cantora Teresa Cristina e o Grupo musical Semente, que

começou em 1998, quando Teresa e o grupo começaram a se apresentar no Bar

Semente, que acabou dando nome à banda que a acompanhava. Este conjunto, originado

na Lapa, ganhou notoriedade nacional e internacional quando, em 2003, conquistou

prêmios importantes como o BR Rival e o prêmio Tim de música, além da indicação ao



36
Grammy Latino de melhor disco de samba.

      Este exemplo evidencia o poder cultural que o bairro da Lapa tem de revelar e alçar

talentos para o Brasil e para o mundo, não se restringindo ao seu circuito cultural,

mantendo suas características de boemia e identidade nacional preservadas e cultuadas.




37
Vista de cima da Feira do Lavradio




38
Condomínio Cores da Lapa



       O condomínio Cores da Lapa é considerado um marco no mercado imobiliário

carioca. Com seis edifícios e um total de 688 apartamentos, o empreendimento na Rua do

Riachuelo foi vendido em poucas horas durante o coquetel de lançamento realizado no

dia 10 de novembro de 2005. O resultado alcançado nesta data alterou os planos de

grandes construtoras, até então voltados para projetos na Zona Sul e na Barra da

Tijuca. 26

       O condomínio encravado no bairro boêmio e antigo do Rio de Janeiro oferece infra-

estrutura de condomínios modernos e, - ao passo que injetou centenas de novos

moradores de classe média no bairro -, contribuiu para a tomada de decisão por parte da

Prefeitura do Rio de Janeiro no sentido de revitalizar e reformar a calçada da Rua do

Riachuelo, uma das principais ruas do bairro.

       O sucesso do empreendimento jogou um feche de luz para o bairro, gerando a

propagação de mídia espontânea nos mais diversos meios e veículos de comunicação,

trazendo o fenômeno da retomada da Lapa como algo cada vez mais evidente, claro e

consolidado.

       O êxito de vendas e a grande procura pelo empreendimento pode ser considerado,

portanto, como uma das consequências mais emblemáticas da virada do bairro. A Lapa

dos cortiços, tráfico de drogas, prostituição e da áura pobre e marginal agora é também o

bairro de uma classe média que demanda por proximidade ao seu local de trabalho e

opções de cultura, lazer e entretenimento.




26 BRISOLLA, Fabio Revista do OGLOBO in: Lapa doce Lapa. Rio de Janeiro, n 274, outubro. 2009

39
CONCLUSÃO




40
Partindo da observação de uma cidade plural, multifacetada que é a segunda

grande metrópole do país e que ainda preserva características provincianas, como é o

caso do Rio de Janeiro, nota-se aquilo que pode ser denominado de retomada,

revitalização ou redescoberta do bairro da Lapa por parte da população carioca e

fluminense.

       Analisando a história do bairro percebe-se a Lapa enquanto um espaço eleito para

exercer a função de uma ilha dentro da cidade: em todo o decorrer da história do bairro, a

Lapa era percebida como um lugar onde aflorava o que era rotulado como perversão. Lá,

esse crime e/ou pecado era permitido, vigiado, consentido e punido. 27 A Lapa dos

intelectuais da década de 30, passando pela Lapa da decadência após as “normas

moralizadoras” que fecharam os cabarés e a Lapa dos Cortiços, de Agnaldo Silva,

chegando até o bairro que hoje recebe milhares de visitantes todas as noites sempre

manteve uma espécie de áura mística e misteriosa no imaginário popular da cidade.

       A Lapa é percebida como um espaço democrático, jovem, adulto, de liberdade

artística e de criação, além de exercer uma importância única para a cidade, devido ao

fato de sua contribuição orgânica para a cena urbana e cultural da cidade. Foi na Lapa

que o samba deu origem ao chorinho, o bairro também fez ressurgir a lendária e urbana

figura do malandro e a boemia carioca. A Lapa dos “anos dourados” abrigou personagens

tão lendários que ganhavam vida própria, tendo suas histórias propagadas pelas ruas da

cidade, como Madame Satã, por exemplo. Além disso, a Lapa também vê diversos de

seus artistas que começaram em pequenas ou grandes casas noturnas do bairro

despontarem para o sucesso nacional e mundial como o grupo Paralamas do Sucesso, a



27 KUSHNIR, Beatriz A Lapa e os filhos da revolução boêmica p.3

41
cantora Teresa Cristina e o grupo Semente, Casuarina, o cantor Marcelo D2, Monobloco,

dentre diversos outros exemplos.

        A retomada cultural do bairro, observada a partir do início do século XXI, aponta

para um “olhar pra dentro” da história do Rio de Janeiro e do Brasil, por parte do cidadão

carioca e fluminense. Observa-se um bairro e seus personagens considerados marginais

sendo objeto de estudo e contemplação para a atual geração que vai de encontro ao

fenômeno da globalização e a pasteurização dos gêneros musicais e culturais,

frequentando o bairro em busca de opções de cultura, entretenimento e lazer que

ofereçam identidade nacional como principal atrativo e diferencial em relação às demais

opções de lazer existentes na cidade.

        Esta redescoberta pode ser também atribuída aos famosos boêmios-intelectuais,

que frequentavam o bairro até o final década de 30 e todos os escritores que vivenciaram

a Lapa em seu auge e que mais tarde registraram suas memórias em textos e livros sobre

o bairro. Estas histórias de noites e boemia, de frequencia intelectual e ilustre, que foram

registradas em texto e que são contadas e propagadas até hoje pelas ruas e esquinas da

cidade, foram formando a imagem da Monmartre dos trópicos 28, o que contribuiu para que

hoje para que a experiência de vida noturna no bairro remeta a uma volta ao Rio Antigo.

Isto se faz evidente uma vez que as casas noturnas, mesmo as mais modernas, procuram

passar a sensação de “Rio Antigo”, para atender a este desejo e demanda “culto ao

passado”, observada nas mais diversas gerações, das mais diversas décadas.

        Observa-se também, em relação à retomada cultural do bairro, um fenômeno que

vai de encontro à movimentação da cidade como um todo, no que diz respeito ao

comportamento da população diante do caos gerado pela violência no Rio de Janeiro. A

violência e a desordem estabelecidas na cidade mudaram as características tanto físicas


28 PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC-
   RIO, 1998, p. 45

42
e urbanísticas quanto comportamentais, uma vez que a violência “obriga” cidadãos e

cidadãs da cidade a se comportar de maneira cada vez mais defensiva e desconfiada.

Atrelado a este fato, nota-se um movimento por parte da população, sobretudo da classe

média, que se protege e esconde atrás de muros de condomínios, segurança privada,

vidros blindados, etc.

      Salvo algumas exceções, a questão comportamental observada na Lapa após a

retomada, vai de encontro com este movimento de afastamento e segmentação devido à

questão da violência. A Lapa atual oferece um mosaico não apenas cultural,mas também

de raças, cores sendo frequentada por constituintes das mais diversas camadas

econômicas e sociais. O espaço é considerado como democrático pelos frequentadores

por concentrar e oferecer uma gama variada opção de lazer, para pessoas do mais

diversos tipos de poderio aquisitivo.

      É também neste espaço, localizado no coração da cidade onde os moradores dos

mais diversos bairros convergem, se encontram e convive; atraídos pelas opções de lazer

e cultura, transformando o bairro - antes compreendido como uma espécie de “ilha”,

aonde os pecados eram permitidos e concedidos -, em um espaço democrático, de

encontro de classes, propiciando uma espécie de síntese desta cidade de misturas e

diversas realidades que se encontram e se chocam todos os dias, como é o caso do Rio

de Janeiro.

      Outra consequencia interessante de ser observada após o fenômeno de retomada

da Lapa é a mudança do perfil do atual visitante do bairro e de suas opções de lazer.

Enquanto que naqueles que foram considerados os “anos dourados” da Lapa (décadas de

20 e 30) seus frequentadores iam ao bairro em busca de jogo, álcool e principalmente

sexo pago, a Lapa de hoje apresenta um perfil bastante diferente. Observa-se um público

que vai ao bairro busca cultura, lazer e entretenimento. Peças Teatrais, oficinas, artes



43
circenses e plásticas, shows internacionais, concertos clássicos, jogos de bilhar,

antiquários, restaurantes, bares, gafieira, bailes de dança e diversas outras opções de

entretenimento e lazer ocupam o espaço antes exercido pelo jogo e a prostituição.

      Concluímos, portanto, que o bairro da Lapa, devido a sua vocação para a boemia e

contribuição para a cena cultural da cidade vive hoje aquilo que pode ser considerado

como uma retomada de sua cena cultural, uma revitalização tanto física quanto

urbanística, devido a diversos investimentos por parte da iniciativa privada, que vem

remodelando com a modernização e transformação de antigos casarões, tombados ou

não pelo patrimônio histórico em espaços modernos de cultura, entretenimento e lazer,

além daquilo que pode ser considerado como uma redescoberta por parte da população

carioca e fluminense, que considera o bairro cada vez mais como uma opção válida de

lazer e lota as ruas e vielas da Lapa em busca de atrações culturais alternativas às

oferecidas nos demais bairros do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense.

      Atrelado a estes conjunto de fatores, está a crescente valorização do bairro, que

joga um olhar da população não apenas para a questão da demanda por opções

alternativas de lazer e cultura e identidade nacional. A nova Lapa revela o culto ao

passado, a experimentação do presente e a curiosidade sobre o futuro.




44
BIBLIOGRAFIA



Livros:

ANDRADE, Moacyr. Lapa – Coleção Cantos do Rio. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal

de Cultura e Relume Dumará, 1998.

