O documento discute como os princípios da função social da propriedade e da cidade, introduzidos na Constituição Brasileira de 1988, foram enquadrados como instrumentos de planejamento territorial nos planos diretores municipais. Argumenta-se que esse enquadramento deslocou o foco desses princípios de sua essência política para a aplicação de regras de planejamento, limitando assim seu potencial para promover a justiça espacial.
O ordenamento territorial e a função social da propriedade urbana e da cidade
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O ordenamento territorial e a função social
da propriedade urbana e da cidade.
Arlete Moysés Rodrigues 1
Introdução
O objetivo de analisar a relação entre os instrumentos de ordenamento territorial e os
princípios da função social da propriedade e da cidade, expressos na Constituição Brasileira
de 1988 (Brasil, 1988) e no Estatuto da Cidade (Brasil, 2001), é compreender os limites e
as possibilidades desses princípios, enquadrados como instrumentos de planejamento mu-
nicipal, e averiguar como estudos e pesquisas abordam tal temática, ou seja, como tratam
da função social da propriedade e da cidade a partir do enquadramento desses princípios
como instrumentos de planejamento.
Os princípios da Função Social da Propriedade Urbana e da Cidade têm sua origem
na Habitat I, realizada em 1976, em Vancouver, no Canadá, quando se destacou que a
terra urbana, pela sua importância, não poderia ficar refém da especulação imobiliária e
do mercado e que o Estado deveria intervir para limitar a especulação e garantir o acesso
à terra urbana/casa à maioria das pessoas. Tais princípios foram apresentados pelo Fórum
Nacional da Reforma Urbana no Congresso Constituinte e incluídos na Constituição
Brasileira de 1988, no capítulo referente à política Urbana.
O Fórum da Reforma Urbana tinha como meta contribuir para que o Estado exercesse
de maneira eficaz sua função de mediar conflitos entre a especulação imobiliária – que
deixa terras vazias na área urbana – e os trabalhadores de baixos salários – que procuram
ter acesso a uma moradia digna em áreas com infraestrutura e equipamentos públicos.
Porém, os princípios foram enquadrados, na Constituição Brasileira, como parâmetros
para o planejamento urbano, concretizável nos planos diretores municipais, visando a
1
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas e UFPB Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: moysesarlete@gmail.com
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ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
Ao enquadrar os princípios como instrumentos de planejamento, os pressupostos de atua-
ção do Estado para coibir a especulação são deslocados e passam a centrar-se na forma de
atuar, fazendo as prefeituras municipais elaborarem e executarem planos diretores em áreas
delimitadas, não levando em conta o planejamento urbano em geral.
A hipótese que apresentamos é a de que quando os princípios da função social da
propriedade e da cidade são enquadrados como instrumentos do planejamento, além de
serem ineficazes para o ordenamento territorial, perdem sua força política enquanto prin-
cípios, submetem as agendas de pesquisa a uma temática centrada na aplicação de instru-
mentos de planejamento e limitam as lutas dos movimentos populares, que acabam sendo
capturados para averiguar a elaboração e a execução de planos diretores.
A premissa de apagamento dos princípios, em função de seu enquadramento como
norma de planejamento, baseia-se no fato de que muitos estudos e pesquisas sobre a temá-
tica, bem como a ação de lideranças de movimentos populares, enfatizam os processos de
elaboração e execução de planos diretores municipais sem analisar o significado da função
social da propriedade e da cidade e as contradições decorrentes da produção capitalista do
espaço. Predominam estudos que revelam os problemas na utilização dos instrumentos e
que mostram a ausência de participação de movimentos populares urbanos em audiências
públicas e na demarcação de instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, sem, contu-
do, refletir sobre o significado e significante da função social da cidade e da propriedade
detendo-se exclusivamente nos instrumentos de planejamento.
