O documento apresenta um resumo de três frases do livro "Ciência e Dialética em Aristóteles" de Oswaldo Porchat Pereira. O texto discute a noção de ciência em Aristóteles, abordando temas como o saber científico, o saber anterior, o demonstrado e o indemonstrável.
2. FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
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RobertoKraenkel
RosaMariaFeiteiroCavalari
EditoraExecutiva
Christine Röhrig
5. 5
ApresentaçãodaColeção
BibliotecadeFilosofia
No correr dos últimos vinte anos, vimos crescer no Brasil a pro-
duçãodetrabalhosemfilosofia,bemcomoointeresse– denatureza
profissional ou não – despertado pela filosofia em um novo público
leitor.Doladouniversitário,essecrescimentodecorreu,semdúvida,
da expansão dos cursos de pós-graduação em filosofia, provocando
pesquisasoriginaiserigorosasnosmaisdiversoscamposfilosóficos.
No entanto, em sua maior parte esses trabalhos permanecem igno-
radosousãodedifícilacesso,poissãotesesacadêmicascujosexem-
plaresficamàdisposiçãoapenasnasbibliotecasuniversitárias,mes-
moporqueamaioriadeseusautoressãojovensenãosãoprocurados
pelomercadoeditorial.Dissoresultaquebonstrabalhosacabamsendo
doconhecimentodepoucos.Do lado dos leitores universitários, au-
mentou a procura desses trabalhos porque constituem um acervo
bibliográficonacionalpreciosoparaoprosseguimentodaspesquisas
acadêmicas. Do lado dos leitores não-especialistas, a demanda por
textos de filosofia tambémcresceu,possivelmenteocasionadapelas
dificuldades práticas e teóricas do tempo presente, que vive a crise
dos projetos de emancipação, da racionalidade moderna e dos valo-
6. 6
res éticos e políticos, fazendo surgir o interesse renovado pelos fru-
tos da reflexão filosófica.
BibliotecadeFilosofiapretende,namedidadopossível,responder
tanto à necessidade de dar a conhecer a produção universitária em
filosofiacomoaointeressedosleitorespelasquestõesfilosóficas.Por
isso, as publicações se destinam a divulgar os resultados de pesqui-
sasdejovensestudiosos,mastambémtrabalhosque,entreosespe-
cialistas,sãohojeclássicosdafilosofianoBrasileque,escritoscomo
teses,jamaishaviamsidoeditados.
Esta coleção, publicando trabalhos dos mais jovens e dos mais
velhos, busca dar visibilidade ao que Antonio Candido (referindo-se
àliteraturabrasileira)chamadeum“sistemadeobras”,capazdesus-
citardebate,constituirreferênciabibliográficanacionalparaospes-
quisadores e despertar novas questões com que vá alimentando
uma tradição filosófica no Brasil, além de ampliar, com outros leito-
res, o interesse pela filosofia e suas enigmáticas questões. Que, afi-
nal, são as de todos, pois, como escreveu Merleau-Ponty, o filósofo é
simplesmenteaquelequedespertaefala,eque,paraisso,precisaser
umpoucomaiseumpoucomenoshumano.
Marilena Chauí
8. 9
Sumário
Apresentação 15
Prefácio 21
Introdução 25
I O saber científico 35
1 A noçãodeciência 35
1.1Aciência,acausaeonecessário 35
1.2Aciênciaeacategoriadarelação 44
1.3Aciênciaeaalma 47
1.4 Os outros usos do termo “ciência” 52
2 A ciência que se tem 54
2.1 A noção de ciência, a opinião comum e a realidade científica 54
2.2Ascoisascelesteseaciênciahumana 57
2.3Oparadigmamatemático 59
2.4Aristóteleseaconcepçãoplatônicadeciência 64
9. 10
3 Ciência e silogismo demonstrativo 67
3.1 A demonstração ou silogismo científico 67
3.2Osilogismoeasmatemáticas 70
3.3 O silogismo científico e o conhecimento do “que” 74
3.4Dascondiçõesdepossibilidadedademonstração 76
II Osaberanterior 79
1Aspremissasdademonstração 79
1.1Naturezadaspremissascientíficas 79
1.2Justificaçãodesuasnotascaracterísticas 81
1.3Oconhecimentodosprincípios,outraformadeciência 81
2Ciênciaeverdade 83
2.1Osereoverdadeiro,nopensamentoenascoisas 83
2.2 A inteligência e as coisas simples 87
2.3Averdade,funçãodarazãohumana 88
2.4Aciência,sempreverdadeira 89
3 O “que” e o porquê 91
3.1Aspremissas,comocausas 91
3.2 Silogismos do “que” e silogismos do porquê 93
3.3Aratiocognoscendiearatioessendi 97
3.4 As ciências do “que” 98
4Doqueseconhecemaiseantes 100
4.1 Anterioridade e conhecimento prévio 100
4.2Maiorcognoscibilidadedaspremissas 101
4.3Aaporiadoconhecimentoabsoluto 104
4.4Anoçãodeanterioridade 105
4.5ComparaçãoentreMetafísicaDeCategorias,12 108
4.6Aanterioridadesegundoaessênciaeanatureza 111
4.7Ocaminhohumanodoconhecimento:investigaçãoeciência 117
5Osindemonstráveis 125
5.1 A noção de princípio 125
5.2Aindemonstrabilidadedosprincípios 126
10. 11
5.3 Um falso dilema:
regressão ao infinito ou demonstração hipotética 128
5.4Ateoriadademonstraçãocircular 133
III Dodemonstradoaoindemonstrável 137
1 O “por si” e o acidente 138
1.1 As múltiplas acepções de “por si” e de acidente 138
1.2 O “por si” e a essência; o próprio 143
1.3 O “por si”, o acidente e a ciência 146
1.4Onecessárioqueaciêncianãoconhece 148
2 A “catolicidade” da ciência 152
2.1 O kat¦ pantÒj 152
2.2Ouniversaleaciência 153
2.3 Universalidade e sujeito primeiro 154
2.4 Acepçõesdiferentesde“universal” 156
2.5 Objeçõeserespostas 161
2.6 Superioridadedademonstraçãouniversal 164
2.7 O universal científico e a percepção sensível 169
3 A falsa “catolicidade” 172
3.1 Umprimeiroerrocontraauniversalidade 172
3.2 Osegundoerro 173
3.3 O terceiro erro 175
3.4 Verdadeiraciênciaesaberaparente 177
4Ofreqüente 178
4.1 Podehaverciênciadofreqüente? 178
4.2 Oacidente,ofreqüenteeamatéria 181
4.3 Duasacepçõesde“possível” 182
4.4 Anecessidadehipotética 185
4.5 Ofreqüenteeodevircíclico 186
4.6 Ofreqüente,objetodeciência 187
4.7 O que “no mais das vezes”
ocorre e o que “muitas vezes” acontece 189
11. 12
5Danecessidade,naspremissasdaciência 192
5.1 Ainda o “por si” e o necessário 192
5.2 Prova-seanaturezanecessáriadaspremissas 193
5.3 Necessidade ontológica e necessidade do juízo 195
5.4 Sobreamultiplicidadedecausas 196
6Daindemonstrabilidadedosprincípios 198
6.1 Proposiçõesprimeirasecadeiasdeatribuições 198
6.2 Do caráter finito das cadeias: primeira prova “lógica” 200
6.3 Segundaprova“lógica” 203
6.4 Aprovaanalítica 205
6.5 Aexistênciadosprincípioseaanálisedademonstração 207
6.6 Finidadedaciênciaefinidadedoreal 208
IV Amultiplicaçãodosaber 211
1Osgênerosdademonstração 211
1.1 A noção de gênero científico 211
1.2 A “passagem” proibida 212
1.3 A“passagem”permitida,umacontradiçãoaparente 216
1.4 Afísicamatemáticaeadoutrinada“passagem” 219
2Osprincípiospróprios 223
2.1 Gêneroseprincípios 223
2.2 Teses,hipótesesedefinições 225
2.3 As formas de conhecimento prévio 228
2.4 Soluçãodeumafalsaaporia 230
3Osaxiomasouprincípioscomuns 234
3.1 Oterceiroelementodademonstração 234
3.2 “Comuns” e axiomas, dialética e ciência do ser 236
3.3 Os axiomas e o silogismo demonstrativo 240
3.4 Osaxiomasmatemáticos,
amatemáticauniversaleafilosofiaprimeira 244
4Aunidadeimpossíveldosaber 250
4.1 Argumentos “lógicos” e argumentos analíticos 250
12. 13
4.2 As categorias do ser e os gêneros científicos 252
4.3Umparalelocomoplatonismo 255
4.4 A dialética, os “comuns” e a sofística 259
4.5 As “questões científicas” e o “a-científico” 260
4.6 Novos argumentos dialéticos:
sobreonúmerodeprincípios 263
5Adivisãodasciências 269
5.1Asciências,aspartesdaalmaeascoisas 269
5.2Ação,produçãoecontingência 272
5.3Oselementosteóricosdasciênciaspráticasepoiéticas 273
5.4 O homem, a contingência e os limites da cientificidade 276
V Definiçãoedemonstração 279
1Doqueseperguntaesabe 281
1.1Quatroperguntasquesefazem 281
1.2Aambigüidadedasexpressõesaristotélicas 283
1.3Seremsentidoabsolutoeseralgo 285
1.4Acategoriadaessênciaeasessênciasdascategorias 288
1.5Perguntarpeloser,perguntarsobreacausa 291
1.6 Aporias sobre o termo médio 294
1.7Osentidodadiscussãopreambular 297
2Aporiassobreadefinição 300
2.1 O que se demonstra, o que se define 300
2.2 O silogismo da definição 305
2.3Definiçõesnominaiseconhecimentodaqüididade 310
3Demonstraçãoedefinições 313
3.1Consideraçõespreliminares 313
3.2 O silogismo “lógico” do “o que é” 316
3.3 A busca do “o que é” e o silogismo científico 320
3.4Ademonstração,caminhoparaadefinição 325
3.5Confirma-seecomplementa-seadoutrina 329
3.6Asváriasespéciesdedefinição 331
13. 14
3.7Ciência,conhecimentodeessências 334
3.8Terminaaexposiçãosobreadoutrinadaciência 335
VI Aapreensãodosprincípios 337
1Oproblema 337
1.1Recapitulação 337
1.2Umconhecimentoanterioraodosprincípios? 339
1.3Sensação,“experiência”eapreensãodosuniversais 344
1.4Ainduçãodosprincípios 347
1.5Induçãoouinteligênciadosprincípios? 351
2OsTópicoseadialética 355
2.1 A dialética e as “ciências filosóficas” 355
2.2Característicasgeraisdaartedialética 359
2.3EstruturaeconteúdodosTópicos 361
2.4OsTópicoseametodologiadadefinição 369
2.5 A dialética e a “visão” dos princípios 370
3Asolução 374
3.1Ummétododialéticonostratados 374
3.2AdialéticaeosAnalíticos 378
3.3Induçãoemétododialético 384
3.4 Indução dialética e “visão” dos princípios 387
Conclusão 395
1.1 A “ciência lógica” e o sistema aristotélico 395
1.2 A doutrina da ciência e a problemática do critério 400
Referênciasbibliográficas 411
14. 15
Apresentação
Depois de ter lido o prefácio que Oswaldo Porchat Pereira escre-
veuparaaprimeiraediçãodestasuaobra,terminadahámaisdetrin-
taanosmassomenteagorapublicada,nãoviaqualquermotivopara
estaminhaapresentação.Apartehagiográfica,vamosdizerassim,já
estava ali desenvolvida, contando inclusive como nossa longa e pro-
fundaamizadeseentrelaçoucomafabricaçãodestelivro.Noqueres-
peita a seu conteúdo, obviamente não tenho competência para
examiná-lo no seu pormenor, pois, embora leitor assíduo de
Aristóteles,nãoparticipodogrupodehelenistascapazdevernovida-
des numa obra que tem sido lida e repensada por mais de dois mil
anos. Sou apenas consumidor de comentários especializados. Mas
comonãoqueriaestarausentedafestadestapublicação,imagineique
poderiaescreversobreoqueestetrabalhonosensinoulápelosanos
70.Nãoestariaassimsugerindoumapista,dentremuitas,paraaju-
dar o leitor na dura tarefa de digerir este livro? Nem mesmo isso se
justificaria,entretanto,seopróprioPorchatincluísseemsuaapresen-
taçãoostópicosvistosporelecomoosmaisrelevantesdeseutraba-
lho,elemesmodesbastandoocaminhodoleitor. Fiz-lheentãoduas
sugestões:1)quetrocasseonomedeprefácioporposfácio,porquanto
estavaapresentandoumtextojápronto;2)queelemesmoindicasse
aslinhasquelheaparecessemasmaisinteressantesemaisinovadoras.
15. 16
Apresentação
Porchatmeolhoumuitoconcentradoemerespondeu:“Vouconside-
rarmuitoseriamenteestasuasugestão”.
Somenteofatodelevá-laemcontajáeraauspicioso,poisdecos-
tumerecusa-seamudarumavírguladotextoquelheapareceacaba-
do.Lembra-mequeVictorGoldschmidtlhepropuserapicarolivroem
váriosartigosquefacilmentepoderiamentãoserpublicadosemrevis-
tasfrancesas.Obviamenteissonuncaaconteceu.Admiroessacapa-
cidadedefechar,característicadesuasaulasedeseusescritos,mas
às vezes desconfio que nela se escondam resquícios de seu dogma-
tismo. Costumo brincar dizendo que Porchat, de todos nós,éomais
dogmático,comaúnicadiferençaqueescrevedogmaticamentepara,
emseguida,juntaràssuasproposiçõesooperador“Apareceque”.
Diasdepoiselemedeuarespostaesperada:“Seosautoresescre-
vemprefáciosàsediçõessubseqüentesdeumaobrajápublicada,por
quenãopossoescreverumprefácioaumtextojáescrito?”.Deminha
parte,continuoapensarqueumprefácioaumasegundaediçãotoma
o livro sob novo aspecto, inclusive para dizer, quando é o caso, que
nada foi mudado. Obviamente, no que respeita ao conteúdo do tex-
to,depoisdemuitasgentilezas,acaboumeconfessandoquenãoha-
vianadaamudar. Fez-me,porém,umapropostainesperada:“Sevocê
continuaquerendolembrarosaspectosrelevantesdolivroparanos-
sadiscussãodaquelesanos,possoeumesmoescrever-lheumrotei-
rofacilitandosuatarefa.Possoresumiradiscussãoquetivemosou-
tro dia”.