KUSHNIR Beatriz. A Lapa e os filhos da revolução boêmia. Estudos históricos. Rio de

Janeiro: Casa da Palavra, 2002.

LUSTOSA, Isabel (org). Lapa do Desterro e do Desvario. Rio de Janeiro: Casa da

Palavra, 2001.

MOTTA, Nelson. O Som e a Fúria de Tim Maia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.

PINHEIRO, Eliane e PINHEIRO, Augusto (Org). Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Isis,

2007.

ROCHA, Adair. Cidade Cerzida: a costura da cidadania no Morro Santa Marta. 2. Ed. Rio

de Janeiro: Museu da República, 2005.

TREITAL, Rodolfo. A cidade proibida - Madame Satã e outros personagens da velha

Lapa. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 1997.

VENTURA, Zuenir. Cidade Partida. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1994.




Artigos:

BRISOLLA, Fabio Revista do OGLOBO in: Lapa doce Lapa. Rio de Janeiro, n 274,

     outubro. 2009



45
BRASIL. Felipe. Lapa, o túmulo do sambista. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em:

<http://www.tribuneiros.com/2009/03/11/lapa-o-tumulo-do-sambista>.

ROCHA, Adair. Periferia: Observações periféricas. Rio de Janeiro. UERJ. Disponível em:

<http://www.febf.uerj.br/periferia/V1N1/adair_rocha.pdf>.

Material da Internet

RIO DE JANEIRO. (Cidade). Secretaria de Turismo (Rio Tur). Lapa - Berço da famosa

boemia carioca, bairro revela também um dos mais ricos conjuntos arquitetônicos da

cidade. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/riotur/pt/atracao/?CodAtr=1406> .

Acesso em :11 set.2009.

KASAHARA, Ivan. A Lapa, os jovens e o samba, dez. 2008. Disponível em: <

http://www.multirio.rj.gov.br/sec21/chave_artigo.asp?cod_artigo=3896>

KORYTOWSKI, Ivo. Literatura & Rio de Janeiro. Homenagem à Lapa, fev. 2008.

Disponível em <http://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com/2005/08/homenagem-

lapa.html> Acesso em: 11 set.2009.

NEVEZ, Paulo. Semente reabre as portas domingo para roda de samba e choro, abril.
2004. Disponível em: < http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/8732>

Site da Fundição Progresso: http://www.fundicaoprogresso.com.br



Filmes

AINOUZ, Karim Madame Satã, Drama. – 2002.

BORGES, Cavi e DOMINGOS, Emílio. L.A.P.A, Documentário – 2006.

MONTEIRO, Leandro. Rio Belle Époque, Curta-Documentário – 2007.




46

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A Retomada do Bairro da Lapa, RJ

