Lei municipal não alcança linhas operadas no âmbito de gestão consorciada em empresa pública multifederativa
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PARECER nº 0476/2020
Interessado: Grande Recife Consórcio de Transportes
Saj n.º: 2020.02.004153
SEI n.º 0050500003.003929/2020-87
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO.
LEI MUNICIPAL. VEDAÇÃO À
CUMULAÇÃO DAS FUNÇÕES DE
MOTORISTA E COBRADOR.
IMPOSSIBILIDADE DE A LEI
ALCANÇAR AS LINHAS OPERADAS NO
ÂMBITO DE GESTÃO CONSORCIADA
EM EMPRESA PÚBLICA
MULTIFEDRATIVA. LEI MUNICIPAL
QUE SE JUSTIFICA ATÉ
CONSTITUCIONALMENTE EM FACE DE
INTERESSE APENAS LOCAL.
1. RELATÓRIO
Por meio do Ofício nº 2359/2020 (Id. 9724449), o Diretor
Presidente do Grande Recife Consórcio de Transporte, após tecer
considerações sobre as peculiaridades do Sistema de Transporte Público
Coletivo de Passageiros/RMR, solicitou orientação acerca de como proceder
diante das previsões da Lei n.º 18.761/2020, do Município do Recife, que
proíbe a acumulação da função de cobrador de tarifas pelos motoristas de
ônibus do transporte público coletivo do Município do Recife.
O processo chega a esta PGE instruído com: a) CT/URBANA-
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PE/Nº 105/2020 (Id. 9609259); b) Despacho n.º 501 (Id. 9709503); c) Ofício n.º
040/2020 do Sindicato dos Rodoviários do Recife e RMR (Id. 9724317).
Eis o que interessa ressaltar. Em seguida, nossas considerações.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O cerne da questão posta à análise desta Procuradoria
Consultiva consiste em definir o alcance da Lei n.º 18.761/2020, do Município
do Recife, que veio vazada nos seguintes termos:
“Art. 1º Fica proibida a acumulação da função de
cobrador de tarifas pelos motoristas de ônibus do
transporte público coletivo do Município do Recife .
Parágrafo único. A função de cobrador de tarifas nos
ônibus do transporte público coletivo do Município do
Recife será exercida por profissional específico para essa
função, denominado cobrador.
Art. 2º As empresas que descumprirem a proibição
estabelecida nesta Lei terão sua concessão ou permissão
cassadas, ficando impossibilitadas de participar de
processo licitatório de serviços de transporte público
coletivo municipal.
Parágrafo único. No caso da cassação referida no caput,
fica o Município autorizado a conceder permissão de
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circulação em caráter emergencial, não superior a 30
(trinta) dias, até o estabelecimento de nova concessão ou
permissão.”
Com efeito, a lei municipal em questão proibiu que os motoristas
de ônibus, no âmbito do transporte público coletivo do Município do Recife,
acumulassem a função de cobrador de tarifas. Previu, ainda, como penalidade
às empresas que descumpram o comando em tela a pena de “cassação” ,
ficando tais operadoras “impossibilitadas de participar de processo licitatório de
serviços de transporte público coletivo municipal” .
A dúvida que surge, naturalmente, e daí a provocação do CTM, é
se a referida lei municipal é capaz de impactar no sistema de transporte de
passageiro da RMR, que é operado pelo CTM, e que ostenta a natureza
jurídica de empresa pública multifederativa composta pelo Estado de
Pernambuco, Município de Recife e Município de Olinda.
Como bem observado pelo CTM, “o transporte público de
passageiros da Região Metropolitana do Recife é um serviço de natureza
intermunicipal , dadas as condições físicas, operacionais e tarifárias,
específicas do Sistema de Transporte Público Coletivo de Passageiros/RMR” .
E continua: “Assim, proporcionam-se viagens entre municípios da
Região Metropolitana do Recife com conexões intermodais de passageiros, os
quais podem transitar para além do município de Recife, mediante vários
meios de transporte, com pagamento de uma única tarifa, caracterizando,
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em razão disso, um transporte intermunicipal .”.
Nesse sentido, não se restringindo o transporte público de
passageiros ao Município de Recife, notadamente para aquelas linhas que
transitam por mais de um município, fica claro que a situação descrita jamais
poderia se subsumir à hipótese legal prevista na Lei Municipal n.º 18.761/2020,
que se limita ao “transporte público coletivo do Município do Recife ”.
Em respeito às competências constitucionalmente estabelecidas,
que fixa a competência legislativa municipal em razão dos interesses locais
(art. 30, I, da Constituição Federal), natural que uma lei do Município de Recife
não deve ter impacto em uma operação que envolve, a bem da verdade, uma
região metropolitana, muito além das fronteiras do próprio município.
Se o Município possui competência constitucional para legislar
sobre questões apenas locais, é óbvio que uma operação de transporte
público de passageiros, via operação consorciada, responsável até mesmo
pela concessão do serviço público, não pode ser impactada por lei do
Município de Recife, que tem como campo de abrangência - critério espacial
da norma, nos dizeres do Professor Paulo de Barros Carvalho - o território do
próprio Município.
E isso porque a gestão do transporte no âmbito do CTM dá-se
em razão de interesse de vários entes federados, já que o CTM constitui-se
em empresa pública multifederativa, fruto de um acordo de vontades do
Estado de Pernambuco e dos Municípios de Olinda e Recife - tudo
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devidamente autorizado por lei de cada ente. Nesse sentido, a rigor, não se
tem hipótese de “ transporte público coletivo do Município do Recife ”,
senão um transporte intermunicipal que transita por dentro de Recife .
