1. Margarida Soares 11F
27 de Abril de 2010
Quando o sol se assomou, decidido a acordar-me, já passava do meio-dia.
Espreitou ternamente do céu de Inverno que, segundo as mães, é de um azul mais
intenso do que no Verão. O acordar em El Tarter sempre fora morno e preguiçoso,
o chauffage dos chalés só se desligava por completo após os últimos bocejos do
balbuciar matinal. Depois, lentamente e uma a uma, abriam-se as janelas copiando
os filmes da Heidi, o que permitia deixar entrar o ar fresco da montanha. A preguiça
rapidamente se transformava numa súbita vontade de saltitar nos Pirinéus e de
fazer piqueniques no vale. A paisagem é um cortante estalo de paz. A época de
esqui tinha já terminado, e os restos de neve eram agora substituídos por um
ondulado manto verde que pautava a chegada de uma Primavera assumida.
A Sarah e eu dirigimo-nos para a varanda, como fizéramos todas as manhãs
daqueles quatro dias, e o chá verde acompanhou-nos em todas as conversas que
tratavam das peripécias das noites anteriores. Nesse mesmo dia, às catorze e
quinze, um autocarro levar-nos-ia até Toulouse, para que eu pudesse encontrar a
minha boleia para Portugal e para que ela regressasse a casa.
Saímos com alguma antecedência, ambas odiamos perder transportes
públicos. Esperámos cerca de dez minutos pelo autocarro e mais dois pelo cigarro
mais comido que fumado pelo Sr. Motorista. Sentei-me num qualquer primeiro
assento que vi, só desejava encostar-me e dormitar um pouco. O autocarro que
dispunha apenas de dezasseis lugares ia ainda semi-vazio, contando apenas
connosco e um casal de brasileiros. À medida que nos afastávamos do Principado
de Andorra, a Sarah tirava fotografias incessantemente a qualquer pedaço de
Natureza, ansiosa pelo seu regresso. Havia tanta coisa para ver ainda, as grutas,
os famosos trilhos das passeatas, tantas pistas por esquiar! Eu, recostada no
banco, limitava-me ao olhar diletante sobre a paisagem, ao som distorcido de “La
Bohème”, esse clássico que passava na rádio, tão distante como se se tratasse da
minha própria imaginação desprovida de pés assentes na Terra.
Por volta das cinco da tarde já avistava a cidade. Que saudades da Daurade,
do Capitole, de St. Sernin; que saudades do luxo simplista brilhantemente
arquitectado e implantado na cultura francesa; que falta me faziam os cafés dos
sotaques e das inúmeras nacionalidades... O dia estava solarengo, agradável,
decidimos vestir vestidos e passear com aquele fim de tarde cheio de música nas
ruas, bailarinas e tantas outras actividades despreocupadas.
A soirée chegou juntamente com a fome e planeámos jantar aquele
tremendo bife tártaro que provara o ano volvido. Um tartare como nunca antes
tinha comido. Direitinhas ao Monsieur George, onde batemos com o nariz na porta
pois já não estavam a servir. Batiam as dez da noite e a única solução para
acalmar o estômago era jantar no restaurante Capoul, na Place Wilson, onde
trabalha Alexandre Personne, irmão da Sarah. Jantámos ostras por recomendação
e acabou por vir um tártaro teimoso e insistente. Um naco de carne triturada
excessivamente temperada com caril e outras especiarias duvidosas. Nunca
2. chegará aos calcanhares do outro.
Terminámos a noite cedo, a Sarah tinha aulas no dia seguinte e um longo dia
de viagem me aguardava. Perdemo-nos na internet a ver excertos de musicais
franceses, maravilhadas com os cabelos de Esmeralda. Quando olhei para o lado,
a Sarah dormia. Dominada pelo cansaço, encostei-me a ela suavemente, pousei a
cabeça no seu ombro e fechei, rendida, os olhos.
− ”Notre tour viendra” - alguém disse. Acho.