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Você tem uma longa carreira dedicada
ao design gráfico e é, inclusive, uma das pioneiras
na área no Brasil. A ideia de se aventurar como
escritora é antiga ou recente? Por que essa
vontade se manifestou tardiamente?
Até muito recentemente a ideia de ser es-
critora jamais havia passado pela minha
cabeça. A inquietação surgiu a partir do
lançamento de O pai, a mãe e a filha, em
abril de 2010, e da resposta inesperada ao
livro. E aí talvez se possa traçar um para-
lelo curioso com a atuação no design grá-
fico onde, de forma inversa, meus projetos
me parecem ser vistos com certa reserva:
o que faço não tem muita sintonia com o
mercado, de modo geral, e meus clientes
sempre foram pessoas ou empresas atípi-
cas, abertas a uma certa experimentação,
que é o que me interessa e tento praticar
com a linguagem gráfica. Por isso mes-
mo, desde o começo da vida profissional,
meu terreno de atuação foi basicamente o
da cultura, onde a liberdade de expressão
costuma ser maior.
Acontece que, logo depois de publi-
car Brochura brasileira: objeto sem projeto
(1974) e O efeito multiplicador do design
(1999) – tentativas de reflexão sobre o de-
sign gráfico, no Brasil – percebi, com certo
espanto, que meu perfil havia incorpora­-
do novas e melhores tintas graças a eles e
apenas a eles, apesar do desempenho con-
tinuado como projetista gráfica por anos a
fio. Em vista disso e considerando a cir-
cunstância de ter me voltado tão intensa-
mente para a escrita literária, de uns tem-
pos para cá, acabo sendo levada a conviver
com a possibilidade de estar mesmo fada-
da ao texto já que, até no campo profissio-
nal de origem, o que tem distinguido mi-
nha atuação são os textos, não os projetos!
Por outro lado, essa atenção recente
que vem sendo dada a meu nome, desde
novembro último e do Prêmio São Pau-
lo de Literatura, é uma experiência nova
para alguém habituada ao anonimato de
uma profissão absolutamente secundária,
em nosso país, que ninguém sabe direito o
que é nem do que trata.
Embora Anel de vidro não seja o
primeiro livro que escreveu, ele pode ser
considerado seu primeiro romance. O
que a levou a passar de um relato mais
biográfico, como em O pai, a mãe e a
filha, para um mais ficcional? Ou há no
livro traços biográficos entremeados com ficção?
Não me parece que possa existir nenhum
texto ficcional, desde que o romance se
impôs como gênero literário, no qual in-
venção, observação e memória deixem de
figurar contaminando-se mutuamente ao
longo de qualquer narrativa. Ocorre que a
dosagem desses três fatores se alterna de
texto para texto de maneira que em, cer-
tos romances, a memória conta mais que
a invenção; em outros é a invenção que
domina; e em outro grupo, ainda, é a ob-
servação que vai organizar as linhas bási-
cas do texto. Não esquecendo as situações
em que estes três ingredientes se misturam
atuando com pesos equivalentes em uma
mesma história.
No meu caso, feita a experiência com
uma narrativa apoiada na lembrança, no
segundo livro achei de testar a escrita num
terreno absolutamente novo: o da inven-
ção literária. Ainda a esse respeito, em O
pai, a mãe e a filha o universo em que a
ação se situava descrevia um mundo mui-
to particular, original, mesmo, enquanto
Anel de vidro se desenvolve em torno do
que há de mais surrado tanto na vida co-
tidiana quanto na tradição da literatura de
ficção do Ocidente: o tema da infidelidade
conjugal. Então me pareceu que se eu con-
seguisse dar interesse a um texto constru-
ído em torno de um assunto desses, talvez
estivesse, de fato, pronta para escrever. Em
outras palavras, Anel de vidro funcionou
como teste de escrita e se O Pai, a mãe e
a filha é conduzido pela memória, Anel de
vidro repousa basicamente na invenção e
na observação.
Em Anel de vidro, a história de dois casais e o
relacionamento extraconjugal de um deles é contada
a partir dos quatro envolvidos. Essa forma de relato
é pouco frequente na literatura e, de certa forma,
inovadora. Você se inspirou em algum autor,
ou foi uma ideia original sua?
Para o artista, a graça é inventar. Por isso
soa curiosa essa dúvida, recorrente, aliás,
em entrevistas com ficcionistas, quando
as intuições estéticas assumidas por uma
determinada narrativa frequentemente são
vistas como possíveis reflexos ou mesmo
reproduções de outras, expressas antes de-
las por outros autores.
