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26 e 27 de junho de 2019
2 3
TEXTO SESC
Agniati beaque cus ipidem expla vent as modi duntemp orectat
audanto berspid molor acepudisci invenihic tecearum voluptati
dollendantur aperum et quunt pore nitisqui asperum quibus
alician delibus, isciatium nonet laboreribero dolupta tquosti
oresciat.
Serum nobiti vel invelitium de quam ad molorep eritatem
aut ut quamusciis aute rerum incia sereptiis dunt et aruptat
ioratur iberuptur sed quo blatemporrum abo. Itatem quunt
ommoluptate ea solesti sin rem qui occatet volor asperia et
ute eosa dolorionem rerum latisci mporiam etur audametur
acero ipsam fugitios eatusam idunt dolupta a volut ulpa cumet
derum eliquam que nulpa nume doluptatem qui tet et auta
deria et omniend assunt aut esserci pitatem quidem. Duciis
ataepra tusdam quid eumet fugia a dolorrum nusdae velis aut
molupta tionsed quia deles as excea dolupta tumquis etus.
Serum nobiti vel invelitium de quam ad molorep eritatem
aut ut quamusciis aute rerum incia sereptiis dunt et aruptat
ioratur iberuptur sed quo blatemporrum abo. Itatem quunt
ommoluptate ea solesti sin rem qui occatet volor asperia et
ute eosa dolorionem rerum latisci mporiam etur audametur
acero ipsam.
Fugia vel ipit est, eaqui in ent doluptatem. Ita cum
conseque ipictae parumque voluptatur ratumqu aeratio as
repelle cuptatis sandelessint ipsam ipsam re endam, nest ut
ribeatur atur, sus a sae excepre, et ommod ma dollabo rendus
as repelle cuptatis sandelessint ipsam ipsam re endam, nest ut
quibus apis doloritem am sunt.
Sesc São Paulo
4
ÍNDICE
VELHICES LGBT:
DESAFIOS PARA O ENVELHECIMENTO ATIVO 7
HOMENAGEM E LEMBRANÇA ÀS PESSOAS IDOSAS
LÉSBICAS, GAYS, BISEXUAIS E TRANSEXUAIS 19
COMO É ENVELHECER COMO TRAVESTI?
ALGUMAS PERCEPÇÕES 25
MENINO VESTE AZUL E MENINA VESTE ROSA,
E NA INSTITUIÇÃO QUE COR ELES VESTEM ? 35
DEPOIMENTOS
JORDHAN LESSA, BAYARD TONELLI E GATA DE RODAS 49
PROGRAMAÇÃO 56
VELHICES LGBT:
DESAFIOS PARA O
ENVELHECIMENTO ATIVO
Diego Felix Miguel
Milton Roberto Furst Crenitte
8 9
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é uma das evidências do
significativo aumento da expectativa de vida nas últimas
décadas. A longevidade é uma conquista para nossa sociedade,
mas também o motivo de importantes ressignificações,
com a necessidade de proporcionar um melhor acolhimento
às demandas das pessoas idosas em seus aspectos
biopsicossociais, para que vivam a velhice ativamente.
A implantação de programas voltados ao Envelhecimento
Ativo foi um marco importante, e nesse contexto a proposta
da Organização Mundial da Saúde para que as pessoas idosas
tenham sua autonomia e independência preservadas teve uma
relevante contribuição para a ampliação de políticas públicas,
tanto na prevenção e orientação em saúde, quanto no
fortalecimento de espaços que promovam a participação social
desses indivíduos.
Neste cenário de pluralidade do envelhecer, constituído por
diferentes contextos e realidades socioculturais, é relevante
considerar que a tendência de envelhecimento populacional
também será observada entre lésbicas, gays, bissexuais e
pessoas transgêneras (LGBT).
Dessa forma, especialistas em geriatria e gerontologia
podem se deparar com situações desafiadoras em suas
práticas ao cuidarem de uma pessoa idosa LGBT saudável,
com demência ou até mesmo em fase final de vida.
Entretanto, essa população sofre uma “dupla
invisibilidade”. Por um lado por serem mais velhas e estarem
submetidas aos estereótipos e mitos que cerceiam a velhice,
e por outro por terem orientações sexuais e/ou identidades e
expressões de gênero menos comuns à sociedade em geral,
trazendo ao longo da vida marcas de preconceitos e violência
de origem LGBTfóbicas.
Nesse contexto, será que o acesso de pessoas idosas LGBT
às políticas públicas acontece com as mesmas oportunidades
das pessoas idosas que não são LGBT? Nos serviços voltados
para pessoas idosas, são consideradas as condições de
vulnerabilidade e de violência estrutural como o preconceito
e a LGBTfobia a fim de proporcionar um atendimento digno à
essas pessoas?
O receio de discriminação pode ser uma possível causa
para que eles evitem acessar os serviços de saúde e demais
espaços destinados à sua socialização e participação social, ou
os frequentem apenas em casos emergenciais.
Além disso, esse receio também compõe um dos fatores
do modelo de estresse de minorias, podendo levar algumas
pessoas LGBT à ansiedade, à depressão e ao suicídio.
Para ilustrar essas consequências uma pesquisa recente
mostrou que pessoas trans preferiam se suicidar se tivessem
que depender de uma instituição ou de pessoas que não
respeitassem suas identidades.
Dessa forma, além de uma forte tendência ao isolamento
social e solidão, a população idosa LGBT também expressa
piores controles de algumas doenças crônicas, como
diabetes, e também realiza menos exames preventivos
como a mamografia ou o papanicolaou, no caso das
mulheres lésbicas.
Inclusive no fim da vida, momento no qual os indivíduos
estão mais vulneráveis, as pessoas LGBT relatam, em
pesquisas, os medos de ficarem sozinhos, de serem
discriminados e de morrerem com dor.
Por essas razões, é fundamental discutir medidas para a
formação de ambientes e de profissionais friendly, além de
combater a solidão, o isolamento social e a invisibilidade que
pessoas idosas LGBT sofrem.
10 11
INVISIBILIDADE NOS SERVIÇOS
VOLTADOS PARA PESSOAS IDOSAS
A invisibilidade de pessoas LGBT nos serviços
socioassistenciais e de saúde não é diferente do desprezo que
sofrem em suas especificidades pela sociedade em geral, e
a presunção de que todos são heterossexuais e cisgêneros é
uma das maneiras de perpetuação dessa questão.
Nesse sentido, muitos questionam se seria relevante saber a
identidade de gênero e a orientação sexual de quem é assistido.
Baker e colaboradores mostraram que sim, é relevante.
Revelaram que pessoas que se abrem para seus médicos
mostram maiores níveis de satisfação, um melhor acesso aos
serviços de saúde, um melhor controle das doenças crônicas e
uma maior adesão às medidas de promoção da saúde.
Ademais, Sharek e colaboradores avaliaram as experiências
e os receios de pessoas idosas LGBT ao frequentarem os
serviços de saúde. Trata-se de um estudo importante e pioneiro
na gerontologia LGBT, principalmente por tentar entender
possíveis barreiras no acesso à saúde por essa população.
Dos 144 idosos avaliados, 25% não era “assumido” para o seu
médico, 26% expressou que nunca iria revelar sua orientação
sexual e 20% apresentava receio da reação do profissional de
saúde caso esse descobrisse sua identidade LGBT.
Tais achados poderiam estar associados com o medo
antecipado de discriminação e com a falta de confiança no
equipamento de saúde, além de explicar o porquê de mulheres
idosas lésbicas realizarem menos exames preventivos como
mamografia ou papanicoloau do que suas contemporâneas
heterosexuais. E mesmo no Canadá, conhecido por dispor
de um sistema de saúde universal, as pessoas idosas LGBT
possuem o dobro de chances de não ter um médico de família,
em relação aos idosos não LGBT.
Com isso, como considerar o Envelhecimento Ativo pela
perspectiva da autonomia e independência das pessoas idosas
LGBT, se não existem políticas específicas que garantam
seu acesso e inclusão nos serviços livres de preconceito e
violência? Existem programas que fomentem a capacitação de
profissionais que atuam na geriatria e gerontologia a fim de
assegurar um atendimento humanizado e livre de preconceitos
contra pessoas idosas LGBT?
EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO
PARA MUDAR ESSA SITUAÇÃO
A aprendizagem ao longo da vida foi apontada e inserida pelo
Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC Brasil) como
um importante aspecto do Envelhecimento Ativo que sustenta
os outros três pilares (saúde, participação e segurança),
conferindo o poder de decisão e maior assertividade na
autonomia das pessoas à medida que envelhecem.
Esse conceito dialoga diretamente com a reflexão
proposta por Paulo Freire – um dos maiores teóricos
em educação do Brasil, que defende a educação como
oportunidades de problematização e denúncia de injustiças
sociais, como forma de participação ativa do sujeito para a
transformação social.
A educação tem relação direta com a autonomia e
independência no envelhecimento e velhice – o Envelhecimento
Ativo, portanto questões de sexualidade e gênero são aspectos
relevantes para serem tratados nesse momento emergencial
de mudança de paradigmas, dando visibilidade às questões
das pessoas idosas LGBT em suas especificidades, a fim
de fortalecer vínculos afetivos, sua rede de suporte social
e fomentar seu empoderamento e protagonismo para o
enfrentamento em situações de preconceito.
12 13
Também é relevante capacitar profissionais para que
os serviços sejam humanizados e acessíveis à diversidade,
concedendo espaços de diálogo para a construção do
conhecimento de forma coletiva, considerando os processos
importantes de desconstruções e re-construções socioculturais,
a fim de melhor atender as especificidades e a pluralidade
existente nas velhices.
A ETERNAMENTESOU
Em 2017 formou-se em São Paulo (Brasil) o coletivo
EternamenteSOU, que posteriormente assumiu a identidade de
organização não-governamental (ONG), com o objetivo de dar
visibilidade às questões que norteiam as velhices LGBT.
A ONG atua também na capacitação e formação de
profissionais que atuam na rede socioassistencial e de saúde,
favorecendo assim uma cultura gerontológica mais sensível às
especificidades dessa população, unindo saberes e experiências.
Com esse intuito, a EternamenteSOU foi pioneira no Brasil
na realização de eventos específicos com a temática Velhices
LGBT em parcerias com o poder público e legislativo municipal,
tais como: Seminário Velhices LGBT, Curso de Introdução às
Velhices LGBT e Papo Diversidade.
Atuou em ações estratégicas para visibilidade do
tema, para capacitação de profissionais e para fomento
e fortalecimento de políticas públicas que atendam às
especificidades dessa população.
A EternamenteSOU realiza também eventos e atividades
socioeducativas para favorecer o autoconhecimento, a
autonomia, a independência e o empoderamento das pessoas
idosas LGBT por meio de linguagens artísticas, tais como Coral,
Expressão Corporal, Teatro, encontros temáticos mensais como
Café e Memórias LGBT, entre outras atividades que favorecem
também o reforço dos vínculos afetivos e de pertencimento,
aspectos relevantes para o fortalecimento da rede de suporte
social e de enfrentamento à solidão e ao isolamento.
SEMINÁRIO VELHICES LGBT
Em novembro de 2017 a EternamenteSou realizou o
I Seminário Velhices LGBT – primeiro evento com essa
temática no Brasil, com o objetivo de promover um diálogo
inicial entre profissionais que atuam na área socioassistencial
e de saúde, poder público, militantes e sociedade civil, a fim
de dar visibilidade às velhices LGBT.
Inspirados no sucesso do primeiro evento e empolgados
com as sinergias estimuladas e que se fortaleceram após o
primeiro evento, foi realizado em junho de 2018 o II Seminário
Velhices LGBT: expressões da violência contra a pessoa idosa,
na mesma data em que é celebrado o Dia do Orgulho LGBT
e também no mês da conscientização da violência contra a
pessoa idosa. O evento contou com reflexões importantes
sobre as questões de violência em que pessoas idosas LGBT
estão expostas pela condição etária relacionadas às questões
de gênero e orientação sexual, pela perspectiva da violência
estrutural que é um aspectos que dificultam o acesso dessas
pessoas nos serviços púiblicos.
Em junho de 2019 será realizado o 3º Seminário Velhices
LGBT: resistência, superação e um legado de esperança
que conta com a parceria do Sesc Pompeia, assim como os
parceiros que apoiam as ações da EternamenteSou desde os
primeiros passos, o vereador Toninho Vespoli – Câmara dos
Vereadores e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e
Cidadania. Neste ano, o objetivo é resgatar a esperança de
dias melhores e buscar forças para resistirmos os momentos
turbulentos que vivemos atualmente, considerando o legado
14 15
deixado pela vanguarda que abriu muitas possibilidades e
conquistas para as gerações atuais, inspirando-nos por sua
resistência e resiliência.
