1. Luiz Felipe Pondé (capítulo 17)1
O pior dos nossos problemas: o que fazer com tanta gente feliz junta? No
filme Interestelar, num dado momento, o personagem principal (interpretado por
Matthew McConaughey) pergunta a seu sogro o porquê de o mundo ter se
transformado naquilo (aridez, pobreza, poluição, retração econômica,
ruralização).
O sogro responde que 6 bilhões de pessoas
querendo ser felizes não podia dar em outra coisa.
Não quero falar só do tema já desgastado da sustentabilidade. É o
insaciável desejo humano que é insustentável pelo planeta.
A felicidade vai destruir o mundo.
Uma humanidade com 6 bilhões de pessoas felizes é a maior praga que
já caminhou sobre a terra. Nenhuma das sete pragas que se abateram sobre
o Egito teve tamanho poder destruidor. Como espécie alucinada, marchamos
sempre em frente, sem olhar para os lados, supondo que a felicidade, entendida
como realização de nossos desejos individuais (pois todos temos o direito de
buscar a felicidade), seja sustentável no longo prazo.
Uma das principais indagações acerca do futuro da felicidade humana vem
do evolucionismo: será que a nossa espécie, que não evoluiu num ambiente de
felicidade como realização do desejo individual, suporta essa guinada em direção
ao átomo moral que é o sujeito?
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Transcrição das páginas 187-188 do livro “Filosofia para corajosos” de Luiz Felipe Pondé (Planeta, 2016).
2. Nossa evolução histórica se deu num ambiente de deveres e não de direitos.
O próprio sucesso do capitalismo aconteceu graças à moral dos deveres e não dos
direitos.
A felicidade do indivíduo nunca foi critério para a
sobrevivência da espécie.
O grupo social original, cuja última representação é a família (também em
processo de dissolução), deixou de ser referência.
A nova referência é o sujeito e seus gozos e gostos.
Nada garante que nossa espécie esteja adaptada à obsessão pela felicidade
individual. Quando me perguntam por que eu pareço desprezar a minha época,
lembro a conversa do personagem romântico Nathan (interpretado por Tom Cruise)
do filme O último samurai. O coronel, detestado por ele, pergunta a razão de ele
desprezar tanto seu próprio povo (no caso a civilização violentamente
mercantilizada dos EUA). Eu não tenho nenhuma dúvida sobre a potência do
capitalismo em produzir qualidade de vida material na grandeza que produz.
Nenhum outro sistema conseguiu fazer isso.
Minha dúvida é se a nossa espécie suporta tanta
felicidade sem se tornar uma espécie irrelevante.