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ESTADO DE MINAS ● S Á B A D O ,      2 3 D E J A N E I R O D E 2 0 1 0 ● EDITOR: Boris Feldman ● E - M A I L : v e i c u l o s . e m @ u a i . c o m . b r ● T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 0 7 8 ● C L A S S I F I C A D O S : ( 3 1 ) 3 2 2 8 - 2 0 0 0


                                                                                                                                                                                                                                                    SÓ PARA
                                                                                                                                                                                                                                                    CORRIDA




                    VEÍCULOS
                                                                                                                                                                                                                                                    Porsche 911 GT3



        2
                                                                                                                                                                                                                                                    foi preparado
                                                                                                                                                                                                                                                    especialmente
                                                                                                                                                                                                                                                    para competições
                                                                                                                                                                                                                                                    deste ano

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                                                                                                        NOSTALGIA
  Os maiores públicos do Mineirão não passaram pela roleta nem torciam para times. Há
  40 anos, apenas se sentavam na grama e apreciavam os pilotos acelerarem no asfalto



A maior corrida da cidade
            DANIEL CAMARGOS
                                                                                                                                                                                                                                                             FOTOS: ARQUIVO EM




    Esqueça a data de hoje. Volte 40
anos, para 23 de janeiro, sexta-feira, de
1970. Na capa do Estado de Minas o
agito internacional com o receio do
então presidente norte-americano, Ri-
chard Nixon, temendo um choque fa-
tal com a Rússia e com a China, era o
destaque, ao lado de chamadas para
assuntos como: “Calça justa já muda
os americanos” e “Cientista defende a
pílula”. Temas que, sem dúvida, foram
fundamentais para o mundo atual.
Mas em Belo Horizonte o que não saía
da boca da moçada era a corrida do do-
mingo anterior: a prova dos 500 quilô-
metros de Belo Horizonte, vencida por
Toninho da Matta e considerada a me-
lhor entre todas as corridas de rua rea-
lizadas na capital mineira.
    Na véspera, o piloto Marcelo Cam-
pos bateu em uma picape e morreu.
Marcelo havia feito alguns ajustes em
seu Puma, número 38, e foi ao local da
prova dar algumas voltas para confe-
rir as modificações. “O trânsito estava
liberado para carros, mas não conside-           Fãs das corridas tomavam seus lugares ao chão, no improvisado circuito do Mineirão, que teve sua principal prova em 1970, quando Ivaldo e Toninho da Matta venceram a corrida
ro que foi irresponsabilidade, pois a ci-
dade era diferente, naquela época um
carro passava lá a cada meia hora”,              óleo e, por isso, não tinha freio. O Chico               da Casa de Cultura Carlos Chagas, em                     Kid. Ele diz que existia o informal tro-                 rer de kart, mas para arrumar um carro
lembra Toninho da Matta. Marcelo ti-             falou para o mecânico bater o martelo                    Oliveira, Região Centro-Oeste.                           féu DET, alusão a Sigla do então De-                     eu tinha que me virar”, conta Toninho.
nha sido campeão brasileiro de carros            no cano de cobre e isolar o freio traseiro                                                                        partamento Estadual de Trânsito, e                       A solução encontrada por vários pilotos
nacionais, no Autódromo da Barra da              e ficar só com o dianteiro. Terminei a                   INÍCIO A origem das corridas dos ra-                     que aqueles que escapassem das mo-                       foi fazer parceria com uma concessio-
Tijuca, no Rio de Janeiro, em 1969.              corrida assim, administrando”                            pazes que chegaram a aglutinar 150                       tocicletas Harley-Davidson dos poli-                     nária da época, que bancava o carro e a
    Com o acidente, a corrida, que já                Chico Landi era uma espécie de che-                  mil pessoas para vê-las (em uma épo-                     ciais eram premiados.                                    preparação em troca da publicidade,