Imagine-se, por exemplo, as linhas de ônibus intermunicipais
concedidas no âmbito da EPTI (Empresa Pernambucana de Transporte
Intermunicipal). Pelo simples fato de um ônibus dessas linhas transitar por
Recife, teria ele que possuir necessariamente um cobrador? Óbvio que não,
visto que não se enquadraria na hipótese normativa descrita na lei municipal,
já que sequer a competência material do serviço estaria sob a gestão do
Município.
Na sequência, a pergunta que se pode colocar, então, é a
seguinte: e as linhas que estejam totalmente localizadas dentro Município de
Recife, embora dentro da gestão consorciada entre Estado de Pernambuco,
Olinda e Recife, seriam impactas pela multicitada lei municipal?
O CTM tem opinião clara sobre o tema. Ei-la: “Assim, em que
pese a hipótese de o usuário utilizar um único meio de transporte no município
do Recife, com percurso restrito ao sobredito município, o caráter
intermunicipal do transporte público, sob a gestão do CTM, não resta
descaracterizado. Pelo contrário, cumpre-nos sobrelevar que a essência do
serviço prestado reveste-se do caráter intermunicipal, sobretudo considerando
que assim é posto à disposição do usuário.” .
O CTM considera que essas linhas, mesmo adstritas ao
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Município de Recife, seriam intermunicipais, já que o usuário do sistema
poderá sempre, dadas as condições intermodais dos passageiros, “transitar
para além do município de Recife, mediante vários meios de transporte, com
pagamento de uma única tarifa, caracterizando, em razão disso, um transporte
intermunicipal.” .
Particularmente, entendemos que assiste razão ao CTM. E isto
porque essas linhas, mesmo tendo operação limitada às fronteiras do
Município de Recife, compõem um sistema intermunicipal, operado por
pessoa jurídica, inclusive, distinta do próprio Município de Recife . Na
prática, o passageiro quando adentra ao sistema, passa a usufruir de um
sistema que transborda as fronteiras do Município de Recife.
Tanto é assim que as sanções previstas na própria lei municipal
sequer podem ser aplicadas pelo Município de Recife em desfavor dessas
concessionárias/permissionárias especificamente, já que o Poder Concedente
dessas linhas é o CTM, e não o Município de Recife, que transferiu, tudo
devidamente autorizado por lei, a gestão do sistema a uma empresa pública
federativa que com ele não se confunde. Não custa lembrar que a gestão do
serviço público em questão foi conferida ao CTM.
Em outras palavras, o que se quer dizer é que a própria lei, ao
estipular as sanções, deixou evidente sua abrangência apenas para o
“transporte público coletivo do Município do Recife ”, como tal entendido
aquele delegado pelo próprio Município de Recife, a quem caberá, na
condição de Poder Concedente, aplicar as sanções que lhe são próprias as
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penalidades previstas na lei municipal sequer guardam correspondência plena
com aquelas previstas na legislação federal.
Por fim, aí sem maiores discussões a respeito, teríamos
eventualmente as linhas operacionalizadas exclusivamente no Município de
Recife e que não estejam compreendidas na gestão consorciada junto com o
CTM. Neste caso, é evidente que a operação iria se subsumir à hipótese
descrita na lei municipal, impondo à concessionária a separação obrigatória
das figuras do motorista e do cobrador.
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Não haveria dúvidas significativas porquanto a linha estaria
compreendida nos limites geográficos do Município de Recife e seria operada,
exclusivamente, pelo multicitado ente federado, sem dizer respeito a qualquer
outro Ente da Federação. O interesse, neste caso, seria estritamente local, a
autorizar, em tese, a edição de ato normativo municipal sobre o tema.
Dizemos em tese porque, a despeito da presunção de
constitucionalidade do referido ato normativo municipal, há fortes indícios de
que a lei em questão tenha invadido competência legislativa da União (art. 22,
I, da Constituição Federal), caso se entenda que o tema tratado é de Direito do
Trabalho, reclamando a provocação do Supremo Tribunal Federal (STF) para
deliberar sobre o tema o que deve ser avaliado pelo Gabinete desta
Procuradoria Geral do Estado.
Além disso, a mesma lei municipal disciplina nova forma de
extinção da concessão/permissão, ao prever a possibilidade de “cassação” em
virtude do descumprimento do dispositivo, além de estabelecer também como
penalidade a “impossibilitadas de participar de processo licitatório de serviços
de transporte público coletivo municipal ”, o que pode configurar norma geral de
Licitações e Contratação, cuja competência legislativa cabe privativamente à
União (art. 22, XXVII, da Constituição Federal).
3. CONCLUSÃO
Isto posto, entendemos que a Lei Municipal n.º
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18.761/2020, oriunda do Município de Recife, se limita a disciplinar o
“transporte público coletivo do Município do Recife ”, como tal entendido
aquele delegado pelo próprio Município de Recife, não abarcando as linhas
objeto de operação consorciada no bojo do CTM, que ostenta a condição de
empresa pública multifederativa.
Diante dos fortes indícios de inconstitucionalidade da lei
municipal em questão, sugere-se ao Gabinete da Procuradoria Geral do
Estado que adote providências no sentido de provocar a manifestação do
Supremo Tribunal Federal sobra a matéria.
É o parecer que se submete à censura superior.
Recife, 01 de dezembro de 2020.
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Danilo Almeida Nascimento
Procurador(a) do Estado de Pernambuco
Procuradoria Consultiva e UALCC
De acordo.
Encaminhe-se.
Em
Alexandre Auto de Alencar
Procurador Chefe da Procuradoria Consultiva