A estrutura de Anel de vidro surgiu a
partir do momento em que ficou claro o
propósito central do livro: fazer com que
a mesma situação fosse vista de maneiras
diferentes pelos personagens envolvidos:
dois casais, quatro pessoas portanto, duas
delas levadas, pelas circunstâncias, à in-
fidelidade no casamento. Nesse quadro, o
que o romance tenta fazer é tornar legíti-
mas quatro vivências de uma mesma situa­
ção, cada uma delas decorrente da manei-
ra de ser de seu personagem.
Ao me decidir por essa forma de com-
por, lembrei de um filme de que gosto
muito, Rashomon, de Akira Kurosawa, que
adaptou o roteiro de um texto do escritor
japonês, nascido no século 19, Ryunosuke
Akutagawa, no qual as quatro ou cinco tes-
temunhas de um mesmo crime o reprodu-
zem de formas completamente diferentes
demonstrando a extrema fluidez, a preca-
riedade, mesmo, daquilo que costumamos
entender por realidade objetiva.
Seu livro anterior, O pai, a mãe a filha, reúne
lembranças de sua infância e está escrito da
perspectiva de uma menina. Como surgiu a ideia de
escrever as memórias desse capítulo de sua vida a
partir da voz de uma criança?
Aqui também o partido narrativo surgiu
rápida e naturalmente. Nunca pensei mui-
to nas razões que me levaram à decisão
de contar a história pelo prisma de uma
menina. Me pondo a refletir, no entanto, a
Entrevista ana luisa escorel
Um começo tardio, mas aplaudido. A estreia de Ana Luisa Escorel na literatura de ficção já
nasceu premiada. Seu romance Anel de vidro, publicado pela editora Ouro sobre Azul, que ela
mesma criou, ganhou, ano passado, o Prêmio São Paulo de Literatura. Foi a primeira mulher a
receber a láurea, no valor de 200 mil reais.
No meio intelectual, Ana Luisa dispensa apresentações. Mas, vale evocar suas origens: é a
filha mais velha de Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza, dois grandes nomes do ensaísmo
e da crítica literária. Com décadas de experiência em design gráfico, área que “atende em parte
sua necessidade de expressão”, Ana Luisa parece ter encontrado na autoria literária pleno
apaziguamento. À vontade de experimentar com a linguagem gráfica, somou seu desejo de
aplacar “uma espécie de agonia surda, latente e contínua” – consumado pela escrita. E, em sua
sétima década de vida, as palavras começaram a prevalecer sobre a forma.
Ao sobreCultura, ela conta como escrever transformou – e ainda transforma – sua vida.
Entrevista concedida a Alicia Ivanissevich |sobreCultura | RJ |
fotozecaguimarães
partir de sua pergunta, talvez possa aven-
tar a hipótese de que tenha sido porque
seria mais fácil, através dela, dessacralizar
a lembrança. Nos escritos memorialísticos
muito frequentemente existe uma certa ne-
cessidade de proteger pais, avós, bisavós, o
ambiente familiar, como um todo. Alguns
autores chegam ao extremo de inventar
para si um passado absolutamente fictício
com vistas a dourar os brasões, digamos
assim. O ponto de vista da criança, no en-
tanto, sendo completamente descarnado,
permite maior objetividade, protegendo o
escritor do risco dessa autoinvenção.
A criação da Ouro sobre Azul é anterior a seus livros, e
a editora é, de certa maneira, familiar: boa parte dos
títulos é de autoria de parentes e conhecidos seus.
O que motivou a criação da editora? Como é feita a
escolha das publicações? Você acredita que teria tido
dificuldade em se lançar como nova autora, caso não
tivesse uma editora própria?
A Ouro sobre Azul, iniciativa que une a
atividade de projeto e a atividade da edi-
ção de livros em uma só empresa, surgiu
quando percebi que o tipo de design que
eu fazia – de cunho mais autoral – estava
perdendo espaço no mercado brasileiro e,
portanto, era preciso encontrar uma alter-
nativa de sobrevivência. A solução foi tra-
zer para junto da prestação de serviços em
design, a atividade editorial.
Quando definimos o setor editorial da
Ouro sobre Azul a intenção era fazer dele
um canal para autores e textos de quali-
dade, pouco conhecidos ou francamente
desconhecidos do público e da crítica.
