1. Saudade
(recordações de quem deixa os familiares por optar em permanecer com sua família)
Saudade é o que a gente sente de quem gosta. Gosta, não importa o porquê, nem quando, nem
quanto e nem como. Simplesmente gosta. Gostar, apesar de verbo, não é intransitivo.
Na família, existem sempre prós e contras. Algumas vezes mais contras do que prós. Nesses
momentos devemos repensar nossas relações, nossas condutas. Nunca o amor... Porque o
verdadeiro amor não se transforma em ódio ou rancor. Transforma-se em melancolia. Transforma-
se em saudade.
Não sei bem porque tudo começou. Um dia começou. Não me cabe apontar como isso se deu.
Cabe-me sim, dizer que restou no meu coração um grande vazio. Uma grande saudade.
Não sou bom de recordações. A maioria delas, que ainda guardo, não são tão boas assim. Porém,
ainda me lembro de rolar na cama com meus pais. De arrumar suas roupas de dormir sobre a
cama. De carregar satisfeito cestos de feira tão pesados quanto eu. De tentar consertar algumas
coisas e de quebrar outras.
Durante anos a fio tivemos os nossos momentos felizes. Tivemos nossas brigas, mais pelo
temperamento explosivo. Aí veio o distanciamento, em função de meu casamento. Distanciamento
porque a mulher que escolhi para ser a minha esposa e para ter filhos com ela não se afinava
tanto assim com o status quo. Ou vocês não a compreendiam. Tiveram com ela uma antipatia a
primeira vista. Deus sabe que nem todos somos iguais. Uns melhores, outros piores. Contudo,
devemos respeitá-los como são e não tentar mudá-los.
Hoje, em um banco da estação rodoviária, sozinho, vendo as pedras da calçada, não sei porque
tudo isso veio à minha mente. Talvez porque tenha descoberto que por mais que o homem tente
não consegue colocar uma pedra certinho junto a outra. Sempre haverá um espaço, que no
coração, assim como no piso, deve ser preenchido. Com amor.
O fardo transportado ao longo de parte de minha vida nunca foi dos mais fáceis ou leves. Em
alguns momentos as forças punham-me a faltar. Isso tudo faz parte do nosso aprendizado, da
nossa vida. Nesses momentos só contava com uma pessoa: Minha Esposa. Parece-me que isso
os incomodava.
Durante todos esses anos não soube o que era dar algum tipo de trabalho para vocês. Tentei
ajudar meus irmãos da forma e maneira que conheço ou que dispunha no momento, sem nunca
Ter deixado ou transparecido o menor vestígio de que eu tivesse influenciado de alguma forma.
Fiz e aço com enorme satisfação, não importa o que pensem de mim e como pensem. O
importante é que estou em paz com a minha consciência. Não vos peço nada, ou melhor, peço-
vos que no lugar do ódio ou rancor não exista nada ou, se possível, só saudade.
Se os nossos caminhos tiveram que se tornar paralelos, foi mais uma contingência da vida. Foi
porque quis preservar meu filho, a quem tanto amo, e a minha esposa, a quem também tanto
amo. Só Deus sabe o quanto está sendo difícil para mim manter esse afastamento. O quanto está
sendo difícil saber que sou considerado o Pária, o insubmisso, aquele que não presta, ou aquele
não confiável. Saber por pessoas que ao mesmo tempo em que tentava ajudar meu irmão esse
dizia ao mercado que eu não prestava.
Ódio, rancor e coisas semelhantes eu não guardo em meu coração. Guardo sim, uma grande
saudade. Espero sim, que se houver outra vida, em algum lugar, possamos juntos nos reconciliar
e talvez venhamos a descobrir o quê ou o porquê erramos.
Antonio Fernando Navarro - 1997