Nesse sentido, entendemos que o ordenamento territorial desloca a importância da
função social da cidade e da propriedade e passa a ser apenas norma a ser seguida. A partir
dessa lógica positivista, os estudos e as pesquisas utilizam novas matrizes discursivas, ou
até mesmo novos paradigmas científicos, utilizando parâmetros de análise centrados no
planejamento territorial. Os movimentos populares, por sua vez, também deslocam as suas
reivindicações: antes baseadas em princípios, passam a ser baseadas em regras e parâmetros
do ordenamento territorial e na elaboração dos planos diretores. Dessa forma, os princí-
pios perdem sua importância política e se vinculam mais diretamente ao planejamento que
visa a propiciar padrões urbanos modernos.
Enquadramento dos Princípios da Função Social da Propriedade e da
Cidade em Normas de Ordenamento Territorial.
O ordenamento territorial é uma das funções do Estado e para que se concretize, por
meio do planejamento, a política pública espacial tem como objetivo promover desenvol-
vimento econômico e estimular a justiça espacial, desse modo precisa de instrumentos, de
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levantamentos sociais/econômicos/territoriais e de premissas para sua concretização. Tem
como pressuposto propiciar um desenvolvimento econômico equilibrado e sustentável
quando calcado na realidade concreta, como aponta João Ferrão (2011). Esse pressuposto
implica levantamentos de dados, diagnósticos gerais e propostas que pretendem equilibrar
o desenvolvimento territorial, em especial ao se referirem aos planos diretores municipais
centrados nas áreas urbanas. As premissas de um ordenamento territorial podem ter como
meta conseguir um equilíbrio no desenvolvimento econômico e, ainda, promover o acesso
à produção social, como é o caso de pensar no acesso à terra urbana para moradia.
Assinalamos que não faremos, neste texto, uma análise sobre o Estado capitalista e
seus aparelhos, e nem sobre o planejamento territorial em suas múltiplas dimensões, ape-
sar da importância da temática. Centramos nossa exposição no que consideramos desvios
decorrentes do enquadramento de princípios em instrumentos de planejamento. Ou seja,
não temos a pretensão de expor as teorias do Estado e sim de relacionar a urbanização,
calcada na propriedade da terra e nos meios de produção e para a qual se procura estabele-
cer critérios a fim de limitar a especulação imobiliária, dentro das normas capitalistas, e o
enquadramento dos princípios como parâmetros de instrumentos de planejamento, com
o objetivo de averiguar como esse enquadramento altera, ou não, os estudos e as pesquisas
e a atuação dos movimentos sociais sobre o tema.
A Emenda Popular sobre a questão urbana, apresentada ao Congresso Constituinte
brasileiro em 1988, propugnava que os princípios da função social deveriam ser autoapli-
cáveis, ou seja, não vinculados às normas rígidas e sim calcados nas contradições da pro-
dução e reprodução do espaço urbano e nos conflitos sociais relativos ao acesso à cidade
infraestruturada. O documento delineava, também, critérios para averiguar as contradi-
ções e os conflitos expressos nas áreas urbanas.
Porém, os princípios da função social da cidade e da propriedade, na Constituição de
1988, foram enquadrados como instrumentos para serem utilizados no ordenamento territo-
rial, concretizáveis em Planos Diretores Municipais, obrigatórios para Municípios com mais
de 20 mil habitantes e aqueles que integram as regiões metropolitanas e os de especial interesse
turístico. O enquadramento dos princípios em normas de planejamento restringiu a possibili-
dade de sua autoaplicação em disputas territoriais sobre a função social da propriedade. Com
isso, passou a ser utilizado para demarcar áreas que não estavam cumprindo sua função social.
O enquadramento da função social da cidade e da propriedade no planejamento cons-
ta do artigo 182 § 2º da Constituição Federal de 1988: “A propriedade urbana cumpre sua
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas
no plano diretor” (Brasil, 1988). Já o Estatuto da Cidade2
, que regulamenta os artigos 182
2
Doravante será chamado de Estatuto.
