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CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 1
Urbanização na periferia
é aprovada pela população,
mas criticada por especialistas
ambientais e sociais
Bairro dos
sonhos?
GRANDE PERIFERIA
Solução com problemas.
Ocupações irregulares em áreas
de mananciais não são novidade
MODELO DE URBANIZAÇÃO
Ah, se toda a periferia fosse tratada assim.
Moradores do Residencial dos Lagos relatam
com orgulho as mudanças no bairro
Especialistas questionam a eficácia
da Operação Defesa das Águas em
garantir um meio ambiente equilibrado
PROTEÇÃO DOS MANANCIAIS
2 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 3
Grande periferia
4 Solução com problemas. Ocupações irregulares
em áreas de mananciais não são novidade
Modelo de urbanização
8 Ah, se toda a periferia fosse tratada assim
Moradores do Residencial dos Lagos relatam
com orgulho as mudanças no bairro
14 Especialistas questionam a eficácia da Operação Defesa
das Águas em garantir um meio ambiente equilibrado
Proteção dos mananciais
4 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
As contradições
da urbanização
em São Paulo
EDITORIAL
Q
uando a repor-
tagem visitou a
região do bairro
Residencial dos
Lagos imaginou o
que parecia ser o
óbvio: insatisfação, injustiça, falta
de diálogo, frustração e histórias
que refletissem a tradicional polí-
tica violenta do Estado quando se
trata de questões habitacionais da
população pobre. O bairro passou
pelos últimos cinco anos em obras
— ainda inconclusas — que altera-
ram drasticamente a região, com
remoções de casas, abertura e pa-
vimentação de ruas, construção de
rede de esgoto e instalação de um
imenso parque linear.
Especialistas ouvidos pela re-
portagem apontam muitos pro-
blemas na urbanização de bairros,
como baixo impacto positivo na
poluição ambiental, favorecimento
a uma valorização imobiliária que
pode expulsar famílias. Apontam
até que há outros interesses nesse
processos e não simplesmente a
melhora dos bairros.
No entanto, os moradores do
Residencial se mostraram satisfei-
tos com o processo realizado. Veem
problemas pontuais aqui e ali, mas
nada comparável ao histórico co-
nhecido de intervenções estatais
sobre moradias e bairros. Inclusive
em bairros próximos, como Canti-
nho do Céu e Gaivotas, onde a popu-
lação não quer ouvir falar em Ope-
ração Defesa das Águas, em virtude
da criminalização ocorrida e dos
despejos forçados sem a mínima as-
sistência a famílias que ali estavam
há décadas.
Isso nos leva a um questiona-
mento: porque alguns lugares são
eleitos para ser modelo de urba-
nização, com práticas legítimas e
legais, com diálogo, indenizações
reais, preservação do direito a per-
manecer no local, valorização e
melhorias palpáveis para a popu-
lação; enquanto outros — a imensa
maioria — ainda são tratados como
bandidos, com despejos ilegais, com
ignorância do direito básico à mo-
radia digna?
Qual a dificuldade do Estado
em permitir, já que foi incapaz de
garantir moradia digna em outras
condições, que a população perma-
neça onde se consolidou, possibi-
litando processos de urbanização
que lhes melhore as condições de
vida, de infraestrutura local e do
meio ambiente?
Como o leitor poderá perceber
no trabalho que segue, a ocupação
dessas regiões não se deu simples-
mente pela opção de quem lá foi
viver e, sim, pela falta dela. Com
preços controlados pelo mercado
e com políticas insuficientes por
parte do Estado, a aquisição da casa
própria sempre foi uma luta inten-
sa para a população de baixa renda.
Porém, partindo de uma ideia
de denúncia, encontramos histórias,
sonhos, perseverança e realizações
de pessoas comuns, que ajudam a
entender o que motivou a busca por
moradia em regiões tão distantes e
porque a política de urbanização pre-
cisa ser mais pautada pelo direito à
moradia digna e responsabilização
do Estado do que pela criminalização
de quem foi viver nos mananciais.
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 5
Passear pelo parque
linear construí-
do ao longo da re-
presa Billings, no
bairro Residencial
dos Lagos, é atual-
mente uma das opções de lazer das
pessoas que moram ou que passam
pela região do Cantinho do Céu, no
extremo sul de São Paulo. Para que
o parque exista, no entanto, casas
foram removidas e famílias reas-
sentadas em outros locais. Essas
mesmas famílias, que um dia vive-
ram de forma precária às margens
GRANDE PERIFERIA
Operação Defesa das Águas:
uma solução com problemas
As ocupações irregulares em áreas de mananciais
não são novidade para quem diariamente luta por
moradia. A urbanização desses locais tem sido um
processo lento, que nem sempre é eficaz ambiental
e socialmente POR TAIANNE RODRIGUES
Espaço urbano saturado
Nas periferias o adensamento é a
solução encontrada pela população
pobre na cidade de São Paulo
RODRIGO GOMES
da represa – como tantas outras
ainda vivem na cidade de São Paulo
–, vieram de outras cidades e esta-
dos, com a esperança na bagagem,
em busca de melhores condições de
vida e de trabalho.
Responsável por essas mudan-
ças no bairro, a Operação Defesa
das Águas é um conjunto de me-
didas da Prefeitura de São Paulo e
do Governo do Estado, iniciada em
2007, que visa proteger e recupe-
rar mananciais, rios e córregos. E
para que isso ocorra, se faz neces-
sária a desocupação de moradias
irregulares nessas áreas.
A necessidade de remoções é o
reflexo da desigualdade social da ci-
dade de São Paulo, em que famílias
inteiras vão morar na beira de rios e
ficam a mercê da falta de saneamen-
to básico e infraestrutura, vivendo
sem o mínimo de dignidade. A trans-
formação de ocupações em bairros é
o maior exemplo de que a cidade ain-
da não tem espaço para todos.
Ocupação irregular em manan-
ciais é um fenômeno antigo e que
surgiu com o progresso econômico
e industrial da cidade de São Paulo,
6 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
Início
da
construção
da
Represa
Billings,
inundada
em
1927Santo
Am
aro
é
anexada
com
o
bairro
da
cidade
de
São
Paulo
Entre 1925 e 1940
Uso da represa para recreação. Abertura
da estrada Washington Luis (1928)
e Interlagos. Ideia de construir um
balneário urbano na beira da represa
Surge
m
os
prim
eiros
bairros
populares
da
zona
sul,com
o
Cidade
D
utra,destino
das
m
oradias
dos
trabalhadores
das
com
panhias
prestadores
de
serviço.Crise
da
habitação
na
cidade
Histórico da Região
G
overno
Vargas
congela
o
preço
dos
alugueis.Surgem
as
prim
eiras
favelas
Entre 1949 e 1962
O crescimento urbano
dobra e chega às áreas
de mananciais
Criação
do
BN
H
(Banco
N
acional
de
H
abitação),principalpolítica
de
prom
oção
de
m
oradias
até
sua
extinção
em
1986.
Já
havia
ocupação
nas
m
argens
do
G
uarapiranga.
Poluição
agrava-se
nos
prim
eiros
anos
da
década
de
1970
pela
falta
de
coleta
e
tratam
ento
de
esgoto
no
rio
Tietê
e
seus
afluentes.
Entre 1964 e 1976
O preço dos terrenos subiu
por conta dos financiamentos
do BNH e a população sem
condições foi para as regões
leste e sul da cidade
1975 e 1976
Leis de Proteção aos
Mananciais (Leis Estaduais
no 898/75 e 1.172/76)
o poder público limita o
crescimento urbano
LeiFederalde
Parcelam
ento
do
Solo
nº6.766/79,
que
define
com
o
crim
e
loteam
entos
irregulares
e
contribuipara
a
redução
de
lotes
populares.
1925 1935 1940 1942 1964 1974 1979
Ruas de terra batida,
fiação exposta,
esgoto a céu aberto:
a realidade de
quem mora nos
bairros ainda por
urbanizar na cidade
como aponta o Instituto Socioam-
biental (ISA) no estudo Mananciais:
Diagnóstico e Políticas Habitacio-
nais (2009), organizado por Paula
Santoro, Nicolau Ferrara e Marus-
sia Whately.
Até a década de 1940, a represa
Billings era muito usada pela popu-
lação paulistana para recreação e
práticas esportivas. Assim, projetos
de abertura de estradas, loteamen-
tos e melhorias na infraestrutura
chegaram à região, com a intenção
de atrair a elite da cidade. Nessa
mesma época surgem os primeiros
bairros populares da zona sul, como
a Cidade Dutra, para comportar as
moradias de trabalhadores da in-
dústria e das empresas prestadoras
de serviço.
O estudo observa que no gover-
no Vargas (1930-45), a interferên-
cia no mercado de aluguéis (com a
Lei do Inquilinato congelando os
preços a partir de 1942) obteve re-
sultado controverso: desestimulou
novos investimentos em moradias
de aluguel e as ações de despejo
contra os inquilinos tornaram-se
constantes. A crise habitacional
chegou ao seu limite nos anos se-
guintes, pois os trabalhadores po-
bres não tinham outra solução a
não ser a de buscar moradia pró-
pria, ainda que irregular, nas áreas
mais distantes do centro.
Em seu livro “Origens da Habi-
tação Social no Brasil” (1998, edito-
ra Estação Liberdade), o urbanista
Nabil Bonduki analisa que o Estado
incentiva a construção de moradia
barata e precária pelos próprios
moradores ao não impedir a ex-
pansão de loteamentos clandesti-
nos. Estratégia do poder público,
segundo o autor, para facilitar a
construção da casa própria, como
um modo de viabilizar a moradia
popular compatível com a baixa
remuneração dos trabalhadores. O
que garante dois objetivos da elite:
desadensar e segregar. Com isso, a
partir de 1949, a malha urbana se
aproxima das áreas de mananciais
e passa a ocupá-las.
Leis para a proteção de manan-
ciais, parcelamento do solo e medi-
das para impedir novas construções
emáreassensíveisdepreservaçãosão
criadas para controlar o crescimento
desordenado em São Paulo. O Estado
não podia mais fechar os olhos para
as condições precárias em que seus
GRANDE PERIFERIA
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 7
eo
Construção
da
barragem
Anchieta,agravam
ento
da
poluição
na
Billings.D
ebates
públicos
sobre
poluição
dos
m
ananciais
A partir de 1980
Consolidação de loteamentos irregulares e
precários nas represa Billings. Estruturação
do movimento ambientalista, que se
fortalece na década de 1990. Redução do
ritmo de crescimento populacional.
Década de 1980
Intensificação do crescimento
urbano para o sul com a
criação do distrito industrial
de Santo Amaro.
Criação
da
O
peração
D
efesa
das
Águas.
G
estão
Serra-Kassab.
Continuou
o
Program
a
M
ananciais,investiu
m
enos
em
m
oradia
nas
áreas
centrais
e
priorizou
urbanização
das
favelas
G
estão
M
arta
Suplicy.Retom
a
o
Program
a
M
ananciais
e
investe
em
urbanização
nas
periferias.
G
estão
de
Celso
Pitta.
Leide
proteção
aos
m
ananciais
(1997)
im
pede
a
regularização
das
áreas
ocupadas
G
estão
Paulo
M
aluf.Pouca
produção
de
m
oradia.Cria
Lei
da
Anistia
sobre
ocupações
irregulares
que
contribuipara
a
expulsão
da
população
pobre
dos
centros
valorizados.
G
estão
da
prefeita
Luiza
Erundina,inicia
o
Program
a
para
a
Preservação
dos
M
ananciais
Final dos anos 1980
Debates ambientalistas
se intensificam com
pressões sociais pela
regularização fundiária.
20072004 à 20082001 à 20041997 à 20001993 à 19961982 1989 à 1992
RODRIGOGOMES
trabalhadores viviam, uma vez que a
indiferença do poder público diante
dessa população, largada às margens
da cidade, de certa forma contribuiu
para o crescimento urbano e para a
especulação imobiliária.
Na década de 1970, o avanço da
urbanização nas áreas de manan-
ciais alcança um estado crítico. O
crescimento de favelas explode e a
situação se torna ainda pior sem
coleta de lixo e saneamento bá-
sico, com o esgoto sendo jogado
diretamente no rio Tietê e seus
afluentes Billings e Guarapiranga.
As leis de proteção aos mananciais
passaram a tornar qualquer lotea-
mento irregular ao ultrapassar os
limites estabelecidos para cons-
truções urbanas. Contudo, isso
não impediu a ocupação dessas
áreas, visto que a classe excluída
não possuía condição de comprar
casas ou terrenos, lhes restando
apenas ocupar espaços “livres”,
ainda que sujeitos a viver em con-
dição irregular e precária.