Fiquei encantado com a solução e de imediato imaginei a mole-
cagem de introduzir em meu próprio texto o roteiro do autor. Prati-
cariaumaboatraição.Noextraordinárioprefácioescritoparaolivro
deFlávioJosefo,Aguerradosjudeus,PierreVidal-Naquetmostracomo
essehistoriador,emboraprofundamentejudeu,assumeaparentemen-
teumaposiçãopró-romana,poissóassim,acreditavaele,seriapos-
sível conciliar os interesses de seu povo diante da invencibilidade,
naquelemomento,damaquinariadaslegiõesdeRoma.Énessesen-
tidoque falarnumatradiçãopodeterbomuso,poisempolíticanem
16. 17
CiênciaeDialéticaemAristóteles
tudopodeestarclaro,sobrandocontudoaostraidoresaresponsabi-
lidadedeterounãoacertadoquandosemetemapescaremáguastur-
vas.Nãoseriaocasodeimitá-lo?Seinicialmentetraioaconfiançade
Porchat, que, depois do susto, porém, entrou na brincadeira, não é
porqueeledeveseroprimeiroaindicarospontosrelevantesdeuma
obraquedeixourolaranosnagaveta?Masnessaboatraição,antesde
tudooqueapareceéopróprioPorchat,doqualnãopoderiafazerme-
lhor retrato se não me ocultasse atrás de um texto, que ele somente
dariaparauns poucosamigos.Eisotextoeseuautor.
CiênciaedialéticaemAristóteles
• UmaanáliselongaeexaustivadaestruturaeconteúdodosSegun-
dosAnalíticos.
• Estudoaprofundadodanoçãoaristotélicadeepistéme,fazendo-nos
remontaraseuselementoseasuascondiçõesdepossibilidade.Mos-
trando como, ao contrário do que por muito tempo se disse, Aris-
tóteles valorizou de modo todo especial o saber matemático, que
tomoucomoparadigmaemsuaanálisedacientificidade.Sãoasma-
temáticasquerevelamaAristótelesanaturezadaepistéme.
• Ciência, saber demonstrativo. A natureza dos silogismos da ciên-
cia.Anaturezadaspremissascientíficas.Anoçãodeprincípioea
indemonstrabilidade dos princípios. As noções de “por si” e de
“universal”, de “freqüente”(hôsepìtòpolý),denecessário”.
• Anoçãodegênerocientíficoeoproblemadametábasis(passagem
deumgêneroaoutro).Adoutrinadametábasiseanaturezaparti-
culardafísicamatemática.Aquestãodadivisãodasciências.
• Todasessasquestõessãoestudadasnosquatrosprimeiroscapítu-
los,mostrando-secomoseinter-relacionamemutuamenteseex-
plicam. Como compõem uma doutrina coerente da ciência e se
concatenamentresidemodorigoroso.Oquehádeoriginalnesse
estudonãosãoostópicosabordados,masprecisamentearecons-
trução da estrutura da teoria aristotélica da ciência e sua “lógica”
17. 18
Apresentação
interna,talcomoelasedesenvolvenolivroIdosSegundosAnalíti-
cos.Contraosestudosquepreferiramapontarpretensasambigüi-
dades,aporiasehesitaçõesnadoutrinaaristotélicadaciência.
• O cap.5 é uma análise do livro II dessa obra, tem por conteúdo a
importantenoçãodedefiniçãoesuarelaçãocomosaberdemons-
trativo.Mostra-secomoolivroIIécomplementoindispensáveldo
primeiro,comoateoriadadefinição,queeledifícilelaboriosamen-
te desenvolve nos seus dez primeiros capítulos, é um estudo
aprofundadodatemáticadaessênciaedaqüididadenoquadrodo
conhecimentoepistêmico.Aqui,porcerto,umsegundopontoori-
ginaldatese,umavezqueosestudiososdaproblemáticadaciên-
ciaaristotélicasetinhamantespreocupadocomrealçarasinegá-
veis dificuldades do texto, sem lograr refazer os passos “lógicos”
desuaestruturaçãoesemapreenderaunidadeprofundadosSegun-
dosAnalíticos.
• Ocap.6,quetratadaapreensãodosprincípios,eaConclusãocons-
tituemapartecrucialdateseecontêmsuacontribuiçãomaisim-
portante para a compreensão da filosofia aristotélica. Estuda-se
aqui a relação entre a teoria analítica da ciência e a dialética
aristotélica,aqueofilósofoconsagraseusTópicos,pormuitotem-
poapartemenosestudadadoÓrganon.Sobreopanodefundoda
teoriadaciênciaexpostanosSegundosAnalíticos, oseuúltimoetão
discutido capítulo (Anal.Post.II,19),iluminado pela comparação
comosTópicoseoutraspassagenssobreadialética,éobjetodeuma
novainterpretação.
Mostra-se a complementaridade entre a Dialética e a Analítica.
Comoaprimeiraseconstituicomopropedêuticaàciência,praticaum
métodopreliminardeargumentaçãocontraditóriaecrítica,quenão
seconstróisobreaverdade,massemovenoterrenodaopiniãoe la-
boriosamentepreparaoterrenoparaaapreensãodosprincípiosdas
ciências, princípios pelos quais as ciências principiam. Trata-se, na
dialética,daetapaascendentedoprocessodeconhecimento,denatu-
rezaindutiva,indodoparticularaouniversal,doqueémaisconhecido
18. 19
CiênciaeDialéticaemAristóteles
paranóseestámaispróximoàsensaçãoeàobservaçãoaoquedelas
está mais distanciado, ao que em si mesmo é mais cognoscível. Pela
simplicidadedeseusobjetos,asmatemáticasdispensavamaargumen-
taçãodialética.Mas,paraquealgomaisoumenosaproximadoàcien-
tificidadematemáticasealcancenosoutrosdomínios,oprocessode
investigação dialética se faz imprescindível, ele é chamado a desem-
penharumafunçãotantomaisimportantequantomaiscomplexoo
objeto investigado, quanto maior a distância entre nosso “conheci-
mento”comumdascoisasearealidadedelasemsimesmas,quanto
maiororiscodenosenredarmosnasartimanhasdológos.
• O esforço todo da dialética – ela cumpre também a função do que
hojechamamosde“pesquisacientífica”– éprecisamenteodeper-
mitirqueamaiorcognoscibilidadesegundoanaturezaeaessên-
ciasetransformenumacognoscibilidadetambémparanós,vencen-
doa“espontaneidadedoestadodeservidãodoespíritohumano”.
Adialéticanãoengendraaintuiçãodosprincípios,elaatornapos-
sível.Aintuiçãodeleséo“pontodeinflexãoemqueseconsumaa
inversãocrucialdoprocessodeconhecimento”,quandoterminaa
etapa ascendente, investigativa, prospectiva e heurística e pode,
então,tercomeçoaetapadescendente,demonstrativaededutiva,
emqueaciênciaexibesuaestruturalógicaquereproduzaestru-
turaçãocausalpelaqualorealmesmosearticula.
• A elucidação das relações entre teoria do conhecimento científico
eadialéticapermitequeselanceumaluzdiferentesobreostrata-
dosváriosquecompõemocorpusaristotelicum.Elesnãoseapresen-
tamcomocadeiassilogísticasdedutivas,oquenelesAristótelesha-
bitualmente nos expõe são “os meandros de sua investigação
(dialética)emmarcha,olentotateardotrabalhopreliminardepes-
quisa”,osargumentosdevárianatureza,maisoumenosconclu-
sivos, por vezes entre si contraditórios, de que lançou mão para
estabelecerseusprincípiosepremissas.Mostra-seentãocomoum
grandenúmerodeestudiososecomentadores,porquenãocompre-
enderam a complementaridade entre dialética e ciência, se vêem
19. 20
obrigadosapostularoposiçõesdesnecessáriasentreateoriadaciên-
cia e a prática da ciência em Aristóteles. Aqui também se torna
óbvioquãoimpertinenteeerrôneoéquerertraduziremlinguagem
formal(modernaoumesmosilogística)aseqüênciadosargumen-
tos aristotélicos nos diferentes tratados: a investigação dialética,
mesmoseelatambémseserveaquiealideraciocíniosdedutivos,
é demasiado complexa e rica, permite-se toda sorte de expedien-
tes, usa livremente de argumentos entre si contraditórios, explo-
raopiniões,avançainduçõesdevariadanatureza,elaétudomenos
umaseqüência dedutivaquepodeser“formalizada”.
Depoisdesseroteiro,publicadograçasaumaboatraição,sócabe
apalavradiretadopróprioPorchat.
SãoPaulo,janeirode2001
JoséArthurGiannotti
Apresentação
20. 21
Prefácio
Este livro foi minha tese de doutoramento no Departamento de
Filosofia naUSP em1967.Porváriasrazõesnãofoipossívelpublicá-
lanaquelaépoca.Posteriormente,fuiadiandoapublicação,porfalta
de tempo e de disposição para uma revisão completa do texto. Feliz-
mente para mim, há alguns poucos anos, meu amigo e ex-aluno
Ricardo Terra, então chefe do Departamento de Filosofia, tomou a
iniciativa de fazer digitar o texto inteiro e presenteou-me com o dis-
queterespectivo.Issotornoufinalmentepossívelarevisão.Asmodi-
ficaçõesquefizserestringiram,noentanto,aalgumaspequenaspas-
sagenseadetalhesmenores.Porquemepareceuquenãohaviaporque
alterarospontosfundamentaisdeminhaanáliseeinterpretaçãoem
facedabibliografiamaisrecentesobreaproblemáticadaciênciaeda
dialética em Aristóteles, tomei a decisão de manter quase intacta a
redaçãoprimitiva.E,porfaltadeânimoparatanto,nemmesmopro-
cediàatualizaçãodabibliografiaeàindicaçãodemeusacordosoude-
sacordos comostrabalhosmaisrecentes.Entendiquetaismodifica-
çõesnãotrariamnenhumacréscimosubstancial.Porissomesmo,quer
parecer-mequesejustificaapublicaçãodolivronasuaversãoorigi-
nal.Mascabeaoseventuaisleitores,nãoamim,ojulgamentodefini-
tivosobreaquestão.
MarilenaChaui propôs-megentilmentequeolivroaparecessena
excelentecoleçãoBibliotecadeFilosofia,queeladirige.Aceiteicompra-
21. 22
zeroseuconviteelhesoumuitoagradecido.Trintaetrêsanosdepois
deserescrita,minhateseé,finalmente,publicada.
Quero,nestaocasião,lembraramemóriademeussaudososmes-
tres Livio Teixeira e Victor Goldschmidt. Fui aluno de Livio Teixeira
em1956,naUSP,quandoeucompletavameubachareladoemLetras
Clássicas.Desdeessaocasião,passeiaadmirarseurigorecompetência
como historiadordafilosofiamoderna.Suaspesquisassobreopensa-
mentodeDescarteseEspinosasetornarammarcosimportantesda
bibliografiabrasileiranessaárea.Masadmiráveistambémeramsua
honestidadeintelectualesuaextraordináriamodéstia.Emboratenha
sidoseualunosomentenaqueleano,suainfluênciafoidecisivapara
adefiniçãodemeucampodetrabalho.FoiLivioTeixeiraquemprimei-
romeincentivouaorientar-meparaoestudodafilosofiagrega.Apoiou
minhadecisãodeestudarfilosofianaFrançaedetrabalharcomVictor
Goldschmidt,cujaobraadmiravae utilizavaem seuscursossobrePla-
tão.QuandovolteimaistardeaoBrasil,convidou-meparaserseuas-
sistente no Departamento de Filosofia da USP e encarregou-me dos
cursossobreopensamentoantigo.Acompanhousemprecominteres-
seecarinhomeustrabalhos.
AVictorGoldschmidt,comquemestudeiemRenneseParisdu-
rante quatro anos, devo minha formação de historiador da filosofia.
Ensinou-mealaboriosaartedahistoriografia,ametodologiarigoro-
sanaleituradosfilósofosedesuasobras.Foielequemeorientouex-
plicitamenteparaoestudodarelaçãoentredialéticaeconhecimento
emAristóteles.Seeutiveracasoconseguidoalgumresultadosérioe
mais significativo nesta minha pesquisa, eu o devo ao método gold-
schmidteano.Goldschmidtmeproporcionoutambémoexemplonotá-
veldadedicaçãodeummestreaseusestudantes.Tiveaoportunidade
derevê-loposteriormentealgumasvezes,porocasiãodeoutrasviagens
àFrança.Umagrandeamizadeuniu-nosatésuamorteprematura.
QuerotambémlembraraquionomedoProf.GeorgeHenriAubre-
ton. Foi meu professor no curso de Letras Clássicas, incentivou-me
muitoaoestudodalínguaedaliteraturagrega.Sepudefazerestudos
Prefácio
24. 25
Introdução
TantojásedisseeescreveusobreaciênciaemAristótelesquepo-
deríamosrecearseracusadosdetemeridadeportermosconsagrado
todoumlongotrabalhoaumatemáticasobreaqualamplamentedis-
sertamquantasobrassededicamaumaexposiçãogeraldopensamen-
to aristotélico. E ninguém desconhece que a intensa renovação dos
estudosaristotélicosnasúltimasdécadas,emtodoomundo,tem-nos
brindadocomobrasdeinegávelvalor,nasquaisseabordam,compro-
fundidade,problemasdiretaouindiretamenterelacionadoscomadou-
trinaaristotélicadaciência.Porquesepoderia,porissomesmo,estra-
nharquetenhamosapretensãodetrazeralgodenovosobreaquestão
equenelainsistamostãodemoradamente,compreender-se-áquejul-
guemosjustificadaumasucintaexplanaçãosobreoempreendimento
aquenoslançamos.
Nossointuitoinicialeraoderedigirumapesquisasobreadialética
deAristóteles,conformenossugeriraV.Goldschmidt,quandotermi-
namos,emRennes,nossalicençadefilosofia.Mostrara-nosoilustre
historiadorcomosefazianecessárioumestudoaprofundadodosTópi-
cos,revalorizandoadialéticaaristotélicaeredescobrindoasignificação
25. 26
Introdução
que o filósofo lhe conferira e que a tradição historiográfica, com rara
exceção, sistematicamente desprezara. Com efeito, coubera a Le
Blond,em1939,comsuabelaobrasobrealógicaeométodocientífi-
codeAristóteles,1
despertaraatençãoparaaimportânciadadialética
dentrodametodologiaaristotélica. E,anos mais tarde, E. Weil insis-
tira2
naurgênciacomqueseimpunhaarevisãodeumaconcepçãotra-
dicionalmente errônea das relações entre a tópica e a analítica.