CURSO DE INTRODUÇÃO ÀS VELHICES LGBT
Considerando a relevância da atuação dos profissionais da rede
socioassistencial do município de São Paulo em conjunto com
as iniciativas de lideranças comunitárias e movimentos sociais
voltados para a militância, tanto dos direitos de pessoas idosas,
quanto de pessoas LGBT, o I Curso de Introdução às Velhices
LGBT aconteceu nos meses de agosto e setembro de 2018 com
o objetivo de capacitar profissionais da rede socioassistencial,
lideranças e militantes de movimentos sociais para dar visibilidade
e uma maior compreensão sobre as especificidades das Velhices
LGBT e promover uma maior aproximação entre os serviços que
atendem pessoas idosas e pessoas LGBT de modo a criar sinergias
importantes para o fortalecimento dessa rede em construção.
PAPO DIVERIDADE
Para tentar modificar o cenário de discriminação, de
insegurança e de falta de conforto em clínicas, em hospitais
e em instituições de longa permanência (ILPI), a ONG
Eternamente SOU decidiu criar um curso gratuito para todos
que trabalham com pessoas idosas.
Os encontros aconteceram na Câmara dos Vereadores de
São Paulo, também conhecida como “a casa do povo”, por ser
um espaço que representa a democracia e a diversidade, e
como estratégia de acesso ao poder legislativo promovendo a
reflexão sobre essa temática importante, forçando a visibilidade
a essa causa.
Em cada ação foram discutidos assuntos relacionados às
definições LGBT, às particularidades de saúde de cada pessoa
idosa LGBT e aos preconceitos e discriminações sofridos nos
serviços de saúde.
Além disso, também foram debatidas maneiras de
linguagem e de abordagem para ser um profissional
amigável (“friendly”), o que pode auxiliar na criação de
espaços, práticas, linguagens e símbolos que indiquem que o
equipamento de saúde pode ser inclusivo a todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação para a diversidade com atividades voltadas para
profissionais que atuam com pessoas idosas é fundamental
para rompermos com discursos e ações que desconsideram
os preconceitos e violência como a LGBTfobia, que
desqualificam a voz de pessoas idosas LGBT ou invisibilizam as
especificidades da diversidade, seja ela de origem biológica, de
orientação sexual ou de gênero.
A educação, como pilar de aprendizagem ao longo a vida,
proposto pelo ILC Brasil, tem um potencial emancipador para
as velhices LGBT, por isso, defendemos ações educativas
planejadas como estratégia de empoderamento das pessoas
idosas, para fomentar sua participação social na construção e
fortalecimento de políticas públicas constituídas por serviços
e profissionais friendly, além de cursos estruturados para
sensibilizar e capacitar profissionais que atuam em serviços
socioassistenciais e de saúde voltados à população idosa.
A EternamenteSou atua em frentes relevantes para
visibilidade do tema, tanto para o fortalecimento da rede
socioassistencial e de saúde, quanto na educação continuada
de profissionais que atuam com pessoas idosas. Desenvolve
também ações socioculturais e artísticas voltadas às pessoas
idosas LGBT, a fim de favorecer a sua convivência, socialização
e de torná-las protagonistas e participativas socialmente.
1716
REFERÊNCIAS
Organização Mundial da Saúde. Envelhecimento Ativo:
uma política de saúde. Trad. Suzana Gontijo. Brasília:
Organização Pan-Americana de Saúde, 2005.
Griebling, T.L. Sexuality and aging: A focus on lesbian, gay,
bisexual, and transgender (LGBT) needs in palliative and
end of life care. Curr. Opin. Support. Palliat. Care 2016, 10,
95–101.
Knochel KA, Quam JK, Croghan CF. Are old lesbian and gay
people well served? Understanding the perceptions,
preparation, and experiences of aging services providers.
Journal of Applied Gerontology 2010;30:370–79.
Baker K, Beagan B. Making Assumptions, Making Space:
An Anthropological Critique of cultural Competency and
Its Relevance to Queer Patients. Medical Anthropology
Quarterly 2014; 28: 579-98.
Sharek DB, McCann E, Sheerin F, et al. Older LGBT people’s
experiences and concerns with healthcare professionals
and services in Ireland. International Journal of Older
People Nursing 2014; 10: 230–40.
McNair, R. Lesbian health inequalities: a cultural minority issue
for health professionals. Medical Journal of Australia 2003;
178 (12): 643-45.
Brotman S, Ryan B, Cormier R. The health and social service
needs of gay and lesbian elders and their families in
Canada.Gerontologist 2003; 43(2):192-202.
Freire, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra,
2005.
Centro Internacional de Longevidade Brasil. Envelhecimento
Ativo: um marco político em reposta à revolução
da longevidade. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Centro
Internacional de Longevidade Brasil. 2015.
MILTON ROBERTO FURST
CRENITTE é geriatra,
colaborador do Serviço de
Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP e Diretor de
Projetos da EternamenteSOU.
DIEGO FELIX MIGUEL é
especialista em Gerontologia
pela SBGG, gestor do Centro de
Convivência e Comunicação do
Centro de Referência do Idoso
da Zona Norte – CRI Norte e
Padrinho da EternamenteSOU.
18
HOMENAGEM E LEMBRANÇA
ÀS PESSOAS IDOSAS LÉSBICAS,
GAYS, BISEXUAIS E TRANSEXUAIS
Federico Armenteros Avila
20 21
Não aparecem em revistas de moda, seu lugar tem sido nos
bastidores por quase toda a vida, são pessoas que tiveram
que viver sem uma razão e que ainda hoje são as eternas
esquecidas da história recente da nossa sociedade.
Estou falando das pessoas idosas LGBT, que ainda
estão socialmente escondidas, pessoas que ainda não
são lembradas, que não puderam viver abertamente sua
sexualidade, afeto, amor, desamor, namoro, sexo, tendo
que viver sempre um teatro, interpretando um papel de
heterossexual em todas as suas funções, sem mesmo um
descanso aos domingos. Condenadas ao “eterno retorno”,
como diria Nietzsche.
Por essa razão e por uma perspectiva de interesse social,
preocupada com a busca de uma sociedade mais igualitária, foi
forjada a ideia de criar “algo” que pudesse dar esperança a essa
camada da população insultada durante séculos, perseguida,
forçada a viver em sigilo social e pessoal por muitas décadas.
Considerada como pecadora, escória da sociedade, doente,
lasciva, viciada, pervertida e, acima de tudo, portadora do
mal do mundo (bode expiatório), foi reprimido um dos direitos
humanos mais básicos, o direito à sexualidade para desenvolver
emocionalmente quem são, sem mais.
Não ser capaz de viver sua sexualidade livremente e
integrá-la à sua identidade, não ser capaz de se expressar, não
ser capaz de demonstrar suas afeições em público, chegando
a questionar-se se este mundo em que vivem tem lugar para
si. Culturalmente são impostos óculos unidirecionais, que
forçam a deixar o seu “eu” de fora para adotar padrões de
comportamento que não são compatíveis com o seu interior,
e o resultado é uma submissão tremendamente perversa,
internalizando em si esse estado de submissão permanente à
homofobia, quase como se fossem nascidos para sofrer.
A sociedade dominante força a ver uma única cor enquanto
seu interior está lhe ensinando a ver o mundo por meio
de uma infinidade de cores (arco-íris), que não podem ser
compartilhadas com nenhuma das pessoas que estão ao seu
redor, sentindo-se como um “bicho estranho”.
Não estamos sozinhos nessa situação de dominação e
injustiça, o pensamento sobre sexualidade, heterossexismo,
coitocentrismo, machismo, poder patriarcal e, acima de
tudo, a submissão de algumas pessoas a uma forma de ver e
organizar o mundo está, felizmente, em contagem regressiva.
Isso, graças ao enfrentamento e luta dos coletivos, não com
o desejo de mudar a “receita do bolo”, mas sim de distribuir o
“bolo”, porque estamos conscientes de que não há progresso
se devolvermos na mesma moeda, mas participando em
igualdade e respeito.
Sabemos que as sociedades se autoconstroem, que não
há nada firme, verdadeiramente absoluto e durador, por isso
acreditamos que temos as ferramentas necessárias para
contribuir para a verdadeira mudança da sociedade com
nosso pequeno grão de ilusão. Somos protegidos por leis, por
aqueles que ainda não estão conscientes de que o mundo está
girando e que o tempo e a sociedade não podem parar e voltar
ao passado, às crenças antigas.
O recorte de pessoas idosas é outro sinal de mudança e
desenvolvimento social, deixando de serem os semideuses
da cultura, portadores do conhecimento, venerados,
respeitados, centro do “poder”, para serem o grande estorvo
da ancestralidade familiar, que antes regia nossa imaginação.
É um segmento em crescimento, com iniciativas
que contribuem para a mudança social, pois não estão
acomodados a desempenhar o papel que lhes é atribuído
na sociedade, de valores consumistas e descartáveis. Cada
2322
vez mais são as pessoas idosas que estão se organizando
em grupos chamados de militantes, participando da busca
por soluções mais adequadas ao nosso tempo. Busca-se
uma integração de igualdade com outros setores, uma
participação ativa, ajudando, assim, o grupo a distribuir
outros papeis onde todos podem ter uma posição igual,
independentemente de idade, sexo, gênero, etnia,
pensamento, cor de pele, local de nascimento, orientação
sexual, origem, assim como tantos outros atributos que
podem propiciar a diversidade e riqueza humana.
Com esse espírito, a Fundação 26 de Dezembro foi criada
para apoiar, acompanhar e trabalhar pelo reconhecimento
das pessoas idosas LGBT. Mas não exclusivamente, estamos
abertos para unir esforços e criar sinergias para que o projeto
siga em frente e contribua para o reconhecimento público das
pessoas que sofreram com leis injustas, mas que começaram a
ver mudança em 26 de dezembro de 1978.
Criar residenciais intergeracionais, sem segregar ou
privilegiar alguém, mas para promover o convívio em
comunidade, onde o respeito e a convivência são as normas,
será o sonho mais próximo que os convidamos para serem
atores dessa mudança.
FEDERICO ARMENTEROS AVILA
é presidente da Fundacion 26
Diciembre.
Texto traduzido do artigo em
espanhol Homenaje Y Recuerdo
A Las Personas Lesbianas, Gay,
Bisexuales Y Transexuales
Mayores
24 25
COMO É ENVELHECER
COMO TRAVESTI?
ALGUMAS PERCEPÇÕES
Pedro Paulo Sammarco Antunes
26 27
Travestis necessitarão de políticas públicas que as coloquem
no mercado de trabalho, deixando a prostituição como opção
e não como única alternativa de sobrevivência. Quando
atingirem a velhice, elas necessitarão de políticas públicas
referentes a esse período especifico da vida como: cuidados
dignos com a saúde física, mental e espiritual; preparação
específica dos profissionais da saúde para lidar com travestis e
transexuais; condições descentes de moradia; oportunidades
de trabalho; benefícios previdenciários adequados; direitos
civis assegurados; apoio jurídico; locais de socialização;
instituições de esporte, cultura, educação e lazer; formação de
cuidadores habilitados para aqueles que não tiverem condições
de se cuidar; organizações não governamentais voltadas
exclusivamente ao processo de envelhecimento da comunidade
LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros); instituições
de longa permanência voltadas para as necessidades e
especificidades do coletivo mencionado.
Na dissertação de mestrado intitulada “Travestis
envelhecem”, (Antunes, 2010), foram entrevistadas três
travestis que contam suas histórias de vida. Essa dissertação
tornou-se livro em 2013 com o mesmo título (Antunes,
2013). Alguns trechos de suas percepções em relação ao
envelhecimento, velhice e gênero estão expostos logo abaixo:
SOBRE O IMPACTO DA VELHICE PARA AS TRAVESTIS
PARA DETERMINADA ENTREVISTADA
“Porque se você trabalha na construção do feminino como as
travestis fazem, tendo que aparentar uma figura exuberante e
desejada e de bem com a vida; a velhice vai tirando tudo isto
e todos estes atributos que você adquiriu na juventude. Como
é uma pessoa assumir-se travesti na terceira idade com um
monte de preconceitos acompanhando?” (ANTUNES, 2010:129).
IMPORTÂNCIA DE REVERENCIAR AS MAIS VELHAS
PARA DETERMINADA ENTREVISTADA
“É importante respeitar e reverenciar uma travesti mais velha.
Quando chega uma travesti mais velha aqui na região, eu
reverencio com palavras e afeto. Eu comi o pão que o diabo
amassou quando cheguei aqui! Imagine você, que chegou aqui
antes de mim... Estas travestis de outrora, as precursoras,
implantaram ações dentro de cada município e estado
brasileiro e grande parte do que temos agora foi conquistado
por estas que já foram e que estão velhinhas e ninguém traz
mais para as luzes da cena.” (ANTUNES, 2010:131).
SOBRE SE PREPARAR PARA A VELHICE
PARA DETERMINADA ENTREVISTADA
“Hoje em dia, vemos no cotidiano uma grande quantidade de
travestis jovens que não se preparam para a velhice, sendo
que a média de idade delas não é muito grande. Não há
travestis com sessenta anos! Com cinqüenta, você encontra
uma ou outra... Uma travesti na ativa com trinta e oito ou
quarenta anos você não encontra mais. Quando chegam
acima dos cinqüenta anos, elas próprias se ocultam e somem
completamente.” (ANTUNES, 2010:140).