A década de 1980 é marcada por
um forte processo de organização
da sociedade civil sobre os manan-
ciais, que estimulou o debate pú-
blico sobre a poluição da represa,
difundindo amplamente a neces-
sidade de ações mitigadoras, como
aponta o estudo do ISA. Esse debate
chega ao sistema fundiário, quando
pressões sociais apontam para o Es-
tado a necessidade de regularização
da divisão de terras na metrópole.
Nesse período, surgem movimentos
e associações por moradia que ocu-
pam áreas que, mais tarde, viriam a
se tornar bairros, como o Residen-
cial dos Lagos, localizado no Com-
plexo Cantinho do Céu.
É na gestão da prefeita Luiza
Erundina (1989-1992) que há o re-
conhecimento da situação incon-
tornável das ocupações irregula-
res nas áreas de mananciais, e um
programa com recursos próprios
é iniciado com a intenção de le-
var infraestrutura a essas regiões,
urbanizando favelas e tratando a
água da represa para aumentar a
capacidade de abastecimento da ci-
dade. Mais tarde, o Estado se aliou
ao município pelo Programa Gua-
rapiranga.
Na gestão de Paulo Maluf (1993-
1996), no entanto, a Lei de Anistia
para imóveis irregulares, proposta
em 1993, causou furor, e as áreas
de mananciais passam a ser ocu-
padas com mais intensidade. A ex-
pulsão de moradores das regiões
mais valorizadas da cidade para
a construção das avenidas Faria
Lima e Águas Espraiadas, e todas
as obras de urbanização do entor-
no, produziu uma nova população
de excluídos que foram habitar, em
favelas, as beiras de rios e regiões
de mananciais. Na gestão de Celso
Pitta (1997-2000) a questão não foi
tratada de maneira muito diferen-
te, pois não se conseguiu regulari-
zar ocupações, já que o Estado se
tornou ele próprio um empecilho
para a regularização dessas ocupa-
ções por conta da lei de proteção de
mananciais, como aponta o estudo
Mananciais: diagnóstico e políticas
habitacionais.
8 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
O Plano Emergencial, criado em
1998, atua com intervenções de in-
fraestrutura em áreas já ocupadas,
sem levar em conta os impactos
ambientais. Além de não prover
moradia regular para essas famí-
lias, contribui para o adensamento
de moradias e a expansão urbana
nas margens das represas.
Já na gestão de Marta Suplicy
(2001-2004), o programa de prote-
ção aos mananciais foi continuado,
e os investimentos de habitação
voltados para as regiões mais pró-
ximas do centro, embora a questão
não tenha sido propriamente uma
prioridade de seu governo.
Foi somente anos depois, duran-
te a gestão Kassab (2004-2008), que
o Programa Mananciais recebeu
mais recursos, com a prioridade de
reurbanizar favelas e não de inves-
tir em moradia nas áreas centrais.
Toda a conjuntura de habitação
criada nos governos anteriores fez
necessária mais uma intervenção
para garantir que os mananciais
fossem protegidos, e ao mesmo
tempo garantir moradia para as fa-
mílias desses locais. Então surgiu a
Operação Defesa das Águas.
Avaliando um projeto dessa pro-
porção, que só no bairro Residen-
cial dos Lagos removeu quinhentas
e quatro famílias para a construção
do parque linear, o urbanista Na-
bil Bonduki afirma: “no sentido de
urbanização e melhorias das con-
dições ambientais nas regiões de
proteção são, em tese, bem vindas,
porque a água é um recurso escas-
so, um recurso fundamental para a
vida da cidade. A região metropoli-
tana de São Paulo tem pouca água,
hoje nós importamos água do sis-
tema Cantareira; e, portanto, acho
pertinente ter um programa que se
preocupe com isso”.
Porém, o urbanista vê proble-
mas na Operação Defesa das Águas:
“muitas remoções foram feitas sem
que se providenciasse as devidas al-
ternativas habitacionais. Famílias
foram removidas e muitas foram
para o Bolsa Aluguel. Não se equa-
cionou o problema de habitação
destas famílias”.
Esta reportagem verificou a im-
plantação da Operação Defesa das
Águas no Residencial dos Lagos –
que compreende quase todo o pe-
rímetro do parque ao longo da re-
presa –, e ouviu tanto especialistas
quanto moradores para constatar
como as intervenções do programa
foram sentidas. É possível enten-
der, por exemplo, que as ações das
gestões municipais e dos governos
recentes são tentativas de adequar
o quadro de favelas e ocupações à
estrutura urbana de São Paulo, ao
qual fazem parte.
Para os moradores que viram o
Residencial dos Lagos se transfor-
mar e ganhar ruas asfaltadas, sane-
amento e iluminação, o programa
cumpriu a sua proposta. Para os
urbanistas, ambientalistas e líderes
de movimento, a Operação, como
outros projetos, é necessária, em-
bora não alcance todas as pontas
soltas. Um grande questionamento
é a especulação imobiliária que se
vê nos loteamentos de certas áreas.
Moradores que tiveram que dei-
xar o Residencial dos Lagos não
têm mais condições de comprar
uma casa, dada a atual valorização
trazida pela presença da infraestru-
tura antes inexistente. É claro que
há outros problemas que são obser-
vados por quem vive tranquilamen-
te à beira da represa, como a falta
de creches e postos de saúde pró-
ximos, o que obriga o morador a se
deslocar para os bairros de Cocaia e
Grajaú, além disso há a presença si-
lenciosa de usuários de drogas nas
pracinhas do parque urbanizado,
em plena luz do dia.
Para que haja significativa trans-
formação, a atuação dos movimen-
tos sociais como o MTST e da pró-
pria líder comunitária do bairro,
Vera Lucia Rodrigues, são essenciais
para que o poder público não esque-
ça a necessidade de dar atenção à
população pobre, antes, durante e
depois da implantação da infraes-
trutura urbana. Pedro Augusto Cor-
tez, vice-presidente da Comissão de
Direito Urbanístico da Ordem dos
Advogados do Brasil do Estado de
São Paulo (OAB-SP), observa que a
atuação de lideranças nas próprias
comunidades é fundamental para
que as intervenções do setor público
tenham maior eficácia.
GRANDE PERIFERIA
O arquiteto urbanista
Nabil Bonbuki defende
que ocupação de regiões
de mananciais se deu
com incentivo do Estado
ELZAFUZA/ABR
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 9
Modelo de urbanização
Ah, se toda a periferia
fosse tratada assim
Vinte anos após apostar em uma região sem infraestrutura e
distante da região central da cidade, os moradores do Residencial
dos Lagos relatam com orgulho as mudanças no bairro
POR RODRIGO GOMES E THAMARA GOMES
10 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
“Antigamente, a gente tinha que colocar uma havaiana ou amarrar
sacola plástica nos pés. E levava um sapato na bolsa. Tinha o barzi-
nho do seu Alfredo, a gente chegava lá e guardava o chinelo no bar.
Quando voltava pegava o chinelo. Hoje você vê uma mulher saindo de
casa de salto.”
Após urbanização, moradores deram
acabamento nas casas e passaram
a investir nas fachadas, que hoje
lembram bairro de classe média
FOTOSRODRIGOGOMES
Modelo de urbanização
A líder comunitária
Vera Lúcia afirma que
o parque é resultado
de anos de luta pela
urbanização do bairro
Asituação, rela-
tada pela líder
comunitária
Vera Lúcia
Rodrigues, de
63 anos, pode
não parecer algo importante, mas
para os moradores do Residencial
dos Lagos sintetiza a transforma-
ção ocorrida no bairro nos últimos
cinco anos.
Encontrar o Residencial dos La-
gos não é uma tarefa simples. Uma
rua estreita sai do encontro das
ruas Pedro Escobar e Rubens de
Oliveira, a caminho das águas da
Billings. A linha de transmissão de
energia que corta a região separa
ainda mais o Residencial dos Lagos
dos demais bairros. E estabelece
uma área vazia que faz muitos vi-
sitantes se perguntarem se estão no
caminho certo.
O bairro está localizado às mar-
gens da represa Billings, no distri-
to do Grajaú, extremo sul da ca-
pital paulista. Foi criado há cerca
de 25 anos, quando a extinta imo-
biliária Cipramar loteou a área de
antigas chácaras e a vendeu para
uma população majoritariamente
nordestina em busca do sonho da
casa própria, e que fugia do terror
do aluguel, que é, desde então, um
dos maiores motivadores da cria-
ção de favelas, ocupações irregu-
lares e do loteamento de áreas de
mananciais em São Paulo, como
explica o urbanista Nabil Bonduki,
em seu livro Origens da Habitação
Social no Brasil.
O pintor Francisco Alves Bezer-
ra, de 63 anos, 25 deles vivendo no
Residencial dos Lagos, destaca a
importância que a casa própria ad-
quiriu ao longo do tempo e relem-
bra o caminho comum utilizado
por aqueles que chegaram ao Gra-
jaú nos anos 1980. “Um rapaz que
trabalhava comigo me avisou que
estavam loteando e a gente veio.
Na época foi barato. Era bem longe
do trabalho, mas pelo menos tinha
como construir uma casa nossa,
deixar algo para os filhos. Em São
Paulo sempre foi muito duro pagar
aluguel”, afirma.
Bezerra lembra que no começo
era uma aventura viver no local,
que se resumia aos lotes demarca-
dos pela imobiliária. “Eu cheguei
em 1988. Era só mato e os caminhos
das pisadas. A gente pescava e pe-
gava preá no mato. Mas não tinha
água, nem luz em casa ou nas ruas,
então de noite era bem difícil”, ex-
plica. As pisadas acabaram se trans-
formando em ruas de verdade.
Além disso, a chuva se tornara
quase uma penitência aos mora-
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 11
dores daquele bairro recém-criado,
como conta Bezerra. “Quando cho-
via a gente só saia de casa porque
era obrigado”. A frase é comple-
mentada pela aposentada Maria
de Lourdes Oliveira Mendonça, de
73 anos, 23 deles no bairro. “Ficava
uma lama de dar dó. Não tinha nem
calçada, era tudo na terra”, conta.
Sorridente, Maria de Lourdes
conta que não havia descanso para
quem queria construir uma casa.
Boa parte do tempo que seria de-
dicado ao lazer foi usado no cabo
da enxada. “Não me arrependo de
tudo que precisamos passar. Fo-
ram dois anos construindo. Mui-
tos e muitos outros para acabar
a obra. Meus filhos trabalhavam
direto e no fim da semana a gente
trabalhava junto na obra”.
Vera Lúcia explica que apesar de
certa facilidade na compra da ter-
ra, a construção das casas foi uma
luta constante, por muitos anos.
“A gente construía as nossas casas
com muita dificuldade. Nós carre-
gávamos a água da represa, porque
não tinha água [encanada] e os po-
ços daqui eram muito profundos.
Eles não davam água o suficiente.
Os fins de semana eram voltados a
esse trabalho”, conta.
Ela começou a participar da As-
sociação de Moradores do Residen-
cial dos Lagos, em 1992. Naquela
época era difícil conseguir qual-
quer melhoria no bairro, por conta
da legislação de proteção aos ma-
nanciais. “A lei era muito dura. Se
passasse um trator na rua e jogas-
se cascalho pagava multa. Só que a
gente comprou e pagou. Temos os
documentos e queríamos melhorar
o bairro”, recorda.
Embora seja considerada prati-
camente nula pelos especialistas,
a Lei 898, de 1975, estabeleceu pa-
drões rigorosos para a construção
nas áreas de mananciais, e tornava
muito complicado o processo legal
de instalação de moradores nessas
regiões. No entanto, em locais de
ocupação irregular, como os vizi-
nhos do Residencial dos Lagos, Jar-
dim Gaivotas e Cantinho do Céu,
a legislação não conseguiu evitar
uma consolidação precária e altos
índices de degradação ambiental.
Para Vera Lúcia, a coisa só me-
lhorou quando o vereador Fernan-
do Estima (DEM) começou a apoiar
os moradores. “Ele nos ajudou mui-
to aqui. Conseguiu fazer o poder
público entender nossas necessida-
des. Mas mesmo ele pagou multas
por atuar aqui”, destaca. Estima
não foi reeleito no último pleito.
As melhorias que não depen-
diam dos moradores se tornaram
processo mais complexos, como
conta a líder comunitária. “A luz
foi um pouquinho difícil, porque
a Eletropaulo não passava os cabos
por baixo das torres. Então a imo-
biliária teve que comprar um pe-
daço de terra no lado do Cantinho
do Céu [bairro na outra margem
da represa] para colocar um poste,
e puxar a nossa luz pela Billings”,
relata. Isso foi em 1990. Mas essa
eletricidade era somente para as
casas. Só em 1992 foram instalados
os postes de rua.