Aubenquenãopublicaraaindaasuaobra,3
naqual,estudandoopro-
blemaaristotélicodoser,ocupar-se-ialongamenteemcompararadia-
léticaeaontologia.Tudojáindicava,porém,queadialéticaaristotélica
viriaaatrair,proximamente,aatençãodosespecialistas,conformese
evidenciaria com a realização, em 1963, do terceiro Symposium
Aristotelicum,dedicado,precipuamente,aoestudodosTópicos,ecom
arecentepublicaçãodaobradeDePater.4
O curso de nossas pesqui-
sas desviou-nos,entretanto, da intenção original; de fato,empreen-
dendoaredaçãodeumprimeirocapítuloparaaobraquenospropu-
séramosescrever,neleprocuramosexaminaraconcepçãoaristotélica
daciência,porquesenosafiguravaútile,mesmo,imprescindívelde-
terminar,comexatidão,umconceitoaoqual,precisamente,teríamos
sempre de contrapor,em expondo a doutrina do filósofo, a noção de
dialética.Aconteceu,porém,queesseestudopreliminaradquiriudi-
mensões bem maiores que as que lhe tínhamos a priori fixado. E o
surgimentodedificuldadesdeinterpretaçãoconcernentesàprópria
noçãodeciênciaquenãotínhamosprevisto,anecessidade,emquenos
vimos, de resolver questões que se nos afiguraram obscuras, assim
comoaderecusarsoluçõesque,paraelas,sehaviamformuladoeque
nospareceraminsatisfatóriasoufrancamenteinaceitáveis,levaram-
nos,finalmente,aquererconsubstanciar,nestetrabalho,osresulta-
dosaquejulgamosterchegado,noquerespeitaaumatalproblemá-
1 LeBlond,LogiqueetméthodechezAristote,1939.
2 Weil,“Laplacedelalogiquedanslapenséearistotélicienne”,1951.
3 Aubenque,Leproblèmedel’êtrechezAristote,1962.
4 DePater,LesTopiquesd’Aristoteetladialectiqueplatonicienne,1965.
26. 27
CiênciaeDialéticaemAristóteles
tica,oferecendo-osagoraàcríticaconstrutivadosespecialistas.Seja-nos
lícitodizerqueaaceitaremoscomhumildade,porsermosoprimeiro
areconhecernossasfalhaselacunas.
Planejáramos escrever um livro sobre a dialética de Aristóteles,
cujoprimeirocapítuloversariasobreaciência.Acabamos,noentanto,
escrevendoumlivro sobre a ciência,cujo último capítulo trata,mais
particularmente,dadialética.Nãosecreia,porém,quenosocupamos,
aqui,detodaadoutrinaaristotélicadaciência.Aocontrário,muitas
são as questões que deixamos propositalmente de lado ou que rapi-
damente tratamos, como, por exemplo, o importante problema do
sistemaaristotélicodasciências,quenãoabordamossenãonaexata
medida em que isso pode contribuir para melhor esclarecer a noção
deciência,queprecipuamentenosimportava.5
Por isso mesmo,con-
centramosparticularmentenossaatençãosobreosSegundosAnalíticos,
cujoobjetosesabeseradefiniçãoeaanálisedoconhecimentocientí-
fico. Trata-se de um texto,por certo,difícil,que não entrega seus se-
gredosaumaprimeiraleitura,oqueexplicará,talvez,quetenhasido,
atéhoje,tãomalcompreendido.E,entretanto,seselhebuscadesven-
daraordeminternaqueoestrutura,medianteumaleiturarepetida,
atenta e rigorosa,descobre-se,em verdade, como cremos tê-lo mos-
trado,umtextoordenadoecoerente,quenãovemmacularnenhuma
contradição interna, cumprindo adequadamente o objetivo que o fi-
lósofo lhe traçou e oferecendo-nos uma doutrina unitária do saber
científico. Ao contrário de A. Mansion, nele não encontramos os si-
naisdeumacomposiçãoatormentadanemamanifestaçãodehesita-
çõesdedoutrina;6
por outro lado,osdoislivrosquecompõemotra-
tadopareceram-nosharmonizar-seplenamente,semquepudéssemos
descobrir,nadoutrinadadefiniçãoexpostanolivroII,maisdoqueum
complementodoestudodademonstraçãoqueolivroIdesenvolve,que
a este não se contrapõe nem o corrige, como se tem pretendido.7
No
5 Cf.,adiante,cap.IV,§5:“Adivisãodasciências”.
6 Cf.A.Mansion,Introductionàlaphysiquearistotélicienne,1946,p.12-3.
7 Conforme,adiante,detalhadamenteveremos,no cap.V.
27. 28
Introdução
artigojáreferido,8
Weiljulgavadesejável,paraumacompreensãocor-
retadasrelaçõesentreadialéticaeaanalítica,umareinterpretaçãodos
Analíticos:ficaremossatisfeitossetivermospodidocontribuirparaque
secumpra,aomenosemparte,umtalvoto.
Mas, seosSegundosAnalíticosforamoobjetoprimeirodenosso
esforço de interpretação, ver-se-á que, muito ao invés de a eles nos
restringirmos, fomos buscar, na obra inteira do filósofo, os elemen-
tosquepudessemviraconfirmarouacontradizeradoutrinaque,na-
queletratado,encontramosexplicitada.Oquesignificadeixarmani-
festo que, no que respeita à questão controversa da unidade e
coerência ou incoerência e contradição da doutrina aristotélica da
ciência, não partimos de nenhumpressupostonemformulamoshi-
pótesesiniciaisquedevesseverificarnossapesquisa;moveu-nos,tão-
somente,aintençãodedeixar-nosguiarpelosprópriostextosdofiló-
sofo, buscando reapreender seu movimento próprio e refazer os
caminhosdopensamentoquenelesseexprimira.
Noqueserefereàsquestõesdecronologiaedataçãodasobrasde
Aristóteles,seguindooexemplodeV.Goldschmidt,emsuaobracon-
sagrada ao estudo da estrutura e método dialético nos diálogos de
Platão,9
nósasignoramosresolutamente,recusando-nosadissolver,
notempodagênese,asdificuldadesdadoutrina.Comoafirmou,com
razão,Aubenque:“naausênciadecritériosexternos,ummétodocro-
nológico fundado sobre a incompatibilidade dos textos e cuja fecun-
didadeseapóia,assim,sobreosinsucessosdacompreensão,corre,a
cadainstante,oriscodepreferiràsrazõesdecompreenderospretex-
tosdenãocompreender”.10
Não nos pareceu correto, com efeito, di-
antedecontradiçõesaparentesquenãobuscamosdissimularededi-
ficuldadesdeinterpretaçãoquenãominimizamos,postular,comomeio
eficazparasaná-las,umaevoluçãoqualquerdadoutrinaaristotélica,
atribuindo-lhemomentosdiferentesaosquaisfaríamoscorresponder
8 Cf.,acima,n.2.
9 Goldschmidt,LesdialoguesdePlaton,19632
,p.X.
10 Cf.Aubenque,Leproblèmedel’être...,1962,p.12.
28. 29
CiênciaeDialéticaemAristóteles
os textos que pareciam contradizer-se. Felizmente, aliás, a moda
“jaegeriana”deinterpretaçãovemsendopoucoapoucoabandonada,não
tendocontribuídopoucoparaseuinsucessoodesacordogeneraliza-
do, entreseusseguidores, quantoaoscritériosdedataçãodasobras
dofilósofoedesuaspartes,assimcomonoqueconcerneaospretensos
resultadosqueométodogenéticodeveriaterpropiciadoparaacom-
preensão do pensamento de Aristóteles. Recortados os textos de di-
ferentesmaneiras,aosabordoscaprichosdaimaginaçãodosintérpre-
tes,nãomaisseconseguiudoqueconvertertodaaobranumimenso
mosaico de textos justapostos, que nenhuma meditação filosófica
poderia mais vivificar. Assim, A. Mansion descobria, nos Segundos
Analíticos,“restosderedaçõesdedatasdiversas,representadoopen-
samentodoautoremfasesdeelaboraçãotambémdiversas,eadapta-
dosdemaneiraporvezesbastanteinsuficienteaoplanodeconjuntono
qual ele os fez entrar”.11
Masnãoprivilegiamos,também,comaçodamento,aquelas“con-
tradições”nemnosapressamosadenunciarincoerências;renuncia-
mos, desse modo, ao que se nos afigurava, antes, um expediente de
simplificaçãoedefacilidade.Nãoquisemosacoimar,semmais,dein-
conseqüente,o pensador que,a justo título,se orgulhava de ter sido
o primeiro a estudar técnica e metodicamente a arte de raciocinar.12
Tampoucojulgamosválidoabandonaroplanodeanálise“lógica”do
sistema filosófico, para ir buscar, num plano psicológico, como pro-
põeLeBlond,“nafaltadaunidadelógica,aunidadevivadessesiste-
ma”.13
Antes de apontar as “incongruências” do aristotelismo, em
geral,edaconcepçãoaristotélicadaciência,emparticular,antesdefa-
laremcontradiçãoeemambigüidadesedeparaelasforjarexplicações
imaginosas,quisemosesforçar-nosporreconstituiraordemdasra-
zõeseosmecanismoslógicosprópriosàobra.Nãoquebuscássemos
acoerênciaaqualquerpreçoouquenostenhamosaventurado,reco-
11 Cf.A.Mansion,Introductionàlaphysiquearistotélicienne,1946,p.13
12 Cf.Ref.Sof.34,183b
16seg.,part.184b
1-3.
13 Cf.LeBlond,Logiqueetméthode...,1939,p.XX.
29. 30
Introdução
lhendoelementostiradosdetodosostratadosdofilósofo,aumasín-
tesecoerente,masartificial,dessesdados,tentando“umaconciliação
do inconciliável”.14
Um método que se pretenda rigoroso não se ali-
mentadepreconceitosnemsabeoquevaiencontrar:descobre.Mas
procuramossituar-nos,emrelaçãoaotexto,dopontodevistadoseu
próprioautor,encontrandoemsuamesmaobraoselementosquenos
permitissem lê-la com a sua leitura, julgá-la a partir de seu mesmo
ponto de vista crítico sobre ela, tendo a humildade necessária para
levarasériooqueelelevouasério,15
sabedores de que se não mede a
coerência de um sistema por uma teoria da contradição que se lhe
imponhadoexterior.
Fiéis ao método que o filósofo preconiza, não nos apressamos a
conciliar os textos e somente após insistir em percorrer as aporias é
queempreendemostrabalharderesolvê-las.Entendendoque“asasser-
ções de um sistema não podem ter como causas, ao mesmo tempo
próximaseadequadas,senãorazões,erazõesconhecidasdofilósofo
ealegadasporele”,16
tudofizemosparanãosepararastesespropos-
taspelofilósofodomovimentodepensamentoqueaelasconduziue
dométodoquepresidiuaessemovimento.Mas,assimfazendo,acon-
teceu-nosverasaporiaspoucoapoucoresolver-seeasaparênciasde
contradiçãoexplicar-se,dissipando-a.Aconteceu-nos,também,des-
cobrirquemuitasdificuldadesprovinhammaisdaleituraeinterpre-
taçãocomqueatradiçãoeosautoresgravaramostextosquedapró-
prianaturezadestes,nasua“ingenuidade”.Tendopreferidoaatitude
maishumildedodiscípuloquesedispõepacientementeacompreen-
derantesdeformularqualquerjuízocrítico,temosapretensãodeter
sidopremiadospornossaobstinaçãoemapegar-nosaummétodosem
14 Como teme Mansion que aconteça com os que não colocam o problema da cronologia das
obrasdeAristóteles.Cf.A.Mansion,Introductionàlaphysiquearistotélicienne,1946,p.4-5.
15 Como disse Owens, a propósito do método apropriado para interpretar Aristóteles: “It
requirestakingseriouslywhatAristotlehimselftookseriously”.Cf.Owens,TheDoctrineof
BeingintheAristotelian“Metaphysics”,1951,p.11.
16 Goldschmidt, V., “Temps historique et temps logique dans l’interprétation des systèmes
philosophiques”,inActesduXIème
CongrèsInternationaldePhilosophie,v.XII,1953,p.8.
30. 31
CiênciaeDialéticaemAristóteles
preconceitos;comefeito,adoutrinaaristotélicadaciênciaapareceu-
nos,finalmente,contraaopiniãodaimensamaioriadosautoresacre-
ditados,perfeitamentecoerenteeprovidadeinegávelunidade,ricanasua
complexidadee“moderna”nasuaproblemáticaeemmuitasdesuas
soluções, dessa “modernidade” que freqüentes vezes atribuem aos
temposdehojeosqueignoramahistóriadostempospassados.Enão
tememos,porissomesmo,dizerocontráriodoquesetemditoeacei-
to,semprequenospareceuaissoserconvidadospelosmesmostextos
quelíamos,comoexigênciadesuainteligibilidade.
Umaobjeçãomaissériapoderiaser-nosfeita:adetermoslimita-
doonossoestudoaostextosaristotélicossobreadoutrinadaciência,
sem que tenhamos tentado estudar como o filósofo põe em prática
essa doutrina, nos seus tratados científicos. Ora,é,por certo,nossa
convicçãoadequetalestudoseimpõecomocondiçãoabsolutamente
imprescindívelparaqueseatinjaumacompreensãoplenaefecundados
própriostextosdoutrinários.Masjulgamosjustificadaanossaempre-
saporumatriplarazão:primeiramente,porqueoprópriofilósofocon-
sagroutodoumtratado,razoavelmenteordenadoeacabado,àdefini-
çãoeexplicitaçãodesuaconcepçãodaciência,autorizando-nosipsofacto
a considerá-la, num primeiro momento, em si mesma, como objeto
privilegiadodeumapartedesuaobra.Emsegundolugar,porquenão
nosparecepossível proceder a um estudo sobre a prática científica,
relacionando-acomostextosdateoria,seomesmosentidomaisime-
diatodestessenosoculta,sobafacilidadeaparentedasfórmulasdog-
máticas banalizadas pela sua repetição,cuja significaçãoprofunda,
porém,sebuscarevivernoemaranhadodascontrovérsiasdainterpre-
taçãohistoriográfica.Finalmente,teremosaoportunidadedemostrar,
nestetrabalho,comoaoposiçãoqueofilósofodecididamenteestabe-
leceentreaciênciaeainvestigaçãoepesquisadeveráobrigar-nosaum
mínimodecuidadosasprecauções,noestudodostratadoscientíficos,
paraqueumainterpretaçãoincorretadométododeexposiçãonãonos
venha,precisamente,induziremerroquantoàconcepçãoaristotélica
dacientificidade.Dequalquermodo,éevidentequenossoestudonão
31. 32
Introdução
temmaiorpretensãoqueadecontribuirparaesclarecerumaspecto
determinadodopensamentoaristotélico,aindaquenãoselhepossa
negar,ànoçãodeciência,umpapelfundamentalnaeconomiainter-
nadosistema.