  • 1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL A RETOMADA DO BAIRRO DA LAPA, RIO DE JANEIRO O fenômeno de aumento de freqüentadores e opções de lazer no bairro boêmio AUGUSTO MOTTA VERÍSSIMO Matrícula: 0520441 – Habilitação em Publicidade e Propaganda RIO DE JANEIRO – RJ 2009 1
  • 2. Dissertação apresentada ao Departamento de Comunicação Social da PUC-RIO como parte dos requisitos para a graduação em Comunicação: Publicidade e Propaganda. ORIENTADOR: Renato Cordeiro Gomes 2
  • 3. AGRADECIMENTOS . Aos meus pais, por todo o incentivo, exemplo e apoio. . Ao meu avô Antônio Veríssimo Filho, Mestre da Vida, sempre presente na memória. . Ao professor Renato Cordeiro Gomes, pelo diálogo esclarecedor. . Ao professor Antônio Jorge Alaby, pela contribuição no meu desenvolvimento profissional. . À Fátima Rendeiro, por ser minha Madrinha no mirabolante mundo da publicidade. . Ao professor Sérgio Mota, pelo despertar do prazer da investigação cultural. . Ao professor Adair Rocha, pela contribuição com este estudo e o despertar do olhar sobre a cidade. . Ao ilustre amigo Mauricio Garces Ozório, pela amizade e carinho. . A todos os amigos que conquistei na minha vida até hoje, obrigado pelo apoio. 3
  • 4. SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 6 1. O DESPERTAR DA BOÊMIA........................................................................ 10 2. ASCENÇÃO E QUEDA................................................................................. 17 3. A RETOMADA............................................................................................... 24 CONCLUSÃO.......................................................................................................... 40 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 44 4
  • 6. Esta dissertação tem sua origem no prazer da observação. Considero um privilégio observar o comportamento humano com a cidade do Rio de Janeiro como pano de fundo. A investigação das questões sociais e os comportamentos que deles são gerados e aplicados na vida cotidiana revestem, qualquer observador nato, de dúvidas e sedução. A descoberta de uma característica da cidade logo desperta uma curiosidade, como em um ritmo interminável ,àqueles que se propõem à traduzi-la. Observar o conflito presente de maneira ubíqua no Rio de Janeiro (para o bem e para o mal) assim como a maneira com que as pessoas se comportam, utilizam e usufruem de uma cidade como o esta pode revelar sustos, surpresas e achados reveladores ao virar de uma rua ou esquina. O simples ato de flanar pelas ruas e vielas do centro da cidade ou da Lapa, por exemplo, pode revelar verdadeiras lições de vida. Basta que o observador se envolva e permita que isso aconteça. Em uma cidade onde o choque de classes se encontra no cerne dos traços mais característicos da cidade maravilhosa, é importante uma dose de cautela e outras tantas de ponderação não apenas com o que se observa, mas também com aquilo que se interpreta. Não existem verdades absolutas sobre o Rio. Existem apenas verdades pequenas e grandes, que compõem esta metrópole que ainda insiste em ser reconhecida como balneário, deixando pasmos aqueles que vêm de fora, por tamanha pluralidade de estilos, comportamentos, pessoas, raças e belezas naturais. A cidade respira, transpira e vive de encontros. Empresários, favelados, universitários, porteiros, etc.. todos cariocas “sangue bom”. Todos se encontram em algum lugar, de alguma maneira, por algum motivo nesta cidade provinciana, cartão postal e caótico, que diferencia o Rio de Janeiro de qualquer outra cidade no mundo. E, da necessidade dos encontros, intrínseca na personalidade da cidade, 6
  • 7. observa-se a redescoberta do bairro da Lapa como um pólo de entretenimento, lazer e cultura. Um bairro que, mesmo com uma fama “marginal”, enraizada pelo passado, possibilita hoje, novamente, o encontro dos cariocas de uma maneira suave e não forçada. O rico e o pobre se encontram na Lapa. No entanto, se no decorrer do dia-a- dia cada um exerce um papel social diferente, no bairro boêmio eles se encontram no mesmo patamar no que diz respeito ao objetivo em comum entre os dois: apenas se divertir. Ao passear pela Lapa, no período da noite, observa-se uma vasta gama de opções de lazer atendendo aos mais variados gostos de cidadãos e cidadãs de toda a cidade. O Hip-Hop, representado por batalhas de rima, o samba e o choro - gêneros musicais apresentados na maioria das casas noturnas do bairro - , o forró, o reggae além de diversas outras expressões musicais, como o jongo por exemplo, encontram espaço naquilo que pode ser considerado o mosaico artístico-cultural que a Lapa oferece atualmente aos seus visitantes e frequentadores assíduos. O objetivo desta pesquisa é estudar como e de que maneira se deu o atual fenômeno classificado e denominado pela mídia, formadores de opinião e a população fluminense e carioca como “retomada”, “revitalização” ou “redescoberta” do bairro da Lapa, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Considera-se “retomada”, “revitalização” ou “redescoberta”, uma vez que, no início do século XX até o final da década de 30, o bairro era conhecido e considerado pela população carioca (e principalmente pelos boêmios que ali frequentavam), como a “Montmatre Carioca” - uma alusão ao bairro boêmio da cidade de Paris, na França, uma vez que o bairro parisiense, assim como a Lapa, era o palco da concentração da classe artísticas e intelectuais e boêmias da época, abrigando famosos cabarés, bares e prostíbulos, oferecendo todo o tipo de diversão mundana e adulta para os boêmios 7
  • 8. que ali freqüentavam, visitavam, viviam e se divertiam. Com as “medidas moralizadoras” 1 do Governo de Getúlio Vargas no final da década de 30, os cabarés da Lapa tiveram que ser fechados, e o bairro perdera um de seus maiores atrativos. Acrescido a este fato, houve também o movimento de expansão da população da cidade para bairros da Zonal Sul que estavam em pleno crescimento, como a charmosa Copacabana e a longínqua Ipanema. Desta maneira, a boêmia se mudara, encantada pelo brilho da orla e das boates de Copacabana. Enquanto, décadas mais tarde artistas como Nara Leão e Vinicius de Morais reuniam os amigos em seus apartamentos de frente para o mar para compor músicas de Bossa- Nova 2 - com constituintes do que considerava-se a “nova boêmia-intelectual” -.A Lapa se encontrava em estado de desvalorização imobiliária e abandono, caracterizando uma situação de decadência. No entanto, devido à contribuição de diversos personagens e fatores, no início do século XXI o bairro boêmio assistiu ao fenômeno de um aumento exponencial do fluxo de visitantes e frequentadores por parte da população carioca, fluminense e turistas de todo o mundo, que atualmente lotam as ruas, vielas e becos do bairro, todas as noites em busca de diversão, cultura e lazer. Considera-se, portanto, este o fenômeno denominado neste estudo como “retomada”, “revitalização” ou “redescoberta” da Lapa. 1 RANGEL, Carlos Fronteira Brasil-Uruguai: entre o nacional e o regional (1928/1938) p.12 2 MOTTA, Nelson. O Som e a Fúria de Tim Maia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006 p. 36 8
  • 9. O DESPERTAR DA BOEMIA 9
  • 10. Até o século XVII, a Lapa permanecia praticamente desabitada. Naquela época, não havia sequer ruas, esquinas ou vielas. No bairro que atualmente abriga diversas opções de lazer e recebe visitantes, frequentadores e turistas todos os dias da semana, quase 24 horas por dia, existia a extinta lagoa do Boqueirão, o que tornava a Lapa um dos lugares mais insalubres da cidade para viver. No início do século XVIII a maioria da população brasileira habitava os campos e as lavouras, o que dava ao Brasil o título de um país rural em sua maioria. No entanto, com o desenvolvimento do comércio e da exportação, a cidade passa a ter seu crescimento e desenvolvimento acelerados e ganha novas dimensões e proporções, tanto populacional quanto urbanisticamente. (...) Tudo começou a mudar a partir do início do século XVIII, quando o Rio de Janeiro assume a função de “centro abastecedor da região aurífera e escoadouro de todo o ouro que ia alimentar o fausto da coroa portuguesa durante quase três 3 quartos do século XVIII ”. A intensa movimentação do porto faz com que a cidade comece a crescer rapidamente. Sua população que, em 1710, era de 12.000 habitantes (por Joaquim Caetano da Silva), passa a 24.397, em 1749 (cálculo de Baltazar Lisboa), e quase duplica no fim do século. O núcleo urbano se expande, ultrapassando a barreira defensiva que seguia pela Rua da Vala (hoje Uruguaiana). Começam a ser ocupadas as áreas vazias situadas fora dos limites 4 da cidade. Desta maneira, foram necessárias obras de infraestrutura e o aterramento de diversos mangues e lagoas da capital do então Estado da Guanabara, com a necessidade de ampliação de terreno sob as planícies da cidade, a lagoa do Boqueirão foi aterrada. Logo após esta medida, havia a necessidade de conduzir as águas do Rio Carioca – que nasce no Cosme Velho, passando por Santa Teresa - até as construções, monumentos e obras públicas do centro da cidade. Por este motivo, iniciaram-se as obras 3 Filho, Enéas Martins. 1967. "O Rio de Janeiro do ouro ao tempo dos vice-reis. Curso sobre a fundação da cidade do Rio de Janeiro". Separata da Revista do instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.276, jul-set, p. 43. 4 Pinheiro,Eliane Canedo de Freitas e Rabha, Nina Maria de Carvalho Rua do Lavradio p. 41 10
  • 11. do monumental e charmoso Aqueduto Carioca, hoje mundialmente conhecido como Arcos da Lapa, construído com pedra, areia e cal é hoje cartão-postal do bairro e do Rio de Janeiro. Sua construção em estilo romano já foi objeto de estudo e inspiração para diversos livros, poesias, pinturas, músicas ou qualquer outra forma de expressão que simbolizasse a boemia carioca e o bairro da Lapa , tanto no Rio de Janeiro quanto nos mais diversos cantos do mundo. Portanto, da necessidade de expansão da cidade devido ao seu crescimento e desenvolvimento nascia o bairro da Lapa, que décadas depois ficaria conhecido como o bairro da boemia, dos malandros, da prostituição, da jogatina e do lazer mundano e adulto, carregando em sua história diversos mistérios, histórias populares, personagens e toda uma mística em sua áurea. No decorrer do século XIX, ocorrem grandes mudanças na região da praça da constituição (atual Tiradentes), que ganhava opções de entretenimento, como edificações destinadas a teatros, bares, cafés e ao pequeno comércio, passando o local a desempenhar o papel de complementar de lazer e de moradia de personalidades do império e da classe média constituinte dos bairros nobres como Santa Teresa, Glória, Catete, Tijuca, São Cristóvão, etc. A construção do Real Teatro de São João – onde hoje se localiza o teatro João Caetano pode ser considerada como grande marco desta época. A população passava a demandar cada vez mais por lazer, entretenimento e cultura. A Lapa e sua intermediações eram cada vez mais requisitadas para este tipo de atividade e o centro da cidade era o local que concentrava a maioria das opções de lazer do Rio de Janeiro. 5 Este movimento era fomentado de maneira direta e indireta devido à chegada da família real Portuguesa ao Rio de Janeiro, conforme cita o autor Lima Barreto: 5 PINHEIRO, Eliane, PINHEIRO, Augusto. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p.65 11