Essa tendência permanece e por isso te-
mos editado tudo o que nos parece bom
independentemente da notoriedade do au-
tor – ou ausência dela –, passando ao largo
da circunstância da obra ser inédita ou ter
sido escrita décadas atrás. O que interessa
à editora é a qualidade, não a novidade:
qualidade de conteúdo, qualidade edito-
rial e qualidade gráfica.
Com esse propósito temos trazido a
público muita coisa que estava escondida
nas gavetas mas merecia sair delas para ser
divulgada. Como venho de um grupo fami-
liar ligado ao mundo intelectual – pais, ir-
mãs, primos, tios, sogro, marido – ao qual
se somam também os amigos, acabo me
voltando para pessoas com quem convivo
ou convivi, cujo valor identifico, mas que,
pelas mais diferentes razões, ou não estão
sendo, ou jamais foram tocados pela possi-
bilidade de apreciação do leitor.
No caso particular da obra de Antonio
Candido, quando o setor editorial da Ouro
sobre Azul começou, ela estava comple-
tamente dispersa, muitos dos títulos fora
de catálogo e sem perspectiva de reedição.
Resultado, os estudantes de literatura con-
tornavam a falta ora pedindo livro empres-
tado a seus professores, ora indo atrás de
cópias clandestinas. Sendo o único autor
conhecido ao qual a Ouro sobre Azul se
dedicou de maneira mais sistemática, não
fosse um trabalho contínuo de reedição,
com cuidadosas revisões do próprio autor,
estudantes e universidades estariam sem
acesso a um pensamento certamente im-
portante para os estudos literários em nos-
so país.
Quanto à publicação de meus textos de
ficção por outra editora, caso a Ouro so-
bre Azul não existisse, não me parece que
encontraria entraves maiores, se posso me
permitir, aqui, uma afirmação deste teor,
entrando pelo terreno da franca pretensão.
Mas me agrada a ideia de continuar senho-
ra de todo o processo: da escolha do ori-
ginal à distribuição dos livros, passando
pela edição, com tudo o que ela implica,
inclusive a fabricação industrial.
Você chegou a mostrar o livro para mais alguém
além de seu pai antes da publicação? Sentiu alguma
insegurança ao se lançar em um terreno relativamente
novo para você?
Antes de lançá-lo mostrei Anel de vidro
para Walnice Nogueira Galvão e para Ar-
mando Freitas Filho, que fizeram obser-
vações importantes, praticamente todas
incorporadas ao texto.
Quanto a ter insegurança no terreno
novo, não sei se é este exatamente o senti-
mento que me assalta. Sinto uma coisa apa-
rentada com isto, mas que não é isto: certa
incapacidade de avaliar se o que está sendo
escrito tem algum valor. De maneira com-
pletamente diversa do que costuma ocorrer
com o projeto gráfico, em relação ao qual
sei bem quando estou fazendo alguma coisa
boa e quando não estou e preciso mudar o
rumo. Com o texto isso não acontece. Tal-
vez porque, ao contrário do que ocorre com
o design, onde sou veterana, na ficção lite-
rária não passo de principiante e, por isso
mesmo, ainda não juntei os instrumentos
necessários à autoavaliação.
Quais são seus autores preferidos?
Os autores de que mais gosto são Rubem
Braga, Eça de Queirós e Machado de Assis,
principalmente dos contos; do Guimarães
Rosa anterior ao Grande sertão: veredas
porque, este, jamais li; Sófocles, Shakes-
peare e do Thomas Mann das histórias
curtas. Gosto muito também das obras po-
éticas de Carlos Drummond de Andrade e
de Manuel Bandeira.
Recentemente tive uma experiência
extremamente enriquecedora com a leitu-
ra de O leopardo, de Giuseppe Tomasi di
Lampedusa, um romance histórico quase
perfeito que, infelizmente, decai no fim,
depois do episódio do baile.
Mas, acima desses todos, minha predi-
leção recai no Marcel Proust de Em busca
do tempo perdido, livro absolutamente no-
tável apesar da prolixidade em que mergu-
lha com alguma frequência.
Como é seu dia a dia hoje? Como alterna
as atividades de designer, editora e escritora?
Como elas dialogam entre si?
