1. Prólogo: Capturada
C orro pelas ruas com a sensação de que nada está saindo como deveria.
Essa deveria ser a melhor festa do ano para mim. Eu deveria estar esvaziando garrafas
de vodca e dar uns amassos aleatórios por aí. E eu fiz todas essas coisas.
Esse, provavelmente, foi meu maior erro.
Não deveria ter saído do meu quarto esta noite. Duvido que lá seja tão seguro quanto a festa,
porém lá eu não precisaria fugir como um louca e ao mesmo tempo manter as aparências.
Não estou tão sóbria como gostaria, mas não me importo. Tento apressar meus passos,
temendo pela minha vida como nunca antes.
O mundo rodopia violentamente com meu esforço. O chão não parece mais tão firme e acabo
tropeçando no meu salto marrom. Não consigo evitar a queda, por mais que eu queria. Minhas
mãos tocam o chão de concreto e meus movimentos estão instáveis outra vez. Não, isso não
deveria estar acontecendo. Nem agora e em nenhum outro dia da minha existência.
Fecho os olhos com força, ainda caída na calçada. Infelizmente minha ação piora as coisas. Meu
corpo tremula ainda mais e minha cabeça continua girando. Coloco as mãos sobre ela em
desespero. Por que tenho que ser tão fraca? Passo alguns minutos praguejando mentalmente e
sussurrando palavras desconexas em tom baixo.
“Tudo vai melhorar quando eu abrir os olhos. Aqueles olhos não estarão me encarando de novo
e conseguirei chegar em casa em segurança”.
Repito essas palavras até o momento que consigo ouvi-las sendo ditas em um tom de voz
razoavelmente alto. Aos poucos, tomo coragem e finalmente abro os olhos.
E não gosto nada do que vejo.
Porque a alguns metros de mim, alguém me observa.
É um homem, percebo atordoada. Não um homem corrijo em pânico. O homem é mais
apropriado. Ele está em pé do outro lado da calçada, me encarando intensamente com seus
olhos azuis. A brisa da madrugada balança suavemente seu longo cabelo castanho. A brisa que
deveria me envolver em um carinho afetuoso, consegue me deixar ainda mais chocada.
“Não é real” Repito pra mim mesma em desespero. Pisco os olhos para tentar limpar a imagem
de meu perseguidor do meu ponto de visão, mas ele continua lá, imóvel.
Perigoso.
Arrasto-me pela calçada fria, sentindo as esperanças se esvaindo do meu corpo. Não quero que
ela se vá. Preciso continuar viva! Tenho tantas coisas para fazer, tanto para conhecer... Fugir
desse homem é fundamental para que meu objetivo seja alcançado. Meus movimentos são
lentos como os de uma lesma, porém não penso em desistir. Um par de pés descalços no meu
caminho é a única coisa que me impede de continuar.
Olho para cima e estremeço. A figura de meu perseguidor sorri maliciosamente em minha
direção. Ele é alto, porém não tão forte. A primeira vista não parece uma pessoa tão
ameaçadora assim, mas pra mim, neste momento, ele parece até mesmo... Letal.
Uma corrente elétrica atravessa meu corpo, despertando-me do meu alcoolismo. Ela grita em
minha cabeça com uma voz esganiçada e alerta, me obrigando a fugir.
Como ele chegou aqui tão rápido?
- Vai a algum lugar? – Pergunta, arqueando a sobrancelha.
Tento me afastar, mas sua mão é mais rápida. Ele segura meu braço com força e puxa-me para
perto de seu corpo mal cheiroso.
Ele cheira a sangue, a voz esganiçada palpita.
2. Um sorriso de dentes amarelados aparece ao sentir o medo exalar em cada célula do meu
corpo.
- Acho que você não vai querer ficar longe de mim. – Diz ele. Eu estremeço ainda mais como um
animal encurralado. A aflição me atinge, pois não ter forças para gritar ou chorar.
É assim que a morte atinge as pessoas? Como uma letargia agoniante, que te prepara para o
inevitável fim? Cada movimento se sucede em câmera lenta; em detalhes que antes nunca me
importaram. Não sinto mais a brisa da noite ou o aperto de ferro do meu perseguidor. Essas
coisas são triviais agora.
Triviais porque sei que irei morrer.
Ainda sou capaz de ouvir sua voz baixa sussurrando perigosamente em meu ouvido:
- Eu prometo que nos divertiremos muito juntos.
Fecho os olhos, antecipando a morte. Contudo, escuto outra voz no fundo da minha mente. Uma
voz diferente de todas que já ouvi.
“Este ainda não é o fim”.
Sem escolha, apego-me a estas palavras como se elas fossem uma corda que pode me içar para
fora desse pesadelo. Então, ainda entorpecida, sinto–me desligada dos meus sentidos.
A hora da minha rendição chegou.