  • 12. “O Rio de Janeiro não possuía palácios nem educação mundana, motivo pelo qual o imperador incentivava as artes, especialmente a música e a ópera, para acrescentar erudição ao menos aos membros da nobreza que se intencionava 6 formar” . A influência da chegada e permanência da família real atrelado ao fenômeno de crescimento da cidade contribuiu demasiadamente para a cena cultural da cidade, que começava a ganhar cada vez mais força. A população carioca estava curiosa e estimulada a se abrir e descobrir os novos hábitos de lazer e cultura trazidos da Europa pela realeza. A invasão do elemento europeu, com hábitos e outros modos de vida, resultou na mudança do comportamento social da população. A vida mundana não se limitava mais às reuniões fechadas em circulo familiar. A cidade perdia o ar de roça e se abria para hábitos e comportamento de uma metrópole. 7 No final do século XIX, a localização geográfica da Lapa e a chegada dos bondes elétricos à cidade foi um dos principais contribuintes para que sua característica e fama boemia se estabelecesse de vez. Em 1894, começam a circular no Rio de Janeiro os primeiros bondes elétricos importados dos EUA pela companhia do Jardim Botânico. 8 O centro da cidade, ponto de partida do principal meio de transporte coletivo da época tornou-se um palco movimentado para onde os constituintes das mais diversas classes sociais convergiam para trabalhar, fazer compras e se divertir. Foi, no entanto, devido à frequência aos teatros localizados na praça Tiradentes e aos cabarés da Lapa que a vida noturna da cidade passou a fervilhar como nunca antes visto no Rio de Janeiro. Nos primeiros anos, existiam ainda poucos bondes e, por este motivo, ao sair do trabalho, a população 6 BARRETO, Lima, HENRIQUES, Afonso. A Vida e morte de J. Gonzaga de Sá. São Paulo: Brasiliense,1956, p.101 7 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 57 8 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 82 12
  • 13. preferia permanecer no centro da cidade até a hora dos espetáculos. Desta maneira, o carioca procurava restaurantes e bares para passar o tempo, aproveitando para beber, jantar e trocar uma prosa nas opções oferecidas no entorno da Lapa, Rua do Lavradio e praça Tiradentes, além das opções de lazer adulto, proporcionado pelos diversos cabarés ou “inferninhos”, como são popularmente conhecidos. Por este motivo, multiplicaram-se as cervejarias, bares e cafés, que concentravam diversos intelectuais e formadores de opinião cultural da época, muitos pertencentes às camadas da elite da sociedade onde se encontravam tanto para diversão quanto para discussões de cunho político que, indiretamente, viriam a influenciar a vida política da cidade e do país. 9, dentre estes intelectuais e formadores de opinião pública estavam Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade 10, entre diversos outros pensadores da época, conforme cita o autor Luís Martins, que fizera parte das rodas dos principais intelectuais que frequentaram a Lapa quando o bairro vivia seu auge: “(...) Além disso, foi nesse tempo que conheci e me liguei, em estreita camaradagem, que perdura através dos anos, a Odylo Costa, Filho, R. Magalhães Júnior, Dante Costa, Deocleciano Martins de Oliveira; foi por esse tempo que conheci Santa Rosa, Márcio Reis, Martins Castello, Amadeu Amaral Junior, que estão mortos; mortos também estão Carstens e Marcelo Rizzi, mas estes são posteriores; foi nessa época que me aproximei de Joaquim Ribeiro e Teodomiro Tostes; foi então, ou pouco depois, que me tornei amigo de Carlos Lacerda, Jorge Amado, Francisco de Assis Barbosa, Murilo Miranda, Henrique Pongetti, Valdemar Cavalcanti, Rubem Braga, Newton Freitas, Moacir Werneck de Castro, Genolino Amado, Clóvis Remalhete, Lúcio Rangel, Dante milano – que todos (salvo erro ou omissão) foram comparsas, em maior ou menor escala, da grande ópera que se 11 apresentou na Lapa, na agitada década de 30.” Estes e outros personagens presenciaram a boemia vivida na Lapa do início do 9 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 82 10 PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC- RIO, 1998, p. 68 11 MARTINS, Luís in: PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 1998, p. 141 13
  • 14. século XX, que teve seu auge até a década de 30. Foi a classe de artistas que, além de integrar aquilo que fora considerada a elite intelectual da boemia carioca, também assistiu ao surgimento de personagens peculiares do bairro, como João Francisco dos Santos – ou Madame Satã. Madame Satã Pernambucano do agreste, filho de uma família grande (tinha 16 irmãos) e pobre. Muito Jovem foi para o Recife e, logo depois, para o Rio de Janeiro. Descobriu a Lapa, onde inicialmente sobreviveu fazendo pequenos serviços e com o decorrer do tempo, foi se integrando à malandragem 12. Devido a esta integração, tornou-se uma espécie de malandro e artista transformista que se tornara figura lendária da Lapa e suas intermediações, sendo considerado – até hoje – o maior dos malandros que já passou pela Lapa. Madame Satã teve sua biografia registrada no livro Memórias de Madame Satã, aonde João Francisco dos Santos narra ao autor Sylvan Paezzo (uma vez que Madame Satã era analfabeto) algumas de suas histórias mais emblemáticas vividas na Lapa. O livro aborda as históricas brigas do travesti com a polícia, a vida boemia agitada da Lapa dos anos 30, os principais malandros que já passaram pelo bairro, suas brigas de rua e até mesmo os homicídios cometidos por este personagem peculiar das ruas cariocas estão imortalizados neste livro de memória que é, atualmente, objeto raro de colecionador, uma vez que não se encontra mais disponível para impressão pela editora e é dificilmente encontrado em sebos da cidade. Outro registro de sua vida data de 1971, quando a equipe do jornal O Pasquim se deslocou até o presídio de segurança máxima de Ilha Grande, no estado do Rio de 12 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 102 14
  • 15. Janeiro para entrevistar Madame Satã, que se encontrava cumprindo pena. Na ocasião, Madame Satã revelou aos entrevistadores Chico, Sérgio Cabral e Jaguar que manteve estreitos laços de amizade, graças à convivência no bairro da Lapa, com alguns dos maiores letristas e sambistas do país. (...) Sérgio - Você disse que foi amigo do Francisco Alves. O que que você achava dele? Satã - O Chico Alves pra mim foi uma grande pessoa, não só como cantor, mas também como companheiro de farra e como amigo. Sérgio - E Noel Rosa, era bom sujeito? Satã - Noel Rosa já desceu de Vila Isabel como um bom sujeito, pelo menos como cantor e como companheiro. Jaguar - Você conheceu a Araci de Almeida? Satã - Araci de Almeida eu conheci menina, ainda, quando ela começou a gravar as músicas de Noel Rosa. Pra mim foi uma grande amiga e uma grande companheira. Era o meu tipo, o tipo assim que quando se queimava já viu, né. Jaguar - Quando Nelson Cavaquinho foi da polícia, ele nunca te prendeu, não? Satã - Nunca. Nelson Cavaquinho é muito meu amigo, sempre foi. Jaguar - Mas ele não era civil. 13 Satã - Mas era muito meu amigo. A história e vida de Madame Satã revela e reforça a singularidade que existe no que diz respeito ao bairro da Lapa, uma vez que a vivência no bairro concedera o título de maior dos malandros, a um homossexual assumido e possibilitara a um cidadão analfabeto, pobre e marginalizado a convivência intensa com uma elite boemia-intelectual e formadora de opinião da época. 13 MADAME SATÃ. Entrevista. In: As grandes entrevistas do Pasquim, Rio de Janeiro: Codecri, 1975 15
  • 17. No período em que a Lapa vivenciava seu auge, a Rua do Lavradio – logradouro que foi moradia para João Francisco dos Santos (Madame Satã), dentre diversos outros nomes importantes do bairro - funcionava como uma espécie de “ponte” para a boemia que freqüentava o bairro, uma vez que conectava os bares e prostíbulos da velha Lapa com os teatros e outras opções de lazer e cultura da praça Tiradentes. A rua desempenha até hoje um papel vital para a o bairro e sua retomada, uma vez que atualmente casas de shows dividem espaço com antiquários e brechós da Lavradio, evidenciando a característica e capacidade do bairro de misturar o novo com o antigo, além de abrigar, desde 1996, uma feira de antiguidades que ocorre mensalmente, atraindo milhares de visitantes dos mais diversos cantos da cidade. Outro fator importante para a questão da boemia na cidade foi a chegada da cerveja ao Brasil ou “chopes-berrantes”, apelidado assim pela população devido às cervejarias barulhentas que se concentravam na Lapa e na região do centro da cidade. A cerveja, tipo mais adaptado de bebida alcoólica ao clima tropical brasileiro, era um produto importado da Europa e só passou a ser comercializada para a população do Rio de Janeiro a partir do século XX, depois da emancipação do Brasil da coroa Portuguesa, que não permitia a entrada no país de outra bebida que não fosse o vinho Português. 14 A boemia carioca do início do século XX vivia seu auge, tendo a Lapa como uma espécie referência naquilo que diz respeito à diversão adulta e mundana, com seus cabarés, bares e espetáculos em um ritmo frenético, atraindo a população carioca para o bairro. 14 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 144 17
  • 18. Outro espaço da cidade que também colaborou de maneira orgânica para a cena para esta concentração de frequentadores na região, na mesma época, era a vizinha – e também boemia - praça Tiradentes. A praça Tiradentes A história da cena de cultura e lazer na cidade do Rio de Janeiro, assim como a história do bairro da Lapa, está diretamente ligada à importância da praça Tiradentes. No período compreendido entre o século XIV e início do século XX a Tiradentes era o local onde se concentravam os principais teatros e casas de espetáculo da cidade, atraindo milhares de visitantes para as ruas do centro da cidade em busca de cultura e diversão. Inicialmente, o hábito de ir aos teatros era quase que exclusivo às classes mais abastadas da cidade. Aos poucos, o costume fora absorvido também pela pequena burguesia moradora dos bairros servidos pelas linhas dos bondes elétricos e das demais camadas sociais da população, o que fez surgir e proliferar diversas companhias teatrais e casas de espetáculo na região da praça Tiradentes. O teatro foi, durante muito tempo, a principal opção de lazer da cidade e as atividades comerciais ao redor da praça mantinham a Tiradentes acessa quase 24 horas por dia. Com o decorrer do tempo a praça foi dividindo sua importância para a cena teatral da cidade com outros bairros, que começavam a abrigar casas e companhias teatrais para atender a demanda que se estendia Rio de Janeiro a fora. Mesmo assim, atualmente, a praça ainda se destaca na vida cultural da cidade, abrigando dois dos mais importantes teatros da cidade, o João Caetano e o Carlos Gomes que, anualmente, recebem algumas das mais importantes peças teatrais e apresentações do país. Acrescido a esta efervescência cultura-teatral da praça Tiradentes do século XIV e 18