A maior parte do tempo é dedicado a ad-
ministrar a Ouro sobre Azul nos seus di-
ferentes aspectos e necessidades, tentar
fazer com que sobreviva aos entraves pró-
prios de uma pequena empresa, no Brasil,
mais especificamente de uma pequena
empresa da área editorial que escolheu a
qualidade como meta, em um ambiente em
que tendem a predominar outros aspectos
do produto, não este.
No dia a dia a atividade editorial e a
atividade do design gráfico são incessan-
tes e convivem em pé de igualdade com
a função de administrar a empresa. As
três se interpenetram o tempo todo e a
minha formação de desenhista industrial
tem sido vital para ajustá-las fazendo com
que integrem um processo que, embora
complexo, está perfeitamente controlado
graças, justamente, aos recursos técnicos
que pude trazer da minha profissão de
origem.
Quanto ao tempo que tenho tido para
escrever, isso já é mais complicado: me so-
bram os feriados, os fins de semana, pou-
ca coisa antes de dormir e, pouca coisa de
manhã, antes de ir para a Ouro sobre Azul.
Quer dizer, me aproprio de qualquer bre-
cha que se apresente sempre que estou em
casa.
Soube que está trabalhando em um novo livro.
Ele tem alguma semelhança com os anteriores?
Pode nos adiantar do que se trata?
O novo livro não tem nenhuma semelhan-
ça com os anteriores, assim como Anel de
vidro não tem nada a ver com O pai, a mãe
e a filha: decididamente não tenho tendên-
cias monotemáticas! Um traço comum aos
dois já escritos e a esse que está em curso
é o apego a épocas já passadas. Em vista
disso me coloquei como desafio escolher,
para o próximo, um tema que me obrigue
a viver literariamente neste começo do sé-
culo 21.
No momento trabalho em um roman-
ce passado em meados do século 19 e que,
apesar de ir e voltar no tempo ao longo de
toda a narrativa, é deflagrado por um epi-
sódio histórico ocorrido no ano de 1842:
a revolta liberal em Minas Gerais.
O personagem central é uma mulher
de classe dominante, presa e isolada por
cerca de dois meses em uma solitária pelo
fato de ter conspirado contra o poder cons-
tituído, D. Pedro II à frente.
Como a escrita transformou sua vida?
Transformou muito em muitos sentidos. O
pai, a mãe e a filha e Anel de vidro apa-
ziguaram a necessidade de expressão que
nasceu comigo, à qual a autoria literária
atende de forma plena e o design gráfico
atendia apenas em parte, me condenando
a uma espécie de agonia surda: latente e
contínua. Por outro lado, a escrita aumen-
tou certa tendência ao isolamento, sempre
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  • 1. Você tem uma longa carreira dedicada ao design gráfico e é, inclusive, uma das pioneiras na área no Brasil. A ideia de se aventurar como escritora é antiga ou recente? Por que essa vontade se manifestou tardiamente? Até muito recentemente a ideia de ser es- critora jamais havia passado pela minha cabeça. A inquietação surgiu a partir do lançamento de O pai, a mãe e a filha, em abril de 2010, e da resposta inesperada ao livro. E aí talvez se possa traçar um para- lelo curioso com a atuação no design grá- fico onde, de forma inversa, meus projetos me parecem ser vistos com certa reserva: o que faço não tem muita sintonia com o mercado, de modo geral, e meus clientes sempre foram pessoas ou empresas atípi- cas, abertas a uma certa experimentação, que é o que me interessa e tento praticar com a linguagem gráfica. Por isso mes- mo, desde o começo da vida profissional, meu terreno de atuação foi basicamente o da cultura, onde a liberdade de expressão costuma ser maior. Acontece que, logo depois de publi- car Brochura brasileira: objeto sem projeto (1974) e O efeito multiplicador do design (1999) – tentativas de reflexão sobre o de- sign gráfico, no Brasil – percebi, com certo espanto, que meu perfil havia incorpora­- do novas e melhores tintas graças a eles e apenas a eles, apesar do desempenho con- tinuado como projetista gráfica por anos a fio. Em vista disso e considerando a cir- cunstância de ter me voltado tão intensa- mente para a escrita literária, de uns tem- pos para cá, acabo sendo levada a conviver com a possibilidade de estar mesmo fada- da ao texto já que, até no campo profissio- nal de origem, o que tem distinguido mi- nha atuação são os textos, não os projetos! Por outro lado, essa atenção recente que vem sendo dada a meu nome, desde novembro último e do Prêmio São Pau- lo de