“Depois nós lutamos pela água”,
lembra Vera Lúcia. As casas manti-
nham tanto poços artesianos, como
fossas. O que por si só constitui um
grave problema de saúde pública.
Em 1991, os moradores começa-
ram a contatar a Companhia de Sa-
neamento Básico de São Paulo (Sa-
besp) pedindo a instalação de redes
de água. “O pessoal da Sabesp veio
e colocou aquelas caixas enormes
que o caminhão abastecia. Tinha
três caixas em locais diferentes:
Uma em frente a minha casa, uma
na rua Falcão e outra ali na rua An-
dorinhas”, descreve Vera Lúcia.
O problema é que as caixas não
sanavam toda a necessidade dos
cerca de 13 mil moradores à época,
e com o tempo se tornaram o epi-
centro dos conflitos entre vizinhos.
“Era muita gente carregando água
pra encher a sua própria caixa, para
encher o seu tambor. Porque aquela
água era para comer, cozinhar, lavar,
passar, para tomar banho; enfim,
para tudo”, continua Vera Lúcia.
O desfecho trágico veio em
12 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
1994, quando um desentendimen-
to por conta da água resultou na
morte de um morador. “Só aí a Sa-
besp entendeu a nossa necessida-
de e começou a instalar a rede de
água”, aponta a moradora.
Depois disso, até o ano de 2007,
a vida dos moradores do Residen-
cial não mudou muito. O bairro
passou por um processo de conso-
lidação, permanecendo na condição
de região carente, sem asfalto, sem
esgoto, sem escola, sem unidade de
saúde, com os pequenos avanços se
dando através da auto-organização.
A população começou a cons-
truir seus próprios serviços: Uma
padaria, uma casa do norte, um
cuida-se de crianças, materiais de
construção, farmácia. “Só botecos
nunca faltaram”, contou Maria de
Lourdes. “Virou um bairro mesmo.
Cheio de problemas, mas dava para
morar”, complementa.
Os moradores lembram que se
falava muito de transformações
no bairro, mas com o passar dos
anos os moradores não acredi-
tavam que algo fosse acontecer,
como relata Ivani Rosa Oliveira,
comerciante, moradora do bair-
ro há 20 anos. “Ninguém botava
fé que iria acontecer o que está
acontecendo. A gente até começou
a cimentar a rua, em parceria com
os vizinhos, para livrar um pouco
dos buracos”, explica. A mudança
veio. E foi bem diferente do que
ocorreu em outros locais.
Novos ventos A Operação Defesa
das Águas foi criada em 2007, na
primeira gestão do prefeito Gil-
berto Kassab (2006-2008), do DEM,
hoje PSD. A ação compreende uma
parceria entre secretarias estadu-
ais de meio ambiente (segurança,
habitação, saneamento e energia) e
secretarias municipais de governo (
meio ambiente, segurança urbana e
habitação), além de subprefeituras
e do próprio Governo.
De acordo com a prefeitura,
o objetivo é proteger, controlar e
preservar áreas de mananciais. A
operação compreende, por exem-
plo, a instalação de redes de esgoto,
estações elevatórias, pavimentação
de vias e remoção de moradias de
áreas de risco e em locais que se
destinarão à construção de parques
lineares, na borda das represas
Guarapiranga, Billings e córregos
da região.
No entanto, em bairros próximos
do Residencial dos Lagos, como Can-
tinho do Céu e Jardim Gaivotas, a
operação consistiu basicamente na
remoção de moradias, muitas vezes
com processos truculentos de ação
policial, com poucas intervenções
efetivas de preservação ambiental.
No Gaivotas, os escombros de boa
parte das casas removidas continua
nos locais onde elas estavam. No
Cantinho do Céu, a maior parte das
ruas ainda é de terra e o esgoto con-
tinua sendo despejado na represa.
Já o Residencial parece ter sido
eleito para servir de modelo de
bairro urbanizado. Todas as ruas
estão pavimentadas e a rede de es-
goto chega a todas as casas. Exceto
por um trecho com cerca de 300
metros, o parque linear foi imple-
mentado, contando com quadras
poliesportivas, campo de grama-
do sintético, pista de skate, brin-
quedos infantis, equipamentos de
ginástica para terceira idade, pier
para atracar barcos (que as crian-
ças e adolescentes usam como local
para mergulhos), muitas árvores e
pontos para piquenique.
Para instalar o parque e as esta-
ções elevatórias de esgoto, a prefei-
tura precisou remover 504 famílias.
Mas esse processo foi tranquilo no
bairro, como conta Vera Lúcia. “Toda
a área aqui era ocupada. Para fazer
Parque linear tem campo de futebol,
quadras, pista de skate, áreas
infantil e para terceira idade e pier
Modelo de urbanização
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 13
Antônio Martim
O Comerciante afirma que
ampliou o bar e viu melhorar o
movimento após a urbanização
tinha que tirar o pessoal. Tem várias
pessoas que ainda estão no Resi-
dencial. Eles saíram, mas a maioria
comprou de novo aqui mesmo. As
casas foram avaliadas e eles foram
indenizados”, explica. Ela destaca
que não houve truculência e quem
teve de sair também não se opôs.
É o caso da comerciante Ma-
ria José da Silva que, aos 75 anos,
um terço deles no bairro, mantém
uma lojinha de doces na terceira
casa em que vive no Residencial.
Ela vive na casa com os três filhos
e dois netos. “Eu morava bem na
beira da represa. A prefeitura veio,
me retirou e eu comprei outra lá
na rua das Gaivotas, onde montei o
primeiro bar. Morei um ano e três
meses. Aí o Marcelo [coordenador
de assistência social da Prefeitura]
chegou de novo e falou ‘eu preciso
tirar a senhora de novo’ e eu disse
‘tem problema não’. Tem que sair,
saímos”, resume.
Quem também teve de sair foi o
pintor Francisco Alves Bezerra, ci-
tado no início da reportagem. “Eu
morava na última casa da rua. Às
vezes a represa enchia muito e ba-
tia em casa. Não tive problema em
sair. Pagaram certinho e eu com-
prei outra casa na mesma rua, mas
mais para cima”, contou.
Pintor e gesseiro, Anicélio da Sil-
va, de 38 anos, desde os 16 no bair-
ro, afirma que quem vivia próximo
da represa tinha consciência que
teria de sair em algum momento.
“Tinha um colega meu que pescava
da janela de casa. Ele tinha cons-
ciência de que, a qualquer hora, ia
acabar a mordomia de abrir a ja-
nela e pescar na represa”, afirmou.
Para ele, os removidos saíram bem
assistidos pela prefeitura.
Não há uma média das indeni-
zações recebidas pelos moradores
removidos. Como em outros casos,
elas variavam muito, de acordo com
o tamanho da casa, as benfeitorias e
o tempo de residência. De uma for-
ma geral, segundo Vera Lúcia, todos
conseguiram comprar uma nova
casa, em alguns casos até melhores
do que mantinham no Residencial
dos Lagos.
Porém, há os que não ficaram
totalmente satisfeitos com o proces-
so. O segurança Leonardo Moreira,
de 36 anos, não conseguiu comprar
uma nova casa no bairro, ao ser re-
movido de uma área muito próxima
da represa. “Eu fui dos últimos a
sair e quando recebi a indenização
não era mais possível comprar uma
casa aqui com o valor dela”, contes-
ta. Moreira denuncia uma situação
de especulação imobiliária no local,
exatamente como alguns especialis-
tas ouvidos pela reportagem disse-
ram que aconteceria.
“Quando casei, comprei meu ter-
reno por R$ 4,5 mil. Construí minha
casa com muito trabalho e depois
recebi R$25 mil de indenização. Só
que aí as casas já estavam custando
por volta de R$70 mil”, conta. Morei-
ra foi viver com a esposa e o casal de
filhos no Jardim Gaivotas, em um lo-
cal com urbanização ainda precária,
aproximadamente três quilômetros
mais distante do centro da cidade do
que já vivia.
Especialistas apontam que a
falta de uma política clara de habi-
tação, a ser aplicada em processos
que demandam remoção, acaba por
incitar processos de especulação
imobiliária e expulsão de morado-
res, conforme explicam na reporta-
gem a seguir.
Mesmo assim, o segurança apro-
va a ação no bairro. “O bairro está
maravilhoso. Sempre que posso eu
vou lá, porque o parque é muito
legal e eu adoro a represa. Só fico
triste de não ter conseguido perma-
necer”, relata.
14 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
Maria de Fátima Teve que sair da casa
em que vivia por duas vezes e mesmo
assim se diz muito feliz com o bairro
Modelo de urbanização
Satisfeitos, mas querendo mais
A expressão de satisfação com a
mudança do bairro está presente
em todos os entrevistados. No en-
tanto, os moradores gostariam de
ter outras demandas atendidas,
como a construção de uma UBS
(Unidade Básica de Saúde), creche
e escola, e que uma linha de ônibus
atenda o bairro.
Sobre o último, Vera Lúcia dis-
corda. “Sou contra a linha de ôni-
bus, porque as ruas são estreitas,
vai ficar um inferno isso aqui”,
ponderou. Segundo ela, a SPTrans,
que gerencia o sistema de transpor-
tes na capital, esteve no bairro dias
antes da nossa reportagem para
avaliar a possibilidade de instalar
uma linha de ônibus.
Já as demais necessidades ain-
da não foram atendidas por falta
de espaço. “Teria de remover mais
gente do bairro, porque embaixo
das torres é que não será constru-
ído”, avalia Vera Lúcia.
Outro problema é o sistema de
elevação do esgoto, que muitas vezes
deixa de funcionar e acaba despejan-
do os detritos na represa. O problema
é recorrente, como conta o funcioná-
rio público Luís Pedrosa, de 42 anos,
que chegou ao bairro no ano de 1988.
“Toda hora esse esgoto rompe. A Sa-
besp vem, conserta, passam uns dias
e estraga de novo. Acontece desde
que foi instalado”, comenta.
Tanto é assim, que, no dia em
que a reportagem esteve no local, as
duas estações estavam desligadas e
o esgoto escorria em torrentes dire-
tamente para a Billings.
Este também é um problema des-
tacado pelos especialistas ouvidos
pela reportagem, que consideram
as ações de preservação ambiental
irrisórias e frágeis, dentro do que a
operação pretende realizar.
Mesmo assim, os moradores
são unânimes em aprovar o que
foi feito. “Melhorou 100%”; “está
uma maravilha” e “ficou bom de-
mais” foram as frases mais ouvi-
das quando os entrevistados foram
convidados a avaliar a diferença de
hoje e de ontem.
Antônio Martim, de 72 anos, vive
no bairro há sete anos e lá mantém
um bar muito tranquilo e arru-
madinho, quase no fim da rua das
Garças Prateadas. Vindo da Paraí-
ba, morou de aluguel no Jabaquara,
mas afirma que era uma vida no li-
mite. “Quase não dava para comer.
Quando conheci aqui fiz um grande
esforço para conseguir comprar,
mas valeu a pena”, explica. No Re-
sidencial dos Lagos, Martim mora
com a esposa, uma filha, o genro e
dois netos. Outros filhos já arranja-
ram a vida e se mudaram.
Martim comprou o terreno
em 1998, mas só foi morar ali em
2007, quando conseguiu erguer
um cômodo que abrigasse a fa-
mília. Quando ele chegou, o bair-
ro estava às vésperas de iniciar o
processo de urbanização. Segundo
ele, até o movimento melhorou
depois disso. “Meu filho, eu tiro o
sustento desse bar. Antes, quando
chovia, passava muitos dias até as
pessoas toparem descer aqui. Ago-
ra, esteja o tempo como for, o povo
vem aqui”, conta.
Para o torneiro mecânico Lucia-
no Maciel, de 38 anos, 14 deles vi-
vendo no Residencial, a urbanização
alterou até a relação dos moradores
com o bairro. “Antigamente, todas
as ruas tinham entulho. Todo mun-
do pegava entulho de casa e jogava
na represa. Depois que fizeram isso
[urbanização], o pessoal pensa duas
vezes antes de jogar qualquer coisa
na represa ou pelas ruas”, explica.
A situação demonstra que, ao ver
revitalizado o bairro, os morado-
res passaram a cuidar melhor dele.
Também se nota que são poucas as
casas sem acabamento ou pintura
na fachada.