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e 183 da Constituição Federal de 1988, tem sido destacado como um marco regulatório
inovador para o controle do processo de urbanização com perspectivas inéditas para o
planejamento urbano no Brasil, por ter fornecido arcabouço jurídico, técnico, urbanístico
e parâmetros sociais para elaboração e execução dos Planos Diretores Municipais. O reco-
nhecimento internacional da importância dos princípios sobre a função social da proprie-
dade e da participação social no planejamento é exemplificado pela sua incorporação na
Nova Agenda Urbana, elaborada na III Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e
Desenvolvimento Urbano Sustentável, realizada em Quito em 2016 (ONU, 2016).
Não temos dúvida de que os aparatos jurídicos e urbanísticos são fundamentais para o
planejamento territorial. Contudo, podemos questionar se os princípios, quando enqua-
drados como normas da política urbana de uso do solo, provocam um deslocamento da
essência para a aparência. Vejamos o Artigo 2º do Estatuto da Cidade:
Artigo 2o
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
I – Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra ur-
bana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – Gestão democrática por meio da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompa-
nhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
III – Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da
sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos
adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
VI – Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação
à infraestrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente;
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e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não
utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
h) a exposição da população a riscos de desastres.
VII – Integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,
tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob
sua área de influência;
VIII – Adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de ex-
pansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e
econômica do Município e do território sob sua área de influência;
IX – Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;
X – Adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos
gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investi-
mentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI – Recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a
valorização de imóveis urbanos;
XII – Proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construí-
do, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII –Audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos
processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos poten-
cialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a
segurança da população;
XIV – Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população
de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as
normas ambientais;
XV – Simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das nor-
mas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes
e unidades habitacionais;
XVI – Isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção
de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o
interesse social.
XVII - Estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urba-
nas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que obje-
tivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais.
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XVIII - Tratamento prioritário às obras e edificações de infraestrutura de ener-
gia, telecomunicações, abastecimento de água e saneamento.
XIX – Garantia de condições condignas de acessibilidade, utilização e conforto
nas dependências internas das edificações urbanas, inclusive nas destinadas à mo-
radia e ao serviço dos trabalhadores domésticos, observados requisitos mínimos de
dimensionamento, ventilação, iluminação, ergonomia, privacidade e qualidade dos
materiais empregados (Brasil, 2001, grifos nossos).
Trata-se de diretrizes gerais que deveriam orientar a política urbana, entretanto, não
explicitam como atingir a função social da cidade e da propriedade, ou o que significa a
justa distribuição dos benefícios e os ônus decorrentes do processo de urbanização. No
Capítulo 2, artigo 4º, do Estatuto, estão elencados os instrumentos para a elaboração de
planos diretores municipais e os institutos jurídicos aplicáveis de acordo com legislação
específica, como a legislação de regularização fundiária de interesse social, leis municipais
específicas para os impactos de vizinhança entre outros. No mesmo Capítulo 2, em seu
artigo 5º, constam os instrumentos a serem aplicados em imóveis não edificados, subuti-
lizados ou não utilizados, ou seja, os que não cumprem sua função social, de acordo com
critérios de cada município.
O Estatuto forneceu, então, critérios para demarcar áreas que não cumprem a função
social da cidade e da propriedade urbana e para delimitar áreas ocupadas como ZEIS
(Zonas Especiais de Interesse Social)3
, as quais possibilitariam, se efetivadas, a permanên-
cia nas áreas ocupadas para moradia. Ademais, o documento criou parâmetros para a par-
ticipação social nos planos diretores. Em decorrência de a Lei do Estatuto ter completado
20 anos em 2021, foram realizados debates e encontros e publicados artigos e livros com
o objetivo de avaliar os avanços e os desafios do planejamento e da política urbana. Tais
materiais ressaltam tanto a qualidade dos instrumentos como as dificuldades e os desafios
para sua aplicabilidade.