  • 19. XX, que se estendia também por ruas importantes para a cena boemia da cidade como a Rua do Lavradio - aonde também existiam importantes bares e casas de espetáculo, (como o Teatro Apolo, por exemplo) -, estava a Lapa vivenciando o auge de seus anos dourados. Neste período, a Lapa dos malandros, dos poetas, dos vagabundos, dos cabarés, das prostitutas francesas, polacas e mulatas15, do lazer noturno e adulto fez com que a imagem do bairro da Lapa fica ligada a estes elementos antes citados, e o bairro ganha alguns atributos da vida noturna que lhe conferem fama de bairro marginal e vadio, para o restante da população. Desta espécie de condenação, pode manifestar-se por uma recusa a compartilhar este espaço e participar das relações nele contidas, através da rejeição do discurso sensual e/ou criminoso em nome da ordem e da moral burguesa estabelecidas, conforme cita o autor Luís Martin no livro Noturno da Lapa: (...) Eu acho engraçadíssimo o ar de malícia escandalizada com que algumas pessoas, falando baixinho, às vezes me perguntam, como se aludissem a uma coisa secreta e inconfessável: - Você, em moço, freqüentou muito a Lapa, não foi ? Dessa maneira, podemos considerar que o bairro da Lapa exerce uma função de “ilha” para a cidade do Rio de Janeiro, observa-se que neste espaço os prazeres da carne, os pequenos crimes, a prostituição e o culto à malandragem são tolerados e muitas vezes aceitos, se o palco for a Lapa. O bairro permeia o imaginário popular como uma espécie de espaço que possui leis próprias, aonde existe o caos, mas ao mesmo tempo é organizado Nos idos do início do século IXX até o final da década de 30 (ao contrário do que ocorre atualmente na Lapa), o principal pilar de diversão e renda para o bairro era a 15 LUSTOSA, Isabel A Lapa do desterro e do desvario. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p.109 19
  • 20. exploração da prostituição e com o início do de Governo de Getúlio Vargas - que governava e morava no Catete, bairro separado da Lapa apenas pela Glória -, vieram ações e medidas de seu programa de governo conhecidas como “medidas moralizadoras”. A através de um decreto proferido no final da década de 30, obrigando o fechamento imediato de todos os prostíbulos e cabarés da cidade, colocando um ponto final na principal fonte de atração de frequentadores do bairro. O decreto soou como um duro golpe para a economia o bairro. A Lapa, que perdera a característica de bairro de moradia da elite carioca para dar espaço à cena noturna das “diversões adultas” tinha a prostituição como um dos principais pilares de sustentação econômica do bairro. Os cabarés requintados que se estendiam ao longo das ruas que cruzavam o bairro eram o grande atrativo do bairro da Lapa. O sexo pago atraia visitantes que transitavam pelas ruas e lá gastavam seus salários não apenas nos cabarés, mas também nos restaurantes, cafés, bares e casas de espetáculo que existiam na região. No entanto, acabar com a prostituição em uma capital não era algo possível de fazer em um curto prazo de tempo, muito menos de uma maneira sutil e polida. O momento do decreto que, dera início a decadência do bairro, é traduzido pelo autor Moacyr Andrade, no livro Lapa do Desterro e do Desvario, de Isabel Lustosa como um movimento violento por parte do estado, que promovera uma verdadeira “caça às bruxas” dentre os estabelecimentos de prostituição e ruas da Lapa, utilizando-se da força policial. (...) O regime getulista fechou-lhe os prostíbulos, numa cruzada moralista executada sob o comando de um coronel de artilharia, o chefe da polícia Alcides Gonçalves Etchegoyen. Promoveu uma caçada aos malandros e às prostitutas. Vasculhavam pensões, cabarés, casas de jogos. Queria dar a impressão de que 16 tinha a obsessão da ética do trabalho. 16 ANDRADE, Moacyr in: A Lapa do Desterro e do Desvario, p.89 20
  • 21. Além da prática da prostituição, a Lapa também era abrigo do jogo, que fora o alvo posterior do governo de Getúlio Vargas, logo após o decreto de fechamento dos prostíbulos e cabarés. Sem o jogo e o sexo pago, começava o processo de decadência do bairro “ilha”, aonde quase tudo podia. A boemia intelectual que frequentava o bairro trocava a penumbra dos abajours dos quartos onde as “moças de vida fácil” - como são popularmente conhecidas as prostitutas – trabalhavam, pelas luzes coloridas e ofuscantes das boates de Copacabana. O “chope- berrante” dava espaço para o whisky e o samba e o choro para a cultuada Bossa Nova. Em outra passagem do livro, o autor recorda alguns dos fatos que evidenciavam o processo de decadência do bairro, citando ainda o após as proibições “moralizadoras” que o bairro sofrera e o afastamento da bemia para os bairros da zona sul: “(...) O jogo logo teria a ilegalidade decretada. A Lapa caía. Intelectuais, artistas e políticos e boêmios atravessaram os túneis rumo a Copacabana, as boates tomavam o lugar dos cabarés. A última instituição a resistir na Lapa como era ela foi a feira-livre dos sábados no Largo, ao lado da estaçãozinha dos bondes - “o bonde da Lapa é cem reis de chapa”, dizia a marchinha “Seu condutor”, grande sucesso do carnaval de 1938 da maior dupla caipira do rádio, Alvarenga e Ranchinho -, do ponto de venda do Hidrolitol, um sal para curar ressaca dos boêmios, que se tomava ali mesmo no balcão junto ao Café Imperial (o vendedor punha num copo com água o pozinho que provocava efervescência) ou era levados para casa em saquinhos e caixinhas, Descrita em 1954, em crônica de Homero Homem que é um legítimo curta-metragem, essa feira reunia, depois do meio-dia, quando os guardas sopravam o apito de encerramento, o lado mais sombrio do bairro, a multidão de párias que disputava a sobra dos produtos não vendidos, os legumes e frutas semi perecidos refugados pelos compradores. Um bota-abaixo retardatário fez desaparecer o Largo, hoje prolongamento de imenso descampado. Essa derrubada levou o Capela a mudar de pouco e nome, instalado na Avenida Mem de Sá. Guarda-se ali o último elo com a Lapa da belle époque carioca: o conjunto de aquarelas art noveau – o jogador de futebol, o jóquei, os pugilistas, a nadadora, a tenista a atiradora e a mulher com piteira e copo – transferindo da casa antiga e disposto nas paredes laterais, por sobre as mesas, de um lado e do outro da entrada. 21
  • 22. Além disso – ao fundo do bairro, soberano – só o cartão-postal, o colonial Aqueduto dos Arcos, um desafio aos milênios.” Até o final da década de 60 e o início de 70 o bairro vivia em estado de decadência e total abandono. Os inúmeros cortiços da Lapa, que existem e resistem até hoje nas ruas do bairro, eram moradias que apresentavam condições precárias de vida. Enquanto bairros como Ipanema e Leblon viviam seu auge, a velha Lapa sucumbia perante à cidade como ponto de drogas, crimes e prostituição. Dos intelectuais, sobrara apenas Aguinaldo Silva como um dos últimos escritores a abandonar o bairro, em 1969. 17 O Corredor Cultural Agnaldo vivenciou um momento-chave do bairro, da cidade, do país naquele instante, pelas lentes e códigos daquele espaço, deixando a Lapa um pouco antes da grande reforma urbana sofrida com o projeto Corredor Cultural, que trouxe uma completa remodelagem ao bairro, tendo como conseqüência uma mudança drástica no aspecto geográfico e visual da Lapa até os dias de hoje. Silva também não assistiu à derrubada dos cortiços e do chamado Ferro de Engomar – um quarteirão em bico, exatamente no formato do utensílio doméstico. 18 O projeto Corredor Cultural pode ser considerado um dos principais fatores para a retomada do bairro, uma vez que com a reforma urbanística, a Lapa não apenas perdeu parte de sua característica decadente e asquerosa, aos olhos da sociedade, como ganhou espaço para a livre circulação de um número muito maior de pessoas. O bairro não perdera a fama de marginal após a reforma, nem atraíra uma quantidade expressiva de visitantes em um curto prazo de tempo, todavia, ruas, praças e 17 LUSTOSA, Isabel Lapa do Desterro e do Desvario – Uma antologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p.221 18 KUSHNIR, Beatriz A Lapa e os filhos da revolução boêmia. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, p.6 22
  • 23. calçadas surgiram ou foram alargadas melhorando a circulação dos transeuntes do bairro. O projeto Corredor Cultural marcou a Lapa como mais uma intervenção do governo que modificou a paisagem do bairro possibilitando ao bairro, anos mais tarde, absorver o número expressivo de visitantes que recebe todos os finais de semana, após seu processo de retomada cultural. A RETOMADA 23
  • 24. A retomada da vida cultural e noturna do bairro é um fenômeno também contemplado por outras grandes cidades ao redor do mundo. Em Buenos Aires, por exemplo, houve uma espécie de reciclagem de antigos espaços portuários deteriorados, que após a revitalização passaram a receber turistas e visitantes. Ao redor do mundo, os espaços históricos e/ou boêmios de grandes capitais como Londres, Paris e Nova York também sofreram um processo de revitalização, contribuindo para a transformação de locais abandonados ou em decadência em pontos de turismo, cultura e lazer, como ocorre atualmente com o bairro da Lapa, que atrai um número de turistas brasileiros e estrangeiros cada vez maior para suas ruas e casas de espetáculo. No caso da Lapa, este processo de retomada se deu de maneira gradual, onde se destacam investimentos por parte da iniciativa privada, uma mudança de comportamento de vida noturna por parte da população carioca e fluminense - que passou a considerar o a Lapa como opção de lazer, buscando por atrações de cultura, entretenimento e lazer que ofereçam identidade brasileira -, além de algumas contribuições por parte dos governos do municipais e estaduais, que interviram na Lapa através de investimentos, reformas tanto urbanísticas quanto de centros de cultura na área. Um dos fatores considerados mais relevantes, na opinião dos frequentadores entrevistados para este estudo, é que a Lapa tem como diferencial dos demais centros de entretenimento e lazer da cidade, o fato de oferecer uma extensa e variada gama de opções de lazer próximas umas das outras a preços acessíveis e um perfil diferenciado 24
