1) O documento discute os efeitos negativos do modelo econômico neoliberal implantado no Brasil desde 1990, que agravou problemas sociais como desigualdade, desemprego e pobreza extrema.
2) É apontado que o Brasil tem a segunda maior concentração de renda do mundo, com quase 30% da renda nas mãos de apenas 1% da população. Além disso, há mais de 12 milhões de desempregados e 13,5 milhões de pessoas vivendo na extrema pobreza.
3) Como soluções
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
Neoliberalismo e agravamento dos problemas sociais no brasil
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NEOLIBERALISMO E AGRAVAMENTO DOS PROBLEMAS SOCIAIS NO
BRASIL
Fernando Alcoforado*
O modelo econômico neoliberal implantado em 1990 é o grande responsável por agravar
os problemas sociais do Brasil na atualidade. A devastação social tem sido o principal
resultado do modelo econômico neoliberal no Brasil inaugurado pelo presidente Fernando
Collor em 1990 e mantido pelos presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso,
Lula da Silva, Dilma Roussef, Michel Temer e Jair Bolsonaro. A recessão econômica
atual, a desigualdade social, o desemprego em massa e a extrema miséria do País
demonstram a inviabilidade do modelo neoliberal implantado no Brasil. A devastação
social sofrida pelo Brasil com a desigualdade social, o desemprego em massa e a extrema
miséria é demonstrada através dos indicadores de concentração de renda, de desemprego,
de desigualdade social e de pobreza extrema.
O Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo, segundo relatório de
Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado
em dezembro de 2019. O Brasil está atrás apenas do Catar, quando analisado o 1% mais
rico. No Brasil, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total do país (no Catar essa
proporção é de 29%). Ou seja, no Brasil quase um terço da renda está nas mãos dos mais
ricos. Já os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total. O Brasil é o país
com maior concentração de renda quando comparado com os países do grupo de países
em desenvolvimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A Índia
aparece no ranking com 21,3% da renda total nas mãos do 1% mais rico. A Rússia está
com 20,2% e a África do Sul deixa 19,2% da sua renda total com o 1% mais rico.
Enquanto isso, a China é o país dos Brics com menor concentração, nesse sentido, com
13,9%.
Pesquisa comparativa liderada por Thomas Piketty, autor de O Capital no século XXI
publicado em 2014, aponta que 27,8% da riqueza nacional está em poucas mãos no Brasil.
Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior
concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018,
coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto
por centenas de estudiosos, disponibiliza um banco de dados que permite comparar a
evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos. A World Wealth &
Income Database (base de dados mundial de riqueza e renda) aponta que o 1% mais rico
do Brasil detinha 27,8% da renda do país em 2015.
Segundo os dados coletados pelo grupo de Piketty, os milionários brasileiros ficaram à
frente dos milionários do Oriente Médio, que aparecem com 26,3% da renda da região.
O Brasil também se destaca no recorte dos 10% mais ricos, mas não de forma tão intensa
quanto se observa na comparação do 1% mais rico. Os dados mostram o Oriente Médio
com 61% da renda nas mãos de seus 10% mais ricos, seguido por Brasil e Índia, ambos
com 55%, e a África Subsaariana, com 54%. A região em que os 10% mais ricos detêm
menor fatia da riqueza é a Europa, com 37%.
O continente europeu é tido pelos pesquisadores como exemplo a ser seguido no combate
à desigualdade, já que a evolução das disparidades na região foi a menor entre os
indicadores desde 1980 que se deve às políticas social democratas adotadas por vários
governos. Para solucionar o problema da desigualdade social, os pesquisadores propõem,
de maneira geral, a implementação de regimes de tributação progressivos e o aumento
dos impostos sobre herança, além de mais rigidez no controle de evasão fiscal. Os
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pesquisadores destacam ainda a importância de investimento público em áreas
como educação, saúde e proteção ambiental.
Desde os anos 1980, ocorreram grandes transferências de patrimônio público para o
privado em quase todos os países, ricos ou emergentes que cresceu em todo o mundo com
a adoção pelos governos de políticas neoliberais. Em vários países, inclusive o Brasil, a
riqueza nacional aumentou substancialmente com a expansão do patrimônio privado e a
redução do patrimônio público, diz a pesquisa. Segundo os autores, a redução do
patrimônio público limita obviamente a capacidade dos governos de combater a
desigualdade. A Figura 1 abaixo mostra o Brasil com a maior concentração de renda entre
todos os países pesquisados, em verde claro.
Figura 1- Participação dos 1% mais ricos na renda
nacional
Fonte: Gráfico do banco de dados. Disponível no websaite
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/13/internacional/1513193348_895757.html>.
Além de apresentar os piores indicadores de desigualdade social do mundo, as taxas de
desemprego no Brasil se apresentam em níveis extremamente elevados (12,8 milhões de
desempregados) com a perspectiva de se manter em patamares elevados em 2020, 2021
e 2022, segundo a OIT. Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela
Organização Internacional do Trabalho que não prevê nenhuma melhoria para a situação.