Em áreas infraestruturadas, parcial ou totalmente desocupadas, o Estatuto define que
o Município atue para que o proprietário lhe dê uma finalidade: deve-se aumentar o IPTU
durante cinco anos e, após esse período, caso não tenha sido dada uma finalidade ao
local, a área/imóvel deveria ser desapropriada por títulos de dívida pública. Entretanto,
até agora, 20 anos após o Estatuto da Cidade ser publicado, nenhuma desapropriação foi
realizada, pois, além do tempo para a implementação do Plano Diretor, a autorização para
emissão de títulos de dívida pública é realizada pelo Senado Federal, o que demonstra que
3
Sobre as ZEIS, ver, em especial, Moraes (2019).
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a alteração de pagamento prévio e em dinheiro, como previsto por Constituições anterio-
res, para pagamento em títulos de dívida pública, é um avanço apenas retórico.
Do ponto de vista pragmático, o Estatuto que orienta a elaboração de Planos Diretores
tem sido pouco efetivo, mesmo para os padrões de planejamento urbano brasileiro. Os
Planos Diretores definem a política urbana, apresentam um quadro genérico de orde-
namento territorial com a pretensão de que os instrumentos sejam aplicáveis e, ainda,
preveem que esses instrumentos, após 2001, pudessem ser a expressão da política urbana
(Rodrigues, 2016), todavia, não trazem meios de como concretizar a função social.
Além disso, a participação social é um simulacro, como mostra a maioria dos estudos
e pesquisas. Os movimentos populares urbanos, quando se possibilita sua participação,
têm mais a finalidade de cumprir a etapa prevista do que realmente alterar a dinâmica e
a demarcação das áreas que não cumprem a função social de acordo com as premissas do
ordenamento territorial. A perspectiva não tem sido a de debater os critérios para definir
se uma propriedade cumpre sua função social, mas a de referendar as normas técnicas e
de aplicação dos instrumentos em áreas vazias e/ou em áreas ocupadas para moradia. O
enquadramento da função social da propriedade em instrumentos para o planejamento
conduziu lideranças de movimentos populares a concentrar sua atuação no planejamen-
to municipal, desvinculando-os, em grande medida, da luta pelo direito à moradia e do
acesso ao solo urbano infraestruturado. Dessa forma, as lideranças dos movimentos ficam
reféns da agenda estatal ao participarem de audiências públicas que apenas os ouvem sem
considerar de fato suas propostas.
Nessa perspectiva de análise, a fim de entender a importância atribuída ao Estatuto
da Cidade e a obrigatoriedade de elaborar planos diretores municipais, há debates que
apresentam o planejamento como solução e sua ausência como problema. Ou seja, dá-se
ao planejamento um potencial que ele não tem quando princípios, premissas são transfor-
madas em instrumentos técnicos.
Uma questão que não aparece nos estudos é se os princípios, quando enquadrados
como instrumentos de planejamento, poderiam garantir soluções reais e concretas ou se
ficariam reféns de normas de ordenamento territorial, sem possibilidade de atingirem a
função social da propriedade e da cidade. Há ausência de estudos que procuram com-
preender se marcos regulatórios aplicados ao planejamento urbano permitem realmente
fazer cumprir a função social; e se a produção de moradia de interesse social, que é in-
dispensável para atender às necessidades dos que não têm acesso ao mercado formal, tem
como premissa atender ao direito à moradia.
Em síntese, os planos diretores da maioria dos municípios brasileiros mencionam os
instrumentos constantes do Estatuto da Cidade sem correlacionar diretamente com a pró-
pria área urbana dos municípios e, geralmente, não consideram a diversidade da produção
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e da reprodução do espaço urbano e as contradições e os conflitos do uso do Espaço.
Limitam-se, quando isto ocorre, a definir as áreas onde os instrumentos seriam aplicáveis,
ou seja, são normas técnicas independentes das condições de produção e de expansão
do espaço urbano. Alguns municípios contam com um simulacro de participação social,
ouvindo as pessoas sem considerar suas reivindicações. O Estatuto, portanto, define as
normas e os critérios para a aplicação de instrumentos referente à subutilização ou não
utilização de imóveis urbanos (edificados ou não). Na realidade, define-se como o enqua-
dramento da função social da propriedade e da cidade deve ser utilizado na elaboração de
planos diretores sem, contudo, explicitar o que significa concretamente aplicar um princí-
pio em apenas determinadas parcelas do espaço urbano.