reunia vários ingredientes, ganhou               fe da equipe e foi o primeiro piloto bra-                ca que a população de Belo Horizonte                        Além dos pegas urbanos, a turma,                      quenãoerapequena.Ospilotostinham
um componente trágico. Grande par-               sileiro a competir na Fórmula 1, além                    não passava de 1 milhão de pessoas)                      que segundo relato de Kid era conhe-                     status de artista na cidade, as corridas
te dos pilotos mineiros, que eram ami-           de ter sido o primeiro a preparar o Opa-                 não é um exemplo a ser seguido. Kid                      cida “tanto na sociedade mineira                         eram transmitidas ao vivo, porém, nem
gos de Marcelo, saíram do velório e fo-          la 21 (leia mais sobre o carro campeão                   Cabeleira, um dos pilotos da época,                      quanto na lista do DET”, promovia pe-                    o mais famoso deles era muito certo da
ram para o local da prova. Se juntaram           na página 12). O Estado de Minas do                      hoje titular de cartório na cidade, onde                 gas de Belo Horizonte até Juiz de Fora,                  fama que tinha: “Era uma coisa tão iné-
a eles pilotos de São Paulo, Rio de Ja-          dia seguinte da prova relatou que “se al-                é conhecido como Luis Carlos da Fon-                     e de lá iam para Matias Barbosa para                     dita que muita gente pensava que nós
neiro e Brasília, alguns de destaque in-         guns corredores tinham cara de sono,                     seca, recorda: “Juntávamos uns 10, 15                    depois voltar à capital. Havia também                    éramosdoidos.Quecorrerdaquelejeito
ternacional, como os irmãos Fittipaldi           no dia da corrida, foi porque passaram                   carros do pessoal que andava com o                       rachas mais curtos, entre BH e Ouro                      era coisa de maluco”, recorda Toninho.
(Wilson e Emerson), além de Luis Pe-             a noite em claro velando Marcelo”.                       pé embaixo e íamos para os nossos                        Preto ou BH e Lagoa Santa.
reira Bueno. Emerson, era o grande fa-           Aliás, alguns dos troféus, macacões, ca-                 circuitos: o Anel Rodoviário, que era                       Já Toninho da Matta diz que antes
vorito, por ser campeão da Fórmula 3
inglesa. No total, 28 veículos, entre car-
ros de rua preparados e protótipos.
                                                 pacetes e objetos da história de Marce-
                                                 lo Campos podem ser vistos no Museu
                                                                                                          bem mais estreito, o Bairro Engenho
                                                                                                          Nogueira e outros pontos”, lembra
                                                                                                                                                                   de correr no Mineirão era da turma do
                                                                                                                                                                   kart. “O meu pai me bancava para cor-                    ❚       LEIA MAIS SOBRE OS CARROS
                                                                                                                                                                                                                                             PÁGINA 12                     ❚
    Porém, o carro do favorito, o Corcel
número 74, em que fazia dupla com
Boris Feldman, apresentou uma série
de defeitos e abandonou a prova na 10ª
volta. Já Wilson pilotava um Fusca, com
dois motores, mas que teve defeito na
barra de direção, e Toninho conseguiu
abrir uma vantagem de nove voltas.
Quando conseguiu resolver o proble-
ma, Wilson retornou à prova, ultrapas-
sou Toninho, mas depois quebrou de-
finitivamente, abandonando a corrida.
    Apesar da saída dos irmãos Fittipal-
di, a tarefa não foi fácil, como conta To-
ninho: “Quando faltava uma hora para
terminar, o freio traseiro acabou, mas
não podia desistir, porque estava lide-
rando. Na hora era o Ivaldo (Ivaldo da
Matta, primo de Toninho, já falecido)
que pilotava. Ele desceu do carro e o
Chico Landi... Poxa, o Chico era o cara
para a nossa geração. Naquela época, ele
tinha 65 anos, que é a idade que eu te-
nho hoje. O Chico disse: ‘Toninho, entra
no carro’. O problema era que a tubula-