Resta-nos ainda fazer algumas observações de caráter geral. No
querespeitaaoplanodenossaexposição,foi-noseleimpostopelopró-
prio desenvolvimento da pesquisa, isto é, pelo nosso esforço de
explicitaçãodamesmadoutrinadofilósofo,semquetenhamosrecor-
ridoaumaidéiapreliminar.Asimplesleituradeixarámanifestocomo
asquestõessevãoengendrandoespontaneamente,apartirdostextos
estudados,demaneiraaprogressivamentedesenharoesquemaemque
vêminserir-seasrespostasqueexigememedianteoqualsehádearti-
cular,porconseguinte,tambémomesmodiscursoqueasestuda.
Poroutrolado, noqueconcerneà bibliografia utilizada, ver-se-á
que,sesãonumerosasascitaçõesereferênciasaosautoreseàsobras
maisimportantesdahistoriografiaaristotélicacontemporânea,muitos
títulosdeixaramdesermencionados,sobretudodeartigospublicados
emrevistasespecializadas,porter-nossidoimpossíveloacessoatais
escritos.Dequalquermodo,namedidaemquepudemosinformar-nos
sobreoseuconteúdo,énossacrençaadequesualeituranãoviriaafe-
tarosresultadosaquechegamos.
Masativemo-nossempreepreferencialmente,comoseimpunha,
aoestudoeanálisedosprópriostextosdofilósofo.Paratanto,servimo-
nosdarecentereediçãodoCorpusempreendidaporGigon17
e,sobre-
tudo,dasediçõescríticasdeRoss18
e das que se fizeram na Collection
desUniversitésdeFrance.Enãoprecisaríamosdizerquantonosfoiútil
oexcelenteIndexAristotelicus,deBonitz.19
17 AristotelisOperaexrecensioneImmanuelisBekkeriediditAcademiaRegiaBorussica,editio
alteraquamcuravitOlofGigon,BeroliniapudW.deGruyteretSocios,MCMLX.
18 SejanacoleçãodaScriptorumClassicorumBibliothecaOxoniensis(Tópicos,PolíticaeRetórica),seja
nasexcelentesediçõesacompanhadasdetextosecomentários,igualmentedaClarendon
PressdeOxford(Analíticos,Física,DaAlma,ParvaNaturaliaeMetafísica).Paratodasessas
obras,nossasreferênciasremetemaessasedições,salvoindicaçõesemcontrário.
19 Bonitz,IndexAristotelicus,19552
.
32. 33
CiênciaeDialéticaemAristóteles
Seconsultamosasmelhorestraduçõesestrangeirasqueestavama
nossodispor–ecomasquaisnemsempreconcordamos,comoseverá
nasinúmerasnotasemqueasdiscutimos–,preferimos,noentanto,
semprequenosfoiprecisocitarostextos,proporanossaprópriatra-
dução, na ausência de boas traduções em português para a grande
maioriadasobrasdeAristóteles.Oqueexigiudenósumnãopeque-
noesforço,dadaainexistênciadeumalinguagemfilosóficatécnicaem
nossalíngua.Procuramosdaràsnossastraduçõesomáximopossível
de literalidade, temendo a infidelidade ao pensamento do filósofo,
víciodequenãonosparecemlivrar–semuitasdastraduçõesestran-
geiras,dentre as mais reputadas, na medida em que se permitem a
introduçãodenoçõesesignificaçõestotalmenteestranhasaouniverso
espiritual da Grécia antiga e do aristotelismo, em particular. Nesse
sentido,nãonosinibiuotemordeinovaredecididamenteinovamos,
quandonospareceupoder,assim,salvaguardarmelhorosentidoori-
gináriodotextogrego.Noqueserefereàscitaçõesdeautoresestran-
geiros,adotamosanormadetraduzi-los,semprequeoscitávamosno
corpo de nosso texto, e de manter a língua original, ao citá-los nas
notas.Esomentenestas,também,seusnomescompareceram.
Receamosquesenoscensureoelevadonúmerodenotas,freqüen-
teseextensas.Masnãocremospudéssemosprocederdeoutramanei-
raeconfessamosterdadoàsnossasnotasimportâncianãomenorque
aoprópriotexto.Sãoelasdevárianatureza,contendodesdeasinevi-
táveiscitaçõesereferências,questõesfilológicasepequenasexplica-
çõescomplementares,atélongasexplanaçõesediscussõespolêmicas,
em que se expõe o detalhe das argumentações que justificam certas
posiçõesqueassumimosecujapresença,nocorpodotexto,poderia
tornarenfadonhaepesadaasualeitura.Defeitos,aliás,quenemsem-
preteremosconseguidoevitar.
33. !#
I
Osabercientífico
1Anoçãodeciência
1.1Aciência,acausaeonecessário
“Julgamos conhecer cientificamente (™p…stasqai) cada coisa, de
modoabsolutoenão,àmaneirasofística,poracidente,quandojulga-
mosconheceracausapelaqualacoisaé,queelaéasuacausaeque
nãopodeessacoisaserdeoutramaneira(m¾™ndšcesqai¥llwjœcein)”.1
TaléanoçãofamosadeconhecimentocientíficoqueosSegundosAna-
líticosformulam,quaseemseumesmoinício,2
e a cuja elucidação e
explicitação pode, de certo modo, dizer-se que a totalidade do trata-
doseconsagra. Noçãoquecomentadoreseautoresincansavelmente
citaram, repetiram e discutiram através dos séculos, tentando, com
maioroumenorsucesso,compreendê-laeexplicá-laemtodoseual-
1 Seg.Anal.I,2,71b
9-12.
2 Precede-a,comefeito,apenasumcapítulointrodutório,que,comologoveremos,tratada
existência de conhecimentos prévios a todo e qualquer aprendizado ou ensinamento
dianoético.
34. 36
OswaldoPorchatPereira
cance e significado. Por ela entendemos, então, que, em sentido ab-
soluto,sóháconhecimentocientíficodeumacoisaquandoaconhe-
cemosatravésdonexo queauneasuacausa,aomesmotempoque
apreendemossuaimpossibilidadedeserdeoutramaneira,istoé,sua
necessidade.Comefeito,“umavezqueéimpossívelserdeoutrama-
neira aquilo de que há ciência, em sentido absoluto, será necessário
oqueéconhecidosegundoaciênciademonstrativa”.3
Causalidade e necessidade, eis aí, por conseguinte, os dois tra-
çosfundamentaisquecaracterizamaciência,talcomoosSegundos
Analíticos a concebem. Porque, se não se dá a presença conjunta de
ambos, que é o que permite qualificar um conhecimento como cien-
tífico,4
será apenas acidental, diz-nos o nosso texto, a pretensa ciên-
cia que se tiver proposto, acidental à maneira sofística; não que a
ausência do conhecimento da causa ou o caráter não-necessário do
objeto tornem sofístico o conhecimento que dele se proponha: o
procedimentoquesedenunciacomosofísticoseria,tão-somente,apre-
tensãodeseroudefazer-sepassarporciência,porpartedeconhecimento
quenãopossuaaquelasqualidadesqueadefinem.5
Entretanto,épreciso,desdejá,acrescentarquenãoseestudam
nosSegundosAnalíticosasnoçõesdecausaoudenecessidade.Noque
concerneàprimeiradelas,somenteaFísicaeaMetafísicanosoferece-
rãoumadoutrinadacausalidade;6
vários textos, entretanto, nospró-
3 Seg. Anal.I,4,73a
21-23.Cf.,também,33,88b
31-2:“...aciênciaéuniversaleprocedepor
conexõesnecessárias,eonecessárionãopodeserdeoutramaneira”.
4 Não tendo razão, portanto, Le Blond, ao fazer da verdade a característica primeira e mais
geraldosabercientífico,emAristóteles(cf.LeBlond,Logiqueetméthode...,1939,p.57).Se
aciênciaaristotélicaé,comoveremos,sempreverdadeira,ocorre,entretanto,que,pelomes-
mofatodepartilhardaverdadecomoutrasdisposiçõescognitivasdaalmahumana,não
podedefinir-senemcaracterizar-seprimordialmenteporela.
5 Asofística,defato,nãoésenãoumsaberaparente(cf.Ref.Sof.1,165a
21),cujosargumen-
tos se constroem, sobretudo, em torno do acidente (cf.Met.E, 2, 1026b
15 seg.), isto é, do
não-necessário nem freqüente (cf. ibidem, 27-33). É, antes de tudo, aliás, pela intenção
(proa…resij), pelo não buscar o saber real, mas apenas a aparência de conhecer, que difere
o sofista do filósofo (cf. Met. G, 2, 1004b
22 seg.).
6 Os dois textos fundamentais de Aristóteles sobre a causalidade são o livro II da Física e o
livroAdaMetafísica,aqueseacrescentarãoasimportantesindicaçõesdocap.1dolivroI
dotratadoDaspartesdosanimais.
35. 37
CiênciaeDialéticaemAristóteles
priosAnalíticosouemoutrasobrasdofilósofo,vêmsempreconfirmar-
nos aquela identificação do verdadeiro conhecimento científicocom
aapreensãodadeterminaçãocausal.7
A ausência de uma fundamen-
taçãofísicaoumetafísicadanoçãodecausautilizadapelosSegundos
Analíticosnãonosestorvará,entretanto,comopoderemosobservarem
acompanhandoamarchadotratado,acompreensãoformaldecomo
aciênciaaristotélicaseconstituiemconhecimentodacausalidade,in-
dependentementedasignificaçãoúltimaqueofilósofolheatribua.E,
àmedidaqueotratadoprogrideequeadefiniçãodeciênciaseapro-
funda,muitoseexplicita,aquieali,comoveremos,sobreaquelano-
ção,conformeoimpõemascircunstânciaseasnecessidades domo-
mento.Lembrar-se-nos-á,porexemplo,quehásempreumacausa,que
éidênticaàprópriacoisaqueseinvestigaouédistintadela,equeéo
mesmo conhecer o que é uma coisa e conhecer a causa de ela ser;8
esclarecer-se-nos-áque,seháváriasmaneirasdenosinterrogarmos
sobre as coisas (sobre o fato de que é, sobre o porquê, sobre se a coi-
saé,sobreoqueéela),9
averdadeéque,emtodasaspesquisasouin-
dagaçõesquefazemos,oquesemprebuscamoséseháumtermomé-
dio(mšson)oucausa,ou,então,qualéele:“poisacausaéotermomédio
e,emtodasaspesquisas,éoqueseinvestiga”.10
Sabemos, por outro
lado,peladoutrinadolivroIIdaFísica,11
que a Metafísicarelembraere-
toma,12
que “as causas se dizem em quatro sentidos”,comomatéria,
7 Cf.Seg.Anal.II,11,94a
20;I,13,78a
25-6;Fís.I,1,com.,184a
10seg.;Met.E,1,1025b
6-7;K,
7,1063b
36-7;A,1,981a
24seg.Senãofazemessestextosmençãoexpressadanecessida-
de,mastão-somentedacausalidade,nacaracterizaçãodoconhecimentocientífico,éque
asduasproblemáticassão,defato,inseparáveis.Assim,emFís.II,9,esclarece-seoproblema
da necessidade nos objetos físicos, em relação com os problemas próprios à causalidade
física.
8 Cf.Seg.Anal.II,8,93a
4-6.Atente-se,porém,emqueauniversalidadedadeterminaçãocau-
sal, que esta passagem põe em relevo, não implica, no aristotelismo, como poderia pare-
cer,umdeterminismoabsoluto,nemconfereinteligibilidadeplenaatodoser,issograças
àconcepçãoaristotélicadeacidenteedoacaso(cf.Met.E,cap.2-3,e Fís.II,cap.4-6).
9 Cf.Seg.Anal.II,1,com.,89b
23seg.
10 Seg.Anal.II,2,90a
6-7.
11 Cf.Fís.II,3,194b
23seg.
12 Cf.Met.A,3,983a
26seg.;cf.,também,Seg.Anal.II,11,94a
21-3.
36. 38
OswaldoPorchatPereira
como qüididade, como princípio do movimento e como fim; é natu-
ral,então,quenosocorraperguntaraqualouquaisdessessentidos
respeitaacausalidadecientífica.OsSegundosAnalíticosignorarãoaper-
gunta até um de seus últimos (e mais difíceis) capítulos, para final-
menteresponderemqueéportodasaquelasespéciesdecausasque
provamosnossasconclusões.13
Mas é certo que não abordam o fun-
dodoproblemaetalomissãosejustifica,namesmamedidaemquea
complexaquestãodassignificaçõesmúltiplasdacausaultrapassa,de
muito,odomíniodateoriaestritadaciência,aqueseatémotratado.
Tambémanecessidadedequeoobjetocientífico,emAristóteles,
sereveste,apenasseráelucidada,nosAnalíticos,demodosuficiente-
menteaprofundadoeadequadoaoreconhecimentodesuapresença
efunçãonaconstituiçãodeumconhecimentoquemereçaonomede
científico,semque,entretanto,seperscrutemtodasassuasimplica-
çõesesemqueseabordemsuasignificaçãoúltimaesuaproblemáti-
cafísicaemetafísica.Porqueanecessidadedoobjetocientífico,nega-
tivamente determinada como um m¾ ™ndšcesqai ¥llwj œcein é, por
certo,umanecessidadedeordemontológica:nenhumadúvidapode
subsistiraesserespeito,emfacedoimportantetextoepistemológico
emqueaÉticaNicomaquéiaexplicitamenteretomaanoçãoqueosSe-
gundosAnalíticospropõemdeciênciaemelhoraesclarece:“Comefei-
to,todosentendemosqueoqueconhecemoscientificamentenãopode
serdeoutramaneira...Ocientificamenteconhecível,portanto,neces-
sariamente é”.14
Donde a característica de eternidade, que se não
dissocia da necessidade ontológica: “É eterno, portanto, pois as coi-
sasquesãonecessariamente,emsentidoabsoluto,são,todas,eternas;
ora,ascoisaseternassãonão-geradaseimperecíveis”.15
Porque não
pode ser de outra maneira, o necessário, então, é sempre e, porque
13 Cf. Seg.Anal.II, 11, 94a
24-5 e todo o capítulo. AFísicarepete explicitamente tal doutrina
(cf. II, 7, 198a
22 seg.), a propósito do conhecimento físico.