COMO É PARA DETERMINADA ENTREVISTADA
ENVELHECER COMO TRAVESTI
“Por incrível que pareça envelhecer é uma preocupação da
sociedade porque o cidadão que vai vivendo ele vai vendo a
velhice nos outros não nele. Então, aí já fica difícil responder.
Eu, por exemplo, o mês que vem eu faço sessenta e um anos,
mas eu não me vejo como as outras pessoas de sessenta
anos; não me vejo como uma sexagenária; não me sinto como
uma sexagenária. Eu tenho uma vida sexual ativa, não que
28 29
eu a procure, mas eu sou procurada. Tá bom pra você, uma
mulher de sessenta anos, uma travesti que é muito assediada
felizmente. Então, eu tenho uma vida muito plena; eu posso
dizer que eu tenho uma vida sexual plena porque eu sei o
que quero, eu conheço muito mais o meu corpo. Uma relação
sexual hoje vale por tantas que eu tive na minha juventude...
Só as pessoas burras têm medo da velhice, eu nem chamo
de velhice, chamo de maturidade, porque a maturidade é
encontro dos seus apanhados ao longo da vida, aí você faz um
buquê de flores gloriosas se você tiver sensibilidade e prestado
atenção na sua vida, ao longo dela”. (ANTUNES, 2010:204).
COMO É ENVELHECER BEM
PARA DETERMINADA ENTREVISTADA
“A idéia de envelhecer fica retida na sua aparência, mas o
seu cérebro, o seu ser, o seu espírito, ele se renova a todo
instante para aquele cidadão e cidadã que procura aprender a
todo tempo não envelhece nunca. Quando você tem o espírito
ansioso para aprender e você não tem medo das rugas que
possam aparecer no seu rosto, pois elas não bloqueiam seu
status social, a sua atuação social. A prova disto é que você
teria voltado para me entrevistar. Você teria voltado se eu não
tivesse nada para te dizer e fosse linda com vinte anos? Voltou
por quê? Porque talvez fosse interessante me entrevistar.
Você envelhece só quando não dá frutos. Quando você dá
frutos, dá sombra, você não envelhece, pois todo mundo
quer desfrutar dos seus frutos e da sua sombra. Quando as
pessoas não querem que você envelheça, elas deixam de
ver os seus traços e começam a ver a luz que emana do seu
ser... A nossa sociedade é muito cheia do rótulo. Eu observo
muito e observo o dia inteiro os jovens e elas se preocupam
muito com a minha idade porque elas sabem que eu não sou
da idade delas e que sou uma senhora, mas ao mesmo tempo
que senhora é esta que fascina, né? Qual a sua idade? Me dê
a idade que vocês quiserem porque eu me dou a idade que eu
quero e a resposta fica no ar e elas não ousam aprofundar a
idéia porque não é interessante que eu diga a minha idade”.
(ANTUNES, 2010:207-208).
COMO PERCEBE A VELHICE DAS DEMAIS TRAVESTIS
PARA DETERMINADA ENTREVISTADA
“A velhice das travestis é muito triste... As que se preparam
espiritualmente... É que a maioria pensa no seguinte, pensa
em ir para Europa, ficar rica, a aparência... Ir para Europa,
ficar rica, ter um carro, um apartamento e um bofe. Eu já não
penso assim!” (ANTUNES, 2010:234-235).
A travesti pode ser compreendida como uma resistência,
pois é contra aquilo que foi estabelecido como sendo coerente
com as normas de gênero. Por intermédio do corpo, travestis
manifestam seu contra-poder em relação à tal norma e, ainda,
poder sobre si mesmas. A travesti atinge o que é considerado
velhice ainda resistindo aos ditames de como seu corpo
“deveria ser”. Sua vida toda foi sendo marcada pela resistência.
A existência da travesti é precária desde a adolescência. Elas
já são consideradas anormais e, portanto, sem lugar. Muitas
saem ou são expulsas de casa, por causa do intenso preconceito
familiar e também da vizinhança. Assim, buscam habitar
espaços onde serão aceitas. A maioria encontra na prostituição
acolhimento afetivo, de moradia e funcionalidade mínima para
sobreviver. Passam a vida em contextos violentos. Habitam o
mundo de forma improvisada e frágil. As que atingem a velhice
podem ser consideradas verdadeiras sobreviventes.
3130
REFERÊNCIAS
ANTUNES, P. P. S. Travestis envelhecem? São Paulo:
Dissertação de mestrado, Gerontologia. PUC - SP, 2010.
ANTUNES, P. P. S. Travestis envelhecem? São Paulo:
Annablume, 2013
OUTRAS REFERÊNCIAS SOBRE
ENVELHECIMENTO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS
Artigo Científico:
Travestis, envelhecimento e velhice. Disponível na revista
eletrônica Kairós da PUC São Paulo
Entrevistas:
Canal Futura – Por que transexuais não chegam à terceira
idade?. Disponível na plataforma FuturaPlay
CBN – Travestis envelhecem? Disponível no Youtube
TV Brasil – Caminhos da Reportagem: homossexuais, o direito
de envelhecer. Disponível no site da EBC - Empresa Brasil
de Comunicação
Documentário:
Transvestilidades: Histórias de resistências no tempo.
Disponível no Youtube
PEDRO PAULO SAMMARCO
ANTUNES graduou-se pela
Faculdade de Psicologia da
Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2002). É doutor
em Psicologia Social (2016) e
mestre em Gerontologia (2010)
pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Obteve
também o título de pós-
graduação lato-sensu em
sexualidade humana pela
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
(2008). Em (2013) lançou o
livro “Travestis envelhecem?”
e em (2017) o seu segundo,
intitulado “Homofobia
internalizada: o preconceito do
homossexual contra si mesmo”
ambos pela editora Annablume.
32 33
MENINO VESTE AZUL E MENINA
VESTE ROSA, E NA INSTITUIÇÃO
QUE COR ELES VESTEM ?
Margherita
34 35
São tantas as definições e discussões hoje sobre a questão
de gênero, ser homem ou mulher, heterossexual, bissexual,
homossexual, gays, lésbicas, travestis, transexuais,
transgêneros, intersex e o que mais existir e desejar ser,
ou seja lá o nome que é utilizado para definir a expressão
de quem nos somos. Mas o que estamos tentando falar são
formas de existência que fogem a uma pseudo normalidade,
ou naturalidade como algumas pessoas buscam colocar. O que
é normal? O que é natural? Podemos definir como normal algo
que corresponde a norma, e a orma é algo construído pelo
social e ate mesmo podemos dizer pelo imaginário. Quando
falamos de gênero, pode fugir a norma heterossexista. Nem
sei se existe esta palavra, mas o que quero dizer que é tudo
que não heterossexual. Natural ou naturalidade, também é
uma definição baseada em estatísticas, que considera normal
o que corresponde a uma maioria. Sendo assim, tudo que
é diferente desta norma ou naturalidade é encarado com
desprezo e indiferença pela maioria, não levando em conta o
desejo e o prazer de cada um. Sendo assim não acredito que
nenhuma destas definições que tratam a existência de nos
humanos, muitas vezes desumana e violenta. Como podemos
dizer que a relação com o desejo e o prazer não são naturais,
uma vez que são expressões de uma existência.
Ser diferente na sua escolha do objeto que nos dá prazer
e desejo, na maioria dos casos é um ponto de discriminação,
exclusão e recusa que pode acompanhar o individuo ao
longo da sua vida, da infância a velhice e como podemos ver
recentemente até a morte, como é o caso da mulher que viveu
como Lorival toda a sua existência, não sendo possível ser
sepultada com sempre viveu, com uma identidade masculina,
por ter a marca de outro sexo em seu corpo, que ocupa as
páginas dos jornais.
Parando para pensar, como deve ter sido a vida deste
homem, escondendo-se do mundo na tentativa ser o que sua
existência demandava. Já estava pensando em escrever sobre
este tema, e a sua relação com a velhice, pois a muito tempo
venho querendo trazer um personagem a cena, que marcou
minha trajetória profissional na ILPI e na vida, sendo fonte de
ensinamentos. Ensinamento este de que seja lá a trajetória
de desejos e prazeres que os marcaram ao longo da vida, vai
estar junto também na velhice.
Escrever sobre como é a vida na instituição de longa
permanência para idosos dos que tiveram outras formas de
desejo sexual ao longo da vida e chegaram a velhice, é um
desafio, pois estes já são marcados como locais de exclusão
social, isto se agrava quando falamos de homossexualidade.
M. G. era um homem alto, loiro, de porte atlético, elegante
e educado que chegou a instituição jogando na cara de
todos sua sexualidade, não escondendo sua opção de prazer
e desejos ao longo da vida. Sentia atração e desejo por
outros homens, era gay assumido. Modos delicados, muito
elegante, volto a ressaltar, surgiu na cena da ILPI como uma
bomba para todos, residentes (outros idosos) e profissionais.
Nos profissionais conhecíamos outros idosos onde haviam
suspeitas de serem gays, mas que buscavam manter discrição,
camuflando seus desejos. Como diz minha amiga blogueira
Christiane Pommeraz, estavam em seus armários, trancados
em suas existências, talvez com medo da rejeição das
pessoas, idosos e profissionais que lá estavam.
M.G., jogava na cara de todos de forma escancarada o que
era, gay e assumia isto a todo instante.
Não preciso dizer que imediatamente a reação dos outros
idosos, que moravam na instituição foi de recusa em ter
junto, vivendo e dividindo os espaços, alguém que para eles
36 37
representava uma anomalia, mas que o único “defeito” era o
de ter seu desejo e prazer fora da “norma”.
O M.G., quando procurou a Instituição estava com 68
anos de idade. Tinha uma irmã Sra. T., viúva, doente, com
quem mantinha pouco contato. Ela encontrava-se centrada
nos problemas de saúde que tinha e não apresentava
condições emocionais para ajudar o irmão. Antes de sua
admissão na ILPI era acompanhado desde a década 1960
(devido a problemas de saúde graves e adaptação social,
em consequência de sua saúde precária) por uma Instituição
judaica que fornecia todo tipo de assistência a ele. Sempre
residiu sozinho. No decorrer do tempo em que esteve assistido
por esta instituição judaica passou por um sem númeras
cirurgias, tratamentos hospitalares e ambulatoriais. Chegou a
ficar numa ILPI, para recuperação visto não poder cuidar-se
sozinho. (Na época a irmã recusou-se a cuidar dele alegando
não ter condições emocionais). Era portador de neoplasia
de próstata com metástases ósseas e linfonodomegalias
retroperitoneas, nomes complicados para definir a doença que
acometia M.G. , câncer de próstata que atingiu os ossos.
Com o quadro da doença agravando-se, M. G. não desejava
e não devia mais viver sozinho em virtude da necessidade de
cuidados. Como era de origem judaica, e com a situação de
fragilidade que se encontrava, manifestou o desejo de ingressar,
desde logo, na ILPI visto necessitar de convívio social e
proximidade com sua cultura. Estes dois motivos, convívio social
e proximidade com a cultura, posso dizer que para conseguir,
teve que lutar muito, pois a comunidade de idosos da instituição
manifestava sua rejeição descaradamente, e a proximidade com
a cultura trazia nele lembranças duras da infância.
Foram quase 2 anos de convivência com M.G., de muita
intensidade. Como meu trabalho era direto com o grupo de
idosos da instituição, ao perceber a rejeição, busquei inclui-
lo ao grupo, que não aceitava pelo simples fato de ser gay.
Sendo o grupo “uma vergonha para a comunidade”.
No restaurante onde os idosos faziam as refeições, nas
mesas podíamos observar os amigos e pares que desfrutavam
juntos este momento, mas M.G., sempre sozinho, não era
aceito por nenhum deles. Costumava fazer suas refeições
solitário e ainda sobre os olhares e murmurinhos dos outros
idosos. No jardim e nas atividades de lazer os pedidos eram,
“tira esta aberração de perto de mim”, “me recuso a sentar
próxima a este veado”, “por que temos que conviver com este
tipo de gente”. Eram senhoras e senhores, cabeças brancas,
de caminhar lento e que também como M.G. necessitavam de
cuidados. Eu me perguntava, como eles não entendem que
antes de qualquer coisa, M.G. também precisa de cuidados,
que como eles, a velhice pesava em seus ombros, ainda mais
amplificado pela doença.
Não sei como, quando vi estava totalmente envolvida com
M.G., talvez buscando compensar este isolamento imposto a
ele pelos outros idosos da instituição.
Na infância, seus pais de origem russa, viviam, como os
imigrantes judeus que chegavam a São Paulo, no Bairro do
Bom Retiro. Perdeu a mãe aos 6 anos, agora não me recordo
o motivo, mas segundo ele, um trauma que o acompanhou
toda sua vida. Pai, severo, não aceitava a sexualidade do filho,
que desde muito pequeno já demostrava, através de gestos e
comportamentos sua escolha de desejo e prazer. M.G., contava
com os olhos marejados, quantas vezes seu pai o agrediu, só
por que sua voz era mais fina, seus gestos delicados. Que os
amigos do pai aconselhavam a bater nele, falando em idishi “
bate nele que vira homem” (língua utilizada pelos judeus do
leste europeu), que isto o tornaria um homem. Lembro como
38 39
se estive ouvindo ele falar, “os amigos do meu pai gritavam,
bate nele, assim ele vai virar homem e deixar de falar fino e
ter modos de mulherzinha”. Mas ele era um homem, só que
delicado e doce, onde seu prazer estava com outros homens.
