O documento discute o impacto do discurso de Luiz Ruffato na Feira do Livro de Frankfurt e o "Efeito Ruffato" na literatura brasileira. Também aborda a participação brasileira em outras feiras literárias internacionais e os desafios de estimular a leitura e a indústria do livro no Brasil.
1. Im prim ir ()
03/01/2014 - 00:00
O efeito Ruffato nas letras
Por Camila Moraes
(/sites/default/files/gn/14/01/foto03cul-901-leitura-d15.jpg)Ruffato: discurso
politizado e franco na Feira de Frankfurt, que homenageou o Brasil, mudou a imagem do país e dividiu opiniões
Ainda que ditado não se ex plique: "Cidade pequena, inferno grande", diz aquele que lev a em conta lugarejos
habitados por poucos que se encarregam de falar muito e mal. Curiosamente, ele v ale para o Brasil, país
v asto e pov oado, onde se fala muito dos problemas, e o resultado é um inferno grande o suficiente para
impedir que o lado bom das coisas floresça. Dessa ideia surge um balanço da literatura nacional no ano
passado, que importantes passos v em dando para se fazer conhecer e também se mostrar, mas ao ritmo dos
cabisbaix os, seja por pura timidez, falta de esforços ou ex cesso de críticas.
Por riquezas de todos os tipos, o Brasil costuma ser buscado antes de buscar, e no ano que passou as feiras
literárias foram um sinal ev idente dessa dinâmica com homenagens e espaços dedicados aos liv ros
brasileiros. Sem esquecer que as honras respeitam também interesses mercantis, o país - há alguns anos na
pauta internacional - v em atraindo olhares do mundo inteiro. Atenção, essa, de tipo qualificado que
alcançou seu ápice na Feira Internacional do Liv ro de Frankfurt, panteão literário da atualidade, com sua
homenagem à literatura nacional.
Seja pelo alto orçamento, pela seleção dos 7 0 escritores que faziam parte da delegação oficial, pela ausênciapresença de Paulo Coelho ou pelo politizado e franco discurso de abertura que proferiu Luiz Ruffato, as
críticas marcaram a presença brasileira, pelo menos no que diz respeito à imprensa nacional e também à
alemã. O já batizado "Efeito Ruffato" pode ser traduzido nas palav ras que o diretor da feira, Juergen Boos,
lançou durante uma coletiv a de imprensa: "A participação brasileira destruiu a imagem que se fazia aqui na
Alemanha de um país colorido no qual ninguém trabalha, que é como 90% dos alemães v iam o Brasil".
Polêmica à parte, nada pode ser mais positiv o se o objetiv o é amadurecer, e com isso já se recupera boa
parte do inv estido.
Tantos poréns à participação brasileira em Frankfurt - e aí aparece outro desdobramento do efeito Ruffato parece ter prov ocado medo a mais críticas e, portanto, certa retração que ameaça as nov as homenagens que
v êm aí. A 50ª Feira do Liv ro Infantil de Bolonha (24 a 27 de março) é o primeiro ex emplo, com um
orçamento inicialmente de R$ 2,5 milhões anunciado pela Biblioteca Nacional para as ativ idades do Brasil,
que foi reduzido a R$ 1 ,3 milhão e agora segue indefinido. O conv ite foi aceito há dois anos, quase o dobro do
2. tempo já transcorrido desde que São Paulo aceitou ser homenageada por outro ev ento, a Feira do Liv ro de
Buenos Aires - sem que haja até o momento nov os anúncios sobre seu conteúdo, a cargo da Biblioteca Mário
de Andrade com recursos que serão destinados pela prefeitura da cidade.
Honrarias deix adas de lado, muito se pode fazer em mercados de leitura como a Feira Internacional do Liv ro
de Guadalajara, a maior para as letras hispânicas e a mais significativ a da América Latina, que dedica à
literatura brasileira o "Destinação Brasil" - um conteúdo ex clusiv o, reforçado pela presença de cerca de 1 5
autores nacionais em debates e encontros in loco. Mas é ainda pouco o que se faz por causa do descompasso
entre os esforços da feira e o alcance da presença institucional brasileira: leitores estimulados pelo
"Destinação" buscam saber mais sobre os autores e seus liv ros e nada podem encontrar - para adquirir ou
simplesmente aprender - no stand com um "Brasil" em letras garrafais.
A curiosidade de leitores fora do país e a carência de leituras dentro dele é um univ erso de oportunidades.
Há muito a fazer dentro de casa e não são poucos os caminhos que se abrem com tamanha ex posição
internacional. É preciso que o sucesso de iniciativ as como as bolsas de tradução oferecidas pela Fundação
Biblioteca Nacional contamine outras searas que produzam orgulho e consumo próprios.
Nunca houv e tantos e tão bons escritores em ativ idade, ex postos em blogs literários e redes sociais, que
permitem que autores e leitores se conheçam, inaugurando um importante canal de comunicação no meio
editorial. Proliferam também os cursos - e não só de escrita criativ a -, dando sinais de crescimento de um
mercado onde brilham hoje também as editoras independentes. Elas recuperam a função v ital de injetar
nov idades no ambiente literário, prospectando melhor, e os prêmios nacionais respondem à altura de sua
qualidade. Enquanto isso, grandes casas celebram bons números de v endas - ainda que em sua maioria de
títulos comerciais e êx itos literários traduzidos do inglês -, e as liv rarias ex pandem suas redes, tratando de
abocanhar também a nov idade dos liv ros eletrônicos.
O problema dificilmente reside em apresentar um país sem cores ou menos alegre em discursos por aí. O real
entrav e é não se conhecer, não se comunicar, dispensar coerência, falhar na continuidade e, sem dúv ida,
não ler liv ros para estimular a imaginação e a inteligência e com isso saber como ponderar tanta fofoca.