14 Ét.Nic.VI,3,1139b
19-23.Nuncaédemaissalientaraextraordináriaimportânciadolivro
VIdaÉticaparaoconhecimentodaepistemologiaaristotélica.
15 Ibidem,l.23-4.Reconhecendo,embora,oaspectoinsólitodaexpressão,preferimostraduzir
¢gšnhtonpornão-gerado,aoinvésdeservir-nosdeumaperífrase.
37. 39
CiênciaeDialéticaemAristóteles
sempreé,nemvemasernemparece.Enãoéoutraaconstantedou-
trina das obras que o filósofo consagrou à ciência das coisas físicas.
Nãonosdiz,comefeito,otratadodaGeraçãoedoPerecimentoque“oque
necessariamenteé,também,aomesmotempo, sempreé,poisnãoé
possívelquenãosejaoquetemnecessariamentedeser,demodoque,
se é necessariamente, é eterno e, se é eterno, é necessariamente”?16
Domesmomodo,otratadodoCéuempenha-selongamenteempro-
var que “tudo que sempre é é absolutamente imperecível. De modo
semelhante,énão-gerado”,17
para mostrar que “nem se gerou o Céu
inteironemlheépossívelperecer,comoalgunsdeledizem,maséum
eeterno,nãotendoprincípioefimdesuaduraçãotoda,masconten-
do e compreendendo em si o tempo infinito”.18
Não era preciso, entretanto, recorrer aos outros escritos de
Aristóteles:sãoosmesmosSegundosAnalíticosqueassiminterpretam,
istoé,comoumanecessidadeontológica,aquelanecessidadeprópria
ao objeto da ciência por que esta, como vimos, neles se define. Pois,
mostrandoocarátereternodasconclusõesqueaciênciaestabelece,
aindaacrescentam:“Nãohá,portanto,demonstraçãonemciência,em
sentidoabsoluto,dascoisasperecíveis”.19
E mostram, igualmente,
que,dascoisasperecíveis,tambémnãohádefinição.20
Aliás, dizer que
o objeto da ciência é o m¾ ™ndecÒmenon, o que não pode ser de outra
maneira,assimdeterminando-onegativamente,emvezdedizersim-
plesmente que é o eterno, o que sempre é, em inalterável identidade
consigomesmo,éopô-loaumaoutraesferadoreal,queseexcluiipso
factodaciência,ouseja,àquelascoisastodasque,verdadeirasembo-
ra e reais (Ônta), são contingentes, isto é, podem, precisamente, ser
16 Ger.ePer.II,11,337b
35-338b
2.
17 Céu, I, 12, 281b
25-6. Após ter definido, em I, 11, os termos “gerado” e “não-gerado”, “pe-
recível” e “não-perecível”, o tratado do Céu demonstra, no capítulo seguinte, utilizando
aquelasdefinições,aeternidadedoCéu.
18 Céu,II,1,com.,283b
26-9.
19 Seg.Anal.I,8,75b
24-25;v.todoocapítulo.Nãoé,entretanto,diretamenteapartirdano-
çãodenecessidadequeAristótelesdemonstra,aqui,aeternidadedoobjetocientífico,mas
apartirdesuauniversalidade,queadianteestudaremos.
20 Cf.,ibidem,l.30seg.
38. 40
OswaldoPorchatPereira
deoutramaneira, ™ndecÒmena¥llwjœcein.21
E é evidente que não pode
haverciênciaarespeitodessascoisas,insistem osAnalíticos:poisse-
riafazê-lasincapazesdeserdeoutramaneira,quandoelaspodemser
deoutramaneira.22
Torna-se-nos, pois, fácil compreender como pode
aMetafísicadeclararquenãopodehaverdefiniçãonemdemonstração
(não pode haver, portanto, ciência) das essências ou substâncias
(oÙs…ai)sensíveisindividuais,23
“porque têm matéria, cuja natureza
é tal que ela pode tanto ser como não ser; eis por que são perecíveis
suasdeterminaçõesindividuais”.24
Parece,então,consumar-searupturaentreduasdiferentesesferas
doreal,adacontingênciaeadaeternidadenecessária,cujaoposiçãoo
filósofofreqüentementenosrelembra:“unsdentreosseres,comefeito,
sãodivinoseeternos,outrospodemtantosercomonãoser(™ndecÒmena
kaˆenaikaˆm¾enai)”;25
e, explicitando a relação entre a matéria e a con-
tingência:“Comomatéria,então,écausaparaosseresquesegeramoque
écapazdeseredenãoser;umascoisas,comefeito,necessariamentesão,
comoaseternas,outrasnecessariamentenãosão....Masalgumassão
capazesdeseredenãoser,oque,precisamente,éoquesepodegerare
perecer;poisissooraé,oranãoé.Donde,necessariamente,havergera-
çãoeperecimentoparaoquepodeserenãoser”.
26
21 Cf.Seg.Anal.I,33,88b
32-3.Sobreasváriasacepçõesde™ndecÒmenonemAristóteles,cf.Prim.
Anal.I,13econsultem-seaspreciosasreferênciasdeBonitz(Index,p.239a
30seg.).
22 Cf.Seg.Anal.I,33,88b
33-5.
23 AceitamosintegralmenteasrazõesdeAubenqueparapreferirotermoessênciaasubstân-
cia, na tradução de oÙs…ai: “Nous éviterons ce dernier vocable[subent.: substance] pour
deux raisons:1)Historiquement,le latin substantiaest la transcription du grec ØpÒstasij
etn’aétéutiliséque tardivementetincorrectementpourtraduireoÙs…a(Cicéronemploie
encore en ce sensessentia);2)Philosophiquement,l’idéequesuggèrel’étymologiedesub-
stance convient seulement à ce qu’Aristote déclare n’être qu’un des sens du motoÙs…a,
celui où ce mot désigne, sur le plan ‘linguistique’, le sujet de l’attribution et, sur le plan
physique, le substrat du changement, mais non à celui où oÙs…a désigne ‘la forme et la
configuration de chaque être’ (D, 8, 1017b
23)” (Aubenque, Le problème de l’être...,
1962, p.136, n.2).
24 Met.Z,15,1039b
29-31.
25 Ger.Anim.II,1,731b
24-5.
26 Ger.ePer.II,9,335a
32-b
5.Masrecorde-sequeAristótelesconcebe,paraossereseternosque
semovem,umamatériatópica(topik»),matéria,nãoparaageraçãoeoperecimento,mas
tão-somenteparaatranslaçãodeumlugaraoutro,cf.Met.H,1,1042b
5-6;4,1044b
7-8;L,
2,1069b
24-6.
39. 41
CiênciaeDialéticaemAristóteles
Masquerazõesimpedemonão-necessáriodesercientificamen-
teconhecido?Équeascoisascontingentes,responde-nosAristóteles,
asquepodemserdeoutramaneira,umavezforadenossocampode
percepção,oculta-se-nos,também,seaindasãoounão.27
Pois a per-
manentepossibilidadedeperecimentodascoisasperecíveisfazque,
quandosesubtraemànossapercepçãoatual,seconvertam,paraos
que dela teriam ciência, em objetos despidos de qualquer evidência,
porque nãomaissesabesealgoderealaindacorrespondeaosdiscur-
sos que na alma se preservam.28
Ora, “não pode ...a ciência ora ser
ciência,oraignorância”.29
Mas, pelo contrário, tal é, precisamente, o
caráter daopinião (dÒxa), à qual cabe conhecer o contingente,30
cuja
mutabilidadeacarretaquevenhamaseroraverdadeiros,orafalsos,a
mesmaopiniãoeomesmoraciocínioquelheconcernem;precariedade
estaque,porcerto,nãoacompanhaquantosjuízos,porqueconcernem
aoquenãopodeserdeoutramaneira,porissomesmosãoeternamen-
teverdadeirosoufalsos.31
E, se também os SegundosAnalíticosopõem
à ciência a opinião, em salientando o seu caráter infirme (¢bšbaioj),32
tambémelesafazemtalemconseqüênciadanaturezadoobjetoque,
embora verdadeiro e real, pode, entretanto, ser de outra maneira.33
Distinçãoqueoprópriosentircomumsemdificuldadeconfirma,pois
“ninguémjulgaopinar(dox£zein),masterciência,quandojulgaimpos-
sívelserdeoutramaneira;mas,quandojulgaqueacoisaéassim,sem
quenada,entretanto,impeçaque,também,deoutromodoseja,jul-
gaentãoopinar,estimandoqueaumobjetotalrespeitaaopinião,ao
necessário,aciência”.34
É certo que a ÉticaNicomaquéiapareceria,à
primeiravista,contradizerumataldoutrina,aodizer-nosqueaopi-
27 Cf.Ét.Nic.VI,3,1139b
21-2.
28 Cf.Met.Z,15,1040a
2-4.
29 Ibidem,1039b
32-3.
30 Cf.ibidem,1039b
33-1040a
1;Ét.Nic.V,5,1140b
27etc.
31 Cf.Met.Q,10,1051b
13-7.
32 Cf.Seg.Anal.,I,33,89a
5-6.
33 Cf.ibidem,88b
32seg.
34 Ibidem,89a
6-10.
40. 42
OswaldoPorchatPereira
nião, que se divide segundo o falso e o verdadeiro “parece dizer res-
peitoatodasascoisasenãomenosàseternaseàsimpossíveisqueàs
quedenósdependem”.35
Mas os SegundosAnalíticosesclarecemple-
namente a aparente dificuldade: é que se podem apreender objetos
que, em si mesmos, são necessários e se podem conhecer eles como
verdadeiros,sejaapreendendo-osemsuamesmanecessidade–deles,
então,haveráciência–seja,semquecomonecessáriosseapreendam
– e haverá deles, tão-somente, opinião.36
Nãoháproblema,pois,em
pôr-sequeépossívelopinarsobretudoquesesabe,37
se se tem bem
presenteaopensamentoquenãopodemsertotalmenteidênticosos
objetosdaopiniãoedaciência,aindaquepossamdizer-seosmesmos
numsentidosemelhanteaoemqueassimsedizemosobjetosdaopi-
niãofalsaedaopiniãoverdadeira,quando,dizendorespeitoambasa
umamesmacoisa,nãoseconfundemeles,entretanto,quantoàsua
qüididade,queodiscursoexprime.38
Poderá haver, então, de uma mes-
macoisa,emhomensdiferentes,ciêncianum,opiniãonoutro;masé
absolutamenteimpossívelquesedêemambassimultaneamentenum
mesmo homem, já que este teria de apreender, ao mesmo tempo, a
mesmacoisa,comoincapazecomocapazdeserdeoutramaneira.39
Nãoseesquecerádequeonão-contingentenãoéaúnicasignifi-
cação do necessário no vocabulário filosófico de Aristóteles. De fato,
olivroDdaMetafísica,aoestudaroverbete“necessário”,40
mostra-nos
queanecessidadeoradizrespeitoàscondiçõessemasquaisumbem
nãoserealiza(necessidade,porexemplo,darespiraçãoparaavida),41
35 Ét.Nic.III,4,1111b
31-3.
36 Cf.Seg.Anal.,I,33,89a
16seg.
37 Cf.ibidem,l.12-3.
38 Cf.ibidem,l.23seg.
39 Cf.ibidem,l.38seg.
40 Cf. Met. D, 5. Os três sentidos básicos do termo, aí indicados, são retomados em L, 7,
1072b
11-3.AceitamostotalmenteainterpretaçãopropostaporRoss,emseucomentário
aD,5,nãotendorazãoLeBlond,aodistinguir,nessecapítulo,cincodiferentessentidosde
“necessário”(cf.LeBlond,Logiqueetméthode...,1939,p.84en.4).
41 Cf.Met.D,5,com.,1015a
20-6.ÉanecessidadequeaFísicachamadehipotética(™xØpoqšsewj),
necessidaderepresentadapelacausamaterialdosseresnaturais,semaqualnãosedáafor-
ma,cf.Fís.II,9(todoocapítulo);cf.,também,Part.Anim.I,1,639b
24-5;642a
1seg.
41. 43
CiênciaeDialéticaemAristóteles
oraaoqueécompulsórioeàcompulsão(porexemplo,oquepõeobs-
táculo e estorva o impulso natural e a intenção deliberada),42
ora ao
m¾ ™ndecÒmenon ¥llwj œcein, ao que não pode ser de outra maneira.43
Mas esta é a noção de necessidade, observa o filósofo, da qual, de al-
gummodo,derivamasduasprimeiras:44
uma coisa faz ou sofre o ne-
cessário, enquanto compulsório, quando não lhe é possível (m¾
™ndšcetai)agirsegundooimpulsopróprio,istoé,quandonãopodeagir
diferentemente do que age, em virtude da atuação do agente que a
compele;equandovidaoubem,também,nãosãopossíveissemcer-
tascondições(suna…tia),estasdir-se-ãonecessáriasetalcausa,uma
formadenecessidade.Ora,édiretamenteaoterceiroeprincipalsen-
tido,aoquenãopodeserdeoutramaneira,queessetextodaMetafísica
explicitamenterefereanecessidadedademonstraçãocientífica.45
E
mostraofilósofocomosedividemascoisasquantoàcausadesuaneces-
sidade:certascoisas,comefeito,devemsuanecessidadeaumacausa
outraquenãoelaspróprias,enquantooutrasháque,nãopossuindo
umacausatal,são,aocontrário,elaspróprias,acausadanecessidade
deoutrascoisas.46
E conclui que o necessário, em seu sentido primeiro
e fundamental (kur…wj), é o simples (tÒ ¡ploàn), ao qual não é, com
efeito, possível ser de muitas maneiras nem, portanto, sofrer muta-
ção alguma; se há seres eternos e imóveis, tal há de ser, então, a sua
natureza.47
Enãonosmostra,comefeito,aanálisedodevirlevadaa
cabopelolivroIdaFísicaserevidenteque“tudoquedevémésempre
composto(sunqetÒn)”?48
Eis, assim, o absolutamente necessário, o que
nãoécontingente,bemdefinido,agora,emsuamesmapositividade.Eis
também,esclarecidaanaturezadoobjetoaqueaciência,emúltima
análise,serefere.
42 Cf.Met.D,5,1015a
26-33.
43 Cf.ibidem,l.33seg.
44 Cf.ibidem,1015a
35-b
6.
45 Cf.ibidem,1015b
6seg.