Diante destas vivencias de discriminação, violência e
rejeição, M.G. tornou-se um homem “acido” e “sarcástico” em
um primeiro momento para quem o conhecia. As vezes ficava
nervoso e gritava com todos, uma reação que eu como psicóloga
entendia como uma forma de defesa diante de um mundo de
violência para aquele indivíduo que experimentava desde seu
nascimento, onde seu único pecado foi estar fora da norma
sexual desejada pela sociedade ao qual vivia, já que nasceu com
um órgão masculino e o um desejo considerado feminino.
Todos os dias, M.G. chegava a minha sala e lá ficava,
toda manhã, ao meu lado. Eram longas conversas, que até
impediam que eu cumprisse algumas obrigações do trabalho.
Mas com sua fala me levava a uma viagem no tempo, tempo
onde ser gay era um crime para a sociedade até o movimento
do final dos anos 70 nos EUA onde a luta LGBT inicia sua busca
por reconhecimento social e político.
M.G., viveu tudo isto. Esteve nos EUA, em São Francisco
nos anos 70, quando a comunidade gay americana inicia
um processo de organização e de luta por reconhecimento e
igualdade. Das grandes festas regadas de champanhe e lindos
homens de corpos sarados e belos, ainda não assombrados
pela AIDs. Era, segundo ele um momento de liberdade e como
dizia de “libertinagem”, no melhor sentido da palavra.”
Foram longos meses, todos os dias ao meu lado, com
histórias de dor, sofrimento, prazer e alegrias. Falava dos
homens que amou e dos que apenas teve prazer. Como uma
“cartase”, enquanto a doença avançava, mesmo com dores,
buscava refugio ao meu lado e nas suas memorias.
Tenho muitas histórias vividas com ele, que poderia
escrever longos textos, mas aqui relato algumas, de alegrias,
dor e sofrimento.
Em uma destas vezes que vivemos juntos algumas
histórias, de alegria e cumplicidade.
Na sua vida M.G., sempre gostou de glamour e
sofisticação, tomando champanhe e comendo caviar, coisa
que não haviam na instituição e que agora com a doença
ficava cada vez mais difícil. Um dia, já debilitado pela doença
pediu que fizéssemos uma reunião com alguns amigos para
despedida, um já que senti a morte aproximando-se.
Mas a rejeição e descriminação, não era apenas dos
idosos, mas também alguns profissionais, mesmo que
tentassem manter uma certa discrição, em alguns momentos
se manifestavam, dizendo “este veado enche o saco “ “ suas
histerias não dá para aguentar” . As vezes evitavam o atender,
dando uma desculpa qualquer.
Como M.G., tinha dores muito intensas, foi implantado
uma bolsa com substância com morfina, no abdômen, para
quando ele tivesse dor era apertar e uma dose seria jogada
no organismo, aliviando. Ele estava acostumado a fazer
uso de uma clínica oncológica, responsável pela prescrição
desta droga que ficava na bolsa e que era reabastecida
mensalmente. Durante muito tempo frequentava a clínica,
que segundo ele, havia acertado na manipulação da droga,
dando segurança. Há esqueci de mencionar que M.G., chegou
a ILPI como um social, assistido pela comunidade judaica, não
pagando nenhuma das suas despesas que eram custeadas
pela comunidade.
Por que estou relatando em detalhes esta parte da vida
de M.G.? Por que os médicos da ILPI eram os responsáveis
na liberação de recursos para que M.G., pudesse continuar
4140
fazendo uso desta clínica e assim poder ter a droga que o
aliviava da dor um dia, com uma desculpa de redução de
custos, proibiram que ele voltasse a clínica para a obtenção
da droga, obrigando-o a fazer uso de outro local mais barato,
mesmo que o resultado de alivio de sua dor não fosse igual
da que ele estava acostumado. M.G., argumentou, gritou e
bravejou, mas não foi atendido, indo para a clínica escolhida
pela instituição, aceitando fazer uso de outra droga, mesmo
que não com a mesma eficácia da anterior, deixando-o
exposto a episódios de dor intensa e sofrimento. Era evidente
que os profissionais, recusaram a atender às súplicas de
M.G., acredito que não foi uma questão de custo, já que a
diferença não era tão significativa, mas por que seus modos
os incomodavam.
Acompanhei todos o processo de agravamento da doença,
que o enfraquecia a cada dia. Quando chegou a IPLI, chegava
andando a minha sala e depois de quase dois anos já bem
fraco, com a morte o rondando, já de cadeiras de rodas, ainda
vinha todos os dias para conversarmos. A dor, o sofrimento, o
medo da morte, as coisas que não fez, os amores que viveu,
a solidão, a existência sem o colo da mãe, a ambiguidade de
amor e ódio pelo pai, a rejeição da única irmã, tudo M.G.,
trazia na sua fala, e eu na escuta, ouvinte, me sensibilizava
com a situação vivida pelo aquele sujeito, que talvez se não
tivesse como desejo outros homens ao longo da sua existência
teria uma outra história.
M.G., ficou até o fim na instituição, e em seu leito de
morte, em umas das visitas que fiz a ele, o mesmo pedia
para eu tentar interceder junto aos médicos, para que ele não
morresse, pois sentia que a morte estava próxima. Diante
da minha impotência frente a morte, buscava consolar sua
angustia, estando próxima a ele, acolhendo e amparando seu
sofrimento. Foram quase 4 meses assistido M.G., morrendo
um pouca a cada dia.
Ele morreu em um domingo e seu sepultamento, estava eu
lá ainda a seu lado.
Ate hoje quando lembro dele, meus olhos se enchem de
lacrimas e penso como a vida dele teria sido diferente caso
não fosse Gay, além de me perguntar por que tanto sofrimento
apenas por que seu desejo estava fora da norma?
A pouco tempo a ONG Eternamente Sou, um local que
trata de assuntos LGBT e velhice, que tem a frente jovens que
já vivem uma outra realidade, diferente do M.G., procurou
o apoio da minha empresa para seus eventos que abordam
este tema e que abracei imediatamente e que me remeteram
a situação de sofrimento e discriminação vivida pelo publico
LGBT nas instituições, de assistência e saúde, apenas pelo
fato e estarem fora da caixinha, das normas de sexualidade
vigentes.
M.G., você se foi, mas deixou em mim um aprendizado que
estarei levando a diante na minha pratica com idosos, o de
respeito, tolerância e acolhimento a todas as velhices.
VIVA M.G, VIVA! Viva em mim e nas ações dos jovens e
velhos LGBTs que lutam incansavelmente pelo reconhecimento
e respeito social.
MARGHERITA 15.03.2019
42 43
DEPOIMENTOS
Jordhan Lessa
Bayard Tonelli
Ivone de Oliveira (Gata de Rodas)
4544
É sabido por diversos meios e narrativas das pessoas trans que
nossa média de vida está muito abaixo da média geral da população
brasileira, porém, mesmo com tantas adversidades enfrentadas
durante a vida, nós estamos envelhecendo e para que não se repita a
história de Lourival, homem trans de 78 anos que teve sua dignidade
atacada e ferida publicamente em um momento que não lhe era mais
possível reagir, me coloco a disposição e com minha voz grito para
que outros Lourivais tenham um final de vida digno após uma vida
que com certeza não foi um mar de tranquilidade.
Homens trans existem, resistem e envelhecem!
Uma pessoa trans não tem armário para voltar, não temos a
possibilidade de nos desfazermos de nós mesmos para nos
encaixarmos nos padrões binários e termos direito ao envelhecimento
com qualidade de vida merecido por todo ser humano.
Nós, pessoas trans, somos muito mais do que o resultado das
aplicações de hormônios ou das modificações cirúrgicas, somos
cidadãos e cidadãs que mesmo com nossos direitos básicos negados
e da maneira mais difícil possível, pagamos impostos, cumprimos
com nossas obrigações e não são raras as vezes que o dinheiro
para tais atos provém da venda de nossos corpos em troca da
sobrevivência, mas a idade também chega para nós e nos tornamos
pessoas sem lugar, sem voz e sem vez, corpos sem vida que
guardam grande parte da história de um povo que não se reconhece
no outro e tenta a todo custo apagar as nossas existências.
É preciso usar da oralidade, mas também produzir todo tipo de
material que registrem nossas vidas, histórias e lutas. Fazemos
parte de uma mudança de paradigmas mundiais que transformarão
a maneira como a humanidade se reconhece para, quem sabe, esses
códigos não sejam mais necessários e sejamos somente HUMANOS!
JORDHAN LESSA
Caminhos para a esperança do envelhecer.
Integração e harmonia com o ser de idade e com a variável
idade do ser. Aceitar, entender e negociar as limitações
físicas! Se programar mentalmente para o envelhecimento!
Aproveitar a maturidade como caminho de sabedoria! Buscar
evolução e harmonizar com suas deficiências. E se abrir a
novas experiências, se reinventar, resistindo às pressões da
sociedade, mercado e forças fascistas religiosas! Buscar a
liberdade de ser quem você quiser ser! E rir de você mesmo,
aceitar todas as diferenças e amar o ser que vOCE construiu!
Pois juntos poderemos ainda desfrutar de um terceiro milênio
que busca se estabelecer em meio a tanta guerra, preconceito,
dominação e machismo! Se agrupar aos seus iguais, viver
aos e ver os próximos! Sensibilizar e deixar fluir! Leveza
desprendimento e conscientização! Novos tempos virão !
BAYARD TONELLI
46 47
Eu me chamo Ivone de Oliveira conhecida como Gata de
Rodas, aos seis meses de nascida tive poliomelite, portanto,
nunca andei (sou cadeirante). E o tabu da sexualidade sempre
foi uma constante na minha vida por ser uma mulher com
deficiência, com isso a minha orientação sexual, não foi uma
tarefa muito fácil para que eu saísse do “armário”, porque
sempre fui infantilizada pela família. Hoje aos 50 anos surge
outra preocupação, velhice LGBT. No Brasil, a sociedade não
respeita e não valoriza o idoso pela sua trajetória e experiência
de vida. É muito comum a família interferir na vida do idoso
e acaba tirando a sua autonomia como se fosse uma criança,
isso quando não são abandonados nos asilos. Esse é um
assunto muito sério, porque mexe com o emocional e fragiliza
o idoso, comportamento esse que acarreta o seu isolamento.
E quando o assunto é a velhice LGBT, somando tudo que já foi
dito anteriormente vem acompanhado com ela o preconceito e
a intolerância. Como se o idoso não tivesse o direito de viver
a sua sexualidade plenamente. Eu me preocupo com a minha
futura velhice de chegar no estágio de precisar “voltar para
o armário” por não ter força o suficiente para viver uma vida
plena e com dignidade. E nós como seres humanos temos
como dever olhar e cuidar da velhice LGBT. Deixar legado é o
nosso bem maior, então vamos pensar na construção de uma
casa de acolhimento para cuidar de forma confortável e digna
a velhice LGBT.