  • 25. de visitantes. Os entrevistados a consideram um espaço democrático, que busca preservar as características históricas da cidade, sendo um dos poucos que, atualmente (e mesmo com a violência vivida na cidade todos os dias), pode propiciar o encontro das mais diversas camadas sócio-econômicas da sociedade fluminense e carioca em um espaço em comum e com o mesmo objetivo: a diversão. Outro fator determinante é o fato do bairro oferecer opções de lazer (choro, samba, MPB, etc.) que trazem ao visitante do bairro a sensação de estar em maior contato e experiência com gêneros musicais que fazem parte das raízes culturais e folclóricas de seu país. O frequentador da Lapa, em sua maioria, busca por opções de lazer que ofereçam e carreguem características da identidade brasileira, conforme cita Plínio Fróes – dono das casas Rio Scenarium e Mangue Seco em entrevista ao professor Micael Herschmann, para o livro “Lapa, a cidade da música”, no ano de 2005: (...) Eu vou te dar um dado curioso: o 11 de setembro foi marcante – aquele atentado – e, naquela época, foi muito comentado pela imprensa os reais objetivos daquele atentado...Foi um não à colonização do americano, não à globalização... No Rio Scenarium, coincidentemente ou não, a partir daquele momento, mesmo num ambiente de perplexidade, tivemos certamente o menor número de pessoas na casa - todo mundo em casa vendo televisão principalmente naquela semana -, mas depois disso a curva das pessoas em busca da identidade brasileira começou a ascender e não parou mais... a gente verificou, agora, numa pesquisa que é isso que nosso público quer. Esse público passou a freqüentar a nossa casa, eu não sei se as outras casas da Lapa têm a mesma estatística, mas eu acredito que sim porque não foi só o Rio Scenarium que cresceu a partir desse momento. Desta maneira, a crescente demanda da busca por identidade brasileira, por parte dos freqüentadores do bairro, fez com que diversos casarões ao longo das ruas da Lapa fossem comprados, reformados e transformados em casas de shows e espetáculos, 25
  • 26. oferecendo aquilo que pode ser considerado “música de raiz”, para o ouvido dos boêmios da cidade. A reforma e inauguração de estabelecimentos voltados para este tipo de público estimulou o desenvolvimento econômico do bairro que hoje apresenta uma retomada não apenas cultural como econômica, evidenciada pela quantidade de casas de diversão e cultura, restaurantes, bares além de condomínios de classe média que vêm sendo inaugurados no bairro, uma das consequências do processo de retomada do bairro. Aos poucos, o carioca foi descobrindo uma Lapa para chamar de sua. O bairro hoje não se restringe ao samba, choro e cabarés dos tempos de Noel Rosa, Di Cavalcanti e Madame Satã. Caminhar pelas ruas do bairro em uma sexta-feira ou sábado à noite é perceber que o bairro soube aproveitar e explorar a cultura de nicho, oferecendo diversas opções de lazer dos mais variados tipos. Atualmente, existe uma Lapa para cada tipo de gosto, para cada tipo de ouvido e de gênero. Do Jongo à música eletrônica existe espaço para o Reggae, Rock and Roll, Forró, Rap, Funk, etc. Segundo Adair Rocha, chefe da Representação Regional do Rio de Janeiro e do Espírito Santo no Ministério da Cultura e professor de Comunicação Social da PUC-RIO, a Lapa representa hoje uma síntese da cidade do Rio de Janeiro, por ser um dos poucos espaços da cidade (além das praias), onde a população converge e se encontra, independente de raça, credo ou condição social. Onde existe o conflito e a tensão existentes no Rio de Janeiro condensados em uma espécie de organismo sob o guarda chuva da boemia, vida noturna e diversão. Mesmo sendo a Lapa um bairro considerado democrático, ela apresenta segmentações estabelecidas pelos próprios frequentadores. Por exemplo, observa-se uma concentração de adeptos ao gênero Rock and Roll no gramado da praça dos arcos, enquanto logo em frente, na calçada da casa FEBARJ, na Rua do Riachuelo – casa 26
  • 27. noturna destinada à músicas afro-descendentes, concentram-se frequentadores vestidos ao caráter do gênero musical Hip-Hop. Desta maneira, diferentes grupos ou “tribos”19 se encontram e se separam de uma maneira quase sempre pacífica, em um mesmo ambiente. Também observa-se uma segmentação por faixa econômica. Considerando-se que transitar pelas ruas do bairro pode ser considerado uma opção de entretenimento e lazer, a Lapa atrai um público das mais variadas faixas econômicas que também convergem e se segmentam neste espaço comum que é a Lapa. Algumas casas de shows do bairro como o Rio Scenarium, localizado na Rua do Lavradio e o Carioca da Gema e o Sacrilégio e Estrela da Lapa todos localizados na Avenida Mem de Sá, oferecem um serviço de qualificação consideravelmente mais elevada em comparação com as demais casa do bairro, tendo seu foco na atração e retenção de clientes de classe média/alta, enquanto outras casas como por exemplo a FEBARJ e o Manifesta, ambos localizados na Rua do Riachuelo, que oferecem opções de lazer mais acessíveis e atraem todo tipo de público, dos constituintes das classes mais baixas às mais abastadas, abrigando também muitos turistas, que visitam o bairro em busca de uma cena alternativa de diversão na cidade maravilhosa. São todos personagens que dão à Lapa esta a característica plural nela reconhecida atualmente e que a caracteriza como um espaço democrático, que devido à busca por diversão, lazer e cultura, possibilita um espaço amplo e único. É neste palco de multifacetado onde ocorrem todas as noites encontros de classes, tribos, etnias, raças e crenças, sob a aura boemia, malandra e democrática que o bairro carrega e preserva até hoje. Outro fenômeno observado no processo de retomada da Lapa foi aquilo que pode 19 Considera-se por “tribo” microgrupos de indivíduos urbanos que têm como objetivo principal estabelecer rede de amigos com base em interesses comuns. 27
  • 28. ser considerado e denominado como uma espécie de “redescoberta” de espaços de entretenimento e lazer e por parte da população fluminense e carioca como ,por exemplo, o Clube dos Democráticos, localizado na Rua do Riachuelo. Fundado em 19 de janeiro de 1867, o Clube dos Democráticos é a mais antiga sociedade carnavalesca do Brasil e uma das poucas ainda em atividade. Sua sede na Lapa – o Castelo dos Democráticos, tombado pelo IPHAN em 1987, voltou aos tempos de glória, já que atualmente o espaço tem sido palco para músicos da nova geração do samba e do choro que promovem animadas noitadas frequentadas por um público composto, em sua maioria, por jovens universitários de classe média. 20 Como consequência, de todo o fenômeno de retomada cultural do bairro, observou- se um aumento no nível da qualidade de serviço das casas de espetáculo do bairro. Este fenômeno contribuiu para a atração e retenção de um público de classe média alta, exigente e acostumado com serviços de melhor qualidade. Estes, por sua vez, foram os porta-vozes do fenômeno de retomada para seu ciclo social, mídia e formadores de opinião, fazendo com que as classes mais abastadas também considerassem o bairro antes conhecido apenas pelos prostíbulos, tráfico de drogas e travestis como uma boa opção entretenimento e lazer. A frequência dos moradores mais abastados contribuiu não apenas para a melhoria a qualidade das casas e serviços oferecidos, mas também modificou o perfil do quem vai à Lapa, atraindo um número de visitantes mais qualificados como empregados de museus, centros culturais, estudantes universitários, professores universitários, etc., resgatando ao bairro os ares de seus “anos dourados”, vividos até o final da década de 30, quando diversos intelectuais frequentavam o bairro. Dessa maneira, a Lapa vive o que pode ser considerado um momento ímpar na 20 Informação retirada do site Samba & Choro no dia 14/11 no link: http://www.samba-choro.com.br/casas/rio/355 28
  • 29. história do bairro, uma vez que a prostituição - considerada em um passado não muito distante o principal atrativo do bairro - perdeu e vem perdendo seu espaço para esta nova Lapa revitalizada. De uma maneira gradual, as ruas do bairro que eram conhecidas como ponto de prostituição, vêm inaugurando centros culturais e casas noturnas de música brasileira e de raiz que consequentemente gera um processo de afastamento dos pontos de prostituição para locais cada vez mais periféricos do bairro. O “novo frequentador” da Lapa, em sua maioria, não busca mais a prostituição de rua, mas sim de opções de lazer que não são facilmente encontradas nos demais bairros da cidade, nem na quantidade que a Lapa oferece. Outro fenômeno interessante de ser observado no bairro, após a sua retomada, é a diferença entre sua rotina diurna e noturna. Ao cair da noite, funcionários dos centros empresariais do centro da cidade e visitantes dos mais variados bairros se encontram na Lapa. Os bares e casas noturnas do bairro ficam cheios e as principais vias públicas que cortam o bairro - a Avenida Mem de Sá e a Rua do Riachuelo – ficam engarrafadas. Aos finais de semana, é preciso reforço policial e em casos de necessidade, parte do trânsito da Rua do Riachuelo é desviada para a Rua do Lavradio. O bairro não deixa a cidade dormir com suas casas noturnas e bares funcionando a todo o vapor, enquanto os outros bairros vizinhos à Lapa repousam em sono. À luz do dia, a rotina do bairro muda, o sol escaldante do Rio de Janeiro, as casas noturnas que ficam fechadas durante o dia e a população de rua afastam os turistas e visitantes, transformando a Lapa em um bairro de passagem durante o período diurno. Mesmo os restaurantes e bares que costumam ficar lotados aos finais de semana, quando abrem, recebem um número tímido de clientes no período diurno não lembrando em nada a Lapa da noite, que desde o início do século XXI voltou à sua efervescência cultural. 29