Acompanhando o raciocínio de
Maciel, o comerciante Martim sin-
tetiza o sentimento geral de quem
viu o bairro se transformar. “Nós
temos orgulho daqui, todos nós. Eu
não troco esse lugar por nenhum do
mundo. Tá faltando mais coisa, mas
vamos ver como vai ficar. Com o
tempo, pode ser que melhore mais
coisas ainda”, acredita. O modelo
do Residencial dos Lagos demons-
tra que é possível fazer um proces-
so de urbanização respeitando a po-
pulação e sem destruir a dinâmica
social dos bairros. Só é preciso que
esse tipo de ação deixe de ser mode-
lo e passe a ser padrão.
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 15
Sobrou truculência,
faltou resultadoEspecialistas questionam a eficácia da Operação Defesa das Águas
em garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado
POR JESSICA SANTOS E JOSÉ FRANCISCO NETO
N
a tentativa de enten-
der por que a Opera-
ção Defesa das Águas
causou um efeito tão
contraditório entre
os moradores do Re-
sidencial do Lagos e pessoas prove-
nientes de outras áreas que rece-
beram o projeto, esta reportagem
investigou as ações pré-urbanização
e descobriu que o bairro não sofreu
Proteção dos mananciais
Vazamentos de esgoto são comuns
desde a construção do parque linear
no bairro Residencial dos Lagos
intervenção policial no processo de
remoção das famílias, o que na prá-
tica estreitou a relação entre a popu-
lação e as autoridades, fazendo com
que a intervenção transcorresse de
maneira pacífica.
“As áreas em que esses parques
[lineares] avançam, geralmente é
desocupada de uma maneira bas-
tante violenta. As famílias são in-
timadas a deixar seus lares em um
curto espaço de tempo”, revela Gus-
tavo Moura, líder na Rede Extremo
Sul – movimento popular criado na
Zona Sul de São Paulo com a pro-
posta de promover a organização in-
dependente da região periférica – e
que acompanhou de perto as ações
de despejo no Cantinho do Céu.
Ainda segundo Moura, o maior
resquício da forma truculenta com
que as pessoas foram expulsas de
16 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
Campo de futebol inaugurado em 2010 nunca
recebeu manutenção e os meninos tiveram
de amarrar a trave para ela não cair
Coordenador do MTST, Guilherme Boulos considera
necessária a intervenção nas periferias, mas defende
que elas sejam tratadas com os moradores
RODRIGO GOMES MARCELO CAMARGO/ ABR
Proteção dos mananciais
suas casas está a apenas 100 metros
da Cooperativa de Serviços Gráficos
que ele e outros militantes mantêm
no bairro. “O que restou foi um ce-
nário de guerra”, desabafa. Outro
ponto que configura a ineficácia do
projeto no que diz respeito às ques-
tões sociais foi a carência de alterna-
tivas à moradia, na qual as famílias
foram impostas, principal respon-
sável pela explosão de novas ocupa-
ções no distrito do Grajaú.
Isso porque o Bolsa Aluguel, au-
xílio no valor de R$400,00, forneci-
do às famílias removidas das áreas
de mananciais, é insuficiente para
manter a taxa mensal da locação de
uma casa, expondo a população a
condições ainda mais precárias do
que ela já vivia. “Nos últimos anos,
a onda de remoções elevou a deman-
da por aluguel. Além disso, o valor
da bolsa se tornou o piso do aluguel
da região, ou seja, o custo de vida
está ficando proibitivo por aqui e as
pessoas estão sendo obrigadas a se
deslocar para áreas ainda mais dis-
tantes, como Parelheiros, Marsilac e
Colônia”, ressalta Moura.
Diante desse cenário, não é difí-
cil perceber que a falta de planeja-
mento habitacional é a haste mais
frágil da Operação Defesa das Águas,
mas que, na visão dos especialistas,
seria facilmente resolvida se hou-
vesse um envolvimento dos mora-
dores no planejamento e na tomada
de decisões do projeto, conforme
prevê o Relatório Especial da ONU
para moradia adequada. “O Plano
Diretor definiu algumas áreas, as
ZEIS 4 [Zonas Especiais de Interesse
Social], que deveriam servir exata-
mente como as das regiões de ma-
nanciais, para atender com políticas
habitacionais as famílias que estão
em situações mais críticas”, destaca
Nabil Bonduki.
Muito embora tenham dúvidas
de que grandes empreendimentos
possam se estabelecer no extremo
sul de São Paulo, tanto pela distância
do centro da cidade e dos principais
agrupamentos empresariais quanto
pela legislação de mananciais, Bon-
duki e o coordenador nacional do
MTST (Movimento dos Trabalhado-
res Sem Teto), Guilherme Boulos,
concordam que a região é alvo de
uma valorização no setor de imóveis
e, consequentemente, de uma futu-
ra substituição da população.
Boulos lembra que a urbanização
de São Paulo acompanhou a especu-
lação desde seus primórdios e que a
maioria dos terrenos não foi inva-
dida, mas sim comprada da mão de
grileiros que, na época das vendas,
atuavam como vereadores. “O Esta-
do foi conivente com os loteamen-
tos”, assegura.
O problema da operação, no en-
tanto, não se limita apenas à questão
da moradia. “O pouco que foi feito
não conta com manutenção regular
e as áreas desapropriadas no entor-
no da represa, que deveriam receber
os parques lineares, tornaram-se de-
pósito de lixo durante o dia e o pon-
to de tráfico e uso de drogas durante
a noite, o que caracteriza uma situ-
ação precária de saúde e segurança
pública”, relata Moura.
Frustração. Eis a palavra que ex-
pressa de modo mais preciso o sen-
timento de César Pegoraro em rela-
ção à Operação Defesa das Águas. Na
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 17
Segundo dados da Secretaria
Municipal de Habitação (Sehab), o
déficit habitacional na cidade de
São Paulo é de 230 mil moradias.
O Dr. Pedro Cortez, da Comis-
são de Direito urbanístico da OAB-
-SP, explica que a Operação Defesa
Das Águas esbarra em três prin-
cípios de ordem constitucional: o
direito a todos os cidadãos de ter
um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, o direito à moradia, e
o direito à propriedade. Ainda de
acordo com o advogado, que defen-
de que este tipo de projeto carece
de uma conversar entre todas as
secretarias (social, ambiental, edu-
cacional, da saúde e da segurança),
as remoções originárias da opera-
ção foram legais e legítimas.
“Se pegar a Constituição, em
nenhum lugar você vai encontrar
a preponderância de que a mora-
dia está acima do meio ambiente
ou que o meio ambiente está aci-
ma da propriedade particular”,
observa Cortez.
Sobre a justificativa de proteção
ao meio ambiente do programa,
Gustavo afirma ser um argumen-
to frágil criado para encobrir um
processo de despejo que tem como
interesse livrar os terrenos da clas-
se mais pobre para inseri-los no
mercado imobiliário. “Em vésperas
de eleições, sempre são feitas novas
rodagens de visitação para projetos
de urbanização, etc. E as empresas
que ganham são justamente as fi-
nanciadoras de campanha. Então,
você tem uma série de interesses
econômicos por trás desta questão,
que passam por cima da necessida-
de social”, denuncia.
“E é de fato contraditório [o
argumento ambiental] quando
vemos a conclusão de obras como
a do Rodoanel Sul, que atravessa
uma área inteira de manancial sem
o mínimo de respeito com a natu-
reza”, enfatiza a jornalista e ecolo-
gista Ângela Rodrigues, fundadora
da ONG Fiscais da Natureza - enti-
dade que protege as áreas verdes
remanescentes da região Sul - que
cita ainda o fato de que os maiores
índices de poluição dos reservató-
rios da capital paulista são causa-
dos por metais pesados, despejados
pelas indústrias de São Paulo e São
Bernardo do Campo. “E nada é fei-
to para mudar isso”, lamenta.
Argumento ambiental é frágil
época em que se começou a pensar
na intervenção pública, o biólogo
trabalhava no Instituto Sócio Am-
biental (ISA) e foi um dos responsá-
veis pela elaboração de um diagnós-
tico para o programa Mananciais, da
Prefeitura de São Paulo. “Se há um
programa habitacional, casado com
desapropriações e um processo edu-
cativo, que conta com a despoluição
dos mananciais e a recomposição
florística da região, aí você fala: ‘Le-
gal! Vamos ver aonde vai dar’”, re-
lembra Pegoraro. Porém, segundo
ele, o processo se deu de maneira so-
cialmente desastrada e foi ineficaz
do ponto de vista ambiental. E não é
difícil entender o porquê.
No Jardim Gaivotas, ainda é pos-
sível encontrar entulho de casas que
foram demolidas na beira da repre-
sa. Em outros pontos, há resquícios
de uma tentativa de ocupação re-
cente. No Cantinho do Céu, o único
sinal de que houve uma intervenção
é o desgaste na relação entre o po-
der público e os moradores. O esgoto
continua correndo a céu aberto pelo
meio da comunidade e desaguando
na Billings.
Nos locais onde ocorreram as re-
moções, novas casas já estão de pé.
“Você via pessoas que moravam na
beira da represa por não ter outra
possibilidade. Não é que elas foram
morar ali por capricho, mas por uma
impossibilidade total da sociedade.
Essas pessoas que em geral não ti-
nham empregos, eram fichadas por
um crime do qual foram mais víti-
mas do que algozes”, desabafa Pe-
goraro, que acompanhou de perto a
operação em ambos os bairros.
Os moradores eram indiciados
por crime ambiental e condenados
a pagar até 50 cestas básicas – apro-
ximadamente R$ 16 mil em valores
atuais – para o Estado. Como a maio-
ria das pessoas não tinha condições
financeiras para isso, a pena era
convertida em prestação de servi-
ços à comunidade. “O cara tinha que
sair lá do Grajaú, pegar oito condu-
ções pra chegar ao São Luís pra pres-
tar as horas de serviço comunitário
dele. Em que isso vai melhorar a
questão da água?”, questiona o bió-
logo, “não estão tirando uma gota de
esgoto daqui, não estão recompondo
a área, não estão dando consciência
pra essas pessoas”, completa.
Mesmo no Residencial dos Lagos,
bairro que parece ter sido escolhido
para ser modelo de intervenção, a
maior queixa dos moradores é a fre-
quência com que o sistema de esgoto
entope e, consequentemente, acaba
despejado na Billings. “O maior pro-
blema nosso é o esgoto que sempre
estoura. A Sabesp vem, conserta e
logo em seguida quebra de novo”,
reclama a aposentada Maria de
Lourdes Mendonça.
O pintor Francisco Alves Bezerra
lamenta não poder mais utilizar a
represa para lazer. “A gente sempre
pescou aqui. Mas ultimamente está
18 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR
O militante da Rede Extremo
Sul Gustavo Moura acredita
que as ações visam valorização
imobiliária e podem agravar
problemas habitacionais
Pescadores tradicionais da bairro afirmam
que poluição tem afastado os peixes que
sempre foram comuns na represa
RODRIGO GOMESDANILO RAMOS
Proteção dos mananciais
difícil porque tem muita sujeira na
água”, conta. No dia em que nossa
reportagem visitou o bairro, a ciclo-
via do Parque Linear estava tomada
por um líquido fétido de coloração
escura. Os PVs, como são conhecidos
os poços de visita destinados à ma-
nutenção e inspeção da Sabesp, mais
pareciam pontos de vazamento lan-
çando detritos na Billings.
Na Grande São Paulo, atualmen-
te, mais de 1,6 milhão de pessoas
moram em áreas de mananciais.
Entre os anos de 1991 e 2000, a re-
gião que teve o maior crescimento
populacional foi exatamente o en-
torno das represas Billings e Gua-
rapiranga. A especulação imobiliá-
ria, segundo Pegoraro, foi a maior
responsável pela expulsão de um
grande número de famílias para as
periferias da cidade.
“Quando começou a ocupação
da [avenida] Água Espraiadas, por
exemplo, foi feito um levantamento
mostrando que as famílias estavam
sendo conduzidas pro Grajaú e para
Parelheiros.
Ou seja, por uma questão imo-
biliária, de especulação e de ganhos
particulares, você expõe a cidade in-
teira a uma fragilidade que é não ter
mais água em condição de potabili-
dade”, arremata.
A Billings, maior reservatório de
água da cidade, teria capacidade de
abastecer 4,5 milhões de pessoas,
caso fosse preservada. Entretanto,
nos últimos 80 anos, devido à ocu-
pação irregular, ao assoreamento e
à construção de estradas, a represa
perdeu 40% de sua capacidade origi-
nal e hoje seu fornecimento de água
está limitado 1,6 milhão de pessoas.