IVONE DE OLIVEIRA (GATA DE RODAS)
48 49
50 51
PROGRAMAÇÃO
18H30 - Credenciamento
Cerimonial: Tchaka Drag Quenn
- A Rainha das Festas
19H20 - Apresentação Cultural
Coral LGBT60+ EternamenteSOU
19H30 - Cerimônia de Abertura
Sesc São Paulo
Rogério Pedro - Presidente
EternamenteSou
Diego Miguel - Padrinho
EternamenteSou
Sandra Gomes - Coordenadora
de Políticas para Idosos
(SMDHC)
Federico Armenteros –
Fundacion 26 de Diciembre
Madrid
Dra. Marisa Fortunato –
Secretária em exercício da
Secretaria Municipal de Direitos
Humanos e Cidadania de São
Paulo (SMDHC)
Show de abertura
Daniela Mercury: Voz e violão
12H ÀS 12H30 – Velhices
LGBT: desafios para o
Envelhecimento Ativo
Diego Felix Miguel – Gestor
CRI Norte e padrinho
EternamenteSou
12H ÀS 13H20 – Almoço
13H30 ÀS 13H45 –
Apresentação cultural
Bayard Tonelli (Dzi Croquettes)
Coordenação da Mesa
Matheus Braz – Diretor de
Comunicação EternamenteSOU
13H45 ÀS 14H45 –
Perspectivas de um futuro
no Brasil com experiência
internacional: Primeira
Instituição de Longa
Permanência para Idosos
LGBTs do mundo (Madrid –
Espanha)
Sandra Regina Gomes –
SMDHC
Federico Armenteros –
Fundacion 26 de Diciembre
Madrid
26 DE JUNHO, QUARTA-FEIRA 27 DE JUNHO, QUINTA-FEIRA
9H ÀS 10H – Credenciamento
e Welcome Coffee
Cerimonial: Tchaka Drag Quenn
- A Rainha das Festas
10H ÀS 10H30 – Abertura
Rogério Pedro – Presidente
EternamenteSOU
Sesc São Paulo
Apresentação Cultural
Tabatha Aquino
Coordenação da mesa
Ivone de Oliveira
(Gata de rodas)
10H30 ÀS 12H – Bate papo
Velhices LGBT: Histórias de
resistência
Marisa Fernandes
Eduardo Michels
Sissy Kelly
Jordhan Lessa
14H45 ÀS 15H30 – Perguntas
15H30 ÀS 16H – Coffee Break
16H ÀS 16H20 –
Apresentação Cultural
Tabatha Aquino
Coordenação da Mesa
Edith Modesto
16H20 ÀS 17H20 – Caminhos
para a esperança do
envelhecer
Dimitri Sales
Bayard Tonelli
17H20 ÀS 17H40 – Perguntas
17H40 ÀS 18H - Encerramento
Saulo Corcovado – Vice-
Presidente EternamenteSOU
Show de encerramento
Tabatha Aquino
52 53
54 55
56 57
58 59
GESTÃOKAIRÓS
Ilustrações NERONE PRANDI
SESC POMPEIA
Rua Clélia, 93 – São Paulo
Tel.: (11) 3871-7000
     /sescpompeia
sescsp.org.br

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  • 1. 26 e 27 de junho de 2019
  • 2. 2 3 TEXTO SESC Agniati beaque cus ipidem expla vent as modi duntemp orectat audanto berspid molor acepudisci invenihic tecearum voluptati dollendantur aperum et quunt pore nitisqui asperum quibus alician delibus, isciatium nonet laboreribero dolupta tquosti oresciat. Serum nobiti vel invelitium de quam ad molorep eritatem aut ut quamusciis aute rerum incia sereptiis dunt et aruptat ioratur iberuptur sed quo blatemporrum abo. Itatem quunt ommoluptate ea solesti sin rem qui occatet volor asperia et ute eosa dolorionem rerum latisci mporiam etur audametur acero ipsam fugitios eatusam idunt dolupta a volut ulpa cumet derum eliquam que nulpa nume doluptatem qui tet et auta deria et omniend assunt aut esserci pitatem quidem. Duciis ataepra tusdam quid eumet fugia a dolorrum nusdae velis aut molupta tionsed quia deles as excea dolupta tumquis etus. Serum nobiti vel invelitium de quam ad molorep eritatem aut ut quamusciis aute rerum incia sereptiis dunt et aruptat ioratur iberuptur sed quo blatemporrum abo. Itatem quunt ommoluptate ea solesti sin rem qui occatet volor asperia et ute eosa dolorionem rerum latisci mporiam etur audametur acero ipsam. Fugia vel ipit est, eaqui in ent doluptatem. Ita cum conseque ipictae parumque voluptatur ratumqu aeratio as repelle cuptatis sandelessint ipsam ipsam re endam, nest ut ribeatur atur, sus a sae excepre, et ommod ma dollabo rendus as repelle cuptatis sandelessint ipsam ipsam re endam, nest ut quibus apis doloritem am sunt. Sesc São Paulo
  • 3. 4 ÍNDICE VELHICES LGBT: DESAFIOS PARA O ENVELHECIMENTO ATIVO 7 HOMENAGEM E LEMBRANÇA ÀS PESSOAS IDOSAS LÉSBICAS, GAYS, BISEXUAIS E TRANSEXUAIS 19 COMO É ENVELHECER COMO TRAVESTI? ALGUMAS PERCEPÇÕES 25 MENINO VESTE AZUL E MENINA VESTE ROSA, E NA INSTITUIÇÃO QUE COR ELES VESTEM ? 35 DEPOIMENTOS JORDHAN LESSA, BAYARD TONELLI E GATA DE RODAS 49 PROGRAMAÇÃO 56
  • 4. VELHICES LGBT: DESAFIOS PARA O ENVELHECIMENTO ATIVO Diego Felix Miguel Milton Roberto Furst Crenitte
  • 5. 8 9 INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional é uma das evidências do significativo aumento da expectativa de vida nas últimas décadas. A longevidade é uma conquista para nossa sociedade, mas também o motivo de importantes ressignificações, com a necessidade de proporcionar um melhor acolhimento às demandas das pessoas idosas em seus aspectos biopsicossociais, para que vivam a velhice ativamente. A implantação de programas voltados ao Envelhecimento Ativo foi um marco importante, e nesse contexto a proposta da Organização Mundial da Saúde para que as pessoas idosas tenham sua autonomia e independência preservadas teve uma relevante contribuição para a ampliação de políticas públicas, tanto na prevenção e orientação em saúde, quanto no fortalecimento de espaços que promovam a participação social desses indivíduos. Neste cenário de pluralidade do envelhecer, constituído por diferentes contextos e realidades socioculturais, é relevante considerar que a tendência de envelhecimento populacional também será observada entre lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgêneras (LGBT). Dessa forma, especialistas em geriatria e gerontologia podem se deparar com situações desafiadoras em suas práticas ao cuidarem de uma pessoa idosa LGBT saudável, com demência ou até mesmo em fase final de vida. Entretanto, essa população sofre uma “dupla invisibilidade”. Por um lado por serem mais velhas e estarem submetidas aos estereótipos e mitos que cerceiam a velhice, e por outro por terem orientações sexuais e/ou identidades e expressões de gênero menos comuns à sociedade em geral, trazendo ao longo da vida marcas de preconceitos e violência de origem LGBTfóbicas. Nesse contexto, será que o acesso de pessoas idosas LGBT às políticas públicas acontece com as mesmas oportunidades das pessoas idosas que não são LGBT? Nos serviços voltados para pessoas idosas, são consideradas as condições de vulnerabilidade e de violência estrutural como o preconceito e a LGBTfobia a fim de proporcionar um atendimento digno à essas pessoas? O receio de discriminação pode ser uma possível causa para que eles evitem acessar os serviços de saúde e demais espaços destinados à sua socialização e participação social, ou os frequentem apenas em casos emergenciais. Além disso, esse receio também compõe um dos fatores do modelo de estresse de minorias, podendo levar algumas pessoas LGBT à ansiedade, à depressão e ao suicídio. Para ilustrar essas consequências uma pesquisa recente mostrou que pessoas trans preferiam se suicidar se tivessem que depender de uma instituição ou de pessoas que não respeitassem suas identidades. Dessa forma, além de uma forte tendência ao isolamento social e solidão, a população idosa LGBT também expressa piores controles de algumas doenças crônicas, como diabetes, e também realiza menos exames preventivos como a mamografia ou o papanicolaou, no caso das mulheres lésbicas. Inclusive no fim da vida, momento no qual os indivíduos estão mais vulneráveis, as pessoas LGBT relatam, em pesquisas, os medos de ficarem sozinhos, de serem discriminados e de morrerem com dor. Por essas razões, é fundamental discutir medidas para a formação de ambientes e de profissionais friendly, além de combater a solidão, o isolamento social e a invisibilidade que pessoas idosas LGBT sofrem.
  • 6. 10 11 INVISIBILIDADE NOS SERVIÇOS VOLTADOS PARA PESSOAS IDOSAS A invisibilidade de pessoas LGBT nos serviços socioassistenciais e de saúde não é diferente do desprezo que sofrem em suas especificidades pela sociedade em geral, e a presunção de que todos são heterossexuais e cisgêneros é uma das maneiras de perpetuação dessa questão. Nesse sentido, muitos questionam se seria relevante saber a identidade de gênero e a orientação sexual de quem é assistido. Baker e colaboradores mostraram que sim, é relevante. Revelaram que pessoas que se abrem para seus médicos mostram maiores níveis de satisfação, um melhor acesso aos serviços de saúde, um melhor controle das doenças crônicas e uma maior adesão às medidas de promoção da saúde. Ademais, Sharek e colaboradores avaliaram as experiências e os receios de pessoas idosas LGBT ao frequentarem os serviços de saúde. Trata-se de um estudo importante e pioneiro na gerontologia LGBT, principalmente por tentar entender possíveis barreiras no acesso à saúde por essa população. Dos 144 idosos avaliados, 25% não era “assumido” para o seu médico, 26% expressou que nunca iria revelar sua orientação sexual e 20% apresentava receio da reação do profissional de saúde caso esse descobrisse sua identidade LGBT. Tais achados poderiam estar associados com o medo antecipado de discriminação e com a falta de confiança no equipamento de saúde, além de explicar o porquê de mulheres idosas lésbicas realizarem menos exames preventivos como mamografia ou papanicoloau do que suas contemporâneas heterosexuais. E mesmo no Canadá, conhecido por dispor de um sistema de saúde universal, as pessoas idosas LGBT possuem o dobro de chances de não ter um médico de família, em relação aos idosos não LGBT. Com isso, como considerar o Envelhecimento Ativo pela perspectiva da autonomia e independência das pessoas idosas LGBT, se não existem políticas específicas que garantam seu acesso e inclusão nos serviços livres de preconceito e violência? Existem programas que fomentem a capacitação de profissionais que atuam na geriatria e gerontologia a fim de assegurar um atendimento humanizado e livre de preconceitos contra pessoas idosas LGBT? EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO PARA MUDAR ESSA SITUAÇÃO A aprendizagem ao longo da vida foi apontada e inserida pelo Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC Brasil) como um importante aspecto do Envelhecimento Ativo que sustenta os outros três pilares (saúde, participação e segurança), conferindo o poder de decisão e maior assertividade na autonomia das pessoas à medida que envelhecem. Esse conceito dialoga diretamente com a reflexão proposta por Paulo Freire – um dos maiores teóricos em educação do Brasil, que defende a educação como oportunidades de problematização e denúncia de injustiças sociais, como forma de participação ativa do sujeito para a transformação social. A educação tem relação direta com a autonomia e independência no envelhecimento e velhice – o Envelhecimento Ativo, portanto questões de sexualidade e gênero são aspectos relevantes para serem tratados nesse momento emergencial de mudança de paradigmas, dando visibilidade às questões das pessoas idosas LGBT em suas especificidades, a fim de fortalecer vínculos afetivos, sua rede de suporte social e fomentar seu empoderamento e protagonismo para o enfrentamento em situações de preconceito.