Literatura, é uma experiência nova para alguém habituada ao anonimato de uma profissão absolutamente secundária, em nosso país, que ninguém sabe direito o que é nem do que trata. Embora Anel de vidro não seja o primeiro livro que escreveu, ele pode ser considerado seu primeiro romance. O que a levou a passar de um relato mais biográfico, como em O pai, a mãe e a filha, para um mais ficcional? Ou há no livro traços biográficos entremeados com ficção? Não me parece que possa existir nenhum texto ficcional, desde que o romance se impôs como gênero literário, no qual in- venção, observação e memória deixem de figurar contaminando-se mutuamente ao longo de qualquer narrativa. Ocorre que a dosagem desses três fatores se alterna de texto para texto de maneira que em, cer- tos romances, a memória conta mais que a invenção; em outros é a invenção que domina; e em outro grupo, ainda, é a ob- servação que vai organizar as linhas bási- cas do texto. Não esquecendo as situações em que estes três ingredientes se misturam atuando com pesos equivalentes em uma mesma história. No meu caso, feita a experiência com uma narrativa apoiada na lembrança, no segundo livro achei de testar a escrita num terreno absolutamente novo: o da inven- ção literária. Ainda a esse respeito, em O pai, a mãe e a filha o universo em que a ação se situava descrevia um mundo mui- to particular, original, mesmo, enquanto Anel de vidro se desenvolve em torno do que há de mais surrado tanto na vida co- tidiana quanto na tradição da literatura de ficção do Ocidente: o tema da infidelidade conjugal. Então me pareceu que se eu con- seguisse dar interesse a um texto constru- ído em torno de um assunto desses, talvez estivesse, de fato, pronta para escrever. Em outras palavras, Anel de vidro funcionou como teste de escrita e se O Pai, a mãe e a filha é conduzido pela memória, Anel de vidro repousa basicamente na invenção e na observação. Em Anel de vidro, a história de dois casais e o relacionamento extraconjugal de um deles é contada a partir dos quatro envolvidos. Essa forma de relato é pouco frequente na literatura e, de certa forma, inovadora. Você se inspirou em algum autor, ou foi uma ideia original sua? Para o artista, a graça é inventar. Por isso soa curiosa essa dúvida, recorrente, aliás, em entrevistas com ficcionistas, quando as intuições estéticas assumidas por uma determinada narrativa frequentemente são vistas como possíveis reflexos ou mesmo reproduções de outras, expressas antes de- las por outros autores. A estrutura de Anel de vidro surgiu a partir do momento em que ficou claro o propósito central do livro: fazer com que a mesma situação fosse vista de maneiras diferentes pelos personagens envolvidos: dois casais, quatro pessoas portanto, duas delas levadas, pelas circunstâncias, à in- fidelidade no casamento. Nesse quadro, o que o romance tenta fazer é tornar legíti- mas quatro vivências de uma mesma situa­ ção, cada uma delas decorrente da manei- ra de ser de seu personagem. Ao me decidir por essa forma de com- por, lembrei de um filme de que gosto muito, Rashomon, de Akira Kurosawa, que adaptou o roteiro de um texto do escritor japonês, nascido no século 19, Ryunosuke Akutagawa, no qual as quatro ou cinco tes- temunhas de um mesmo crime o reprodu- zem de formas completamente diferentes demonstrando a extrema fluidez, a preca- riedade, mesmo, daquilo que costumamos entender por realidade objetiva. Seu livro anterior, O pai, a mãe a filha, reúne lembranças de sua infância e está escrito da perspectiva de uma menina. Como surgiu a ideia de escrever as memórias desse capítulo de sua vida a partir da voz de uma criança? Aqui também o partido narrativo surgiu rápida e naturalmente. Nunca pensei mui- to nas razões que me levaram à decisão de contar a história pelo prisma de uma menina. Me pondo a refletir, no entanto, a Entrevista ana luisa escorel Um começo tardio, mas aplaudido. A estreia de Ana Luisa Escorel na literatura de ficção já nasceu premiada. Seu romance Anel de vidro, publicado pela editora Ouro sobre Azul, que ela mesma criou, ganhou, ano passado, o Prêmio São Paulo de Literatura. Foi a primeira mulher a receber a láurea, no valor de 200 mil reais. No meio intelectual, Ana Luisa dispensa apresentações. Mas, vale evocar suas origens: é a filha mais velha de Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza, dois grandes nomes do ensaísmo e da crítica literária. Com décadas de experiência em design gráfico, área que “atende em parte sua necessidade de expressão”, Ana Luisa parece ter encontrado na autoria literária pleno apaziguamento. À vontade de experimentar com a linguagem gráfica, somou seu desejo de aplacar “uma espécie de agonia surda, latente e contínua” – consumado pela escrita. E, em sua sétima década de vida, as palavras começaram a prevalecer sobre a forma. Ao sobreCultura, ela conta como escrever transformou – e ainda transforma – sua vida. Entrevista concedida a Alicia Ivanissevich |sobreCultura | RJ | fotozecaguimarães