Em termos absolutos, a OIT indica que 2019 terminou com 12,8 milhões de
desempregados no Brasil. Em 2020, o número previsto se mantém no mesmo patamar e
cai para 12,7 milhões em 2021. Entre 2022 e 2024, o total permanece entre 12,5 milhões
e 12,6 milhões. A OIT não vislumbra, portanto, nada importante para permitir que taxa
de desemprego no Brasil volte ao que existia em 2014.
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Além dos indicadores de desigualdade social e de desemprego, a extrema pobreza no
Brasil já soma 13,5 milhões de pessoas. O grupo de miseráveis no Brasil sobrevive com
R$ 145 (US$ 33,02) mensais. O número de miseráveis no Brasil é maior do que a
população da Bolívia, segundo o IBGE. O número de miseráveis vem crescendo desde
2015, invertendo a curva descendente da miséria dos anos anteriores. De 2014 para cá 4,5
milhões de pessoas caíram para a extrema pobreza, passando a viver em condições
miseráveis. O contingente é recorde em sete anos da série histórica do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). A alta do desemprego e a redução drástica de recursos
para os programas sociais e para o Bolsa Família aumentam o fosso do mais pobres.
A miséria atinge principalmente estados do Norte e Nordeste do Brasil, em especial a
população preta e parda, sem instrução ou com formação fundamental incompleta. O
crescimento da extrema pobreza coincide com o início da recessão que começou em 2014
e perdura no Brasil graças à inação do governo Bolsonaro. Um dado do IBGE, porém,
chama a atenção. Dos 13,5 milhões de miseráveis, 13,6% tinham alguma ocupação, ainda
que informal, cumprindo abaixo das 40 horas de trabalho semanal. A saída da miséria
desta população depende, entre outras medidas, da reativação da economia para ela se
inserir no mercado de trabalho e terem uma renda que as tirem da situação de extrema
pobreza e do acesso que as pessoas tenham aos programas sociais.
Para terem acesso aos programas sociais, o governo terá que investir adicionalmente R$
1 bilhão mensais para atender aos brasileiros em condição de extrema pobreza que
dificilmente ocorrerá porque o governo de Jair Bolsonaro está focado no aprofundamento
do ajuste fiscal, e na ideia da redução do papel do Estado, de acordo com o modelo
neoliberal que foi abraçado pelo País desde o governo de Fernando Collor em 1990.
Acresce-se a este fato a insensibilidade social do governo para os graves problemas
sociais do País.
Para combater as desigualdades sociais, o desemprego e a extrema pobreza da população,
o governo federal deveria assumir as rédeas da economia nacional abandonando o
fracassado modelo econômico neoliberal para reativar a economia brasileira e o pleno
emprego com a execução, de imediato, de um amplo programa de obras públicas de
infraestrutura (energia, transporte, habitação, saneamento básico, etc) com a participação
do setor privado para combater o desemprego em massa atual elevando os níveis de
emprego e a renda das famílias e das empresas para, em consequência, promover a
expansão do consumo das famílias e das empresas resultantes, respectivamente, do
aumento da massa salarial das famílias e da renda das empresas com os investimentos em
obras públicas para fazer o Brasil voltar a crescer economicamente.
Além disso, o governo federal deveria adotar a imediata auditoria da dívida pública
seguida de renegociação com o alongamento do tempo de pagamento dos juros da dívida
interna pública do país visando a redução dos encargos governamentais com o pagamento
da dívida pública para elevar a poupança pública para investimento, promover o aumento
da arrecadação pública com a taxação das grandes fortunas, dos dividendos de pessoas
físicas e dos bancos e a eliminação de gastos supérfluos em todos os poderes da República
com a redução de órgãos públicos e de pessoal comissionado. Estas medidas
contribuiriam para o governo federal dispor de recursos para reativar a economia e
robustecer os programas sociais de combate às desigualdades sociais e a pobreza extrema.
Diante da perspectiva de agravamento das desigualdades sociais, do desemprego e da
pobreza extrema no Brasil, qual seria a solução pata atenuar estes problemas nos marcos
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do capitalismo, além do esforço de reativação da economia? A solução consistiria na
adoção pelo governo federal de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da
economia social e solidária para atenuar o desemprego e do reforço na implementação da
renda básica ou renda mínima universal para atenuar a pobreza com o Programa Bolsa
Família.
Em sua obra L´économie sociale et solidaire (Paris: Presses Universitaires de France,
2016), Géraldine Lacroix e Romain Slitine afirma que a Economia Social e Solidária é
uma das soluções para atenuar o problema do desemprego e abrir os caminhos para
inventar no futuro outras maneiras de produzir e consumir contribuindo para maior coesão
social. Segundo Lacroix e Slitine, a Economia Social e Solidária oferece respostas para
numerosas questões da sociedade contemporânea. Nesta obra consta a informação de que
a economia social e solidária corresponde a 10% do PIB e é responsável por 12,7% do
emprego na França. No Brasil, a economia social e solidária representa 1% do PIB (REDE
BRASIL ATUAL. Com autogestão, economia solidária já representa 1% do PIB no Brasil.