46 Cf.ibidem,l.9-11.
47 Cf.ibidem,1015b
11-5.
48 Fís.I,7,190b
11.
42. 44
OswaldoPorchatPereira
1.2Aciênciaeacategoriadarelação
Vimos,assim,demodoadequadoanossoestudo,comoadoutrina
aristotélica da ciência a define, nos Segundos Analíticos e na Ética
Nicomaquéia sobretudo, como o conhecimento de um objeto que
ontologicamentesedescrevecomonecessário:aciênciaédoser,edo
ser necessário, eterno. Não nos estranhará, pois, que Aristóteles co-
loqueaciênciaentreosrelativos(prÒjti),istoé,queadigapertencente
àcategoriadarelação.49
Pois se dizem relativas, com efeito, “aquelas
coisasque,aquilo,precisamente,quesão,sedizemserdeoutrascoi-
sas ou, de algum modo, em relação a outra coisa (prÕj ›teron)”.50
As-
sim,oserdorelativosenãodissociadesuarelaçãoaalgodeoutro,o
qualserá,porissomesmo,umelementonecessárionadefiniçãoda-
quele.51
Doutrina que, aplicada à ciência, significa, como as Categori-
asexpressamenteodizem,que“aciênciadiz-seciênciadocientifica-
menteconhecível”,52
que“aciênciadiz-seaquilomesmo,precisamente,
queé,docientificamenteconhecível”.53
E que o ser da ciência impli-
ca,comoelementoindispensávelqueintegrasuamesmadefiniçãoe
essência,areferênciaao™pisthtÒn,aocientificamenteconhecível:nem
foioutracoisaoque,desdeadefiniçãoinicialdeciênciapropostanos
SegundosAnalíticos,quevimoscomentando,estivemosamostrar.
Umesclarecimento,contudo,impõe-se:comefeito,dentreaspro-
priedadesqueoscaracterizam,distinguem-se,também,osrelativos
pelareciprocidadedesuarelaçãoaosseuscorrelativos(tambémestes
dizem-serelativosàqueles:odobroérelativoàmetadeeametade,ao
dobro,odobroédobrodametadeeametade,metadedodobro)54
epela
49 Cf.Tóp.IV,4,124b
19;VI,6,145a
13-8;Met.D,15,1021b
6etc.
50 Cat.7,6a
36-7.Ocapítulo7dasCategoriaséinteiramentededicado,comosesabe,àcatego-
riadarelação.Cf.,também,Met.D,15.
51 Cf.Tóp.VI,4,142a
28-31.
52 Cat. 7, 6b
34. Do mesmo modo, dir-se-á o cientificamente conhecível cientificamente
conhecível para a ciência (cf. ibidem, l. 34-5).
53 Cat.10,11b
28-9.
54 Cf.Cat.7,6b
28seg.
43. 45
CiênciaeDialéticaemAristóteles
suasimultaneidadecomseuscorrelativos,quedaquelaprimeirapro-
priedadedecorre(porqueháumamútuacorrelaçãoeoserdosrelati-
vosnãosedissociadarelação,ainexistênciaousupressãodeumdos
termosdarelaçãoimplicaainexistênciaouasupressãodooutro:não
havendodobro,nãohámetadeevice-versa55
). Ora, conquanto seja um
relativo,nãopossuitaispropriedadesaciência,nãocaracterizando-
se,defato,pelareciprocidadeepelasimultaneidadeasrelaçõesentre
a ciência e o cientificamente conhecível, ou entre o pensamento e o
pensável,entreamedidaeomensurável:“omensurável,ecientifica-
mente conhecível e o pensável dizem-se relativos pelo fato de uma
outracoisadizer-seemrelaçãoaeles;defato,opensávelsignificaque
delehápensamento,masnãoéopensamentorelativoàquilodeque
épensamento(poisseteriaditoduasvezesamesmacoisa);demodo
semelhante,tambémavistaévistadealgo,nãodaquilodequeévis-
ta (ainda que seja, por certo, verdade dizer isto), mas é relativa à cor
ouaalgumaoutracoisadessanatureza”.56
À primeira vista, confuso
e, mesmo, contraditório, esse texto daMetafísica merece um exame
maisatento.Indica-nosele,emprimeirolugar,quearelaçãoexisten-
te entre a ciência e seu objeto (o mesmo é válido dizer do pensamen-
to,dapercepçãoetc.,maséocasoparticulardaciênciaque,aqui,nos
interessa),seelaéconstitutivadaciência,nãooédocientificamente
conhecido. É-o da ciência: com efeito, se, de um modo geral, o ser do
relativo consiste no “estar numa certa relação com alguma coisa”,57
écertoqueéplenamenteessaanaturezadaciência,queéesedefine
peloobjetonecessárioqueconhece.Mas,enquanto,paraosrelativos,
em geral, ocorre que a relação que os determina é simultaneamente
constitutivadeambososseustermos,cujoserporelaprópriasede-
limitaeestabelece,querofilósofofrisarqueomesmonãoocorrecom
as formas várias de conhecimento, entre as quais a ciência. Aqui, a
relação é unilateral, de um certo modo, na medida em que o objeto
55 Cf.Cat.7,7b
15seg.
56 Cf.Met.D,15,1021a
29-b
2.
57 Tóp.VI,4,142a
29.
44. 46
OswaldoPorchatPereira
conhecidosepõecomoindependentedamesmarelaçãodeconheci-
mento,dequeétermo;sendo,então,deumserquelhenãoéconferi-
doporumaciênciaeventualquelhedigarespeito,é-lheacidental,ao
cientificamenteconhecível,serconhecidopelaciência.Nãosedefinin-
do por ela, o objeto da ciência não se lhe dirá, portanto, relativo; ou
melhor,seassimsediz,éapenasparasignificar-sequeaciêncialheé
relativa,semquecomissoseexprimaasuanaturezadele.58
Mas, por
issomesmo,nãosedeterminaráaciência,dizendo-arelativaaocien-
tificamente conhecível, isto é, não se definirá ela pela sua relação ao
conhecível como tal; com efeito, raciocina Aristóteles, se o ™pisthtÒn
indica que dele há ciência, definir a ciência por sua relação a ele, en-
quantotal,seriaincorrernatautologiadedizê-larelativaàquilodeque
háciência.Porcerto,nenhumainverdadeseprofere,seassimsefala,
mas porque a natureza própria do objeto se escamoteia, é a mesma
naturezadaciênciaqueseobscurece.E,sobretudo,assimexprimir-
seéindevidamentetomarcomoreciprocáveisesimultâneos,àseme-
lhançadosrelativosemgeral,aciênciaeseuobjeto.Disséramos,aci-
ma, que a definição de ciência teria necessariamente de incluir a
relaçãoao™pisthtÒn;59
compreende-se,agora,quenãoéamençãoabs-
trata de que há um cientificamente conhecível que nela deve figurar
mas,sim,suacaracterizaçãoadequada,istoé,asuaexplicaçãocomo
o m¾ ™ndecÒmenon, o que não pode ser de outra maneira.
Manifesta-se-nos,então,queoquenostrazdiantedosolhosalin-
guagemdifícileinsólitadacategoriaaristotélicadarelaçãonadame-
noséqueoproblemamagnodoprimadodacoisaconhecida,porque
umrealismoepistemológico,entreoutrascoisas,sedefine.Sepudesse
pairardúvidasobreacorreçãodainterpretaçãopropostaparaaquele
textodaMetafísicadirimi-la-iaocompará-locomapassagembemmais
58 Quando o filósofo diz, então, que “o cientificamente conhecível é aquilo mesmo, precisa-
mente, que é, relativamente ao oposto, à ciência; pois o cientificamente conhecível se diz
cientificamenteconhecívelparaalgo,paraaciência”(Cat.10,11b
29-31),háqueentender-
sequesetratadoconhecívelunicamenteenquantolhedizrespeitoaciência,interpretação,ali-
ás,queoprópriotextosugere.
59 Cf.,acima,n.52e53destecapítulo.
45. 47
CiênciaeDialéticaemAristóteles
explícitaemqueasCategoriastambémaludemaocarátersuigenerisda
relação entre ™pisthtÒn e ™pisthmh: “Não parece verdadeiro haver de
todos os relativos uma simultaneidade de natureza; parecer-nos-á,
comefeito,queocientificamenteconhecíveléanterioràciência,pois,
na maior parte das vezes, é em havendo previamente as coisas que
adquirimosasciências:defato,empoucoscasos,ouemnenhum,ver-
se-á surgir uma ciência simultânea ao conhecível. Além disso, o
conhecível,umavezdestruído,suprimeconsigoaciência,masaciên-
cianãosuprimeconsigooconhecível,pois,emnãohavendoconhecível,
nãoháciência–denadamais,comefeito,seriaciência–masnadaim-
pede que, não havendo ciência, haja conhecível ... . Além disso,
destruídooanimal,nãoháciência,masépossívelhavermuitosden-
treosconhecíveis”.60
Não se poderia dizer de modo mais manifesto
que o conhecível é, para além e antes de qualquer ciência que possa
conhecê-lo. Trata-se, obviamente, no texto em questão, de um uso
extremamentelatodanoçãodeciência,abrangendooconhecimento
doquedevémepodedestruir-se,equenãosediriaexcepcionalnalin-
guagemdofilósofo;61
mas o que, aqui, nos importa é que, com toda a
clareza desejável,seexprimeaabsolutaeincondicionalprimaziado
objeto científico sobre a ciência, transposta em termos de anteriori-
dadetemporal:preexisteàciênciaoseuobjeto.
1.3Aciênciaeaalma
Uma outra lição, porém, traz-nos, também, o texto em questão,
queédeconveniênciavivamenterealçar.Comefeito,comoumargu-
mento a mais em favor da anterioridade do conhecido, supõe uma
imagináriadestruiçãodoreinoanimal,queacarretariaasupressãode
todaciência,semquenadaviesseafetarboapartedoconhecível,isto
é, todos os seres celestes e, no mundo sublunar, por exemplo, o rei-
notododascoisasinanimadas.Ora,assimcolocaroproblemaé,como
60 Cat.7,7b
22-35.
61 Cf., adiante, IV, 1.4 (isto é: cap. IV, § 1, seção 4).
46. 48
OswaldoPorchatPereira
bem se compreende, não apenas insistir no primado do conhecível
mas,aindamais,descreverliteralmenteaciênciacomoumatributo
doseranimado:viveaciênciadavidadoservivoedesaparececomela.
Eparece-nos,comefeito,quenãopoderiaserdeoutramaneira,pois,
apartirdomomentoemquesereconheceaabsolutaanterioridadee
primaziadoobjeto,comoofazAristóteles,eranecessárioentendera
ciênciacomoumatributodoanimalhumano.Eofilósofoéextrema-
menteclaroaesserespeito:aciênciaestánaalma,comoemseusu-
jeito,62
a ciência é um estado ou “hábito” (›xij),63
portanto, uma qua-
lidade da alma humana, “hábito” e não simples disposição (di£qesij),
em virtude de seu caráter duradouro e estável, que se não perde se
grandemudançanãoocorre,provocadapordoençaoufatosemelhan-
te.64
E, ainda segundo as Categorias,nãosãoasdiferentesciênciaspar-
ticularessenãoqualidades,cujapossenosfaztaisouquais.65
É, tam-
bém,comouma›xijqueaÉticaNicomaquéiacaracterizaaciência,como
umestadoou“hábito”capazdedemonstrar;66
e como uma concep-
çãooujuízo(ØpÒlhyij)quedizrespeitoaosuniversaiseàscoisasque
são,necessariamente.67
É de fato a ciência uma espécie de (ØpÒlhyij)68
eésobesseprismadesuasrelaçõescomasoutrasfunçõesdopensa-
mento,emgeral,queaestudaráolivro IIIdotratado DaAlma:open-
sar(noe‹n),comefeito,consiste,deumlado,narepresentaçãoouima-
62 Cf.Cat.2,1b
1-2.
63 Cf. Cat.8,8b
29. Os dois sentidos principais do termo ›xij, em Aristóteles (um certo ato do
que tem e do que é tido ou uma disposição (di£qesis), segundo a qual o que está “dispos-
to” está bem ou mal “disposto”, cf. Met. D, 20, 1022b
4-14 (o capítulo inteiro)), prendem-
se,comonotaBonitz(cf.Index,p.260b
31seg.),respectivamente,aossentidostransitivoe
intransitivo de ›cein. No primeiro sentido, a ›xij diz-se segundo a categoria do “ter” (›cein)
(cf. Cat. 4,2a
23); no segundo, que o termo latinohabitus traduz bem, é a›xij umaespécie
da qualidade (cf.Cat. 8,8b
26-7), um estado ou “hábito”.
64 Cf. Cat.8,8b
27-32.Aristótelesquefreqüentementeusa›xij edi£qesijcomosinônimos,dá
aquiumamaiorprecisãoaosdoistermos,entendendopor›xijumadisposiçãomaisdura-
douraeestável.
65 Cf.ibidem,11a
32seg.
66 Cf.Ét.Nic.VI,3,1139b
31-2.
67 Cf.ibidem,6,1140b
31-2.
68 Cf.Fís.V,4,227b
13-4.
47. 49
CiênciaeDialéticaemAristóteles
ginação (fantas…a), de outro, na concepção (ØpÒlhyij) e esta diferen-
cia-seemciência,opinião,prudênciaeseuscontrários.69
Descreven-
do a ciência como um “hábito”, mostra-nos, também aÉtica como a
ciência, juntamente com a inteligência (noàj), integra a sabedoria
(sof…a),70
que é a virtude (¢ret») da parte científica (tÕ ™pisthmonikÒn),
aqualconstitui,porsuavez,umasubdivisãodaparteracionaldaalma
humana.71
Ora, dizer que a sabedoria (que inclui a ciência) é a virtu-
dedapartecientíficadaalmaésignificarqueelaéomelhorestadoou
“hábito” dessa parte da alma, dizendo respeito à função (œrgon) que
lheéprópria.72
Éverdadequeapróprianoçãodapartecientíficadaalma
estácalcadasobreanaturezadoobjetodequeelaseocupa;comefei-
to,seasduaspartesdaalmaracional,acientíficaeacalculadora(tÕ
logistikÒn)assimsechamam,éporqueporelascontemplamos,deum
lado,aquelesseresquesãotaisquenãopodemosseusprincípiosser
de outra maneira (m¾ ™ndšcontai ¥llwj œcein), de outro, as coisas con-
tingentes (t¦ ™ndecÒmena), por isso mesmo suscetíveis de ser objeto de
deliberaçãooucálculo;73
como explica Aristóteles, a divisão entre as
partesdaalmaacompanhaeunivocamentecorrespondeàsdiferenças
genéricasentreascoisas,jáquesedeveoconhecimentoquepossuem
a“umacertasemelhançaeparentesco”comaquiloqueconhecem.74
69 Cf.DaAlmaIII,4,427b
24-6.
