A população da borboleta azul vem crescendo no Parque Natural do Alvão, onde depende de uma rara formiga para transportar suas lagartas para o formigueiro e alimentá-las, enquanto secreta substâncias que enganam as formigas a acreditar serem suas crias. Uma investigação descobriu novos detalhes sobre seu ciclo de vida e população crescente na região.
Almanaque de bichos que dão em gente - Sonia Hirsch
Importância Borboleta Azul
1. A importância de ser Borboleta Azul
Ameaçada de extinção em muitos países europeus, a população da borboleta azul tem crescido
no Parque Natural do Alvão, um bioindicador de qualidade ambiental, e é tratada e acarinhada
por formiga rara
Delicada e do tamanho de uma folha de trevo, a borboleta azul tem vindo a crescer no norte do país,
revela o relatório do Programa de Preservação da Biodiversidade de Vila Real, através do
Projeto “Proteger é Conhecer”, uma parceria desenvolvida nos últimos três anos entre a
Universidade de Trás-os-Montes e a Câmara Municipal, especialmente no Parque Natural do Alvão,
no concelho de Vila Real.
Esta conclusão, que será apresentada formalmente nos próximos dias 21 e 22 de Março, no âmbito
do Fórum nacional da biodiversidade, é uma novidade para a comunidade científica, uma vez que a
espécie é rara e ameaçada de extinção em muitos países europeus, figurando inclusive no Livro
Vermelho das Espécies Ameaçadas (IUCN-The World Conservation Union).
Conhecida como Maculinea alcon, a borboleta azul é classificada, desde 1983, como “espécie
vulnerável” e desde 1994 é considerada em “perigo de extinção”. Em Portugal, vive em lameiros e
turfeiras com matos húmidos de tojo e urze-pelada, pastoreados frequentemente.
Na Holanda e no Reino Unido, por exemplo, a espécie teve de ser reintroduzida. No Verão, chegam
ao Parque Natural do Alvão vários voluntários do Reino Unido, para ajudar na conservação da
pequena borboleta.
Através de ações de monitorização e estudos de diversos aspetos da bioecologia da espécie, a
equipa da UTAD, coordenada pela investigadora e entomologista Paula Seixas Arnaldo, conseguiu
verificar, por exemplo, que ao contrário do que revela a bibliografia disponível, em Portugal ela
chega a viver até 12 dias, ao invés dos 8 dias conhecidos. Conseguiu ainda descobrir-se que esta
borboleta prefere as flores fechadas de genciana para fazer as posturas e que cerca de 65% dos ovos
colocados, conseguem ser bem sucedidos.
“Portugal é uma região periférica e não havia nada em termos de conhecimento científico”,
explica a entomologista, “por isso este projeto de investigação permitiu-nos trazer uma série de
novidades sobre a espécie, indo mais além do que está registado, como por exemplo: quantas
borboletas voam, quantos ovos põem, qual a formiga que a transporta...”
Através da técnica de captura e recaptura e o uso de uma rede borboleteira, sem qualquer dano para
as borboletas e conforme critérios ambientais, a equipa conseguiu numerá-las e, assim, perceber,
por exemplo, os hábitos, distância de voo, diferenças entre machos e fêmeas. Desta forma
constataram que, em 2006, havia 294 borboletas e, em 2011, no mesmo lameiro, voaram 3200
borboletas azuis.
Como a borboleta azul engana as formigas
Segundo a investigadora Paula Seixas Arnaldo, o Programa de Preservação da Biodiversidade de
Vila Real, possibilitou, ainda, pensar em estratégias que promovam maior conhecimento sobre a
espécie, sensibilizando a comunidade e conhecer “muitas coisas novas”, como por exemplo, “o fato
de a formiga que hospeda a borboleta azul ser única na Europa e no mundo.”
2. Ou seja, a borboleta azul depende de formigas do género Myrmica para sobreviver, libertando um
odor parecido com o delas, enganando-as e, por isso, levando-as a recolher as lagartas, que
entretanto caíram no solo, e que pensam ser suas crias, transportando-as para o formigueiro, onde
são alimentadas.
Paula Seixas Arnaldo explica, cientificamente, todo o processo, a que chama de “sedução
química”: “O início do ciclo biológico da borboleta azul ocorre em Julho e Agosto, com o voo e
consequente acasalamento das borboletas. Após o acasalamento, as fêmeas dirigem-se para as
cápsulas florais de uma planta específica, a genciana, e aí colocam os ovos. Cada fêmea põe, em
média, 60 ovos em grupos de 3 a 4 em cada planta. O desenvolvimento embrionário ocorre
durante, aproximadamente, três semanas, período após o qual, se dá a eclosão das pequenas
lagartas que começam, imediatamente, a alimentar-se. Nesta fase, as lagartas são fitófagas e
alimentam-se dos tecidos vegetais que constituem o ovário das flores de genciana, onde se alojam
até atingirem o terceiro estado de desenvolvimento larvar. E é a partir daqui que mudam o seu
comportamento e se tornam mirmecófilas. Como? Quando atingem a fase final do terceiro estado
de desenvolvimento larvar, abrem um orifício de saída na zona do cálice da flor e deixam-se cair
no solo, onde esperam, até serem adotadas por formigas do género Myrmica. É importante que
sejam encontradas o mais rápido possível depois de saírem da planta, uma vez que, com o passar
do tempo, diminuem as hipóteses de serem adotadas e levadas para o formigueiro. Neste processo
intervem um mecanismo engenhoso de sedução química, que passa pela produção de uma secreção
doce por parte das lagartas, semelhante às das larvas das formigas, induzindo-as a levarem-nas
para o seu formigueiro julgando tratar-se de larvas perdidas. Nos formigueiros, onde passam cerca
de onze meses até completarem o desenvolvimento, as lagartas são tratadas e acarinhadas como
larvas de formigas, em troca das substâncias doces que produzem. As lagartas crescem muito
durante esse tempo, atingindo cerca de 12 mm de comprimento e pesando até 100 mg. No início do
Verão, terminam o seu desenvolvimento larvar e transformam-se em pupa ainda dentro do
formigueiro. O adulto surge cerca de um mês depois. Nesta fase perde as capacidades de
“camuflagem” e tem de abandonar rapidamente o formigueiro para impedir que as formigas o
matem, deixando assim o formigueiro ainda antes de expandir as asas.”
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