As pesquisas científicas e a participação social
As pesquisas e os estudos sobre planos diretores e a função social da cidade e da pro-
priedade se concentram em: analisar a aplicação dos instrumentos; localizar as áreas de-
marcadas e sua relação com a desigualdade socioespacial; verificar se são áreas ocupadas
para habitação de trabalhadores ou se são áreas vazias; e averiguar qual a participação social
na elaboração e na execução dos planos diretores. Analisam, assim, se a política urbana
está sendo ou não concretizada, se os espaços vazios no tecido urbano que contam com in-
fraestrutura e equipamentos coletivos estão diminuindo e, ainda, se o ideário, apresentado
abstratamente, de promover um desenvolvimento menos desequilibrado, mais inclusivo e
sustentável está sendo atingido. Porém, o princípio, utilizado para demarcar áreas especí-
ficas, não se aplica à totalidade do urbano e, desse modo, não pode atender ao equilíbrio
da ocupação do espaço urbano.
Como o padrão de pesquisas está centrado não nos princípios e sim no ordenamento
territorial, a totalidade da produção do espaço não é analisada e muitos menos o significa-
do de deslocar princípios gerais para aplicação de instrumentos de planejamento.
Vários estudos têm abordado predominantemente a aplicação dos instrumentos, sem
os correlacionar com os princípios ou, no máximo, correlacionando-os com áreas deli-
mitadas previamente. Verifica-se, também, a incidência de análises que mostram que os
programas de moradia de interesse social são instalados em áreas distantes, em locais onde
não há infraestrutura, mostrando que tais programas não se concatenam com o direito à
moradia e ao mundo do trabalho.
Podemos nos questionar se a predominância desse tipo de análise caracteriza um pa-
radigma científico, tal como analisado por Thomaz Kuhn (2007), ou seria mais uma ma-
triz discursiva, como apontado por Eder Sader (1988), correspondendo a um conjunto
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articulado de falas, lugares e práticas (Rodrigues,2011). Paradigma e/ou matriz discursiva
são estudos que analisam criticamente a atuação governamental, porém, não apontam as
contradições inerentes à produção capitalista do e no espaço urbano. Segundo Khun, pa-
radigma científico é um enfoque que é aceito pela comunidade científica. Estamos diante,
então, de um paradigma com este significado ou de uma tendência de centrar-se critica-
mente na atuação dos governos e no uso do espaço, o que leva a relacionar a questão do
enquadramento de princípios como o da função social da cidade e da propriedade como
uma construção teórica que desloca os estudos e as pesquisas. Essa tendência de se centrar
não na essência dos princípios, mas na aplicação dos instrumentos de planejamento estaria
relacionada à ausência ou à inadequação de arcabouço teórico e de instrumentais analíticos
que permitam compreender a totalidade?
Observamos que há um padrão de análises na descrição dos problemas, na inadequa-
ção de uso do solo e dos recursos, nos limites de definição das áreas que não cumprem a
função social e na não observância do que está expresso na legislação de uso do solo, do
simulacro da participação social, entretanto, no geral, tal padrão não se correlaciona com
os princípios e os direitos constitucionais, isto é, com a totalidade da produção do espaço.
Indagamos se os estudos, centrados nos instrumentos do Estatuto, permitem entender
que os princípios são apenas instrumentos de planejamento e não a sua efetivação. Em
relação ao direito à moradia, que é inerente às premissas da função social da propriedade,
o questionamento é se os estudos apresentam a contradição entre a moradia ser um direito,
uma necessidade e, ao mesmo tempo, uma mercadoria que se valoriza com a produção da
e na cidade ou se detêm nas características precárias da produção estatal e na delimitação
de áreas que não cumprem a função social.