  • 7. 12 13 Também é relevante capacitar profissionais para que os serviços sejam humanizados e acessíveis à diversidade, concedendo espaços de diálogo para a construção do conhecimento de forma coletiva, considerando os processos importantes de desconstruções e re-construções socioculturais, a fim de melhor atender as especificidades e a pluralidade existente nas velhices. A ETERNAMENTESOU Em 2017 formou-se em São Paulo (Brasil) o coletivo EternamenteSOU, que posteriormente assumiu a identidade de organização não-governamental (ONG), com o objetivo de dar visibilidade às questões que norteiam as velhices LGBT. A ONG atua também na capacitação e formação de profissionais que atuam na rede socioassistencial e de saúde, favorecendo assim uma cultura gerontológica mais sensível às especificidades dessa população, unindo saberes e experiências. Com esse intuito, a EternamenteSOU foi pioneira no Brasil na realização de eventos específicos com a temática Velhices LGBT em parcerias com o poder público e legislativo municipal, tais como: Seminário Velhices LGBT, Curso de Introdução às Velhices LGBT e Papo Diversidade. Atuou em ações estratégicas para visibilidade do tema, para capacitação de profissionais e para fomento e fortalecimento de políticas públicas que atendam às especificidades dessa população. A EternamenteSOU realiza também eventos e atividades socioeducativas para favorecer o autoconhecimento, a autonomia, a independência e o empoderamento das pessoas idosas LGBT por meio de linguagens artísticas, tais como Coral, Expressão Corporal, Teatro, encontros temáticos mensais como Café e Memórias LGBT, entre outras atividades que favorecem também o reforço dos vínculos afetivos e de pertencimento, aspectos relevantes para o fortalecimento da rede de suporte social e de enfrentamento à solidão e ao isolamento. SEMINÁRIO VELHICES LGBT Em novembro de 2017 a EternamenteSou realizou o I Seminário Velhices LGBT – primeiro evento com essa temática no Brasil, com o objetivo de promover um diálogo inicial entre profissionais que atuam na área socioassistencial e de saúde, poder público, militantes e sociedade civil, a fim de dar visibilidade às velhices LGBT. Inspirados no sucesso do primeiro evento e empolgados com as sinergias estimuladas e que se fortaleceram após o primeiro evento, foi realizado em junho de 2018 o II Seminário Velhices LGBT: expressões da violência contra a pessoa idosa, na mesma data em que é celebrado o Dia do Orgulho LGBT e também no mês da conscientização da violência contra a pessoa idosa. O evento contou com reflexões importantes sobre as questões de violência em que pessoas idosas LGBT estão expostas pela condição etária relacionadas às questões de gênero e orientação sexual, pela perspectiva da violência estrutural que é um aspectos que dificultam o acesso dessas pessoas nos serviços púiblicos. Em junho de 2019 será realizado o 3º Seminário Velhices LGBT: resistência, superação e um legado de esperança que conta com a parceria do Sesc Pompeia, assim como os parceiros que apoiam as ações da EternamenteSou desde os primeiros passos, o vereador Toninho Vespoli – Câmara dos Vereadores e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Neste ano, o objetivo é resgatar a esperança de dias melhores e buscar forças para resistirmos os momentos turbulentos que vivemos atualmente, considerando o legado
  • 8. 14 15 deixado pela vanguarda que abriu muitas possibilidades e conquistas para as gerações atuais, inspirando-nos por sua resistência e resiliência. CURSO DE INTRODUÇÃO ÀS VELHICES LGBT Considerando a relevância da atuação dos profissionais da rede socioassistencial do município de São Paulo em conjunto com as iniciativas de lideranças comunitárias e movimentos sociais voltados para a militância, tanto dos direitos de pessoas idosas, quanto de pessoas LGBT, o I Curso de Introdução às Velhices LGBT aconteceu nos meses de agosto e setembro de 2018 com o objetivo de capacitar profissionais da rede socioassistencial, lideranças e militantes de movimentos sociais para dar visibilidade e uma maior compreensão sobre as especificidades das Velhices LGBT e promover uma maior aproximação entre os serviços que atendem pessoas idosas e pessoas LGBT de modo a criar sinergias importantes para o fortalecimento dessa rede em construção. PAPO DIVERIDADE Para tentar modificar o cenário de discriminação, de insegurança e de falta de conforto em clínicas, em hospitais e em instituições de longa permanência (ILPI), a ONG Eternamente SOU decidiu criar um curso gratuito para todos que trabalham com pessoas idosas. Os encontros aconteceram na Câmara dos Vereadores de São Paulo, também conhecida como “a casa do povo”, por ser um espaço que representa a democracia e a diversidade, e como estratégia de acesso ao poder legislativo promovendo a reflexão sobre essa temática importante, forçando a visibilidade a essa causa. Em cada ação foram discutidos assuntos relacionados às definições LGBT, às particularidades de saúde de cada pessoa idosa LGBT e aos preconceitos e discriminações sofridos nos serviços de saúde. Além disso, também foram debatidas maneiras de linguagem e de abordagem para ser um profissional amigável (“friendly”), o que pode auxiliar na criação de espaços, práticas, linguagens e símbolos que indiquem que o equipamento de saúde pode ser inclusivo a todos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação para a diversidade com atividades voltadas para profissionais que atuam com pessoas idosas é fundamental para rompermos com discursos e ações que desconsideram os preconceitos e violência como a LGBTfobia, que desqualificam a voz de pessoas idosas LGBT ou invisibilizam as especificidades da diversidade, seja ela de origem biológica, de orientação sexual ou de gênero. A educação, como pilar de aprendizagem ao longo a vida, proposto pelo ILC Brasil, tem um potencial emancipador para as velhices LGBT, por isso, defendemos ações educativas planejadas como estratégia de empoderamento das pessoas idosas, para fomentar sua participação social na construção e fortalecimento de políticas públicas constituídas por serviços e profissionais friendly, além de cursos estruturados para sensibilizar e capacitar profissionais que atuam em serviços socioassistenciais e de saúde voltados à população idosa. A EternamenteSou atua em frentes relevantes para visibilidade do tema, tanto para o fortalecimento da rede socioassistencial e de saúde, quanto na educação continuada de profissionais que atuam com pessoas idosas. Desenvolve também ações socioculturais e artísticas voltadas às pessoas idosas LGBT, a fim de favorecer a sua convivência, socialização e de torná-las protagonistas e participativas socialmente.
  • 9. 1716 REFERÊNCIAS Organização Mundial da Saúde. Envelhecimento Ativo: uma política de saúde. Trad. Suzana Gontijo. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde, 2005. Griebling, T.L. Sexuality and aging: A focus on lesbian, gay, bisexual, and transgender (LGBT) needs in palliative and end of life care. Curr. Opin. Support. Palliat. Care 2016, 10, 95–101. Knochel KA, Quam JK, Croghan CF. Are old lesbian and gay people well served? Understanding the perceptions, preparation, and experiences of aging services providers. Journal of Applied Gerontology 2010;30:370–79. Baker K, Beagan B. Making Assumptions, Making Space: An Anthropological Critique of cultural Competency and Its Relevance to Queer Patients. Medical Anthropology Quarterly 2014; 28: 579-98. Sharek DB, McCann E, Sheerin F, et al. Older LGBT people’s experiences and concerns with healthcare professionals and services in Ireland. International Journal of Older People Nursing 2014; 10: 230–40. McNair, R. Lesbian health inequalities: a cultural minority issue for health professionals. Medical Journal of Australia 2003; 178 (12): 643-45. Brotman S, Ryan B, Cormier R. The health and social service needs of gay and lesbian elders and their families in Canada.Gerontologist 2003; 43(2):192-202. Freire, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005. Centro Internacional de Longevidade Brasil. Envelhecimento Ativo: um marco político em reposta à revolução da longevidade. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Centro Internacional de Longevidade Brasil. 2015. MILTON ROBERTO FURST CRENITTE é geriatra, colaborador do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e Diretor de Projetos da EternamenteSOU. DIEGO FELIX MIGUEL é especialista em Gerontologia pela SBGG, gestor do Centro de Convivência e Comunicação do Centro de Referência do Idoso da Zona Norte – CRI Norte e Padrinho da EternamenteSOU.
  • 10. 18 HOMENAGEM E LEMBRANÇA ÀS PESSOAS IDOSAS LÉSBICAS, GAYS, BISEXUAIS E TRANSEXUAIS Federico Armenteros Avila
  • 11. 20 21 Não aparecem em revistas de moda, seu lugar tem sido nos bastidores por quase toda a vida, são pessoas que tiveram que viver sem uma razão e que ainda hoje são as eternas esquecidas da história recente da nossa sociedade. Estou falando das pessoas idosas LGBT, que ainda estão socialmente escondidas, pessoas que ainda não são lembradas, que não puderam viver abertamente sua sexualidade, afeto, amor, desamor, namoro, sexo, tendo que viver sempre um teatro, interpretando um papel de heterossexual em todas as suas funções, sem mesmo um descanso aos domingos. Condenadas ao “eterno retorno”, como diria Nietzsche. Por essa razão e por uma perspectiva de interesse social, preocupada com a busca de uma sociedade mais igualitária, foi forjada a ideia de criar “algo” que pudesse dar esperança a essa camada da população insultada durante séculos, perseguida, forçada a viver em sigilo social e pessoal por muitas décadas. Considerada como pecadora, escória da sociedade, doente, lasciva, viciada, pervertida e, acima de tudo, portadora do mal do mundo (bode expiatório), foi reprimido um dos direitos humanos mais básicos, o direito à sexualidade para desenvolver emocionalmente quem são, sem mais. Não ser capaz de viver sua sexualidade livremente e integrá-la à sua identidade, não ser capaz de se expressar, não ser capaz de demonstrar suas afeições em público, chegando a questionar-se se este mundo em que vivem tem lugar para si. Culturalmente são impostos óculos unidirecionais, que forçam a deixar o seu “eu” de fora para adotar padrões de comportamento que não são compatíveis com o seu interior, e o resultado é uma submissão tremendamente perversa, internalizando em si esse estado de submissão permanente à homofobia, quase como se fossem nascidos para sofrer. A sociedade dominante força a ver uma única cor enquanto seu interior está lhe ensinando a ver o mundo por meio de uma infinidade de cores (arco-íris), que não podem ser compartilhadas com nenhuma das pessoas que estão ao seu redor, sentindo-se como um “bicho estranho”. Não estamos sozinhos nessa situação de dominação e injustiça, o pensamento sobre sexualidade, heterossexismo, coitocentrismo, machismo, poder patriarcal e, acima de tudo, a submissão de algumas pessoas a uma forma de ver e organizar o mundo está, felizmente, em contagem regressiva. Isso, graças ao enfrentamento e luta dos coletivos, não com o desejo de mudar a “receita do bolo”, mas sim de distribuir o “bolo”, porque estamos conscientes de que não há progresso se devolvermos na mesma moeda, mas participando em igualdade e respeito. Sabemos que as sociedades se autoconstroem, que não há nada firme, verdadeiramente absoluto e durador, por isso acreditamos que temos as ferramentas necessárias para contribuir para a verdadeira mudança da sociedade com nosso pequeno grão de ilusão. Somos protegidos por leis, por aqueles que ainda não estão conscientes de que o mundo está girando e que o tempo e a sociedade não podem parar e voltar ao passado, às crenças antigas. O recorte de pessoas idosas é outro sinal de mudança e desenvolvimento social, deixando de serem os semideuses da cultura, portadores do conhecimento, venerados, respeitados, centro do “poder”, para serem o grande estorvo da ancestralidade familiar, que antes regia nossa imaginação. É um segmento em crescimento, com iniciativas que contribuem para a mudança social, pois não estão acomodados a desempenhar o papel que lhes é atribuído na sociedade, de valores consumistas e descartáveis. Cada
  • 12. 2322 vez mais são as pessoas idosas que estão se organizando em grupos chamados de militantes, participando da busca por soluções mais adequadas ao nosso tempo. Busca-se uma integração de igualdade com outros setores, uma participação ativa, ajudando, assim, o grupo a distribuir outros papeis onde todos podem ter uma posição igual, independentemente de idade, sexo, gênero, etnia, pensamento, cor de pele, local de nascimento, orientação sexual, origem, assim como tantos outros atributos que podem propiciar a diversidade e riqueza humana. Com esse espírito, a Fundação 26 de Dezembro foi criada para apoiar, acompanhar e trabalhar pelo reconhecimento das pessoas idosas LGBT. Mas não exclusivamente, estamos abertos para unir esforços e criar sinergias para que o projeto siga em frente e contribua para o reconhecimento público das pessoas que sofreram com leis injustas, mas que começaram a ver mudança em 26 de dezembro de 1978. Criar residenciais intergeracionais, sem segregar ou privilegiar alguém, mas para promover o convívio em comunidade, onde o respeito e a convivência são as normas, será o sonho mais próximo que os convidamos para serem atores dessa mudança. FEDERICO ARMENTEROS AVILA é presidente da Fundacion 26 Diciembre. Texto traduzido do artigo em espanhol Homenaje Y Recuerdo A Las Personas Lesbianas, Gay, Bisexuales Y Transexuales Mayores
  • 13. 24 25 COMO É ENVELHECER COMO TRAVESTI? ALGUMAS PERCEPÇÕES Pedro Paulo Sammarco Antunes
