O documento discute a possibilidade de juntada de novos documentos no decorrer do processo. Apresenta jurisprudência e doutrina favoráveis à flexibilização da norma para permitir a juntada posterior, desde que respeitado o contraditório. Aponta limitações como evitar procrastinação ou prejuízo à defesa em caso de documentos acessíveis anteriormente. Conclui que não há prejuízos à justiça com a juntada posterior, desde que evitado o abuso de direito.
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A juntada de novos documentos no decorrer do
processo
A juntada de novos documentos no decorrer do processo
Eduardo Luiz Venturin
Publicado em 04/2011. Elaborado em 03/2011.
1. Introdução
O crescente número de demandas e a ampliação do acesso à justiça impuseram
um novo ritmo de trabalho ao Judiciário. As sentenças já não são produzidas como
peças artesanais, os cartórios tiveram que simplificar suas rotinas e o apego ao
formalismo processual foi flexibilizado. O processo civil hoje deve ser tratado
como uma base procedimental funcional e prática para a efetivação de direitos,
não há mais espaço para o rebuscamento e para a pura literalidade das normas
que constituíam obstáculos à adequada prestação jurisdicional.
Pugnando pela mais plena realização da justiça, o presente artigo tem a finalidade
de propor pela possibilidade da juntada de novos documentos no decorrer do
processo, mesmo que acessíveis anteriormente. Para tanto, são apresentadas
jurisprudência e posição doutrinária, bem como eventuais limitações.
2. DISPOSIÇÕES LEGAIS
A produção de prova documental está disciplinada no Código de Processo Civil
nos artigos 396 a 399. Inicialmente, cabe analisar conjuntamente os artigos 396 e
397, sendo a interpretação desses textos legais indissociável para este estudo.
2. Art. 396. Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a
resposta (art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as
alegações.
Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos
documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos
ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que
foram produzidos nos autos.
Há remissão pelo artigo 396 ao artigo 283, que por sua vez tem a seguinte
redação:
Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos
indispensáveis à propositura da ação.
Trata o artigo 396 do momento processual em que a documentação necessária à
comprovação das alegações será apensada aos autos, devendo ser apresentada em
conjunto com a petição inicial ou acompanhada com a resposta. O artigo
subsequente inclui uma exceção ao texto anterior, ampliando a possibilidade de
juntada de prova documental caso essa se preste a comprovar fatos ocorridos
posteriormente à exordial ou à resposta ou, ainda, para contraditar documentação
produzida nos autos.
O art. 283 presta pela obrigatoriedade da apresentação de documentos
indispensáveis à propositura da ação, ou seja, tão somente aqueles destinados a
comprovar a existência das condições da ação, como é o caso, por exemplo, de
instruir a ação de consignação em pagamento com a prova do depósito e da
recusa, ou ainda, a ação de depósito mediante o comprovante de depósito,
conforme expõem Marinoni e Arenhart (2000, p. 245), doutrinadores
desfavoráveis à maleabilidade dos artigos 396 e 397, mas de quem são adotados os
exemplos. Sendo assim, a redação do art. 283 corrobora a oportunidade da
juntada posterior de documentos aos autos, pois o que é vedado é a juntada de
documentos destinados a comprovar as condições da ação, não havendo qualquer
restrição à apresentação de nova documentação para confirmar alegações de fato
ou de direito. É o que evidencia Humberto Theodoro Jr.:
[...] boa parte da doutrina e jurisprudência tem entendido que,
quanto aos documentos ‘não indispensáveis’, não estariam as partes
impedidas de produzi-los em outras fases posteriores àquelas
aludidas pelo art. 396. (THEODORO JR., 2007, p. 517)
É aparente a limitação imposta contra a produção de prova documental fora das
situações aventadas pelos artigos 396 e 397. Há que se tratar o texto desses
dispositivos como mera questão preferência do momento processual oportuno
para a juntada desse tipo de prova, sem haver cunho taxativo para tanto.
3. 3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO
O princípio da instrumentalidade deve preponderar sobre os rigores do texto legal,
devendo prevalecer o fim visado com a tutela jurisdicional – o reconhecimento do
verdadeiro direito. O Direito Processual não deve ser concebido como um fim em
si mesmo, ou como o estudo da forma pela forma, sua aplicação ao caso concreto
deve considerar a utilidade prática do texto legal como suporte procedimental
para a efetivação de direitos. Há entendimento reiterado no STJ pela flexibilização
da norma, a exemplo do REsp 1070395/RJ:
1. Controverte-se nos autos a possibilidade de juntada, em fase
recursal, de documentos que não ostentam condição de novos ou se
refiram a fatos supervenientes.