A arquiteta urbanista Paula San-
toro coordenou os trabalhos para
desenvolver o relatório Mananciais:
diagnóstico e políticas públicas do
ISA. Ela lembra que o principal fator
de poluição da Billings é o esgoto não
tratado de uma cidade inteira, e não
apenas da população que ocupa as
margens da represa. “A gente foi po-
luindo as nossas águas e, diferente-
mente do que as pessoas acreditam,
que a represa está assim porque foi
ocupada sem saneamento ao redor,
um dos maiores fatores de poluição
da Billings é o bombeamento do Rio
Pinheiros, já que quando chove for-
te a água do rio é bombeada pra não
alagar São Paulo. Portanto, mais da
metade da poluição da represa vem
do Pinheiros”, elucida.
A temática da proteção dos ma-
nanciais versus direito a moradia
começou a ser encarada de fato pelo
poder público a partir da gestão
Erundina. Desde então, o assunto
está constantemente em pauta, mas
os projetos são ou não tocados de
acordo com quem está no comando
da prefeitura.
A Operação Defesa das Águas,
por exemplo, foi interrompida pela
administração de Fernando Ha-
ddad. “O modelo de gestão ambien-
tal para as áreas de mananciais não
existe, o que existe é obra entregue e
você não vê uma continuidade. Isso
é um problema político, pois a ges-
tão atual considera o projeto como
marca da gestão passada. Então, es-
ses projetos vão e voltam de acordo
com o partido que está no poder”,
argumenta Ângela Rodrigues Alves,
citada anteriormente.
Apesar de frustrado, Pegoraro
mantém a esperança de que, num
futuro não muito distante, a relação
entre o Homem e o meio ambiente
possa ser um pouco mais amistosa.
“Se você ignora as leis naturais que
estão ao seu redor, a natureza vai te
cobrar um preço. Se você conhece as
leis e as transgride, ela vai te cobrar
dobrado. Quer dizer, nós vamos ser
cobrados, nós estamos sendo cobra-
dos pelo nosso viver aqui. Então eu
acredito que a gente possa ter algo
melhor do que temos. Porque isso
aqui é insustentável”, conclui.
CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 19
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TCC Operação Defesa das Águas - Bairro dos Sonhos? Urbanização na periferia é aprovada pela população, mas criticada por especialistas ambientais e sociais

  • 1. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 1 Urbanização na periferia é aprovada pela população, mas criticada por especialistas ambientais e sociais Bairro dos sonhos? GRANDE PERIFERIA Solução com problemas. Ocupações irregulares em áreas de mananciais não são novidade MODELO DE URBANIZAÇÃO Ah, se toda a periferia fosse tratada assim. Moradores do Residencial dos Lagos relatam com orgulho as mudanças no bairro Especialistas questionam a eficácia da Operação Defesa das Águas em garantir um meio ambiente equilibrado PROTEÇÃO DOS MANANCIAIS
  • 3. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 3 Grande periferia 4 Solução com problemas. Ocupações irregulares em áreas de mananciais não são novidade Modelo de urbanização 8 Ah, se toda a periferia fosse tratada assim Moradores do Residencial dos Lagos relatam com orgulho as mudanças no bairro 14 Especialistas questionam a eficácia da Operação Defesa das Águas em garantir um meio ambiente equilibrado Proteção dos mananciais
  • 4. 4 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR As contradições da urbanização em São Paulo EDITORIAL Q uando a repor- tagem visitou a região do bairro Residencial dos Lagos imaginou o que parecia ser o óbvio: insatisfação, injustiça, falta de diálogo, frustração e histórias que refletissem a tradicional polí- tica violenta do Estado quando se trata de questões habitacionais da população pobre. O bairro passou pelos últimos cinco anos em obras — ainda inconclusas — que altera- ram drasticamente a região, com remoções de casas, abertura e pa- vimentação de ruas, construção de rede de esgoto e instalação de um imenso parque linear. Especialistas ouvidos pela re- portagem apontam muitos pro- blemas na urbanização de bairros, como baixo impacto positivo na poluição ambiental, favorecimento a uma valorização imobiliária que pode expulsar famílias. Apontam até que há outros interesses nesse processos e não simplesmente a melhora dos bairros. No entanto, os moradores do Residencial se mostraram satisfei- tos com o processo realizado. Veem problemas pontuais aqui e ali, mas nada comparável ao histórico co- nhecido de intervenções estatais sobre moradias e bairros. Inclusive em bairros próximos, como Canti- nho do Céu e Gaivotas, onde a popu- lação não quer ouvir falar em Ope- ração Defesa das Águas, em virtude da criminalização ocorrida e dos despejos forçados sem a mínima as- sistência a famílias que ali estavam há décadas. Isso nos leva a um questiona- mento: porque alguns lugares são eleitos para ser modelo de urba- nização, com práticas legítimas e legais, com diálogo, indenizações reais, preservação do direito a per- manecer no local, valorização e melhorias palpáveis para a popu- lação; enquanto outros — a imensa maioria — ainda são tratados como bandidos, com despejos ilegais, com ignorância do direito básico à mo- radia digna? Qual a dificuldade do Estado em permitir, já que foi incapaz de garantir moradia digna em outras condições, que a população perma- neça onde se consolidou, possibi- litando processos de urbanização que lhes melhore as condições de vida, de infraestrutura local e do meio ambiente? Como o leitor poderá perceber no trabalho que segue, a ocupação dessas regiões não se deu simples- mente pela opção de quem lá foi viver e, sim, pela falta dela. Com preços controlados pelo mercado e com políticas insuficientes por parte do Estado, a aquisição da casa própria sempre foi uma luta inten- sa para a população de baixa renda. Porém, partindo de uma ideia de denúncia, encontramos histórias, sonhos, perseverança e realizações de pessoas comuns, que ajudam a entender o que motivou a busca por moradia em regiões tão distantes e porque a política de urbanização pre- cisa ser mais pautada pelo direito à moradia digna e responsabilização do Estado do que pela criminalização de quem foi viver nos mananciais.
  • 5. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 5 Passear pelo parque linear construí- do ao longo da re- presa Billings, no bairro Residencial dos Lagos, é atual- mente uma das opções de lazer das pessoas que moram ou que passam pela região do Cantinho do Céu, no extremo sul de São Paulo. Para que o parque exista, no entanto, casas foram removidas e famílias reas- sentadas em outros locais. Essas mesmas famílias, que um dia vive- ram de forma precária às margens GRANDE PERIFERIA Operação Defesa das Águas: uma solução com problemas As ocupações irregulares em áreas de mananciais não são novidade para quem diariamente luta por moradia. A urbanização desses locais tem sido um processo lento, que nem sempre é eficaz ambiental e socialmente POR TAIANNE RODRIGUES Espaço urbano saturado Nas periferias o adensamento é a solução encontrada pela população pobre na cidade de São Paulo RODRIGO GOMES da represa – como tantas outras ainda vivem na cidade de São Paulo –, vieram de outras cidades e esta- dos, com a esperança na bagagem, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Responsável por essas mudan- ças no bairro, a Operação Defesa das Águas é um conjunto de me- didas da Prefeitura de São Paulo e do Governo do Estado, iniciada em 2007, que visa proteger e recupe- rar mananciais, rios e córregos. E para que isso ocorra, se faz neces- sária a desocupação de moradias irregulares nessas áreas. A necessidade de remoções é o reflexo da desigualdade social da ci- dade de São Paulo, em que famílias inteiras vão morar na beira de rios e ficam a mercê da falta de saneamen- to básico e infraestrutura, vivendo sem o mínimo de dignidade. A trans- formação de ocupações em bairros é o maior exemplo de que a cidade ain- da não tem espaço para todos. Ocupação irregular em manan- ciais é um fenômeno antigo e que surgiu com o progresso econômico e industrial da cidade de São Paulo,
  • 6. 6 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR Início da construção da Represa Billings, inundada em 1927Santo Am aro é anexada com o bairro da cidade de São Paulo Entre 1925 e 1940 Uso da represa para recreação. Abertura da estrada Washington Luis (1928) e Interlagos. Ideia de construir um balneário urbano na beira da represa Surge m os prim eiros bairros populares da zona sul,com o Cidade D utra,destino das m oradias dos trabalhadores das com panhias prestadores de serviço.Crise da habitação na cidade Histórico da Região G overno Vargas congela o preço dos alugueis.Surgem as prim eiras favelas Entre 1949 e 1962 O crescimento urbano dobra e chega às áreas de mananciais Criação do BN H (Banco N acional de H abitação),principalpolítica de prom oção de m oradias até sua extinção em 1986. Já havia ocupação nas m argens do G uarapiranga. Poluição agrava-se nos prim eiros anos da década de 1970 pela falta de coleta e tratam ento de esgoto no rio Tietê e seus afluentes. Entre 1964 e 1976 O preço dos terrenos subiu por conta dos financiamentos do BNH e a população sem condições foi para as regões leste e sul da cidade 1975 e 1976 Leis de Proteção aos Mananciais (Leis Estaduais no 898/75 e 1.172/76) o poder público limita o crescimento urbano LeiFederalde Parcelam ento do Solo nº6.766/79, que define com o crim e loteam entos irregulares e contribuipara a redução de lotes populares. 1925 1935 1940 1942 1964 1974 1979 Ruas de terra batida, fiação exposta, esgoto a céu aberto: a realidade de quem mora nos bairros ainda por urbanizar na cidade como aponta o Instituto Socioam- biental (ISA) no estudo Mananciais: Diagnóstico e Políticas Habitacio- nais (2009), organizado por Paula Santoro, Nicolau Ferrara e Marus- sia Whately. Até a década de 1940, a represa Billings era muito usada pela popu- lação paulistana para recreação e práticas esportivas. Assim, projetos de abertura de estradas, loteamen- tos e melhorias na infraestrutura chegaram à região, com a intenção de atrair a elite da cidade. Nessa mesma época surgem os primeiros bairros populares da zona sul, como a Cidade Dutra, para comportar as moradias de trabalhadores da in- dústria e das empresas prestadoras de serviço. O estudo observa que no gover- no Vargas (1930-45), a interferên- cia no mercado de aluguéis (com a Lei do Inquilinato congelando os preços a partir de 1942) obteve re- sultado controverso: desestimulou novos investimentos em moradias de aluguel e as ações de despejo contra os inquilinos tornaram-se constantes. A crise habitacional chegou ao seu limite nos anos se- guintes, pois os trabalhadores po- bres não tinham outra solução a não ser a de buscar moradia pró- pria, ainda que irregular, nas áreas mais distantes do centro. Em seu livro “Origens da Habi- tação Social no Brasil” (1998, edito- ra Estação Liberdade), o urbanista Nabil Bonduki analisa que o Estado incentiva a construção de moradia barata e precária pelos próprios moradores ao não impedir a ex- pansão de loteamentos clandesti- nos. Estratégia do poder público, segundo o autor, para facilitar a construção da casa própria, como um modo de viabilizar a moradia popular compatível com a baixa remuneração dos trabalhadores. O que garante dois objetivos da elite: desadensar e segregar. Com isso, a partir de 1949, a malha urbana se aproxima das áreas de mananciais e passa a ocupá-las. Leis para a proteção de manan- ciais, parcelamento do solo e medi- das para impedir novas construções emáreassensíveisdepreservaçãosão criadas para controlar o crescimento desordenado em São Paulo. O Estado não podia mais fechar os olhos para as condições precárias em que seus GRANDE PERIFERIA
  • 7. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 7 eo Construção da barragem Anchieta,agravam ento da poluição na Billings.D ebates públicos sobre poluição dos m ananciais A partir de 1980 Consolidação de loteamentos irregulares e precários nas represa Billings. Estruturação do movimento ambientalista, que se fortalece na década de 1990. Redução do ritmo de crescimento populacional. Década de 1980 Intensificação do crescimento urbano para o sul com a criação do distrito industrial de Santo Amaro. Criação da O peração D efesa das Águas. G estão Serra-Kassab. Continuou o Program a M ananciais,investiu m enos em m oradia nas áreas centrais e priorizou urbanização das favelas G estão M arta Suplicy.Retom a o Program a M ananciais e investe em urbanização nas periferias. G estão de Celso Pitta. Leide proteção aos m ananciais (1997) im pede a regularização das áreas ocupadas G estão Paulo M aluf.Pouca produção de m oradia.Cria Lei da Anistia sobre ocupações irregulares que contribuipara a expulsão da população pobre dos centros valorizados. G estão da prefeita Luiza Erundina,inicia o Program a para a Preservação dos M ananciais Final dos anos 1980 Debates ambientalistas se intensificam com pressões sociais pela regularização fundiária. 20072004 à 20082001 à 20041997 à 20001993 à 19961982 1989 à 1992 RODRIGOGOMES trabalhadores viviam, uma vez que a indiferença do poder público diante dessa população, largada às margens da cidade, de certa forma contribuiu para o crescimento urbano e para a especulação imobiliária. Na década de 1970, o avanço da urbanização nas áreas de manan- ciais alcança um estado crítico. O crescimento de favelas explode e a situação se torna ainda pior sem coleta de lixo e saneamento bá- sico, com o esgoto sendo jogado diretamente no rio Tietê e seus afluentes Billings e Guarapiranga. As leis de proteção aos mananciais passaram a tornar qualquer lotea- mento irregular ao ultrapassar os limites estabelecidos para cons- truções urbanas. Contudo, isso não impediu a ocupação dessas áreas, visto que a classe excluída não possuía condição de comprar casas ou terrenos, lhes restando apenas ocupar espaços “livres”, ainda que sujeitos a viver em con- dição irregular e precária. A década de 1980 é marcada por um forte processo de organização da sociedade civil sobre os manan- ciais, que estimulou o debate pú- blico sobre a poluição da represa, difundindo amplamente a neces- sidade de ações mitigadoras, como aponta o estudo do ISA. Esse debate chega ao sistema fundiário, quando pressões sociais apontam para o Es- tado a necessidade de regularização da divisão de terras na metrópole. Nesse período, surgem movimentos e associações por moradia que ocu- pam áreas que, mais tarde, viriam a se tornar bairros, como o Residen- cial dos Lagos, localizado no Com- plexo Cantinho do Céu. É na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) que há o re- conhecimento da situação incon- tornável das ocupações irregula- res nas áreas de mananciais, e um programa com recursos próprios é iniciado com a intenção de le- var infraestrutura a essas regiões, urbanizando favelas e tratando a água da represa para aumentar a capacidade de abastecimento da ci- dade. Mais tarde, o Estado se aliou ao município pelo Programa Gua- rapiranga. Na gestão de Paulo Maluf (1993- 1996), no entanto, a Lei de Anistia para imóveis irregulares, proposta em 1993, causou furor, e as áreas de mananciais passam a ser ocu- padas com mais intensidade. A ex- pulsão de moradores das regiões mais valorizadas da cidade para a construção das avenidas Faria Lima e Águas Espraiadas, e todas as obras de urbanização do entor- no, produziu uma nova população de excluídos que foram habitar, em favelas, as beiras de rios e regiões de mananciais. Na gestão de Celso Pitta (1997-2000) a questão não foi tratada de maneira muito diferen- te, pois não se conseguiu regulari- zar ocupações, já que o Estado se tornou ele próprio um empecilho para a regularização dessas ocupa- ções por conta da lei de proteção de mananciais, como aponta o estudo Mananciais: diagnóstico e políticas habitacionais.