  • 14. 26 27 Travestis necessitarão de políticas públicas que as coloquem no mercado de trabalho, deixando a prostituição como opção e não como única alternativa de sobrevivência. Quando atingirem a velhice, elas necessitarão de políticas públicas referentes a esse período especifico da vida como: cuidados dignos com a saúde física, mental e espiritual; preparação específica dos profissionais da saúde para lidar com travestis e transexuais; condições descentes de moradia; oportunidades de trabalho; benefícios previdenciários adequados; direitos civis assegurados; apoio jurídico; locais de socialização; instituições de esporte, cultura, educação e lazer; formação de cuidadores habilitados para aqueles que não tiverem condições de se cuidar; organizações não governamentais voltadas exclusivamente ao processo de envelhecimento da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros); instituições de longa permanência voltadas para as necessidades e especificidades do coletivo mencionado. Na dissertação de mestrado intitulada “Travestis envelhecem”, (Antunes, 2010), foram entrevistadas três travestis que contam suas histórias de vida. Essa dissertação tornou-se livro em 2013 com o mesmo título (Antunes, 2013). Alguns trechos de suas percepções em relação ao envelhecimento, velhice e gênero estão expostos logo abaixo: SOBRE O IMPACTO DA VELHICE PARA AS TRAVESTIS PARA DETERMINADA ENTREVISTADA “Porque se você trabalha na construção do feminino como as travestis fazem, tendo que aparentar uma figura exuberante e desejada e de bem com a vida; a velhice vai tirando tudo isto e todos estes atributos que você adquiriu na juventude. Como é uma pessoa assumir-se travesti na terceira idade com um monte de preconceitos acompanhando?” (ANTUNES, 2010:129). IMPORTÂNCIA DE REVERENCIAR AS MAIS VELHAS PARA DETERMINADA ENTREVISTADA “É importante respeitar e reverenciar uma travesti mais velha. Quando chega uma travesti mais velha aqui na região, eu reverencio com palavras e afeto. Eu comi o pão que o diabo amassou quando cheguei aqui! Imagine você, que chegou aqui antes de mim... Estas travestis de outrora, as precursoras, implantaram ações dentro de cada município e estado brasileiro e grande parte do que temos agora foi conquistado por estas que já foram e que estão velhinhas e ninguém traz mais para as luzes da cena.” (ANTUNES, 2010:131). SOBRE SE PREPARAR PARA A VELHICE PARA DETERMINADA ENTREVISTADA “Hoje em dia, vemos no cotidiano uma grande quantidade de travestis jovens que não se preparam para a velhice, sendo que a média de idade delas não é muito grande. Não há travestis com sessenta anos! Com cinqüenta, você encontra uma ou outra... Uma travesti na ativa com trinta e oito ou quarenta anos você não encontra mais. Quando chegam acima dos cinqüenta anos, elas próprias se ocultam e somem completamente.” (ANTUNES, 2010:140). COMO É PARA DETERMINADA ENTREVISTADA ENVELHECER COMO TRAVESTI “Por incrível que pareça envelhecer é uma preocupação da sociedade porque o cidadão que vai vivendo ele vai vendo a velhice nos outros não nele. Então, aí já fica difícil responder. Eu, por exemplo, o mês que vem eu faço sessenta e um anos, mas eu não me vejo como as outras pessoas de sessenta anos; não me vejo como uma sexagenária; não me sinto como uma sexagenária. Eu tenho uma vida sexual ativa, não que
  • 15. 28 29 eu a procure, mas eu sou procurada. Tá bom pra você, uma mulher de sessenta anos, uma travesti que é muito assediada felizmente. Então, eu tenho uma vida muito plena; eu posso dizer que eu tenho uma vida sexual plena porque eu sei o que quero, eu conheço muito mais o meu corpo. Uma relação sexual hoje vale por tantas que eu tive na minha juventude... Só as pessoas burras têm medo da velhice, eu nem chamo de velhice, chamo de maturidade, porque a maturidade é encontro dos seus apanhados ao longo da vida, aí você faz um buquê de flores gloriosas se você tiver sensibilidade e prestado atenção na sua vida, ao longo dela”. (ANTUNES, 2010:204). COMO É ENVELHECER BEM PARA DETERMINADA ENTREVISTADA “A idéia de envelhecer fica retida na sua aparência, mas o seu cérebro, o seu ser, o seu espírito, ele se renova a todo instante para aquele cidadão e cidadã que procura aprender a todo tempo não envelhece nunca. Quando você tem o espírito ansioso para aprender e você não tem medo das rugas que possam aparecer no seu rosto, pois elas não bloqueiam seu status social, a sua atuação social. A prova disto é que você teria voltado para me entrevistar. Você teria voltado se eu não tivesse nada para te dizer e fosse linda com vinte anos? Voltou por quê? Porque talvez fosse interessante me entrevistar. Você envelhece só quando não dá frutos. Quando você dá frutos, dá sombra, você não envelhece, pois todo mundo quer desfrutar dos seus frutos e da sua sombra. Quando as pessoas não querem que você envelheça, elas deixam de ver os seus traços e começam a ver a luz que emana do seu ser... A nossa sociedade é muito cheia do rótulo. Eu observo muito e observo o dia inteiro os jovens e elas se preocupam muito com a minha idade porque elas sabem que eu não sou da idade delas e que sou uma senhora, mas ao mesmo tempo que senhora é esta que fascina, né? Qual a sua idade? Me dê a idade que vocês quiserem porque eu me dou a idade que eu quero e a resposta fica no ar e elas não ousam aprofundar a idéia porque não é interessante que eu diga a minha idade”. (ANTUNES, 2010:207-208). COMO PERCEBE A VELHICE DAS DEMAIS TRAVESTIS PARA DETERMINADA ENTREVISTADA “A velhice das travestis é muito triste... As que se preparam espiritualmente... É que a maioria pensa no seguinte, pensa em ir para Europa, ficar rica, a aparência... Ir para Europa, ficar rica, ter um carro, um apartamento e um bofe. Eu já não penso assim!” (ANTUNES, 2010:234-235). A travesti pode ser compreendida como uma resistência, pois é contra aquilo que foi estabelecido como sendo coerente com as normas de gênero. Por intermédio do corpo, travestis manifestam seu contra-poder em relação à tal norma e, ainda, poder sobre si mesmas. A travesti atinge o que é considerado velhice ainda resistindo aos ditames de como seu corpo “deveria ser”. Sua vida toda foi sendo marcada pela resistência. A existência da travesti é precária desde a adolescência. Elas já são consideradas anormais e, portanto, sem lugar. Muitas saem ou são expulsas de casa, por causa do intenso preconceito familiar e também da vizinhança. Assim, buscam habitar espaços onde serão aceitas. A maioria encontra na prostituição acolhimento afetivo, de moradia e funcionalidade mínima para sobreviver. Passam a vida em contextos violentos. Habitam o mundo de forma improvisada e frágil. As que atingem a velhice podem ser consideradas verdadeiras sobreviventes.
  • 16. 3130 REFERÊNCIAS ANTUNES, P. P. S. Travestis envelhecem? São Paulo: Dissertação de mestrado, Gerontologia. PUC - SP, 2010. ANTUNES, P. P. S. Travestis envelhecem? São Paulo: Annablume, 2013 OUTRAS REFERÊNCIAS SOBRE ENVELHECIMENTO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS Artigo Científico: Travestis, envelhecimento e velhice. Disponível na revista eletrônica Kairós da PUC São Paulo Entrevistas: Canal Futura – Por que transexuais não chegam à terceira idade?. Disponível na plataforma FuturaPlay CBN – Travestis envelhecem? Disponível no Youtube TV Brasil – Caminhos da Reportagem: homossexuais, o direito de envelhecer. Disponível no site da EBC - Empresa Brasil de Comunicação Documentário: Transvestilidades: Histórias de resistências no tempo. Disponível no Youtube PEDRO PAULO SAMMARCO ANTUNES graduou-se pela Faculdade de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2002). É doutor em Psicologia Social (2016) e mestre em Gerontologia (2010) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Obteve também o título de pós- graduação lato-sensu em sexualidade humana pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (2008). Em (2013) lançou o livro “Travestis envelhecem?” e em (2017) o seu segundo, intitulado “Homofobia internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo” ambos pela editora Annablume.
  • 17. 32 33 MENINO VESTE AZUL E MENINA VESTE ROSA, E NA INSTITUIÇÃO QUE COR ELES VESTEM ? Margherita
  • 18. 34 35 São tantas as definições e discussões hoje sobre a questão de gênero, ser homem ou mulher, heterossexual, bissexual, homossexual, gays, lésbicas, travestis, transexuais, transgêneros, intersex e o que mais existir e desejar ser, ou seja lá o nome que é utilizado para definir a expressão de quem nos somos. Mas o que estamos tentando falar são formas de existência que fogem a uma pseudo normalidade, ou naturalidade como algumas pessoas buscam colocar. O que é normal? O que é natural? Podemos definir como normal algo que corresponde a norma, e a orma é algo construído pelo social e ate mesmo podemos dizer pelo imaginário. Quando falamos de gênero, pode fugir a norma heterossexista. Nem sei se existe esta palavra, mas o que quero dizer que é tudo que não heterossexual. Natural ou naturalidade, também é uma definição baseada em estatísticas, que considera normal o que corresponde a uma maioria. Sendo assim, tudo que é diferente desta norma ou naturalidade é encarado com desprezo e indiferença pela maioria, não levando em conta o desejo e o prazer de cada um. Sendo assim não acredito que nenhuma destas definições que tratam a existência de nos humanos, muitas vezes desumana e violenta. Como podemos dizer que a relação com o desejo e o prazer não são naturais, uma vez que são expressões de uma existência. Ser diferente na sua escolha do objeto que nos dá prazer e desejo, na maioria dos casos é um ponto de discriminação, exclusão e recusa que pode acompanhar o individuo ao longo da sua vida, da infância a velhice e como podemos ver recentemente até a morte, como é o caso da mulher que viveu como Lorival toda a sua existência, não sendo possível ser sepultada com sempre viveu, com uma identidade masculina, por ter a marca de outro sexo em seu corpo, que ocupa as páginas dos jornais. Parando para pensar, como deve ter sido a vida deste homem, escondendo-se do mundo na tentativa ser o que sua existência demandava. Já estava pensando em escrever sobre este tema, e a sua relação com a velhice, pois a muito tempo venho querendo trazer um personagem a cena, que marcou minha trajetória profissional na ILPI e na vida, sendo fonte de ensinamentos. Ensinamento este de que seja lá a trajetória de desejos e prazeres que os marcaram ao longo da vida, vai estar junto também na velhice. Escrever sobre como é a vida na instituição de longa permanência para idosos dos que tiveram outras formas de desejo sexual ao longo da vida e chegaram a velhice, é um desafio, pois estes já são marcados como locais de exclusão social, isto se agrava quando falamos de homossexualidade. M. G. era um homem alto, loiro, de porte atlético, elegante e educado que chegou a instituição jogando na cara de todos sua sexualidade, não escondendo sua opção de prazer e desejos ao longo da vida. Sentia atração e desejo por outros homens, era gay assumido. Modos delicados, muito elegante, volto a ressaltar, surgiu na cena da ILPI como uma bomba para todos, residentes (outros idosos) e profissionais. Nos profissionais conhecíamos outros idosos onde haviam suspeitas de serem gays, mas que buscavam manter discrição, camuflando seus desejos. Como diz minha amiga blogueira Christiane Pommeraz, estavam em seus armários, trancados em suas existências, talvez com medo da rejeição das pessoas, idosos e profissionais que lá estavam. M.G., jogava na cara de todos de forma escancarada o que era, gay e assumia isto a todo instante. Não preciso dizer que imediatamente a reação dos outros idosos, que moravam na instituição foi de recusa em ter junto, vivendo e dividindo os espaços, alguém que para eles
  • 19. 36 37 representava uma anomalia, mas que o único “defeito” era o de ter seu desejo e prazer fora da “norma”. O M.G., quando procurou a Instituição estava com 68 anos de idade. Tinha uma irmã Sra. T., viúva, doente, com quem mantinha pouco contato. Ela encontrava-se centrada nos problemas de saúde que tinha e não apresentava condições emocionais para ajudar o irmão. Antes de sua admissão na ILPI era acompanhado desde a década 1960 (devido a problemas de saúde graves e adaptação social, em consequência de sua saúde precária) por uma Instituição judaica que fornecia todo tipo de assistência a ele. Sempre residiu sozinho. No decorrer do tempo em que esteve assistido por esta instituição judaica passou por um sem númeras cirurgias, tratamentos hospitalares e ambulatoriais. Chegou a ficar numa ILPI, para recuperação visto não poder cuidar-se sozinho. (Na época a irmã recusou-se a cuidar dele alegando não ter condições emocionais). Era portador de neoplasia de próstata com metástases ósseas e linfonodomegalias retroperitoneas, nomes complicados para definir a doença que acometia M.G. , câncer de próstata que atingiu os ossos. Com o quadro da doença agravando-se, M. G. não desejava e não devia mais viver sozinho em virtude da necessidade de cuidados. Como era de origem judaica, e com a situação de fragilidade que se encontrava, manifestou o desejo de ingressar, desde logo, na ILPI visto necessitar de convívio social e proximidade com sua cultura. Estes dois motivos, convívio social e proximidade com a cultura, posso dizer que para conseguir, teve que lutar muito, pois a comunidade de idosos da instituição manifestava sua rejeição descaradamente, e a proximidade com a cultura trazia nele lembranças duras da infância. Foram quase 2 anos de convivência com M.G., de muita intensidade. Como meu trabalho era direto com o grupo de idosos da instituição, ao perceber a rejeição, busquei inclui- lo ao grupo, que não aceitava pelo simples fato de ser gay. Sendo o grupo “uma vergonha para a comunidade”. No restaurante onde os idosos faziam as refeições, nas mesas podíamos observar os amigos e pares que desfrutavam juntos este momento, mas M.G., sempre sozinho, não era aceito por nenhum deles. Costumava fazer suas refeições solitário e ainda sobre os olhares e murmurinhos dos outros idosos. No jardim e nas atividades de lazer os pedidos eram, “tira esta aberração de perto de mim”, “me recuso a sentar próxima a este veado”, “por que temos que conviver com este tipo de gente”. Eram senhoras e senhores, cabeças brancas, de caminhar lento e que também como M.G. necessitavam de cuidados. Eu me perguntava, como eles não entendem que antes de qualquer coisa, M.G. também precisa de cuidados, que como eles, a velhice pesava em seus ombros, ainda mais amplificado pela doença. Não sei como, quando vi estava totalmente envolvida com M.G., talvez buscando compensar este isolamento imposto a ele pelos outros idosos da instituição. Na infância, seus pais de origem russa, viviam, como os imigrantes judeus que chegavam a São Paulo, no Bairro do Bom Retiro. Perdeu a mãe aos 6 anos, agora não me recordo o motivo, mas segundo ele, um trauma que o acompanhou toda sua vida. Pai, severo, não aceitava a sexualidade do filho, que desde muito pequeno já demostrava, através de gestos e comportamentos sua escolha de desejo e prazer. M.G., contava com os olhos marejados, quantas vezes seu pai o agrediu, só por que sua voz era mais fina, seus gestos delicados. Que os amigos do pai aconselhavam a bater nele, falando em idishi “ bate nele que vira homem” (língua utilizada pelos judeus do leste europeu), que isto o tornaria um homem. Lembro como