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  • 1. ESTADO DE MINAS ● S Á B A D O , 2 3 D E J A N E I R O D E 2 0 1 0 ● EDITOR: Boris Feldman ● E - M A I L : v e i c u l o s . e m @ u a i . c o m . b r ● T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 0 7 8 ● C L A S S I F I C A D O S : ( 3 1 ) 3 2 2 8 - 2 0 0 0 SÓ PARA CORRIDA VEÍCULOS Porsche 911 GT3 2 foi preparado especialmente para competições deste ano PÁGINA 10 LEIA MAIS NOTÍCIAS NO CADERNO VEÍCULOS 1 PÁGINA 9 PORSCHE/DIVULGAÇÃO NOSTALGIA Os maiores públicos do Mineirão não passaram pela roleta nem torciam para times. Há 40 anos, apenas se sentavam na grama e apreciavam os pilotos acelerarem no asfalto A maior corrida da cidade DANIEL CAMARGOS FOTOS: ARQUIVO EM Esqueça a data de hoje. Volte 40 anos, para 23 de janeiro, sexta-feira, de 1970. Na capa do Estado de Minas o agito internacional com o receio do então presidente norte-americano, Ri- chard Nixon, temendo um choque fa- tal com a Rússia e com a China, era o destaque, ao lado de chamadas para assuntos como: “Calça justa já muda os americanos” e “Cientista defende a pílula”. Temas que, sem dúvida, foram fundamentais para o mundo atual. Mas em Belo Horizonte o que não saía da boca da moçada era a corrida do do- mingo anterior: a prova dos 500 quilô- metros de Belo Horizonte, vencida por Toninho da Matta e considerada a me- lhor entre todas as corridas de rua rea- lizadas na capital mineira. Na véspera, o piloto Marcelo Cam- pos bateu em uma picape e morreu. Marcelo havia feito alguns ajustes em seu Puma, número 38, e foi ao local da prova dar algumas voltas para confe- rir as modificações. “O trânsito estava liberado para carros, mas não conside- Fãs das corridas tomavam seus lugares ao chão, no improvisado circuito do Mineirão, que teve sua principal prova em 1970, quando Ivaldo e Toninho da Matta venceram a corrida ro que foi irresponsabilidade, pois a ci- dade era diferente, naquela época um carro passava lá a cada meia hora”, óleo e, por isso, não tinha freio. O Chico da Casa de Cultura Carlos Chagas, em Kid. Ele diz que existia o informal tro- rer de kart, mas para arrumar um carro lembra Toninho da Matta. Marcelo ti- falou para o mecânico bater o martelo Oliveira, Região Centro-Oeste. féu DET, alusão a Sigla do então De- eu tinha que me virar”, conta Toninho. nha sido campeão brasileiro de carros no cano de cobre e isolar o freio traseiro partamento Estadual de Trânsito, e A solução encontrada por vários pilotos nacionais, no Autódromo da Barra da e ficar só com o dianteiro. Terminei a INÍCIO A origem das corridas dos ra- que aqueles que escapassem das mo- foi fazer parceria com uma concessio- Tijuca, no Rio de Janeiro, em 1969. corrida assim, administrando” pazes que chegaram a aglutinar 150 tocicletas Harley-Davidson dos poli- nária da época, que bancava o carro e a Com o acidente, a corrida, que já Chico Landi era uma espécie de che- mil pessoas para vê-las (em uma épo- ciais eram premiados. preparação em troca da publicidade, reunia vários ingredientes, ganhou fe da equipe e foi o primeiro piloto bra- ca que a população de Belo Horizonte Além dos pegas urbanos, a turma, quenãoerapequena.Ospilotostinham um componente trágico. Grande par- sileiro a competir na Fórmula 1, além não passava de 1 milhão de pessoas) que segundo relato de Kid era conhe- status de artista na cidade, as corridas te dos pilotos mineiros, que eram ami- de ter sido o primeiro a preparar o Opa- não é um exemplo a ser seguido. Kid cida “tanto na sociedade mineira eram transmitidas ao vivo, porém, nem gos de Marcelo, saíram do velório e fo- la 21 (leia mais sobre o carro campeão Cabeleira, um dos pilotos da época, quanto na lista do DET”, promovia pe- o mais famoso deles era muito certo da ram para o local da prova. Se juntaram na página 12). O Estado de Minas do hoje titular de cartório na cidade, onde gas de Belo Horizonte até Juiz de Fora, fama que tinha: “Era uma coisa tão iné- a eles pilotos de São Paulo, Rio de Ja- dia seguinte da prova relatou que “se al- é conhecido como Luis Carlos da Fon- e de lá iam para Matias Barbosa para dita que muita gente pensava que nós neiro e Brasília, alguns de destaque in- guns corredores tinham cara de sono, seca, recorda: “Juntávamos uns 10, 15 depois voltar à capital. Havia também éramosdoidos.Quecorrerdaquelejeito ternacional, como os irmãos Fittipaldi no dia da corrida, foi porque passaram carros do pessoal que andava com o rachas mais curtos, entre BH e Ouro era coisa de maluco”, recorda Toninho. (Wilson e Emerson), além de Luis Pe- a noite em claro velando Marcelo”. pé embaixo e íamos para os nossos Preto ou BH e Lagoa Santa. reira Bueno. Emerson, era o grande fa- Aliás, alguns dos troféus, macacões, ca- circuitos: o Anel Rodoviário, que era Já Toninho da Matta diz que antes vorito, por ser campeão da Fórmula 3 inglesa. No total, 28 veículos, entre car- ros de rua preparados e protótipos. pacetes e objetos da história de Marce- lo Campos podem ser vistos no Museu bem mais estreito, o Bairro Engenho Nogueira e outros pontos”, lembra de correr no Mineirão era da turma do kart. “O meu pai me bancava para cor- ❚ LEIA MAIS SOBRE OS CARROS PÁGINA 12 ❚ Porém, o carro do favorito, o Corcel número 74, em que fazia dupla com Boris Feldman, apresentou uma série de defeitos e abandonou a prova na 10ª volta. Já Wilson pilotava um Fusca, com dois motores, mas que teve defeito na barra de direção, e Toninho conseguiu abrir uma vantagem de nove voltas. Quando conseguiu resolver o proble- ma, Wilson retornou à prova, ultrapas- sou Toninho, mas depois quebrou de- finitivamente, abandonando a corrida. Apesar da saída dos irmãos Fittipal- di, a tarefa não foi fácil, como conta To- ninho: “Quando faltava uma hora para terminar, o freio traseiro acabou, mas não podia desistir, porque estava lide- rando. Na hora era o Ivaldo (Ivaldo da Matta, primo de Toninho, já falecido) que pilotava. Ele desceu do carro e o Chico Landi... Poxa, o Chico era o cara para a nossa geração. Naquela época, ele tinha 65 anos, que é a idade que eu te- nho hoje. O Chico disse: ‘Toninho, entra no carro’. O problema era que a tubula- ção traseira, que era de cobre, vazava