  • 8. 8 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR O Plano Emergencial, criado em 1998, atua com intervenções de in- fraestrutura em áreas já ocupadas, sem levar em conta os impactos ambientais. Além de não prover moradia regular para essas famí- lias, contribui para o adensamento de moradias e a expansão urbana nas margens das represas. Já na gestão de Marta Suplicy (2001-2004), o programa de prote- ção aos mananciais foi continuado, e os investimentos de habitação voltados para as regiões mais pró- ximas do centro, embora a questão não tenha sido propriamente uma prioridade de seu governo. Foi somente anos depois, duran- te a gestão Kassab (2004-2008), que o Programa Mananciais recebeu mais recursos, com a prioridade de reurbanizar favelas e não de inves- tir em moradia nas áreas centrais. Toda a conjuntura de habitação criada nos governos anteriores fez necessária mais uma intervenção para garantir que os mananciais fossem protegidos, e ao mesmo tempo garantir moradia para as fa- mílias desses locais. Então surgiu a Operação Defesa das Águas. Avaliando um projeto dessa pro- porção, que só no bairro Residen- cial dos Lagos removeu quinhentas e quatro famílias para a construção do parque linear, o urbanista Na- bil Bonduki afirma: “no sentido de urbanização e melhorias das con- dições ambientais nas regiões de proteção são, em tese, bem vindas, porque a água é um recurso escas- so, um recurso fundamental para a vida da cidade. A região metropoli- tana de São Paulo tem pouca água, hoje nós importamos água do sis- tema Cantareira; e, portanto, acho pertinente ter um programa que se preocupe com isso”. Porém, o urbanista vê proble- mas na Operação Defesa das Águas: “muitas remoções foram feitas sem que se providenciasse as devidas al- ternativas habitacionais. Famílias foram removidas e muitas foram para o Bolsa Aluguel. Não se equa- cionou o problema de habitação destas famílias”. Esta reportagem verificou a im- plantação da Operação Defesa das Águas no Residencial dos Lagos – que compreende quase todo o pe- rímetro do parque ao longo da re- presa –, e ouviu tanto especialistas quanto moradores para constatar como as intervenções do programa foram sentidas. É possível enten- der, por exemplo, que as ações das gestões municipais e dos governos recentes são tentativas de adequar o quadro de favelas e ocupações à estrutura urbana de São Paulo, ao qual fazem parte. Para os moradores que viram o Residencial dos Lagos se transfor- mar e ganhar ruas asfaltadas, sane- amento e iluminação, o programa cumpriu a sua proposta. Para os urbanistas, ambientalistas e líderes de movimento, a Operação, como outros projetos, é necessária, em- bora não alcance todas as pontas soltas. Um grande questionamento é a especulação imobiliária que se vê nos loteamentos de certas áreas. Moradores que tiveram que dei- xar o Residencial dos Lagos não têm mais condições de comprar uma casa, dada a atual valorização trazida pela presença da infraestru- tura antes inexistente. É claro que há outros problemas que são obser- vados por quem vive tranquilamen- te à beira da represa, como a falta de creches e postos de saúde pró- ximos, o que obriga o morador a se deslocar para os bairros de Cocaia e Grajaú, além disso há a presença si- lenciosa de usuários de drogas nas pracinhas do parque urbanizado, em plena luz do dia. Para que haja significativa trans- formação, a atuação dos movimen- tos sociais como o MTST e da pró- pria líder comunitária do bairro, Vera Lucia Rodrigues, são essenciais para que o poder público não esque- ça a necessidade de dar atenção à população pobre, antes, durante e depois da implantação da infraes- trutura urbana. Pedro Augusto Cor- tez, vice-presidente da Comissão de Direito Urbanístico da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado de São Paulo (OAB-SP), observa que a atuação de lideranças nas próprias comunidades é fundamental para que as intervenções do setor público tenham maior eficácia. GRANDE PERIFERIA O arquiteto urbanista Nabil Bonbuki defende que ocupação de regiões de mananciais se deu com incentivo do Estado ELZAFUZA/ABR
  • 9. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 9 Modelo de urbanização Ah, se toda a periferia fosse tratada assim Vinte anos após apostar em uma região sem infraestrutura e distante da região central da cidade, os moradores do Residencial dos Lagos relatam com orgulho as mudanças no bairro POR RODRIGO GOMES E THAMARA GOMES
  • 10. 10 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR “Antigamente, a gente tinha que colocar uma havaiana ou amarrar sacola plástica nos pés. E levava um sapato na bolsa. Tinha o barzi- nho do seu Alfredo, a gente chegava lá e guardava o chinelo no bar. Quando voltava pegava o chinelo. Hoje você vê uma mulher saindo de casa de salto.” Após urbanização, moradores deram acabamento nas casas e passaram a investir nas fachadas, que hoje lembram bairro de classe média FOTOSRODRIGOGOMES Modelo de urbanização A líder comunitária Vera Lúcia afirma que o parque é resultado de anos de luta pela urbanização do bairro Asituação, rela- tada pela líder comunitária Vera Lúcia Rodrigues, de 63 anos, pode não parecer algo importante, mas para os moradores do Residencial dos Lagos sintetiza a transforma- ção ocorrida no bairro nos últimos cinco anos. Encontrar o Residencial dos La- gos não é uma tarefa simples. Uma rua estreita sai do encontro das ruas Pedro Escobar e Rubens de Oliveira, a caminho das águas da Billings. A linha de transmissão de energia que corta a região separa ainda mais o Residencial dos Lagos dos demais bairros. E estabelece uma área vazia que faz muitos vi- sitantes se perguntarem se estão no caminho certo. O bairro está localizado às mar- gens da represa Billings, no distri- to do Grajaú, extremo sul da ca- pital paulista. Foi criado há cerca de 25 anos, quando a extinta imo- biliária Cipramar loteou a área de antigas chácaras e a vendeu para uma população majoritariamente nordestina em busca do sonho da casa própria, e que fugia do terror do aluguel, que é, desde então, um dos maiores motivadores da cria- ção de favelas, ocupações irregu- lares e do loteamento de áreas de mananciais em São Paulo, como explica o urbanista Nabil Bonduki, em seu livro Origens da Habitação Social no Brasil. O pintor Francisco Alves Bezer- ra, de 63 anos, 25 deles vivendo no Residencial dos Lagos, destaca a importância que a casa própria ad- quiriu ao longo do tempo e relem- bra o caminho comum utilizado por aqueles que chegaram ao Gra- jaú nos anos 1980. “Um rapaz que trabalhava comigo me avisou que estavam loteando e a gente veio. Na época foi barato. Era bem longe do trabalho, mas pelo menos tinha como construir uma casa nossa, deixar algo para os filhos. Em São Paulo sempre foi muito duro pagar aluguel”, afirma. Bezerra lembra que no começo era uma aventura viver no local, que se resumia aos lotes demarca- dos pela imobiliária. “Eu cheguei em 1988. Era só mato e os caminhos das pisadas. A gente pescava e pe- gava preá no mato. Mas não tinha água, nem luz em casa ou nas ruas, então de noite era bem difícil”, ex- plica. As pisadas acabaram se trans- formando em ruas de verdade. Além disso, a chuva se tornara quase uma penitência aos mora-
  • 11. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 11 dores daquele bairro recém-criado, como conta Bezerra. “Quando cho- via a gente só saia de casa porque era obrigado”. A frase é comple- mentada pela aposentada Maria de Lourdes Oliveira Mendonça, de 73 anos, 23 deles no bairro. “Ficava uma lama de dar dó. Não tinha nem calçada, era tudo na terra”, conta. Sorridente, Maria de Lourdes conta que não havia descanso para quem queria construir uma casa. Boa parte do tempo que seria de- dicado ao lazer foi usado no cabo da enxada. “Não me arrependo de tudo que precisamos passar. Fo- ram dois anos construindo. Mui- tos e muitos outros para acabar a obra. Meus filhos trabalhavam direto e no fim da semana a gente trabalhava junto na obra”. Vera Lúcia explica que apesar de certa facilidade na compra da ter- ra, a construção das casas foi uma luta constante, por muitos anos. “A gente construía as nossas casas com muita dificuldade. Nós carre- gávamos a água da represa, porque não tinha água [encanada] e os po- ços daqui eram muito profundos. Eles não davam água o suficiente. Os fins de semana eram voltados a esse trabalho”, conta. Ela começou a participar da As- sociação de Moradores do Residen- cial dos Lagos, em 1992. Naquela época era difícil conseguir qual- quer melhoria no bairro, por conta da legislação de proteção aos ma- nanciais. “A lei era muito dura. Se passasse um trator na rua e jogas- se cascalho pagava multa. Só que a gente comprou e pagou. Temos os documentos e queríamos melhorar o bairro”, recorda. Embora seja considerada prati- camente nula pelos especialistas, a Lei 898, de 1975, estabeleceu pa- drões rigorosos para a construção nas áreas de mananciais, e tornava muito complicado o processo legal de instalação de moradores nessas regiões. No entanto, em locais de ocupação irregular, como os vizi- nhos do Residencial dos Lagos, Jar- dim Gaivotas e Cantinho do Céu, a legislação não conseguiu evitar uma consolidação precária e altos índices de degradação ambiental. Para Vera Lúcia, a coisa só me- lhorou quando o vereador Fernan- do Estima (DEM) começou a apoiar os moradores. “Ele nos ajudou mui- to aqui. Conseguiu fazer o poder público entender nossas necessida- des. Mas mesmo ele pagou multas por atuar aqui”, destaca. Estima não foi reeleito no último pleito. As melhorias que não depen- diam dos moradores se tornaram processo mais complexos, como conta a líder comunitária. “A luz foi um pouquinho difícil, porque a Eletropaulo não passava os cabos por baixo das torres. Então a imo- biliária teve que comprar um pe- daço de terra no lado do Cantinho do Céu [bairro na outra margem da represa] para colocar um poste, e puxar a nossa luz pela Billings”, relata. Isso foi em 1990. Mas essa eletricidade era somente para as casas. Só em 1992 foram instalados os postes de rua. “Depois nós lutamos pela água”, lembra Vera Lúcia. As casas manti- nham tanto poços artesianos, como fossas. O que por si só constitui um grave problema de saúde pública. Em 1991, os moradores começa- ram a contatar a Companhia de Sa- neamento Básico de São Paulo (Sa- besp) pedindo a instalação de redes de água. “O pessoal da Sabesp veio e colocou aquelas caixas enormes que o caminhão abastecia. Tinha três caixas em locais diferentes: Uma em frente a minha casa, uma na rua Falcão e outra ali na rua An- dorinhas”, descreve Vera Lúcia. O problema é que as caixas não sanavam toda a necessidade dos cerca de 13 mil moradores à época, e com o tempo se tornaram o epi- centro dos conflitos entre vizinhos. “Era muita gente carregando água pra encher a sua própria caixa, para encher o seu tambor. Porque aquela água era para comer, cozinhar, lavar, passar, para tomar banho; enfim, para tudo”, continua Vera Lúcia. O desfecho trágico veio em