  • 20. 38 39 se estive ouvindo ele falar, “os amigos do meu pai gritavam, bate nele, assim ele vai virar homem e deixar de falar fino e ter modos de mulherzinha”. Mas ele era um homem, só que delicado e doce, onde seu prazer estava com outros homens. Diante destas vivencias de discriminação, violência e rejeição, M.G. tornou-se um homem “acido” e “sarcástico” em um primeiro momento para quem o conhecia. As vezes ficava nervoso e gritava com todos, uma reação que eu como psicóloga entendia como uma forma de defesa diante de um mundo de violência para aquele indivíduo que experimentava desde seu nascimento, onde seu único pecado foi estar fora da norma sexual desejada pela sociedade ao qual vivia, já que nasceu com um órgão masculino e o um desejo considerado feminino. Todos os dias, M.G. chegava a minha sala e lá ficava, toda manhã, ao meu lado. Eram longas conversas, que até impediam que eu cumprisse algumas obrigações do trabalho. Mas com sua fala me levava a uma viagem no tempo, tempo onde ser gay era um crime para a sociedade até o movimento do final dos anos 70 nos EUA onde a luta LGBT inicia sua busca por reconhecimento social e político. M.G., viveu tudo isto. Esteve nos EUA, em São Francisco nos anos 70, quando a comunidade gay americana inicia um processo de organização e de luta por reconhecimento e igualdade. Das grandes festas regadas de champanhe e lindos homens de corpos sarados e belos, ainda não assombrados pela AIDs. Era, segundo ele um momento de liberdade e como dizia de “libertinagem”, no melhor sentido da palavra.” Foram longos meses, todos os dias ao meu lado, com histórias de dor, sofrimento, prazer e alegrias. Falava dos homens que amou e dos que apenas teve prazer. Como uma “cartase”, enquanto a doença avançava, mesmo com dores, buscava refugio ao meu lado e nas suas memorias. Tenho muitas histórias vividas com ele, que poderia escrever longos textos, mas aqui relato algumas, de alegrias, dor e sofrimento. Em uma destas vezes que vivemos juntos algumas histórias, de alegria e cumplicidade. Na sua vida M.G., sempre gostou de glamour e sofisticação, tomando champanhe e comendo caviar, coisa que não haviam na instituição e que agora com a doença ficava cada vez mais difícil. Um dia, já debilitado pela doença pediu que fizéssemos uma reunião com alguns amigos para despedida, um já que senti a morte aproximando-se. Mas a rejeição e descriminação, não era apenas dos idosos, mas também alguns profissionais, mesmo que tentassem manter uma certa discrição, em alguns momentos se manifestavam, dizendo “este veado enche o saco “ “ suas histerias não dá para aguentar” . As vezes evitavam o atender, dando uma desculpa qualquer. Como M.G., tinha dores muito intensas, foi implantado uma bolsa com substância com morfina, no abdômen, para quando ele tivesse dor era apertar e uma dose seria jogada no organismo, aliviando. Ele estava acostumado a fazer uso de uma clínica oncológica, responsável pela prescrição desta droga que ficava na bolsa e que era reabastecida mensalmente. Durante muito tempo frequentava a clínica, que segundo ele, havia acertado na manipulação da droga, dando segurança. Há esqueci de mencionar que M.G., chegou a ILPI como um social, assistido pela comunidade judaica, não pagando nenhuma das suas despesas que eram custeadas pela comunidade. Por que estou relatando em detalhes esta parte da vida de M.G.? Por que os médicos da ILPI eram os responsáveis na liberação de recursos para que M.G., pudesse continuar
  • 21. 4140 fazendo uso desta clínica e assim poder ter a droga que o aliviava da dor um dia, com uma desculpa de redução de custos, proibiram que ele voltasse a clínica para a obtenção da droga, obrigando-o a fazer uso de outro local mais barato, mesmo que o resultado de alivio de sua dor não fosse igual da que ele estava acostumado. M.G., argumentou, gritou e bravejou, mas não foi atendido, indo para a clínica escolhida pela instituição, aceitando fazer uso de outra droga, mesmo que não com a mesma eficácia da anterior, deixando-o exposto a episódios de dor intensa e sofrimento. Era evidente que os profissionais, recusaram a atender às súplicas de M.G., acredito que não foi uma questão de custo, já que a diferença não era tão significativa, mas por que seus modos os incomodavam. Acompanhei todos o processo de agravamento da doença, que o enfraquecia a cada dia. Quando chegou a IPLI, chegava andando a minha sala e depois de quase dois anos já bem fraco, com a morte o rondando, já de cadeiras de rodas, ainda vinha todos os dias para conversarmos. A dor, o sofrimento, o medo da morte, as coisas que não fez, os amores que viveu, a solidão, a existência sem o colo da mãe, a ambiguidade de amor e ódio pelo pai, a rejeição da única irmã, tudo M.G., trazia na sua fala, e eu na escuta, ouvinte, me sensibilizava com a situação vivida pelo aquele sujeito, que talvez se não tivesse como desejo outros homens ao longo da sua existência teria uma outra história. M.G., ficou até o fim na instituição, e em seu leito de morte, em umas das visitas que fiz a ele, o mesmo pedia para eu tentar interceder junto aos médicos, para que ele não morresse, pois sentia que a morte estava próxima. Diante da minha impotência frente a morte, buscava consolar sua angustia, estando próxima a ele, acolhendo e amparando seu sofrimento. Foram quase 4 meses assistido M.G., morrendo um pouca a cada dia. Ele morreu em um domingo e seu sepultamento, estava eu lá ainda a seu lado. Ate hoje quando lembro dele, meus olhos se enchem de lacrimas e penso como a vida dele teria sido diferente caso não fosse Gay, além de me perguntar por que tanto sofrimento apenas por que seu desejo estava fora da norma? A pouco tempo a ONG Eternamente Sou, um local que trata de assuntos LGBT e velhice, que tem a frente jovens que já vivem uma outra realidade, diferente do M.G., procurou o apoio da minha empresa para seus eventos que abordam este tema e que abracei imediatamente e que me remeteram a situação de sofrimento e discriminação vivida pelo publico LGBT nas instituições, de assistência e saúde, apenas pelo fato e estarem fora da caixinha, das normas de sexualidade vigentes. M.G., você se foi, mas deixou em mim um aprendizado que estarei levando a diante na minha pratica com idosos, o de respeito, tolerância e acolhimento a todas as velhices. VIVA M.G, VIVA! Viva em mim e nas ações dos jovens e velhos LGBTs que lutam incansavelmente pelo reconhecimento e respeito social. MARGHERITA 15.03.2019
  • 22. 42 43 DEPOIMENTOS Jordhan Lessa Bayard Tonelli Ivone de Oliveira (Gata de Rodas)
  • 23. 4544 É sabido por diversos meios e narrativas das pessoas trans que nossa média de vida está muito abaixo da média geral da população brasileira, porém, mesmo com tantas adversidades enfrentadas durante a vida, nós estamos envelhecendo e para que não se repita a história de Lourival, homem trans de 78 anos que teve sua dignidade atacada e ferida publicamente em um momento que não lhe era mais possível reagir, me coloco a disposição e com minha voz grito para que outros Lourivais tenham um final de vida digno após uma vida que com certeza não foi um mar de tranquilidade. Homens trans existem, resistem e envelhecem! Uma pessoa trans não tem armário para voltar, não temos a possibilidade de nos desfazermos de nós mesmos para nos encaixarmos nos padrões binários e termos direito ao envelhecimento com qualidade de vida merecido por todo ser humano. Nós, pessoas trans, somos muito mais do que o resultado das aplicações de hormônios ou das modificações cirúrgicas, somos cidadãos e cidadãs que mesmo com nossos direitos básicos negados e da maneira mais difícil possível, pagamos impostos, cumprimos com nossas obrigações e não são raras as vezes que o dinheiro para tais atos provém da venda de nossos corpos em troca da sobrevivência, mas a idade também chega para nós e nos tornamos pessoas sem lugar, sem voz e sem vez, corpos sem vida que guardam grande parte da história de um povo que não se reconhece no outro e tenta a todo custo apagar as nossas existências. É preciso usar da oralidade, mas também produzir todo tipo de material que registrem nossas vidas, histórias e lutas. Fazemos parte de uma mudança de paradigmas mundiais que transformarão a maneira como a humanidade se reconhece para, quem sabe, esses códigos não sejam mais necessários e sejamos somente HUMANOS! JORDHAN LESSA Caminhos para a esperança do envelhecer. Integração e harmonia com o ser de idade e com a variável idade do ser. Aceitar, entender e negociar as limitações físicas! Se programar mentalmente para o envelhecimento! Aproveitar a maturidade como caminho de sabedoria! Buscar evolução e harmonizar com suas deficiências. E se abrir a novas experiências, se reinventar, resistindo às pressões da sociedade, mercado e forças fascistas religiosas! Buscar a liberdade de ser quem você quiser ser! E rir de você mesmo, aceitar todas as diferenças e amar o ser que vOCE construiu! Pois juntos poderemos ainda desfrutar de um terceiro milênio que busca se estabelecer em meio a tanta guerra, preconceito, dominação e machismo! Se agrupar aos seus iguais, viver aos e ver os próximos! Sensibilizar e deixar fluir! Leveza desprendimento e conscientização! Novos tempos virão ! BAYARD TONELLI
  • 24. 46 47 Eu me chamo Ivone de Oliveira conhecida como Gata de Rodas, aos seis meses de nascida tive poliomelite, portanto, nunca andei (sou cadeirante). E o tabu da sexualidade sempre foi uma constante na minha vida por ser uma mulher com deficiência, com isso a minha orientação sexual, não foi uma tarefa muito fácil para que eu saísse do “armário”, porque sempre fui infantilizada pela família. Hoje aos 50 anos surge outra preocupação, velhice LGBT. No Brasil, a sociedade não respeita e não valoriza o idoso pela sua trajetória e experiência de vida. É muito comum a família interferir na vida do idoso e acaba tirando a sua autonomia como se fosse uma criança, isso quando não são abandonados nos asilos. Esse é um assunto muito sério, porque mexe com o emocional e fragiliza o idoso, comportamento esse que acarreta o seu isolamento. E quando o assunto é a velhice LGBT, somando tudo que já foi dito anteriormente vem acompanhado com ela o preconceito e a intolerância. Como se o idoso não tivesse o direito de viver a sua sexualidade plenamente. Eu me preocupo com a minha futura velhice de chegar no estágio de precisar “voltar para o armário” por não ter força o suficiente para viver uma vida plena e com dignidade. E nós como seres humanos temos como dever olhar e cuidar da velhice LGBT. Deixar legado é o nosso bem maior, então vamos pensar na construção de uma casa de acolhimento para cuidar de forma confortável e digna a velhice LGBT. IVONE DE OLIVEIRA (GATA DE RODAS)
  • 25. 48 49
  • 26. 50 51 PROGRAMAÇÃO 18H30 - Credenciamento Cerimonial: Tchaka Drag Quenn - A Rainha das Festas 19H20 - Apresentação Cultural Coral LGBT60+ EternamenteSOU 19H30 - Cerimônia de Abertura Sesc São Paulo Rogério Pedro - Presidente EternamenteSou Diego Miguel - Padrinho EternamenteSou Sandra Gomes - Coordenadora de Políticas para Idosos (SMDHC) Federico Armenteros – Fundacion 26 de Diciembre Madrid Dra. Marisa Fortunato – Secretária em exercício da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC) Show de abertura Daniela Mercury: Voz e violão 12H ÀS 12H30 – Velhices LGBT: desafios para o Envelhecimento Ativo Diego Felix Miguel – Gestor CRI Norte e padrinho EternamenteSou 12H ÀS 13H20 – Almoço 13H30 ÀS 13H45 – Apresentação cultural Bayard Tonelli (Dzi Croquettes) Coordenação da Mesa Matheus Braz – Diretor de Comunicação EternamenteSOU 13H45 ÀS 14H45 – Perspectivas de um futuro no Brasil com experiência internacional: Primeira Instituição de Longa Permanência para Idosos LGBTs do mundo (Madrid – Espanha) Sandra Regina Gomes – SMDHC Federico Armenteros – Fundacion 26 de Diciembre Madrid 26 DE JUNHO, QUARTA-FEIRA 27 DE JUNHO, QUINTA-FEIRA 9H ÀS 10H – Credenciamento e Welcome Coffee Cerimonial: Tchaka Drag Quenn - A Rainha das Festas 10H ÀS 10H30 – Abertura Rogério Pedro – Presidente EternamenteSOU Sesc São Paulo Apresentação Cultural Tabatha Aquino Coordenação da mesa Ivone de Oliveira (Gata de rodas) 10H30 ÀS 12H – Bate papo Velhices LGBT: Histórias de resistência Marisa Fernandes Eduardo Michels Sissy Kelly Jordhan Lessa 14H45 ÀS 15H30 – Perguntas 15H30 ÀS 16H – Coffee Break 16H ÀS 16H20 – Apresentação Cultural Tabatha Aquino Coordenação da Mesa Edith Modesto 16H20 ÀS 17H20 – Caminhos para a esperança do envelhecer Dimitri Sales Bayard Tonelli 17H20 ÀS 17H40 – Perguntas 17H40 ÀS 18H - Encerramento Saulo Corcovado – Vice- Presidente EternamenteSOU Show de encerramento Tabatha Aquino
  • 27. 52 53
  • 28. 54 55
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  • 31. SESC POMPEIA Rua Clélia, 93 – São Paulo Tel.: (11) 3871-7000      /sescpompeia sescsp.org.br