  • 2. partir de sua pergunta, talvez possa aven- tar a hipótese de que tenha sido porque seria mais fácil, através dela, dessacralizar a lembrança. Nos escritos memorialísticos muito frequentemente existe uma certa ne- cessidade de proteger pais, avós, bisavós, o ambiente familiar, como um todo. Alguns autores chegam ao extremo de inventar para si um passado absolutamente fictício com vistas a dourar os brasões, digamos assim. O ponto de vista da criança, no en- tanto, sendo completamente descarnado, permite maior objetividade, protegendo o escritor do risco dessa autoinvenção. A criação da Ouro sobre Azul é anterior a seus livros, e a editora é, de certa maneira, familiar: boa parte dos títulos é de autoria de parentes e conhecidos seus. O que motivou a criação da editora? Como é feita a escolha das publicações? Você acredita que teria tido dificuldade em se lançar como nova autora, caso não tivesse uma editora própria? A Ouro sobre Azul, iniciativa que une a atividade de projeto e a atividade da edi- ção de livros em uma só empresa, surgiu quando percebi que o tipo de design que eu fazia – de cunho mais autoral – estava perdendo espaço no mercado brasileiro e, portanto, era preciso encontrar uma alter- nativa de sobrevivência. A solução foi tra- zer para junto da prestação de serviços em design, a atividade editorial. Quando definimos o setor editorial da Ouro sobre Azul a intenção era fazer dele um canal para autores e textos de quali- dade, pouco conhecidos ou francamente desconhecidos do público e da crítica. Essa tendência permanece e por isso te- mos editado tudo o que nos parece bom independentemente da notoriedade do au- tor – ou ausência dela –, passando ao largo da circunstância da obra ser inédita ou ter sido escrita décadas atrás. O que interessa à editora é a qualidade, não a novidade: qualidade de conteúdo, qualidade edito- rial e qualidade gráfica. Com esse propósito temos trazido a público muita coisa que estava escondida nas gavetas mas merecia sair delas para ser divulgada. Como venho de um grupo fami- liar ligado ao mundo intelectual – pais, ir- mãs, primos, tios, sogro, marido – ao qual se somam também os amigos, acabo me voltando para pessoas com quem convivo ou convivi, cujo valor identifico, mas que, pelas mais diferentes razões, ou não estão sendo, ou jamais foram tocados pela possi- bilidade de apreciação do leitor. No caso particular da obra de Antonio Candido, quando o setor editorial da Ouro sobre Azul começou, ela estava comple- tamente dispersa, muitos dos títulos fora de catálogo e sem perspectiva de reedição. Resultado, os estudantes de literatura con- tornavam a falta ora pedindo livro empres- tado a seus professores, ora indo atrás de cópias clandestinas. Sendo o único autor conhecido ao qual a Ouro sobre Azul se dedicou de maneira mais sistemática, não fosse um trabalho contínuo de reedição, com cuidadosas revisões do próprio autor, estudantes e universidades estariam sem acesso a um pensamento certamente im- portante para os estudos literários em nos- so país. Quanto à publicação de meus textos de ficção por outra editora, caso a Ouro so- bre Azul não existisse, não me parece que encontraria entraves maiores, se posso me permitir, aqui, uma afirmação deste teor, entrando pelo terreno da franca pretensão. Mas me agrada a ideia de continuar senho- ra de todo o processo: da escolha do ori- ginal à distribuição dos livros, passando pela edição, com tudo o que ela implica, inclusive a fabricação industrial. Você chegou a mostrar o livro para mais alguém além de seu pai antes da publicação? Sentiu alguma insegurança ao se lançar em um terreno relativamente novo para você? Antes de lançá-lo mostrei Anel de vidro para Walnice Nogueira Galvão e para Ar- mando Freitas