  • 12. 12 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR 1994, quando um desentendimen- to por conta da água resultou na morte de um morador. “Só aí a Sa- besp entendeu a nossa necessida- de e começou a instalar a rede de água”, aponta a moradora. Depois disso, até o ano de 2007, a vida dos moradores do Residen- cial não mudou muito. O bairro passou por um processo de conso- lidação, permanecendo na condição de região carente, sem asfalto, sem esgoto, sem escola, sem unidade de saúde, com os pequenos avanços se dando através da auto-organização. A população começou a cons- truir seus próprios serviços: Uma padaria, uma casa do norte, um cuida-se de crianças, materiais de construção, farmácia. “Só botecos nunca faltaram”, contou Maria de Lourdes. “Virou um bairro mesmo. Cheio de problemas, mas dava para morar”, complementa. Os moradores lembram que se falava muito de transformações no bairro, mas com o passar dos anos os moradores não acredi- tavam que algo fosse acontecer, como relata Ivani Rosa Oliveira, comerciante, moradora do bair- ro há 20 anos. “Ninguém botava fé que iria acontecer o que está acontecendo. A gente até começou a cimentar a rua, em parceria com os vizinhos, para livrar um pouco dos buracos”, explica. A mudança veio. E foi bem diferente do que ocorreu em outros locais. Novos ventos A Operação Defesa das Águas foi criada em 2007, na primeira gestão do prefeito Gil- berto Kassab (2006-2008), do DEM, hoje PSD. A ação compreende uma parceria entre secretarias estadu- ais de meio ambiente (segurança, habitação, saneamento e energia) e secretarias municipais de governo ( meio ambiente, segurança urbana e habitação), além de subprefeituras e do próprio Governo. De acordo com a prefeitura, o objetivo é proteger, controlar e preservar áreas de mananciais. A operação compreende, por exem- plo, a instalação de redes de esgoto, estações elevatórias, pavimentação de vias e remoção de moradias de áreas de risco e em locais que se destinarão à construção de parques lineares, na borda das represas Guarapiranga, Billings e córregos da região. No entanto, em bairros próximos do Residencial dos Lagos, como Can- tinho do Céu e Jardim Gaivotas, a operação consistiu basicamente na remoção de moradias, muitas vezes com processos truculentos de ação policial, com poucas intervenções efetivas de preservação ambiental. No Gaivotas, os escombros de boa parte das casas removidas continua nos locais onde elas estavam. No Cantinho do Céu, a maior parte das ruas ainda é de terra e o esgoto con- tinua sendo despejado na represa. Já o Residencial parece ter sido eleito para servir de modelo de bairro urbanizado. Todas as ruas estão pavimentadas e a rede de es- goto chega a todas as casas. Exceto por um trecho com cerca de 300 metros, o parque linear foi imple- mentado, contando com quadras poliesportivas, campo de grama- do sintético, pista de skate, brin- quedos infantis, equipamentos de ginástica para terceira idade, pier para atracar barcos (que as crian- ças e adolescentes usam como local para mergulhos), muitas árvores e pontos para piquenique. Para instalar o parque e as esta- ções elevatórias de esgoto, a prefei- tura precisou remover 504 famílias. Mas esse processo foi tranquilo no bairro, como conta Vera Lúcia. “Toda a área aqui era ocupada. Para fazer Parque linear tem campo de futebol, quadras, pista de skate, áreas infantil e para terceira idade e pier Modelo de urbanização
  • 13. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 13 Antônio Martim O Comerciante afirma que ampliou o bar e viu melhorar o movimento após a urbanização tinha que tirar o pessoal. Tem várias pessoas que ainda estão no Resi- dencial. Eles saíram, mas a maioria comprou de novo aqui mesmo. As casas foram avaliadas e eles foram indenizados”, explica. Ela destaca que não houve truculência e quem teve de sair também não se opôs. É o caso da comerciante Ma- ria José da Silva que, aos 75 anos, um terço deles no bairro, mantém uma lojinha de doces na terceira casa em que vive no Residencial. Ela vive na casa com os três filhos e dois netos. “Eu morava bem na beira da represa. A prefeitura veio, me retirou e eu comprei outra lá na rua das Gaivotas, onde montei o primeiro bar. Morei um ano e três meses. Aí o Marcelo [coordenador de assistência social da Prefeitura] chegou de novo e falou ‘eu preciso tirar a senhora de novo’ e eu disse ‘tem problema não’. Tem que sair, saímos”, resume. Quem também teve de sair foi o pintor Francisco Alves Bezerra, ci- tado no início da reportagem. “Eu morava na última casa da rua. Às vezes a represa enchia muito e ba- tia em casa. Não tive problema em sair. Pagaram certinho e eu com- prei outra casa na mesma rua, mas mais para cima”, contou. Pintor e gesseiro, Anicélio da Sil- va, de 38 anos, desde os 16 no bair- ro, afirma que quem vivia próximo da represa tinha consciência que teria de sair em algum momento. “Tinha um colega meu que pescava da janela de casa. Ele tinha cons- ciência de que, a qualquer hora, ia acabar a mordomia de abrir a ja- nela e pescar na represa”, afirmou. Para ele, os removidos saíram bem assistidos pela prefeitura. Não há uma média das indeni- zações recebidas pelos moradores removidos. Como em outros casos, elas variavam muito, de acordo com o tamanho da casa, as benfeitorias e o tempo de residência. De uma for- ma geral, segundo Vera Lúcia, todos conseguiram comprar uma nova casa, em alguns casos até melhores do que mantinham no Residencial dos Lagos. Porém, há os que não ficaram totalmente satisfeitos com o proces- so. O segurança Leonardo Moreira, de 36 anos, não conseguiu comprar uma nova casa no bairro, ao ser re- movido de uma área muito próxima da represa. “Eu fui dos últimos a sair e quando recebi a indenização não era mais possível comprar uma casa aqui com o valor dela”, contes- ta. Moreira denuncia uma situação de especulação imobiliária no local, exatamente como alguns especialis- tas ouvidos pela reportagem disse- ram que aconteceria. “Quando casei, comprei meu ter- reno por R$ 4,5 mil. Construí minha casa com muito trabalho e depois recebi R$25 mil de indenização. Só que aí as casas já estavam custando por volta de R$70 mil”, conta. Morei- ra foi viver com a esposa e o casal de filhos no Jardim Gaivotas, em um lo- cal com urbanização ainda precária, aproximadamente três quilômetros mais distante do centro da cidade do que já vivia. Especialistas apontam que a falta de uma política clara de habi- tação, a ser aplicada em processos que demandam remoção, acaba por incitar processos de especulação imobiliária e expulsão de morado- res, conforme explicam na reporta- gem a seguir. Mesmo assim, o segurança apro- va a ação no bairro. “O bairro está maravilhoso. Sempre que posso eu vou lá, porque o parque é muito legal e eu adoro a represa. Só fico triste de não ter conseguido perma- necer”, relata.
  • 14. 14 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR Maria de Fátima Teve que sair da casa em que vivia por duas vezes e mesmo assim se diz muito feliz com o bairro Modelo de urbanização Satisfeitos, mas querendo mais A expressão de satisfação com a mudança do bairro está presente em todos os entrevistados. No en- tanto, os moradores gostariam de ter outras demandas atendidas, como a construção de uma UBS (Unidade Básica de Saúde), creche e escola, e que uma linha de ônibus atenda o bairro. Sobre o último, Vera Lúcia dis- corda. “Sou contra a linha de ôni- bus, porque as ruas são estreitas, vai ficar um inferno isso aqui”, ponderou. Segundo ela, a SPTrans, que gerencia o sistema de transpor- tes na capital, esteve no bairro dias antes da nossa reportagem para avaliar a possibilidade de instalar uma linha de ônibus. Já as demais necessidades ain- da não foram atendidas por falta de espaço. “Teria de remover mais gente do bairro, porque embaixo das torres é que não será constru- ído”, avalia Vera Lúcia. Outro problema é o sistema de elevação do esgoto, que muitas vezes deixa de funcionar e acaba despejan- do os detritos na represa. O problema é recorrente, como conta o funcioná- rio público Luís Pedrosa, de 42 anos, que chegou ao bairro no ano de 1988. “Toda hora esse esgoto rompe. A Sa- besp vem, conserta, passam uns dias e estraga de novo. Acontece desde que foi instalado”, comenta. Tanto é assim, que, no dia em que a reportagem esteve no local, as duas estações estavam desligadas e o esgoto escorria em torrentes dire- tamente para a Billings. Este também é um problema des- tacado pelos especialistas ouvidos pela reportagem, que consideram as ações de preservação ambiental irrisórias e frágeis, dentro do que a operação pretende realizar. Mesmo assim, os moradores são unânimes em aprovar o que foi feito. “Melhorou 100%”; “está uma maravilha” e “ficou bom de- mais” foram as frases mais ouvi- das quando os entrevistados foram convidados a avaliar a diferença de hoje e de ontem. Antônio Martim, de 72 anos, vive no bairro há sete anos e lá mantém um bar muito tranquilo e arru- madinho, quase no fim da rua das Garças Prateadas. Vindo da Paraí- ba, morou de aluguel no Jabaquara, mas afirma que era uma vida no li- mite. “Quase não dava para comer. Quando conheci aqui fiz um grande esforço para conseguir comprar, mas valeu a pena”, explica. No Re- sidencial dos Lagos, Martim mora com a esposa, uma filha, o genro e dois netos. Outros filhos já arranja- ram a vida e se mudaram. Martim comprou o terreno em 1998, mas só foi morar ali em 2007, quando conseguiu erguer um cômodo que abrigasse a fa- mília. Quando ele chegou, o bair- ro estava às vésperas de iniciar o processo de urbanização. Segundo ele, até o movimento melhorou depois disso. “Meu filho, eu tiro o sustento desse bar. Antes, quando chovia, passava muitos dias até as pessoas toparem descer aqui. Ago- ra, esteja o tempo como for, o povo vem aqui”, conta. Para o torneiro mecânico Lucia- no Maciel, de 38 anos, 14 deles vi- vendo no Residencial, a urbanização alterou até a relação dos moradores com o bairro. “Antigamente, todas as ruas tinham entulho. Todo mun- do pegava entulho de casa e jogava na represa. Depois que fizeram isso [urbanização], o pessoal pensa duas vezes antes de jogar qualquer coisa na represa ou pelas ruas”, explica. A situação demonstra que, ao ver revitalizado o bairro, os morado- res passaram a cuidar melhor dele. Também se nota que são poucas as casas sem acabamento ou pintura na fachada. Acompanhando o raciocínio de Maciel, o comerciante Martim sin- tetiza o sentimento geral de quem viu o bairro se transformar. “Nós temos orgulho daqui, todos nós. Eu não troco esse lugar por nenhum do mundo. Tá faltando mais coisa, mas vamos ver como vai ficar. Com o tempo, pode ser que melhore mais coisas ainda”, acredita. O modelo do Residencial dos Lagos demons- tra que é possível fazer um proces- so de urbanização respeitando a po- pulação e sem destruir a dinâmica social dos bairros. Só é preciso que esse tipo de ação deixe de ser mode- lo e passe a ser padrão.