Assim, é preciso procurar as possíveis explicações para entender se realmente há des-
locamento de análises do conteúdo para as formas, analisando o arcabouço teórico e as
categorias analíticas utilizadas, e verificar se há um paradigma científico e/ou matrizes
discursivas que explicam uma certa “reprodução” de enfoques. Enfim, é necessário com-
preender, como já dito, se este padrão de pesquisa permite ou não o desvendamento da
complexidade da produção do espaço urbano ou se fica refém de uma agenda estatal que
desvia o olhar dos princípios, portanto da essência, para o planejamento, a forma de atuar
no urbano.
Importante ressaltar que há estudos que analisam a pouca eficácia de planos diretores
para resolver as contradições e os conflitos4
, mostrando que os problemas, quando a ênfase
é o ordenamento territorial, são apenas escamoteados.
4
Ver, entre outros autores, Villaça (2005) e Burnet (2011) que averiguam a dimensão de fetiche dos planos
diretores.
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Analisar se há deslocamentos nas análises, calcadas no enquadramento de princípios e
direitos no planejamento, não implica uma crítica simplista, pelo contrário, o objetivo é,
com base na teoria crítica sobre o espaço urbano5
, compreender a análise da cidade e do
urbano em sua complexidade e poder contribuir com ela. Milton Santos (1996) aponta a
importância da técnica como mediação entre os princípios e a ação. Enfim, ao que tudo
indica, os estudos centrados nas normas técnicas ocultam os princípios para os quais as
normas foram criadas.
A função social da cidade e da propriedade depende da disputa política e é parte ine-
rente das lutas de classes, não apenas quando se expressa em conflitos, mas por ser parte
da dinâmica da produção e da reprodução da cidade capitalista e das possibilidades de
apropriação da função social da cidade. Por isso, não se confunde com o direito à cidade,
porém, para muitas lideranças de movimentos populares, as lutas que se travam por direi-
tos sociais expressos no urbano representam uma forma de colocar em destaque o Direito
à Cidade, ou ter a cidade produzida como um direito.
Desde a segunda metade do século XX, é no urbano que se aplicam os excedentes de
capitais (Harvey, 2005; 2011). A urbanização está embutida no ideário do urbano moder-
no e, dessa forma, o planejamento territorial visa ao progresso, propiciando a continuidade
da acumulação do capital.
Enfim, o deslocamento dos princípios para instrumentos de planejamento não equa-
ciona soluções em relação ao uso do espaço em sua totalidade. São instrumentos que
podem estar relacionados, ou não, às ideologias pertinentes ao urbano, influenciando,
dessa forma, os estudos urbanos, voltados mais diretamente ao uso do espaço. É preciso
avançar nas análises que permitem entender a contradição entre a produção do espaço
e a reprodução das condições sociais e de que forma o padrão de estudos a propósito da
aplicabilidade dos instrumentos de planejamento sobre a função social da cidade e da pro-
priedade permitem desvendar a realidade. Nos padrões de estudos e pesquisas, verificamos
que há poucas análises com foco nas contradições do Estado capitalista e de seu aparato
jurídico6
.
A questão é averiguar se os estudos e as pesquisas se limitam, ou não, a esperar que os
princípios da função social da cidade, da propriedade e o direito à moradia sejam atingidos
por meio dos mecanismos de planejamento e da produção estatal de moradia. Trata-se de
procurar entender se os deslocamentos discursivos da política dificultam a compreensão
da produção e da reprodução do espaço e explicar se os estudos e pesquisas, ao se limita-
rem a relacionar a aplicação das leis e normas e da produção estatal, permitem entender a
5
Ver Brenner (2010; 2018); Harvey (2005; 2011); Lefebvre (2013;2008); e Santos (1996). Há muitos estu-
dos que utilizam a teoria crítica urbana e não estão aqui citados.
6
Ver, entre outros, Pachukanis (2017) e Mascaro (2013).