  • 30. O Circo Voador Para que o fenômeno de retomada ocorresse, alguns fatores determinantes foram necessários e aquele que pode ser considerado como um dos mais emblemáticos foi a ida do Circo Voador para a Lapa. O Circo Voador começou em janeiro de 1982 na praia do Arpoador, cultuada pela nata da cultura e juventude carioca de então. Foi neste cenário que o Circo levantou sua lona azul e branca pela primeira vez. Fruto do anseio de uma enorme onda de artistas carentes de espaço para atingir o grande público, o Circo foi a grande alavanca para muitos grupos, hoje consagrados. O primeiro passo foi dado pelos grupos de teatro criados a partir dos cursos ministrados pelos integrantes do Asdrúbal Trouxe o Trombone, Perfeito Fortuna, Patrícia Travassos, Evandro Mesquita, Regina Casé e Luis Fernando Guimarães. A princípio, a montagem duraria apenas um mês (durante o qual diversas atividades artísticas se desenvolveram), mas durou três meses e ainda assim foi necessária força policial para desmontar e retirar a estrutura. Este grupo de artistas, liderado por Perfeito Fortuna, saiu em campo buscando um novo espaço para o projeto, até que a Prefeitura destinasse um terreno baldio defronte aos Arcos da Lapa para que o Circo pudesse se estabelecer. A localização interessou aos organizadores e o Circo 30
  • 31. ganhou seu novo lugar, servindo de espaço para a criação e apresentação de tudo o que estava para explodir em termos de arte e cultura populares, 21 mesmo com a Lapa ainda decadente, marginal e esquecida pela cena noturna do entretenimento e lazer da cidade, conforme cita Diogo Tratado, responsável pela comunicação do Circo Voador, em entrevista: “(...) Bom, o circo chegou na Lapa em 82, naquela época a Lapa já era bem decadente mesmo. O terreno que estamos aqui era bem abandonado, frequentado por travestis e prostitutas, apesar de que até hoje é frequentado por essa galera, isso era basicamente o que tínhamos aqui.” Concebido e administrado por Perfeito Fortuna, Maurício Sette e Marcio Calvão, o Circo foi o pioneiro em iniciativas, contribuindo de maneira orgânica para o processo de retomada cultural do bairro: “(...) Desde aquela a época vem crescendo no imaginário carioca, começou a ter a classe média passando a frequentar aqui, era um filão que não era explorado. Tava mais pro lado da decadência, das drogas e da prostituição e que conseguiu, através da cultura, dar esta volta por cima.” Em 1996, o então prefeito da cidade Luiz Paulo Conde fazia uma carreata pelo bairro para sua reeleição ao cargo. Quando Conde e seus cabos-eleitorais decidiram fazer uma visita ao Circo, ocorria um show da banda “Ratos de Porão”, comandada pelo apresentador da MTV João Gordo, que iniciou uma vaia ao prefeito. Poucos dias após o ocorrido, o Circo Voador fechava suas portas, devido a um mandato que alegava que a casa estava às voltas com dívidas judiciais e por sua estrutura física ser incapaz de manter os moradores vizinhos a salvo do barulho insuportável. Após 8 anos fechados, a casa reabriu para o público carioca no mesmo endereço no ano de 2004 com uma estrutura moderna, ampla, segura, com tratamento acústico e 21 Informação retirada do site da Fundição Progresso no dia 15/11/2009 no link: http://www.fundicaoprogresso.com.br/index.php?page=Internas.MemoriaCirco 31
  • 32. sem pendências judiciais, trazendo artistas de renome nacional e internacional para apresentações exclusivas no bairro, atraindo mais público para o bairro, reforçando e evidenciando o momento de retomada cultural que o bairro da Lapa já se encontrava. 32
  • 33. 22 O Circo Voador “aterrizou” em uma Lapa decadente, na década de 80. A Fundição Progresso No final da década de 80, ao lado do Circo Voador, uma antiga e desativada fundição de fogões e cofres estava sendo demolida. O ato de destruir um prédio antigo e grande inteiro mobilizou um o grupo de artistas e circenses do Circo Voador, que se puseram entre as marretas e o prédio enquanto outros foram buscar ajuda, com o objetivo de embargar politicamente a demolição 23. Os integrantes do Circo se organizaram para intervir no processo de demolição da Fundição Progresso e conseguiram, com a intervenção do poder público, a suspensão das obras de destruição daquele espaço. Como principal contribuinte para a preservação deste espaço e devido à sua influência na cena cultural da cidade, os integrantes do Circo Voador receberam da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Governo do Estado a concessão para utilizar o espaço da Fundição. A partir daí, a Fundição passou a ser uma extensão do Circo Voador e ambos os espaços culturais funcionavam ao mesmo tempo, complementando-se mutuamente. Após mais de 20 anos de existência, a Fundição Progresso vem sendo utilizada com o intuito de se tornar um espaço em um centro de cultura, meio-ambiente e educação para toda a população. Várias obras, melhoramentos arquitetônicos e medidas de segurança fundamentais foram necessários para que a Fundição Progresso pudesse abrigar um número cada vez maior de pessoas. Atualmente, o palco da Fundição recebe alguns dos artistas mais renomados e 22 Imagem retirada do site: http://www.circovoador.com.br/circo/diario.htm. Acessado no dia 14/11/2009 23 Informação retirada do site da Fundição Progresso, no dia 20/10/2009 no link: http://www.fundicaoprogresso.com.br/index.php?page=Internas.MemoriaFundicao 33
  • 34. reconhecidos no cenário cultural, tanto nacional quanto internacionalmente, atraindo milhares de visitantes aos grandes eventos promovidos no decorrer de sua história. Desta maneira, a contribuição da Fundição Progresso para o fenômeno de retomada da Lapa se dá na medida em que ela se torna e se consolida como uma casa das mais importantes e estruturadas casas espetáculo do Rio de Janeiro, entrando para o calendário cultural da cidade e se tornando uma opção de lazer que atrai os mais diversos estilos e gêneros e frequentadores para o mosaico cultural que é a Lapa. A Rua e a Feira do Lavradio Outro movimento que contribuiu para a retomada cultural do bairro é a Feira do Lavradio, organizada mensalmente na Rua do Lavradio. Esta rua pode ser considerada uma das mais importantes da história da cidade e do bairro da Lapa. Servindo como ponte entre a Lapa e a Praça Tiradentes – dois dos principais pontos turísticos e arquitetônicos da cidade – e facilitando a proximidade com a Cinelândia, o Largo da Carioca, a praça XV, o Campo de Santana, dentre outras atrações igualmente importantes do Centro Histórico, esta rua ganha um caráter plural e muito especial. Mesmo tendo sofrido diversas transformações ao longo de sua história, como o “Bota Abaixo” - proposta de transformação do centro histórico da cidade conduzido pelo prefeito Pereira Passos que conferiu um novo visual ao bairro do centro, no início do século XX -.Primeira rua residencial da cidade mantém a arquitetura do lado direito da rua praticamente intacto. Casarões, moradias populares, quitandas, restaurantes, bares, brechós e até grandes antiquários e casas noturnas evidenciam a pluralidade existente 34
  • 35. nela. 24 Na década de 90 um grupo de comerciantes locais que tinham em comum o gosto pelo comércio, restauração de antiguidades além da insatisfação com o estado de abandono da região começaram a debater possibilidades de solução para atrair mais visitantes para a rua e lucro para seus negócios. Desses encontros, surgiu em outubro de 1996, a ideia de promover a Feira Rio Antigo de móveis, antiguidades arte e cultura – hoje conhecida como Feira do Lavradio. 25 Organizada pela ACCRA – Associação dos Comerciantes do Centro do Rio Antigo, a feira foi aos poucos ganhando um número cada vez maior de freqüentadores, formadores de opinião e entrou no calendário cultural da cidade, conforme cita Plínio Fróes – dono das casas noturnas Rio Scenarium e Mangue Seco -, na apresentação do livro Rua do Lavradio: (...)Primeiro, atraímos os comerciantes da Zona Sul, depois, formadores de opinião como o cartunista Ziraldo, o arquiteto Chicô Gouveia e a jornalista Danuza Leão, considerada a madrinha da rua. Cada nota na “Coluna da Danuza” era sinal de sucesso – e de muitos bons negócios. Fomos inovando e garantindo público. Nós mesmo produzíamos os vários shows, sempre preocupados em oferecer projetos musicais de qualidade para um público exigente, já identificado com o evento. Quando nos demos conta, a feira era uma realidade e se transformava em opção cultural da cidade. Atualmente, a feira organizada todo o primeiro sábado do mês é um sucesso de público. Dezenas de barraquinhas expõem móveis e artigos de decoração, discos antigos e raros de vinil e roupas antigos ao longo da rua, também havendo espaço para apresentações artísticas de dança, teatro, circo etc. A agitação e o grande número de visitantes da feira mensal contrastam com a tranquilidade diurna da rua. A rua é tomada por visitantes, turistas nacionais e 24 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 41 25 FRÓES, Plínio Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 13 35
  • 36. estrangeiros, colecionadores e vendedores. O evento garante lucro aos donos de bares e restaurantes que ficam lotados ao longo do espaço físico da rua, além de revelar - aos freqüentadores noturnos o bairro -, seus brechós e antiquários, que encerram suas atividades ao início da vida noturna da Lapa. Tendo em vista a contribuição não apenas cultural, mas também comercial e econômica da Feira do Lavradio - no sentido de atração de um grande número de visitantes e formadores de opinião que voltaram a lançar a atenção da população carioca e fluminense para o bairro, a feira pode ser considerada como uma das principais protagonistas para o fenômeno de retomada e redescoberta do bairro da Lapa. Outros Atores Além do Circo Voador, Fundição Progresso e a Feira do Lavradio, a retomada da Lapa também se deve a investimentos como a casa Estrela da Lapa, o Rio Scenarium e o Café Musical Carioca da Gema, que usufruíram e exploraram a demanda por opções de lazer que agregassem identidade nacional e boêmia, abrindo suas portas para artistas que agregassem esses valores, oferecendo serviço qualificado, voltado para os públicos das classes sociais A e B, agregando valor, sofisticação e contribuindo positivamente para a imagem do bairro boêmio junto à população carioca. Enquanto investimentos privados somavam atributos ao bairro da Lapa, no campo artístico-musical destaca-se a cantora Teresa Cristina e o Grupo musical Semente, que começou em 1998, quando Teresa e o grupo começaram a se apresentar no Bar Semente, que acabou dando nome à banda que a acompanhava. Este conjunto, originado na Lapa, ganhou notoriedade nacional e internacional quando, em 2003, conquistou prêmios importantes como o BR Rival e o prêmio Tim de música, além da indicação ao 36
  • 37. Grammy Latino de melhor disco de samba. Este exemplo evidencia o poder cultural que o bairro da Lapa tem de revelar e alçar talentos para o Brasil e para o mundo, não se restringindo ao seu circuito cultural, mantendo suas características de boemia e identidade nacional preservadas e cultuadas. 37
  • 38. Vista de cima da Feira do Lavradio 38