Filho, que fizeram obser- vações importantes, praticamente todas incorporadas ao texto. Quanto a ter insegurança no terreno novo, não sei se é este exatamente o senti- mento que me assalta. Sinto uma coisa apa- rentada com isto, mas que não é isto: certa incapacidade de avaliar se o que está sendo escrito tem algum valor. De maneira com- pletamente diversa do que costuma ocorrer com o projeto gráfico, em relação ao qual sei bem quando estou fazendo alguma coisa boa e quando não estou e preciso mudar o rumo. Com o texto isso não acontece. Tal- vez porque, ao contrário do que ocorre com o design, onde sou veterana, na ficção lite- rária não passo de principiante e, por isso mesmo, ainda não juntei os instrumentos necessários à autoavaliação. Quais são seus autores preferidos? Os autores de que mais gosto são Rubem Braga, Eça de Queirós e Machado de Assis, principalmente dos contos; do Guimarães Rosa anterior ao Grande sertão: veredas porque, este, jamais li; Sófocles, Shakes- peare e do Thomas Mann das histórias curtas. Gosto muito também das obras po- éticas de Carlos Drummond de Andrade e de Manuel Bandeira. Recentemente tive uma experiência extremamente enriquecedora com a leitu- ra de O leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, um romance histórico quase perfeito que, infelizmente, decai no fim, depois do episódio do baile. Mas, acima desses todos, minha predi- leção recai no Marcel Proust de Em busca do tempo perdido, livro absolutamente no- tável apesar da prolixidade em que mergu- lha com alguma frequência. Como é seu dia a dia hoje? Como alterna as atividades de designer, editora e escritora? Como elas dialogam entre si? A maior parte do tempo é dedicado a ad- ministrar a Ouro sobre Azul nos seus di- ferentes aspectos e necessidades, tentar fazer com que sobreviva aos entraves pró- prios de uma pequena empresa, no Brasil, mais especificamente de uma pequena empresa da área editorial que escolheu a qualidade como meta, em um ambiente em que tendem a predominar outros aspectos do produto, não este. No dia a dia a atividade editorial e a atividade do design gráfico são incessan- tes e convivem em pé de igualdade com a função de administrar a empresa. As três se interpenetram o tempo todo e a minha formação de desenhista industrial tem sido vital para ajustá-las fazendo com que integrem um processo que, embora complexo, está perfeitamente controlado graças, justamente, aos recursos técnicos que pude trazer da minha profissão de origem. Quanto ao tempo que tenho tido para escrever, isso já é mais complicado: me so- bram os feriados, os fins de semana, pou- ca coisa antes de dormir e, pouca coisa de manhã, antes de ir para a Ouro sobre Azul. Quer dizer, me aproprio de qualquer bre- cha que se apresente sempre que estou em casa. Soube que está trabalhando em um novo livro. Ele tem alguma semelhança com os anteriores? Pode nos adiantar do que se trata? O novo livro não tem nenhuma semelhan- ça com os anteriores, assim como Anel de vidro não tem nada a ver com O pai, a mãe e a filha: decididamente não tenho tendên- cias monotemáticas! Um traço comum aos dois já escritos e a esse que está em curso é o apego a épocas já passadas. Em vista disso me coloquei como desafio escolher, para o próximo, um tema que me obrigue a viver literariamente neste começo do sé- culo 21. No momento trabalho em um roman- ce passado em meados do século 19 e que, apesar de ir e voltar no tempo ao longo de toda a narrativa, é deflagrado por um epi- sódio histórico ocorrido no ano de 1842: a revolta liberal em Minas Gerais. O personagem central é uma mulher de classe dominante, presa e isolada por cerca de dois meses em uma solitária pelo fato de ter conspirado contra o poder cons- tituído, D. Pedro II à frente. Como a escrita transformou sua vida? Transformou muito em muitos sentidos. O pai, a mãe e a filha e Anel de vidro apa- ziguaram a necessidade de expressão que nasceu comigo, à qual a autoria literária atende de forma plena e o design gráfico atendia apenas em parte, me condenando a uma espécie de agonia surda: latente e contínua. Por outro lado, a escrita aumen- tou certa tendência ao isolamento, sempre presente e agora agravada com base na desculpa de que todo o tempo de que dis- ponho precisa ser dedicado a ela porque comecei tarde e não são tantos assim os anos que tenho pela frente. PALAVRAS ENTRE FORMAS