Disponível no website <http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/08/economia-
solidaria-ja-representa-1-do-pib-no-brasil-3696.html, 2015>).
A Economia Social e Solidária é um novo modelo de desenvolvimento econômico, social,
político e ambiental que tem uma forma diferente de gerar trabalho e renda, em diversos
setores, seja nos bancos comunitários, nas cooperativas de crédito, nas cooperativas da
agricultura familiar, na questão do comércio justo, nos clubes de troca, etc. A Economia
Social e Solidária constitui uma nova forma de organização do trabalho e das atividades
econômicas em geral emergindo como uma importante alternativa para a inclusão de
trabalhadores no mercado de trabalho, dando uma nova oportunidade aos mesmos,
através da autogestão. Com base na Economia Social e Solidária, existe a possibilidade
de recuperar empresas de massa falida, e dar continuidade às mesmas, com um novo
modo de produção, em que a maximização do lucro deixa de ser o principal objetivo,
dando lugar à maximização da quantidade e da qualidade do trabalho.
Pode-se afirmar que a adoção da Economia Social e Solidária é, sem sombra de dúvidas,
a solução que permitiria, nos marcos do capitalismo, fazer frente ao desemprego em
massa que tende a crescer de forma vertiginosa no futuro com a substituição de
trabalhadores qualificados e não qualificados por robôs no mercado de trabalho, Trata-se
de uma importante alternativa para a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho,
dando uma nova oportunidade aos mesmos para trabalharem com um novo modo de
produção em que o lucro deixa de ser o principal objetivo. A adoção da política de renda
básica ou renda mínima universal para a população pobre é uma das soluções para atenuar
a pobreza haja vista que ela permitiria fazer com que os pobres passassem a dispor de
dinheiro para fazer frente às suas necessidades básicas em termos de alimentação, saúde,
moradia, etc.
Por sua vez, a política de renda básica ou renda mínima universal para a população é uma
das soluções para atenuar a pobreza. Esta ideia não é nova. Friedrich August von Hayek,
economista e filósofo austríaco, posteriormente naturalizado britânico, considerado um
dos maiores representantes da Escola Austríaca de pensamento econômico, foi o
proponente desta ideia quando publicou entre 1973 e 1979 sua obra Law, Legislation and
Liberty (Routledge, 1988). O programa neoliberal de transferência de renda dos governos
Lula e Dilma Rousseff no Brasil, o Bolsa Família, é um exemplo da aplicação da política
de renda básica de Hayek.
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O livro Utopia for Realists de Rutger Bregman (London, New York: Bloomsbury
Paperbacks, 2017) mostra que dar dinheiro de graça para todos, ou seja, um programa de
renda mínima universal possibilitaria atenuar ou eliminar a pobreza. Entre as razões que
ele aponta para que esta ideia vire realidade, reside no fato de que distribuir dinheiro
diminui a criminalidade, melhora a saúde da população e permite a todos investir em si
mesmos. Mais do que isto, um programa de renda mínima universal faz com que seja
construída a paz social e atenue a violência política que se alimentaria das desigualdades
sociais, do desemprego em massa e da pobreza extrema para se transformar em revolução
social.
Bregman defende a utopia do dinheiro para todos e não apenas para os pobres. No livro,
Bregman cita uma série de exemplos bem sucedidos de como moradores de rua, índios e
populações em regiões vulneráveis se desenvolveram ao passar a receber dinheiro sem
que fosse pedido nada em troca. Para ele, será melhor com menos burocracia e o
estabelecimento de exigências. O programa de renda básica deveria ser universal ao ser
expandido para os ricos e a classe média, para que se tornasse um direito de todos os
cidadãos, não um favor, afirma Bregman.
A política de renda básica para a população pobre traria inúmeras vantagens não apenas
relacionadas com a diminuição da criminalidade, melhoria da saúde da população e
melhoria das condições de moradia da população pobre, mas também o aumento do
consumo de bens e serviços pela população pobre. O governo, provedor da renda básica
para a população pobre, teria o benefício de menor gasto com a repressão policial e a
estrutura carcerária em consequência da redução da criminalidade e dos moradores de rua
e a elevação da arrecadação de impostos resultante do aumento do consumo da população
pobre. Não haverá paz social no Brasil se não forem adotadas as políticas de economia
social e solidária e de renda básica para a população pobre.
Não é preciso demonstrar que as medidas aqui propostas só poderão ser adotadas por um
governo do Brasil diametralmente oposto ao de Jair Bolsonaro.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema
CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC-
O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil
(Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização
e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século
XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions
of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo,
São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI
(Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o
Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba,
2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-
autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).