70 Cf. Ét. Nic. VI, 7, 1141a
18-9;b
2-3. Poderia estranhar-se que a Ética contivesse textos
epistemológicostãoimportantessobreanoçãodeciênciaeadesabedoriateórica;masnão
seesqueçadequenãosomenteolivroVIestudataisnoções,tendoemvistaprecisarasre-
laçõesentreosaberteórico(sof…a)eosaberpráticoouprudência(frÒnhsij)mas,também,
apróprianoçãodefelicidade,supremoBemdohomem,talcomoaÉticaadefine(atodaalma
segundoamelhoremaiscompletavirtude(I,7,1098a
16-7)),implica,finalmente,aconsi-
deraçãodavidacontemplativaouteórica(cf.X,7-9),vidadeinteligênciaedeciência.
71 Cf.Ét.Nic.VI,11,1143b
14-7,ondeAristóteles,resumindotodaadiscussãoprecedente,opõe
sabedoriaeprudênciacomovirtudes,respectivamente,decadaumadassubdivisõesdaparte
racionaldaalmahumana.Sobreadivisãodaalmanumaparteracionalenumaparteirra-
cional, cf. Ét.Nic.I, 13, 1102a
26 seg.; sobre as divisões da alma racional, cf. VI, 1, 1139a
5
seg. O estudo acurado dessas diferentes partes e de suas funções faz-se, obviamente, no
tratado Da Alma (livros II e III).
72 Cf.Ét.Nic. VI, 1, 1139a
16-7. Sobre a noção de virtude (¢ret¾), cf. II, 5-6.
73 Cf.Ét.Nic.VI,1,1139a
6seg.
74 Cf.ibidem,l.8-11.
48. 50
OswaldoPorchatPereira
Mas,poroutrolado,enquantoestadoou“hábito”,aciênciaoédeal-
gumacoisa,75
isto é, precisamente, da alma humana:76
qualidade da
alma,aciênciaémododeserdohomem,porcujointermédioserela-
cionaestedeumcertomodocomseresdeumacertanatureza,osque
nãopodemserdeoutramaneira,graçasaumacertafamiliaridadeque
lhe é natural e que torna, assim, o conhecimento possível. Donde a
ambigüidade de uma expressão como “aquilo por cujo intermédio
conhecemos”,quepodesignificar,sejaaciência,sejaaprópriaalma.77
Nempodiaseroutra,defato,adoutrinaaristotélicadaciência,a
partir do momento em que uma perspectiva decididamente realista
instauraraoprimadoabsolutodoobjeto,reconhecendocomoanterior
e indiferente a todo conhecimento eventual que dele se ocupa, um
mundo-real-que-está-aíedequeoshomensfazemosparte.Será,en-
tão,sobreessepanodefundodascoisasqueseapreenderáedescre-
veráamesmanaturezadoconhecimento,necessariamentesecundá-
ria do ponto de vista ontológico que, de início, se privilegia. Mero
comportamento dos homens em face das coisas, em que pesa à sua
excelsadignidade,aciência,comotodasasformasdeconhecimento,
pressupõenecessariamenteascoisaseoshomens.Visãoingênuado
mundo?É,emtodoocaso,adoutrinaaristotélicadaciência.Seren-
tre os seres do mundo, a ciência que Aristóteles conhece não é
constitutivadacoisaconhecida,mas,tambémela,uma“coisa”,que
se oferece, igualmente, à reflexão do filósofo. Fundadas razões teve
Cassirer de excluir de seu estudo sobre o problema do conhecimen-
to, juntamente com Aristóteles, todo o pensamento grego, cuja uni-
dade, desse ponto de vista, parece-nos indiscutível.78
E é com toda
75 Cf.Cat.7,6b
5.
76 Cf. Tóp. IV, 4, 124b
33-4: “a ciência diz-se do cientificamente conhecível, mas o estado e a
disposição,nãodocientificamenteconhecível,masdaalma”.
77 Cf.DaAlmaII,2,414a
5-6.
78 Comexceção, por certo, do movimento cético, em que se poderia ser tentado a pressentir
umprecursordamodernidade.Poroutrolado,numafilosofiacomoadePlatão,depoisdos
modernosestudosqueselhetêmconsagrado,ainterpretaçãorealistapareceirrecusável:
oplatonismoéumrealismodasFormasouessências.
49. 51
CiênciaeDialéticaemAristóteles
razãoqueobservaque“emAristóteles,ateoriadoconhecimentonão
émaisqueumapartedesuapsicologia”:79
ter-lhe-ia o filósofo dado
integralmenterazão,poiséelemesmoquemnosremete,nosSegun-
dosAnalíticos,paraoestudodasrelaçõesentreopensamento,aintui-
ção,aciência,asabedoriaetc.,àFísica(istoé,aotratadodaAlma)eà
Ética.80
Torna-se bem fácil compreender, sem dúvida, por que recusa
Aristóteleschamaràciênciamedidadascoisas.81
Nós assim chama-
mos,àciênciaeàpercepção,parasignificarqueporelasconhecemos
ascoisas(assimcomochamamosmedida,emsentidoestrito,àquilo
porcujointermédioconhecemosaquantidade).82
Na realidade, ciên-
ciaepercepçãosão,antes,coisasmedidasdoquemedidasdascoisas;
comelasocorrealgodesemelhanteaoquenosacontecequandovem
alguémmedir-nos,emaplicandosobrenósamedidadeumcôvado:
detendosobreoconhecimentoaprimaziaquesabemos,sãoascoisas
quemedemequedelasconhecemos,sãoosprópriosseresamedida
daciênciadoshomens.
Torna-se,então,plenamentemanifestocomo,dosdoispólosaque
vimosteraciênciareferêncianecessária,quecomalguminegávelana-
cronismo, agora mais do que nunca evidente, denominamos sujeito
eobjeto,entender-se-ápeloprimeirotão-somenteohomemreal,essa
essênciaousubstânciaprivilegiada,decujaalmaaciênciaéproprie-
dade; por razões óbvias, compete seu estudo à psicologia, isto é, à fí-
sicaaristotélica.Quantoaoquevimosseroobjetodaciência,oneces-
sárioeacausa,seumesmocaráterfísicoeontológicoconverte-osem
temadamesmaciênciafísicaedaciênciadoser.Resta-lhe,àciência,
79 Cf.Cassirer,Elproblemadelconocimientoenlafilosofíayenlacienciamodernas,I,p.56.Sobreas
razões pelas quais o autor não inclui, em sua obra, um estudo da filosofia antiga, v. p.26
seg.,emsuaIntrodução.
80 Cf.Seg.Anal.I,33,89b
7-9.Sobreasrazõespelasquaiséaofísicoquecabeoestudodaalma,
cf.DaAlma,I,1,402a
4seg.;403a
3-19.Poroutrolado,quantoàsrazõesdeocupar-seaÉtica
daciência,v.,acima,n.70destecapítulo.
81 Cf.Met.I,1,1053a
31seg.;1057a
7-12.
82 Cf.Met.I,1,1052b
20.
50. 52
OswaldoPorchatPereira
umaúltimadimensão–eédelaqueseocupam,propriamente, osSe-
gundosAnalíticos–,adesuaorganizaçãoeestruturaçãointernascomo
saberconstituído.Tambémseráesse,então,oobjetoprivilegiadode
nossareflexão.Mas,acompanhando,naqueletratado,ospassosda
doutrina, veremos que, se a referência ao sujeito, isto é, ao homem
comosuportedoconhecimentoeàciênciacomoumseumododeser,
está praticamente ausente, considerações de ordem metafísica,
concernentesaoserdoconhecível,revelar-se-ãoimprescindíveiseo
filósofoteráfreqüentementededelaslançarmãoparainformardife-
rentesmomentosdeseuestudosobreosabercientífico.
1.4Osoutrosusosdotermo“ciência”
Entendemos,pois,queterciênciaéconhecercomosedetermina
causalmenteosernecessário.Antesdepassarmosaexplorar,como
filósofo,conformeàexposiçãodosSegundosAnalíticos,osdesenvolvi-
mentostodosquetalnoçãoimplica,apressemo-nosemdeixarassente
que nenhum outro texto de Aristóteles repudia nem desmente essa
conceituaçãodoconhecimentocientíficoequenenhumindíciopos-
suímosdequeofilósofotenhaabandonadotãorigorosaconcepçãodo
saber.Matizá-la-á,porcerto,comfreqüência–emescritosoutrosque
nãoosAnalíticos83
–, mas o necessário ontológico e sua causalidade
permanecerãosempreopontoúltimodereferênciaobjetiva,emfun-
çãodoqualaciênciaseconstituiedefine.84
É certo, por outro lado,
queumtextobemconhecidodolivroZdaMetafísicaformularáoque,
àprimeiravista,poderiaparecercomoumaoutranoçãodeciência:“e,
com efeito, há ciência de cada coisa quando lhe conhecemos a
83 Senãodepassagemesemmaiorexplicaçãooudiscussão,cf.Seg.Anal.I,30;II,12,96a
8-19etc.
84 Segundo a interpretação que temos por certa e apoiada nos textos aristotélicos, mesmo
quando,comoemgrandenúmerodetextosocorre,diz-seaciênciadonecessárioedofre-
qüente (æj ™pˆ tÕ polÚ), cf., além dos textos citados na nota anterior, Met. E, 2, 1027a
20-1;
K,8,1065a
4-6;Ger.ePer.II,6,333b
4seg.etc.Sobreoproblemadecomoconciliarcomanoção
de necessidade a deæj ™pˆ tÕ polÚ, falaremos oportunamente.
51. 53
CiênciaeDialéticaemAristóteles
qüididade(tÕt…Ãnenai)”;85
veremos, contudo, oportunamente, que
se trata de noção que coincide objetivamente com a que vimos co-
mentando,considerada,apenas,apartirdeoutroprisma.Finalmen-
te, não se nos oponha, como objeção, que Aristóteles se serve, por
vezes,deumaterminologiamenosprecisaequeemprega,porexem-
plo, o termo ™pist»mh (ciência) num sentido extremamente lato, ora
chamando de ciência aos conhecimentos empíricos de astronomia
náuticaeopondoàsciênciasmatemáticasasciências“sensoriais”,86
orafalandodaciênciaquemoveasmãosdocarpinteiro87
ou opondo
aciênciadosenhoràciênciadoescravo,88
ora usando simplesmente,
de modo indiscriminado, uma pela outra, as expressões ™pist»mh e
tšcnh(arte):89
com efeito, em nenhum desses casos subsiste uma qual-
quer ambigüidade quanto à significação visada nem possibilidade
qualquer de atribuir-se ao autor uma referência ao saber científico
strictosensu.Deummodogeral,então,sejamquaisforemasdificul-
dadesdeinterpretação,reaisouaparentes,quesurjam,aodepararmos,
no interior da obra aristotélica, com conceitos e problemas que
correspondemanoçõeseatitudesquemodernamentesedizemcien-
tíficas, mormente em face de toda a concepção moderna de ciência
experimentaledeinvestigaçãocientífica,háquebuscar-seasolução
e a compreensão de cada situação e dificuldade dentro dos mesmos
esquemasaristotélicosesegundoasuaconcepçãodeciência,seteme-
mos a infidelidade ao pensamento do filósofo e o anacronismo.
85 Met. Z, 6, 1031b
6-7. Cremos perfeitamente aceitável o emprego do vocábulo “qüididade”,
já consagrado, aliás, pelos aristotelistas, para traduzir o t… Ãn enaide Aristóteles.
86 Cf.Seg.Anal.I,13,78b
34-79a
16eaexcelentenotadeRoss,adlocum.Cf.também,aexpres-
são ™pistÁmai tîn a„sqhtîn (ciências dos sensíveis), em DaAlma II, 5, 417b
26-7.
87 Cf.Ger.Anim.I,22,730b
16.
88 Cf.Pol.I,7,1255b
20seg.
89 Verosmúltiplos exemplos coligidos por Bonitz, cf. Index,p.279b
57seg.Outroproblema,
entretanto, seria o de mostrar como a sistematização do conhecimento leva Aristóteles à
tentativadepenetrarastécnicasdecientificidadeaquecorresponde,precisamente,ano-
çãodeciênciapoiética,cf.,porexemplo,Met.Q,2,1046b
3.
52. 54
OswaldoPorchatPereira
2Aciênciaquesetem
2.1Anoçãodeciência,aopiniãocomumearealidadecientífica
OsSegundosAnalíticosdefiniramoconhecimentocientífico.Mas
comocertificar-nosdacorreçãoouincorreçãodetaldefinição?Quan-
do dizemos que temos conhecimento científico de uma coisa ao co-
nheceroprocessocausalqueaengendraeasuaimpossibilidadede
serdeoutramaneira,estaremossimplesmenteexplicitandoasigni-
ficação que visamos, ao proferir ™p…stasqai? Descreve-se, acaso, um
conhecimento científico ideal independentemente de sua concre-
tização atual entre os reais conhecimentos dos homens e da própria
possibilidadedesuaefetivaconstituição?Teríamos,então,diantede
nós,ummodeloabstratoquesetentaráimitarnaslidescotidianasdos
homensdeciência,umconhecimentodesejadoebuscado,nãouma
ciênciapossuída.90
Ora,éprecisodizerqueumatalperspectivaétotal-
menteestranhaaoaristotelismo,emgeral,eàsuamaneiraprópriade
compreender a natureza do conhecimento qualquer, em particular:
assimcomoasuaÉticanãonosprescreveideaisabstratos,quesenão
“encarnam” ao nível do concreto humano, nem a imitação de mode-
los inatingíveis que a vida da polis não verifica, mas está, toda ela,
impregnadadoquesepoderia,semdúvida,qualificar,comoumrea-
lismomoral,suadoutrinadoconhecimentocientífico–osAnalíticosno-
lo mostrarão – constrói-se, igualmente, sobre uma ciência que já faz
partedasrealidadeshumanas,porqueconquistaquesealcançoueque
muitoscultivam.Emoutraspalavras,paraAristóteles,aciênciaé,an-
tesdetudo,umfato.Porqueelaéumarealidadedenossomundohu-
manoepode,porissomesmotornar-se,emseumesmoser,umobjeto
paranossameditação,é-nospossível,nosSegundosAnalíticos,apósde-
fini-la,comprovaracorreçãodadefiniçãopropostapeloseuacordocom
90 Éoqueaconteceriase,comopretendeAubenque(cf.Aubenque,Leproblèmedel’être...,1962,
p.322eseg.),somenteateologiafosseciência,aosolhosdeAristóteles,umaciência,além
domais,queofilósofoteriamostradoinútile,sobretudo,inalcançável.