  • 39. Condomínio Cores da Lapa O condomínio Cores da Lapa é considerado um marco no mercado imobiliário carioca. Com seis edifícios e um total de 688 apartamentos, o empreendimento na Rua do Riachuelo foi vendido em poucas horas durante o coquetel de lançamento realizado no dia 10 de novembro de 2005. O resultado alcançado nesta data alterou os planos de grandes construtoras, até então voltados para projetos na Zona Sul e na Barra da Tijuca. 26 O condomínio encravado no bairro boêmio e antigo do Rio de Janeiro oferece infra- estrutura de condomínios modernos e, - ao passo que injetou centenas de novos moradores de classe média no bairro -, contribuiu para a tomada de decisão por parte da Prefeitura do Rio de Janeiro no sentido de revitalizar e reformar a calçada da Rua do Riachuelo, uma das principais ruas do bairro. O sucesso do empreendimento jogou um feche de luz para o bairro, gerando a propagação de mídia espontânea nos mais diversos meios e veículos de comunicação, trazendo o fenômeno da retomada da Lapa como algo cada vez mais evidente, claro e consolidado. O êxito de vendas e a grande procura pelo empreendimento pode ser considerado, portanto, como uma das consequências mais emblemáticas da virada do bairro. A Lapa dos cortiços, tráfico de drogas, prostituição e da áura pobre e marginal agora é também o bairro de uma classe média que demanda por proximidade ao seu local de trabalho e opções de cultura, lazer e entretenimento. 26 BRISOLLA, Fabio Revista do OGLOBO in: Lapa doce Lapa. Rio de Janeiro, n 274, outubro. 2009 39
  • 41. Partindo da observação de uma cidade plural, multifacetada que é a segunda grande metrópole do país e que ainda preserva características provincianas, como é o caso do Rio de Janeiro, nota-se aquilo que pode ser denominado de retomada, revitalização ou redescoberta do bairro da Lapa por parte da população carioca e fluminense. Analisando a história do bairro percebe-se a Lapa enquanto um espaço eleito para exercer a função de uma ilha dentro da cidade: em todo o decorrer da história do bairro, a Lapa era percebida como um lugar onde aflorava o que era rotulado como perversão. Lá, esse crime e/ou pecado era permitido, vigiado, consentido e punido. 27 A Lapa dos intelectuais da década de 30, passando pela Lapa da decadência após as “normas moralizadoras” que fecharam os cabarés e a Lapa dos Cortiços, de Agnaldo Silva, chegando até o bairro que hoje recebe milhares de visitantes todas as noites sempre manteve uma espécie de áura mística e misteriosa no imaginário popular da cidade. A Lapa é percebida como um espaço democrático, jovem, adulto, de liberdade artística e de criação, além de exercer uma importância única para a cidade, devido ao fato de sua contribuição orgânica para a cena urbana e cultural da cidade. Foi na Lapa que o samba deu origem ao chorinho, o bairro também fez ressurgir a lendária e urbana figura do malandro e a boemia carioca. A Lapa dos “anos dourados” abrigou personagens tão lendários que ganhavam vida própria, tendo suas histórias propagadas pelas ruas da cidade, como Madame Satã, por exemplo. Além disso, a Lapa também vê diversos de seus artistas que começaram em pequenas ou grandes casas noturnas do bairro despontarem para o sucesso nacional e mundial como o grupo Paralamas do Sucesso, a 27 KUSHNIR, Beatriz A Lapa e os filhos da revolução boêmica p.3 41
  • 42. cantora Teresa Cristina e o grupo Semente, Casuarina, o cantor Marcelo D2, Monobloco, dentre diversos outros exemplos. A retomada cultural do bairro, observada a partir do início do século XXI, aponta para um “olhar pra dentro” da história do Rio de Janeiro e do Brasil, por parte do cidadão carioca e fluminense. Observa-se um bairro e seus personagens considerados marginais sendo objeto de estudo e contemplação para a atual geração que vai de encontro ao fenômeno da globalização e a pasteurização dos gêneros musicais e culturais, frequentando o bairro em busca de opções de cultura, entretenimento e lazer que ofereçam identidade nacional como principal atrativo e diferencial em relação às demais opções de lazer existentes na cidade. Esta redescoberta pode ser também atribuída aos famosos boêmios-intelectuais, que frequentavam o bairro até o final década de 30 e todos os escritores que vivenciaram a Lapa em seu auge e que mais tarde registraram suas memórias em textos e livros sobre o bairro. Estas histórias de noites e boemia, de frequencia intelectual e ilustre, que foram registradas em texto e que são contadas e propagadas até hoje pelas ruas e esquinas da cidade, foram formando a imagem da Monmartre dos trópicos 28, o que contribuiu para que hoje para que a experiência de vida noturna no bairro remeta a uma volta ao Rio Antigo. Isto se faz evidente uma vez que as casas noturnas, mesmo as mais modernas, procuram passar a sensação de “Rio Antigo”, para atender a este desejo e demanda “culto ao passado”, observada nas mais diversas gerações, das mais diversas décadas. Observa-se também, em relação à retomada cultural do bairro, um fenômeno que vai de encontro à movimentação da cidade como um todo, no que diz respeito ao comportamento da população diante do caos gerado pela violência no Rio de Janeiro. A violência e a desordem estabelecidas na cidade mudaram as características tanto físicas 28 PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC- RIO, 1998, p. 45 42
  • 43. e urbanísticas quanto comportamentais, uma vez que a violência “obriga” cidadãos e cidadãs da cidade a se comportar de maneira cada vez mais defensiva e desconfiada. Atrelado a este fato, nota-se um movimento por parte da população, sobretudo da classe média, que se protege e esconde atrás de muros de condomínios, segurança privada, vidros blindados, etc. Salvo algumas exceções, a questão comportamental observada na Lapa após a retomada, vai de encontro com este movimento de afastamento e segmentação devido à questão da violência. A Lapa atual oferece um mosaico não apenas cultural,mas também de raças, cores sendo frequentada por constituintes das mais diversas camadas econômicas e sociais. O espaço é considerado como democrático pelos frequentadores por concentrar e oferecer uma gama variada opção de lazer, para pessoas do mais diversos tipos de poderio aquisitivo. É também neste espaço, localizado no coração da cidade onde os moradores dos mais diversos bairros convergem, se encontram e convive; atraídos pelas opções de lazer e cultura, transformando o bairro - antes compreendido como uma espécie de “ilha”, aonde os pecados eram permitidos e concedidos -, em um espaço democrático, de encontro de classes, propiciando uma espécie de síntese desta cidade de misturas e diversas realidades que se encontram e se chocam todos os dias, como é o caso do Rio de Janeiro. Outra consequencia interessante de ser observada após o fenômeno de retomada da Lapa é a mudança do perfil do atual visitante do bairro e de suas opções de lazer. Enquanto que naqueles que foram considerados os “anos dourados” da Lapa (décadas de 20 e 30) seus frequentadores iam ao bairro em busca de jogo, álcool e principalmente sexo pago, a Lapa de hoje apresenta um perfil bastante diferente. Observa-se um público que vai ao bairro busca cultura, lazer e entretenimento. Peças Teatrais, oficinas, artes 43
  • 44. circenses e plásticas, shows internacionais, concertos clássicos, jogos de bilhar, antiquários, restaurantes, bares, gafieira, bailes de dança e diversas outras opções de entretenimento e lazer ocupam o espaço antes exercido pelo jogo e a prostituição. Concluímos, portanto, que o bairro da Lapa, devido a sua vocação para a boemia e contribuição para a cena cultural da cidade vive hoje aquilo que pode ser considerado como uma retomada de sua cena cultural, uma revitalização tanto física quanto urbanística, devido a diversos investimentos por parte da iniciativa privada, que vem remodelando com a modernização e transformação de antigos casarões, tombados ou não pelo patrimônio histórico em espaços modernos de cultura, entretenimento e lazer, além daquilo que pode ser considerado como uma redescoberta por parte da população carioca e fluminense, que considera o bairro cada vez mais como uma opção válida de lazer e lota as ruas e vielas da Lapa em busca de atrações culturais alternativas às oferecidas nos demais bairros do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Atrelado a estes conjunto de fatores, está a crescente valorização do bairro, que joga um olhar da população não apenas para a questão da demanda por opções alternativas de lazer e cultura e identidade nacional. A nova Lapa revela o culto ao passado, a experimentação do presente e a curiosidade sobre o futuro. 44
  • 45. BIBLIOGRAFIA Livros: ANDRADE, Moacyr. Lapa – Coleção Cantos do Rio. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura e Relume Dumará, 1998. KUSHNIR Beatriz. A Lapa e os filhos da revolução boêmia. Estudos históricos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002. LUSTOSA, Isabel (org). Lapa do Desterro e do Desvario. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001. MOTTA, Nelson. O Som e a Fúria de Tim Maia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. PINHEIRO, Eliane e PINHEIRO, Augusto (Org). Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Isis, 2007. ROCHA, Adair. Cidade Cerzida: a costura da cidadania no Morro Santa Marta. 2. Ed. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005. TREITAL, Rodolfo. A cidade proibida - Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 1997. VENTURA, Zuenir. Cidade Partida. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1994. Artigos: BRISOLLA, Fabio Revista do OGLOBO in: Lapa doce Lapa. Rio de Janeiro, n 274, outubro. 2009 45
  • 46. BRASIL. Felipe. Lapa, o túmulo do sambista. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://www.tribuneiros.com/2009/03/11/lapa-o-tumulo-do-sambista>. ROCHA, Adair. Periferia: Observações periféricas. Rio de Janeiro. UERJ. Disponível em: <http://www.febf.uerj.br/periferia/V1N1/adair_rocha.pdf>. Material da Internet RIO DE JANEIRO. (Cidade). Secretaria de Turismo (Rio Tur). Lapa - Berço da famosa boemia carioca, bairro revela também um dos mais ricos conjuntos arquitetônicos da cidade. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/riotur/pt/atracao/?CodAtr=1406> . Acesso em :11 set.2009. KASAHARA, Ivan. A Lapa, os jovens e o samba, dez. 2008. Disponível em: < http://www.multirio.rj.gov.br/sec21/chave_artigo.asp?cod_artigo=3896> KORYTOWSKI, Ivo. Literatura & Rio de Janeiro. Homenagem à Lapa, fev. 2008. Disponível em <http://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com/2005/08/homenagem- lapa.html> Acesso em: 11 set.2009. NEVEZ, Paulo. Semente reabre as portas domingo para roda de samba e choro, abril. 2004. Disponível em: < http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/8732> Site da Fundição Progresso: http://www.fundicaoprogresso.com.br Filmes AINOUZ, Karim Madame Satã, Drama. – 2002. BORGES, Cavi e DOMINGOS, Emílio. L.A.P.A, Documentário – 2006. MONTEIRO, Leandro. Rio Belle Époque, Curta-Documentário – 2007. 46