  • 15. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 15 Sobrou truculência, faltou resultadoEspecialistas questionam a eficácia da Operação Defesa das Águas em garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado POR JESSICA SANTOS E JOSÉ FRANCISCO NETO N a tentativa de enten- der por que a Opera- ção Defesa das Águas causou um efeito tão contraditório entre os moradores do Re- sidencial do Lagos e pessoas prove- nientes de outras áreas que rece- beram o projeto, esta reportagem investigou as ações pré-urbanização e descobriu que o bairro não sofreu Proteção dos mananciais Vazamentos de esgoto são comuns desde a construção do parque linear no bairro Residencial dos Lagos intervenção policial no processo de remoção das famílias, o que na prá- tica estreitou a relação entre a popu- lação e as autoridades, fazendo com que a intervenção transcorresse de maneira pacífica. “As áreas em que esses parques [lineares] avançam, geralmente é desocupada de uma maneira bas- tante violenta. As famílias são in- timadas a deixar seus lares em um curto espaço de tempo”, revela Gus- tavo Moura, líder na Rede Extremo Sul – movimento popular criado na Zona Sul de São Paulo com a pro- posta de promover a organização in- dependente da região periférica – e que acompanhou de perto as ações de despejo no Cantinho do Céu. Ainda segundo Moura, o maior resquício da forma truculenta com que as pessoas foram expulsas de
  • 16. 16 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR Campo de futebol inaugurado em 2010 nunca recebeu manutenção e os meninos tiveram de amarrar a trave para ela não cair Coordenador do MTST, Guilherme Boulos considera necessária a intervenção nas periferias, mas defende que elas sejam tratadas com os moradores RODRIGO GOMES MARCELO CAMARGO/ ABR Proteção dos mananciais suas casas está a apenas 100 metros da Cooperativa de Serviços Gráficos que ele e outros militantes mantêm no bairro. “O que restou foi um ce- nário de guerra”, desabafa. Outro ponto que configura a ineficácia do projeto no que diz respeito às ques- tões sociais foi a carência de alterna- tivas à moradia, na qual as famílias foram impostas, principal respon- sável pela explosão de novas ocupa- ções no distrito do Grajaú. Isso porque o Bolsa Aluguel, au- xílio no valor de R$400,00, forneci- do às famílias removidas das áreas de mananciais, é insuficiente para manter a taxa mensal da locação de uma casa, expondo a população a condições ainda mais precárias do que ela já vivia. “Nos últimos anos, a onda de remoções elevou a deman- da por aluguel. Além disso, o valor da bolsa se tornou o piso do aluguel da região, ou seja, o custo de vida está ficando proibitivo por aqui e as pessoas estão sendo obrigadas a se deslocar para áreas ainda mais dis- tantes, como Parelheiros, Marsilac e Colônia”, ressalta Moura. Diante desse cenário, não é difí- cil perceber que a falta de planeja- mento habitacional é a haste mais frágil da Operação Defesa das Águas, mas que, na visão dos especialistas, seria facilmente resolvida se hou- vesse um envolvimento dos mora- dores no planejamento e na tomada de decisões do projeto, conforme prevê o Relatório Especial da ONU para moradia adequada. “O Plano Diretor definiu algumas áreas, as ZEIS 4 [Zonas Especiais de Interesse Social], que deveriam servir exata- mente como as das regiões de ma- nanciais, para atender com políticas habitacionais as famílias que estão em situações mais críticas”, destaca Nabil Bonduki. Muito embora tenham dúvidas de que grandes empreendimentos possam se estabelecer no extremo sul de São Paulo, tanto pela distância do centro da cidade e dos principais agrupamentos empresariais quanto pela legislação de mananciais, Bon- duki e o coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhado- res Sem Teto), Guilherme Boulos, concordam que a região é alvo de uma valorização no setor de imóveis e, consequentemente, de uma futu- ra substituição da população. Boulos lembra que a urbanização de São Paulo acompanhou a especu- lação desde seus primórdios e que a maioria dos terrenos não foi inva- dida, mas sim comprada da mão de grileiros que, na época das vendas, atuavam como vereadores. “O Esta- do foi conivente com os loteamen- tos”, assegura. O problema da operação, no en- tanto, não se limita apenas à questão da moradia. “O pouco que foi feito não conta com manutenção regular e as áreas desapropriadas no entor- no da represa, que deveriam receber os parques lineares, tornaram-se de- pósito de lixo durante o dia e o pon- to de tráfico e uso de drogas durante a noite, o que caracteriza uma situ- ação precária de saúde e segurança pública”, relata Moura. Frustração. Eis a palavra que ex- pressa de modo mais preciso o sen- timento de César Pegoraro em rela- ção à Operação Defesa das Águas. Na
  • 17. CARTACAPITAL ­– NOVEMBRO DE 2013 17 Segundo dados da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), o déficit habitacional na cidade de São Paulo é de 230 mil moradias. O Dr. Pedro Cortez, da Comis- são de Direito urbanístico da OAB- -SP, explica que a Operação Defesa Das Águas esbarra em três prin- cípios de ordem constitucional: o direito a todos os cidadãos de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à moradia, e o direito à propriedade. Ainda de acordo com o advogado, que defen- de que este tipo de projeto carece de uma conversar entre todas as secretarias (social, ambiental, edu- cacional, da saúde e da segurança), as remoções originárias da opera- ção foram legais e legítimas. “Se pegar a Constituição, em nenhum lugar você vai encontrar a preponderância de que a mora- dia está acima do meio ambiente ou que o meio ambiente está aci- ma da propriedade particular”, observa Cortez. Sobre a justificativa de proteção ao meio ambiente do programa, Gustavo afirma ser um argumen- to frágil criado para encobrir um processo de despejo que tem como interesse livrar os terrenos da clas- se mais pobre para inseri-los no mercado imobiliário. “Em vésperas de eleições, sempre são feitas novas rodagens de visitação para projetos de urbanização, etc. E as empresas que ganham são justamente as fi- nanciadoras de campanha. Então, você tem uma série de interesses econômicos por trás desta questão, que passam por cima da necessida- de social”, denuncia. “E é de fato contraditório [o argumento ambiental] quando vemos a conclusão de obras como a do Rodoanel Sul, que atravessa uma área inteira de manancial sem o mínimo de respeito com a natu- reza”, enfatiza a jornalista e ecolo- gista Ângela Rodrigues, fundadora da ONG Fiscais da Natureza - enti- dade que protege as áreas verdes remanescentes da região Sul - que cita ainda o fato de que os maiores índices de poluição dos reservató- rios da capital paulista são causa- dos por metais pesados, despejados pelas indústrias de São Paulo e São Bernardo do Campo. “E nada é fei- to para mudar isso”, lamenta. Argumento ambiental é frágil época em que se começou a pensar na intervenção pública, o biólogo trabalhava no Instituto Sócio Am- biental (ISA) e foi um dos responsá- veis pela elaboração de um diagnós- tico para o programa Mananciais, da Prefeitura de São Paulo. “Se há um programa habitacional, casado com desapropriações e um processo edu- cativo, que conta com a despoluição dos mananciais e a recomposição florística da região, aí você fala: ‘Le- gal! Vamos ver aonde vai dar’”, re- lembra Pegoraro. Porém, segundo ele, o processo se deu de maneira so- cialmente desastrada e foi ineficaz do ponto de vista ambiental. E não é difícil entender o porquê. No Jardim Gaivotas, ainda é pos- sível encontrar entulho de casas que foram demolidas na beira da repre- sa. Em outros pontos, há resquícios de uma tentativa de ocupação re- cente. No Cantinho do Céu, o único sinal de que houve uma intervenção é o desgaste na relação entre o po- der público e os moradores. O esgoto continua correndo a céu aberto pelo meio da comunidade e desaguando na Billings. Nos locais onde ocorreram as re- moções, novas casas já estão de pé. “Você via pessoas que moravam na beira da represa por não ter outra possibilidade. Não é que elas foram morar ali por capricho, mas por uma impossibilidade total da sociedade. Essas pessoas que em geral não ti- nham empregos, eram fichadas por um crime do qual foram mais víti- mas do que algozes”, desabafa Pe- goraro, que acompanhou de perto a operação em ambos os bairros. Os moradores eram indiciados por crime ambiental e condenados a pagar até 50 cestas básicas – apro- ximadamente R$ 16 mil em valores atuais – para o Estado. Como a maio- ria das pessoas não tinha condições financeiras para isso, a pena era convertida em prestação de servi- ços à comunidade. “O cara tinha que sair lá do Grajaú, pegar oito condu- ções pra chegar ao São Luís pra pres- tar as horas de serviço comunitário dele. Em que isso vai melhorar a questão da água?”, questiona o bió- logo, “não estão tirando uma gota de esgoto daqui, não estão recompondo a área, não estão dando consciência pra essas pessoas”, completa. Mesmo no Residencial dos Lagos, bairro que parece ter sido escolhido para ser modelo de intervenção, a maior queixa dos moradores é a fre- quência com que o sistema de esgoto entope e, consequentemente, acaba despejado na Billings. “O maior pro- blema nosso é o esgoto que sempre estoura. A Sabesp vem, conserta e logo em seguida quebra de novo”, reclama a aposentada Maria de Lourdes Mendonça. O pintor Francisco Alves Bezerra lamenta não poder mais utilizar a represa para lazer. “A gente sempre pescou aqui. Mas ultimamente está
  • 18. 18 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR O militante da Rede Extremo Sul Gustavo Moura acredita que as ações visam valorização imobiliária e podem agravar problemas habitacionais Pescadores tradicionais da bairro afirmam que poluição tem afastado os peixes que sempre foram comuns na represa RODRIGO GOMESDANILO RAMOS Proteção dos mananciais difícil porque tem muita sujeira na água”, conta. No dia em que nossa reportagem visitou o bairro, a ciclo- via do Parque Linear estava tomada por um líquido fétido de coloração escura. Os PVs, como são conhecidos os poços de visita destinados à ma- nutenção e inspeção da Sabesp, mais pareciam pontos de vazamento lan- çando detritos na Billings. Na Grande São Paulo, atualmen- te, mais de 1,6 milhão de pessoas moram em áreas de mananciais. Entre os anos de 1991 e 2000, a re- gião que teve o maior crescimento populacional foi exatamente o en- torno das represas Billings e Gua- rapiranga. A especulação imobiliá- ria, segundo Pegoraro, foi a maior responsável pela expulsão de um grande número de famílias para as periferias da cidade. “Quando começou a ocupação da [avenida] Água Espraiadas, por exemplo, foi feito um levantamento mostrando que as famílias estavam sendo conduzidas pro Grajaú e para Parelheiros. Ou seja, por uma questão imo- biliária, de especulação e de ganhos particulares, você expõe a cidade in- teira a uma fragilidade que é não ter mais água em condição de potabili- dade”, arremata. A Billings, maior reservatório de água da cidade, teria capacidade de abastecer 4,5 milhões de pessoas, caso fosse preservada. Entretanto, nos últimos 80 anos, devido à ocu- pação irregular, ao assoreamento e à construção de estradas, a represa perdeu 40% de sua capacidade origi- nal e hoje seu fornecimento de água está limitado 1,6 milhão de pessoas. A arquiteta urbanista Paula San- toro coordenou os trabalhos para desenvolver o relatório Mananciais: diagnóstico e políticas públicas do ISA. Ela lembra que o principal fator de poluição da Billings é o esgoto não tratado de uma cidade inteira, e não apenas da população que ocupa as margens da represa. “A gente foi po- luindo as nossas águas e, diferente- mente do que as pessoas acreditam, que a represa está assim porque foi ocupada sem saneamento ao redor, um dos maiores fatores de poluição da Billings é o bombeamento do Rio Pinheiros, já que quando chove for- te a água do rio é bombeada pra não alagar São Paulo. Portanto, mais da metade da poluição da represa vem do Pinheiros”, elucida. A temática da proteção dos ma- nanciais versus direito a moradia começou a ser encarada de fato pelo poder público a partir da gestão Erundina. Desde então, o assunto está constantemente em pauta, mas os projetos são ou não tocados de acordo com quem está no comando da prefeitura. A Operação Defesa das Águas, por exemplo, foi interrompida pela administração de Fernando Ha- ddad. “O modelo de gestão ambien- tal para as áreas de mananciais não existe, o que existe é obra entregue e você não vê uma continuidade. Isso é um problema político, pois a ges- tão atual considera o projeto como marca da gestão passada. Então, es- ses projetos vão e voltam de acordo com o partido que está no poder”, argumenta Ângela Rodrigues Alves, citada anteriormente. Apesar de frustrado, Pegoraro mantém a esperança de que, num futuro não muito distante, a relação entre o Homem e o meio ambiente possa ser um pouco mais amistosa. “Se você ignora as leis naturais que estão ao seu redor, a natureza vai te cobrar um preço. Se você conhece as leis e as transgride, ela vai te cobrar dobrado. Quer dizer, nós vamos ser cobrados, nós estamos sendo cobra- dos pelo nosso viver aqui. Então eu acredito que a gente possa ter algo melhor do que temos. Porque isso aqui é insustentável”, conclui.