53. 55
CiênciaeDialéticaemAristóteles
aopiniãogeralepelafidelidadecomquedescrevaoestadodosqueefe-
tivamentepossuemaciência:“Éevidente,porcerto,quetalcoisaéo
conhecercientificamente,poisosquenãoconhecemcientificamente
assimcomoosqueconhecemcientificamentejulgam,osprimeiros,que
elesprópriosseencontramnesseestado;osqueconhecemcientifica-
mente,porém,neletambémseencontram,demodoqueéimpossível
serdeoutramaneiraaquilodeque,emsentidoabsoluto,háciência”.91
Confirma, assim, a validade de definição proposta, em primeiro
lugar,aopiniãouniversal,reconhecidanamesmacoincidênciadepon-
tosdevistacomquedefinemciência,nãosomenteosque,efetivamen-
te,apossuem,mas,também,quantos,aindaquenãopossuindoum
realconhecimentocientífico,têmapretensãodepossuí-lo;enãopro-
vém tal pretensão senão do fato de que julgam conformar-se àquela
definiçãoo“estado”dealmaemqueseencontram (o‡ontaiaÙtoˆoÛtwj
œcein).92
Porque,então,asignificaçãoconferidaàmesmaexpressãocom
quedesignamseu“estado”osqueobtiveramconhecimentosdeuma
certanaturezasevêconsagradapelousocomumevulgar,oacordoge-
neralizadodasopiniõesservir-nos-ádeargumento:apelamosparaa
Opinião,parasaberoqueéaCiência.93
91 Seg.Anal.I,2,71b
12-6.EssaéumadasraraspassagensemqueosSegundosAnalíticossere-
feremàciênciaenquantoestadoou“hábito”daalma;fazem-no,aqui,indiretamente,mas,
explicitamente,emII,19,100b
5seg.
92 Comoexemplodosque,nãopossuindoumrealconhecimentocientífico,têm,entretanto,
apretensãodepossuí-loepartilhamdaopiniãocorretasobreoquesejaconhecercientifi-
camente,poderíamos,provavelmente,lembrarospartidáriosdo“mecanicismo”nainter-
pretação dos fenômenos naturais, refutados na Física (cf. II, 8, todo o capítulo). Mas
Aristóteles, no texto dos Analíticos, parece ter em vista, não apenas os “cientistas”, mas
quantos julgam conhecer um fato qualquer de modo científico por crer conhecê-lo como
necessárioeincapazdeserdeoutramaneira,dessemodoevidenciandoasignificaçãouni-
versalmente conferida a ™p…stasqai.
93 CaberiaaumestudosobreadialéticaaristotélicapôremrelevoaexatafunçãodaOpiniãoe
asrazõesprofundasdesuaeficácianoprocessodeaquisiçãodaverdade.Lembre-sequeé,
também,graçasaolevantamentoeàanálisedasopiniõescomunsquesechegaaestabele-
cer,nosdoisprimeiroscapítulosdaMetafísica,“qualanaturezadaciênciaprocurada”(Met.A,
2,983a
21)eaconcluir,primeiro,queasabedoriaé“ciênciaquedizrespeitoacertosprincí-
piosecausas”(ibidem,1,982a
2)e,emseguida,queelaé“ciênciateóricadosprimeirosprin-
cípiosecausas”(ibidem,982b
9-10).
54. 56
OswaldoPorchatPereira
Mas,senãodispensouofilósofoorecursoàopiniãocomum,não
secontenta,porcerto,emassimproceder,paravalidaradefiniçãode
ciênciaquepropôs.Otextoacimatranscritoésobremaneiraexplíci-
to: se podemos definir, com segurança, o conhecimento científico e,
partindodeumatalnoçãodeciência,sobreelaedificarnossadoutri-
na,emanalisandosuasimplicaçõeseconseqüências,nãoésenãopor-
que os que se reconhecem possuidores de ciência possuem, de fato,
umconhecimentocujanaturezaéaquelamesmaquedescrevemosao
formularadefiniçãoquepropusemos.Nãoapenascrêemelesquetal
coisa é a ciência, isto é, um conhecimento do necessário, pelas suas
determinaçõescausais;talé,também,asuaciência,tambémnesse“esta-
do” se encontram (kaˆ œcousin). Ciência é fato que está aí a nosso al-
cance,comaquelasmesmascaracterísticasquediscriminamos.Éum
certoserdohomememnossomundo,quepodemostomarcomoob-
jetodenossareflexãoecujapresençasemprepermiteque,emarefa-
zendo,confirmemosainduçãoquenoslevouàdefiniçãoformulada.
Adoutrinaaristotélicadaciênciaassume,assim,emseumesmoponto
departida,podedizer-se,umasignificaçãoeumfatoprimeiros:asig-
nificação de ™pist»mh e o fato de que há ™pist»mh no mundo dos ho-
mens.Mercêdetaisconhecimentosprévios,queoteóricodaciência
podeobterporquetemaseudisporconhecimentoscientíficosjácons-
tituídos,podeeleempenhar-seemdescreverpormenorizadamentea
naturezaeascondiçõesdepossibilidadedaquiloqueé,antesdetudo,
umarealidadeindiscutível.Porqueaciênciaé,elepodesaberoqueela
é,“poisoquenãoé,ninguémsabeoqueé”.94
Nesse sentido, não pa-
rece que Robin se equivoque, ao sugerir, sob um certo prisma, um
paralelo entre o procedimento aristotélico e o empreendimento
kantiano.95
Se era preciso que insistíssemos em todos esses pontos,
94 Seg.Anal.II,7,92b
5-6.
95 Cf.Robin,Aristote.1944,p.60:“Aufond,Aristoteaprocédé,semble-t-il,delamêmemanière
que Kant, quoique avec une intention différente: Kant se demandait en effet quelle est la
portéeetquellessontlesconditionsdusavoir;Aristoteendéterminelesconditionsabsolues
etlesmoyenspropesàleréaliseruniversellement;touslesdeuxontpensécependantque
cetravail,critiquechezlepremier,constructifchezlesecond,devraitprendrepourbaseune
sciencedéjàconstituée”.
55. 57
CiênciaeDialéticaemAristóteles
équeosestudiososdoaristotelismocostumamdarênfaseunicamente
àsnotasdistintivasdoconhecimentocientífico,emAristóteles,negli-
genciando,noentanto,oque,anossover,étãoimportantequantoa
noçãomesmadeciência,istoé,aquelasrazõesqueofilósofoexplici-
tamenteinvocaparavalidaradefiniçãoestabelecida.
2.2Ascoisascelesteseaciênciahumana
Mas, se assim é, cabe-nos perguntar onde encontrou o filósofo
essaciênciaconstituídasobreaqualseexerceusuareflexãonosSe-
gundos Analíticos, modelo real que orientou seu estudo do “estado”
científico.Emoutraspalavras,ondeencontroueleseresnecessários,
conhecidosemsuasdeterminaçõescausaisenasuamesmaimpossi-
bilidadedeserdeoutramaneira?Aessapergunta,jásedeucomores-
postaqueoconhecimentodasrevoluçõesdosastrosedosfenômenos
celestes “oferece, visivelmente, ao Aristóteles dos ‘Analíticos’, o tipo
idealdaciência”.96
E, com efeito, não invoca o filósofo, no Tratadodo
Céu,comosuficienteparaconvencer-nos,otestemunhoconcordeda
percepçãosensível,quenosassegura,consoanteatradiçãodeunsa
outrostransmitida,nãotersofridomudançaalguma,emtodootem-
popassado,nemoconjuntointeirodocéuexteriornemnenhumade
suaspartespróprias?97
Não nos diz, também, a Metafísica,aorefutar
adoutrinaprotagóricadohomem-medida,queéabsurdo,aindaque
as coisas que nos cercam estejam em permanente mudança e em si
mesmasnuncapermaneçam,delaspartirparaconstruirnossosjuízos
sobreaVerdade?98
Ao contrário, “é preciso, com efeito, perseguir a
verdade,partindodascoisasqueestãosemprenomesmoestadoenão
efetuamnenhumamudança.Taissãoascoisascelestes:estas,defato,
nãoaparecem,oracomtaiscaracteres,umaoutravez,comcaracteres
diferentes,massempreidênticasesemparticipardenenhumamu-
96 LeBlond,Logiqueetméthode...,1939,p.79.
97 Cf.CéuI,3,270b
11-6.
98 Cf.Met.K,6,1063a
10-3.
56. 58
OswaldoPorchatPereira
dança”.99
Não-geradoseimperecíveissão,comefeito,oprimeiroCéu
esuaspartes,comosastrosquenelebrilham,oselementosdequees-
tessecompõemesuamesmanatureza:100
eles nos oferecem o espe-
táculovisíveldodivino.101
Como se mostrou recentemente, o aristo-
telismoconheceumacomoteologiaastral,emque“osastros-deuses
tomam...olugardasIdéiasplatônicas”equesetorna“oúnicofunda-
mentopossíveldeumateologiacientífica”.102
Mas parecerá, então, que
oconhecimentodoCéunãosomentefundamentaráateologiaaristo-
télica mas, também, conforme parecem indicar os textos que referi-
mos,aprópriadoutrinadosAnalíticos,fornecendo,destarte,oprotó-
tipodaciênciasobrequeseexerceráareflexãoanalítica.
Nãoé,entretanto,oqueocorre.EumabelapassagemdoTratado
dasPartesdosAnimaispropõe-nosconvincentesrazõesparaqueissonão
ocorra:103
é que, por excelsas e divinas que sejam as essências natu-
raisque,semgeraçãonemperecimento,sãoportodaaeternidade,por
maior que seja o deleite que nos proporciona a contemplação e o es-
tudo das coisas celestes, devemos reconhecer que estão demasiado
longedenósequenossasededesaberencontra,napercepçãosensí-
velquedelastemos,bempoucasevidênciasemqueapoiarnossoco-
nhecimento;porissomesmo,contrabalança,emcertamedida,àfilo-
sofiadascoisasdivinasaquelaciência,maisexataemaisextensa,das
coisasque,maispróximasdenós,têm,também,maiorafinidadecom
nossanatureza.Perspectivaprópriadeumaobradebiologia,porcer-
to,massuficientementeesclarecedoraparamostrar-nosquenãopode
99 Ibidem,1,13-7.OlivroK,comosesabe,resumepartesdeoutroslivrosdaMetafísicaeda
Física;assim,apassagememquestãoretomaaargumentaçãodeMet.G,5,1010a
25-32.
100 Cf.CéuIII,1,com.,298a
24-27,ondeAristótelesrecapitulaassuntosdiscutidosnosdoisli-
vrosprecedentes.
101 Cf.Met.E,1,1026a
18;Fís.II,4,196a
33-4.
102 Cf.Aubenque,Leproblèmedel’être...,1962,p.337.Sobreotemadateologiaastral,v.abiblio-
grafiaselecionadaporesseautor,especialmenteFestugière,Larévélationd’HermèsTrismégiste,
1949,p.217seg.Leia-se,também,aexcelentenotadeLeBlond,emseucomentárioaoli-
vroIdoTratadodasPartesdosAnimais,ad644a
25,notan.138(Aristotephilosophedelavie...,
1945,p.181-3).
103 Cf.Part.Anim.I,5,com.,644b
22seg.
57. 59
CiênciaeDialéticaemAristóteles
ofilósofotomarnossoescassoconhecimentodosserescelestescomo
o paradigma constituído da ciência. Não desistiu, por isso, o filósofo
deobter,namedidadoquecreuaoshumanospossível,oconhecimen-
tocientíficodomundosupralunareoTratadodoCéuconstituiofruto
magníficodesseseuempreendimento,explicando-nosqualéaestru-
turaeaordemdascoisasdoUniversoeporqueéestetalcomoé,ne-
cessariamente.Masnãoofazsemreconhecerasgrandesaporiasque
oconhecimentodetaisobjetosfreqüentementeenvolveelimitar-se-
á, por vezes, a tentar dizer o que aparece como verdadeiro (tÕ
fainÒmenon) porque crê ser indício, antes de pudor que de temerida-
de,ocontentar-se,emtalmatéria,dealgunspequenosefelizesresul-
tados, quando se é impelido pela sede da filosofia (di¦ tÕ filosof…aj
diyÁn).104
De qualquer modo, não será nessa difícil, laboriosa e limi-
tadaciênciadeserestãodistantes,105
que o filósofo procura construir
ealcançar,enriquecendo,mas,sobretudo,corrigindoosmagrosresul-
tadosdaspesquisasdeseusantecessores,106
que ele vai encontrar a
realidadecientíficadequeprecisa,paraformularsuadoutrinadaciên-
cia,eacujaexistênciavimososSegundosAnalíticosfazerreferência.107
E,defato,nenhumaalusãoespecialsefazaoconhecimentodascoi-
sas celestes em todo o livroI daquele tratado.108
2.3Oparadigmamatemático
Ondeencontrar,então,juntoaomundoquenoscerca,umaciên-
cia constituída pelos homens, que corresponda à definição que pro-
104 Cf. Céu. II, 12, com., 291b
24-8. Cf. Part.Anim.I, 5, 644b
26-7:kaˆ perˆ ïn e„dšnai poqoàmen.
105 Cf.Céu,II,12,292a
15-7.
106 E, com efeito, o tratado do Céu se constrói em refutando os pitagóricos e Anaximandro,
AnaxágoraseEmpédocles,osatomistasePlatãoetc.
107 Cf.,acima,I,2.1.
108 Alémdealgunspoucosexemplostiradosdaastronomia(ossilogismossobreacintilaçãoea
proximidadedosplanetasesobreaesfericidadeeoaumentodeluminosidadedalua(emI,
13),areferênciaàfreqüênciadoseclipsesdelua(emI,8,adfinem),olivroIdosSegundosAna-
líticosaludeàastronomia,comoaumadentreasváriasciênciasfísico-matemáticas(Ótica,
Mecânicaetc.),nasquaissedistinguiráentreoconhecimentodo“que”eodoporquê(cf.I,
13,78b
34seg.),oucomoaumaciênciaque,talqualaaritméticaeageometria,demonstraa
partirdeaxiomascomunsedeprincípiospróprios(cf.I,10,76b
11).