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produção do espaço em sua totalidade. Os questionamentos que seguem a partir disso são:
ao centrar-se nas aplicações das normas aos planos diretores, os estudos permitem enten-
der o conteúdo dos princípios? Ou seja, análises críticas sobre a aplicação dos instrumentos
desvelam a realidade? Apesar da preocupação com as condições de vida da maioria, parece
que há uma tendência de seguir a agenda estatal. É evidente que a agenda estatal precisa e
deve ser analisada, porém, nosso objetivo é apontar que o enquadramento dos princípios
em normas de planejamento deslocam análises da função social da cidade e da propriedade
para normas de planejamento territorial.
Outra questão precisa ser considerada: quando os estudos forem centrados nos planos
diretores, pode se considerar a totalidade da produção e da reprodução do espaço urbano?
Constar de mapeamentos e de leis sobre planos diretores não são garantias de que a função
social da propriedade seja observada, pois, ao longo do tempo, as demarcações podem ser
modificadas, com ou sem consulta popular.
A função social da cidade e da propriedade e o direito à moradia são inerentes ao
próprio Estado capitalista. Atender à função social, tal como previsto na legislação, depen-
de de disputa política, não apenas quando ela se expressa em conflitos, mas como parte
integrante da dinâmica contraditória da produção e da reprodução da cidade capitalista.
Nossa hipótese aqui é a de que princípios, como a função social da cidade e da pro-
priedade, assim como o direito à moradia, ao serem enquadrados como normas do pla-
nejamento, perdem sua força como fundamento político e tornam-se instrumentos de
demarcação territorial e de produção habitacional. Esses deslocamentos se reproduzem nos
estudos acadêmicos que enfatizam os instrumentos de planejamento e a produção estatal
de moradia, sem explicitar a essência das contradições da produção capitalista do espaço.
Há, também, muitas pesquisas que apontam que não se garante a permanência na
terra/casa ocupada para moradia, fora dos parâmetros jurídicos e urbanísticos, mesmo
quando as áreas/edifícios não cumprem sua função social, inclusive quando estão demar-
cadas nos planos diretores como ZEIS - Zonas Especial de Interesses Social. Quando se
delimitam as ZEIS, o fundamento não é o direito à moradia, mas a aplicação do instru-
mento que define áreas a serem urbanizadas com moradia de interesse social. Além disso,
há frequentes alterações dos limites das ZEIS de acordo com o interesse para a expansão
capitalista do espaço, como tem ocorrido em João Pessoa, na Paraíba, com o programa
João Pessoa Sustentável (João Pessoa, 2014). Ou seja, demarcadas ou não como ZEIS, as
remoções ocorrem sem que se atente para a função social da cidade e da propriedade. São
utilizadas, retoricamente, como forma de aplicar instrumentos de planejamento.
Enfim, quando os princípios são enquadrados como instrumento de planejamento,
eles são aplicáveis apenas em lugares específicos, não são universalizáveis e não se aplicam
a toda a extensão urbana e sim, apenas, nas áreas demarcadas, consideradas como não
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utilizadas ou subutilizadas, ou seja, em vazios urbanos e em imóveis desocupados ou par-
cialmente ocupados. São enquadráveis na cidade já edificada e não como princípios para
impedir o alargamento dos problemas resultantes da expansão em geral. Eles não têm
como pressuposto atender às necessidades da maioria.
Dessa forma, os instrumentos possibilitariam limitar a especulação imobiliária em
vazios urbanos e imóveis vazios, mas não na totalidade da cidade. Portanto, os princípios
ficam restritos a instrumentos sem prazo para sua aplicação.
Os estudos e pesquisas se debruçam em analisar a aplicação dos instrumentos e não
em suas contradições e conflitos. Eles se concentram em verificar a aplicação dos instru-
mentos, ao que tudo indica, sem validar e sem identificar quais seriam os princípios. Além
disso, focam em avaliar se a participação social foi efetiva ou não, se foram demarcadas as
áreas que não cumprem a função social e se as ZEIS estão efetivadas ou em transformação.
Com isso, embora mostrem as falácias das alterações e o não atendimento à função social
como previsto nos instrumentos de planejamento, não desenvolvem uma análise sobre o
significado e a significância da função social da propriedade e da cidade.
Já em relação às lutas sociais, há um deslocamento para a aplicação dos instrumentos
e não para a validação dos princípios, como se os instrumentos fossem em si mesmos os
que definem a função social. Os movimentos populares reivindicam participação real na
elaboração dos planos diretores, contudo, o que tem ocorrido são audiências públicas
para referendar o que foi definido pelos técnicos. Eles ainda reivindicam a demarcação
de ZEIS, entretanto, o que se tem observado é que, demarcadas, elas permanecem apenas
nos mapeamentos e são alteradas de acordo com os interesses políticos/econômicos. Os
movimentos têm lutado pela aplicação da função social contra os despejos que, no Brasil,
não cessaram nem durante a pandemia.
Considerações finais
O ordenamento territorial, tarefa e função do Estado capitalista, geralmente coloca como
“técnicos” problemas políticos/econômicos e sociais, na tentativa de promover o desenvolvi-
mento econômico e a modernização do espaço urbano. Os princípios ficam ocultos, o espaço
se torna instrumental e as contradições são deslocadas para debater o planejamento muni-
cipal. A ênfase deixa de ser os princípios e passa a ser a forma e o ideal de um planejamento
que solucionaria os problemas decorrentes da produção capitalista do espaço. Normas, leis
e parâmetros relativos ao ordenamento territorial podem tanto ser utilizados para as lutas
sociais, como podem ser uma forma de ocultar as contradições e os conflitos.
Consideramos que, no geral, ao se tornar apenas instrumentos de planejamento, os
princípios perdem sua função de garantir direitos e deixam de ser aplicados para a cidade
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em sua totalidade. Desse modo, o enquadramento da função social da cidade e da pro-
priedade em instrumentos do ordenamento territorial, fundamental para que o Estado
possa planejar o desenvolvimento urbano, transforma-se não apenas na política urbana
por excelência, mas no deslocamento da política para normas de planejamento. Essa é uma
função e uma tarefa do Estado, porém, fica a indagação do porquê os estudos e as pesquisas
se centrarem em padrões de análises que ocultam as contradições e os conflitos.
Mostrando que os princípios e os direitos não estão garantidos, nem pela lei em
geral, nem pelos princípios, e utilizando-se do formato dos Orçamentos Participativos
e das Conferências Nacionais – eventos realizados durante os governos do Partido dos
Trabalhadores pelo Ministério das Cidades –, mais de 400 movimentos populares urbanos
realizaram em junho de 2022 a Conferência Popular pelo Direito à Cidade que contou, na
sua fase nacional, com mais de 600 delegados.
Ao todo, foram realizados 232 eventos preparatórios com debates e plenárias. Os pon-
tos debatidos ressaltam os direitos como o de moradia, transporte, saneamento básico e as
premissas como função social da cidade e da propriedade, colocando em pauta a utopia da
cidade como direito. O documento final destaca a necessidade de uma Reforma Urbana
e de um combate frontal à especulação imobiliária. Além disso, aponta a necessidade de
enfrentamento do déficit de moradias, produzindo novas unidades, promovendo a regula-
rização fundiária de interesse social, urbanizando as favelas, garantindo transporte público
e instalando equipamentos coletivos, como escolas, creches e postos de saúde. As propostas
aprovadas não são simples reivindicações a partir da agenda estatal e das leis existentes, e
sim uma plataforma de lutas (Conferência Popular pelo Direto a Cidade, 2022).
Portanto, como vimos, apesar de o enquadramento dos princípios da função social da
cidade e da propriedade retirar a dimensão política dos princípios, de esse enquadramento
sequer propiciar um ordenamento territorial com vistas à justiça espacial, de os movimentos
populares e a academia ficarem reféns da agenda estatal e de centrarem suas análises nos instru-
mentos do planejamento e não nos princípios, há, como mostra a Conferência Popular pelo
Direito à Cidade, possibilidades de avançar nas lutas sociais e no conhecimento científico.
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