2. O STJ possui entendimento de que a interpretação do art. 397 do
CPC não deve ser feita restritivamente. Dessa forma, à exceção dos
documentos indispensáveis à propositura da ação, a mencionada
regra deve ser flexibilizada.
Desde que observado o princípio do contraditório, a juntada posterior de
documentos não implica em cerceamento de defesa, tendo a outra parte
oportunidade de ofertar manifestação conforme preceitua o art. 398, cabendo ao
magistrado deferir maior prazo caso a documentação seja demasiado extensa ou
complexa.
Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de
documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo
de 5 (cinco) dias.
A respeito da resguarda ao princípio do contraditório, o REsp 780396/PB:
1. A jurisprudência desta Corte tem admitido a juntada de
documentos que não os produzidos após a inicial e a contestação,
em outras fases do processo, até mesmo na via recursal, desde que
respeitado o contraditório e ausente a má-fé.
2. Não é absoluta a exigência de juntar documentos na inicial ou na
contestação. A juntada de documentos em sede de apelação é
possível, tendo a outra parte a oportunidade de sobre eles
manifestar-se em contra-razões. [...]
Há de se observar que além dos julgados acima citados outros mais admitem a
apresentação de novos documentos no decorrer da ação, inclusive em fase
recursal, consoante entendimento jurisprudencial do STJ.
4. Em sede dos Juizados Especiais, especialmente, os ideais de acesso à justiça
devem prevalecer sobre outros princípios de Direito Processual, de modo a
facilitar a juntada posterior de nova documentação das partes desassistidas por
advogado, reiterando os princípios da informalidade e da simplicidade nas causas
de sua competência. O cidadão leigo precisa ter suas demandas apreciadas de
maneira adequada, mesmo que isso implique maleabilidade de formalismos
processuais.
4. LIMITAÇÕES
É necessária alguma restrição quanto à produção de documentos durante o
processo para evitar procrastinações e o estado permanente de insegurança, na
qual uma parte, a qualquer momento, poderia apresentar nova documentação,
comprometendo uma série de atos processuais realizados e a possibilidade de
defesa da parte adversa. Desse modo, uma vez comprovado que a parte tinha fácil
acesso a documentos e que sem motivo coerente os deixou de apresentar em
momento oportuno, de maneira a prejudicar uma série de atos processuais
perfeitos, não há que ser admitida sua juntada. Contudo, tal limitação deve ser
restrita, aplicável somente diante de um evidente abuso de direito que cominaria
em tumultuamento processual e irreparável prejuízo à ampla defesa. Preceituam
Marinoni e Arenhart:
O comando do art.396 tem por objetivo evitar a surpresa da parte
contrária, o que incitaria estado permanente de insegurança e de
deslealdade processual [...] (Marinoni e Arenhart, 2000, p. 244)
Como exemplo de prejuízo à ampla defesa, pode-se citar a juntada de dezenas de
páginas de documentos, ou até mesmo volumes, em momento intempestivo,
considerando que seja plausível cogitar que a parte tivesse acesso aos mesmos em
ocasião anterior e que não os tenha juntado por pura displicência. Contudo, até
mesmo tal restrição deve ser flexibilizada se o atraso for justificado pelo caso
concreto, como por exemplo, se a ação tiver sido proposta no limite de prazo de
decadência ou de prescrição, ocasião em que o próprio CPC admite condições
diferenciadas quanto a outras exigências, a exemplo do art. 37:
Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será
admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte,
intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como
intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. [...]
Humberto Theodoro Jr. faz menção à posição doutrinária acerca de possíveis
restrições à interpretação ampla do art. 396:
5. Mesmo para os que são mais rigorosos na interpretação do
dispositivo em mira, o que se deve evitar é a malícia processual da
parte que oculta desnecessariamente documento que poderia ter
produzido no momento próprio. (THEODORO JR., 2007, p. 518)
5. CONCLUSÃO
Ao final do estudo desenvolvido ao longo deste artigo, depreende-se que a
produção de novos documentos no decorrer do processo não causa prejuízos à
prestação jurisdicional ou à ampla defesa, havendo limitações pontuais de modo a
evitar o abuso de direito e a procrastinação da ação. No intuito de concretizar a
mais profícua realização da justiça, faz-se necessário o desapego de formalismos
processuais excessivos que ofuscam o reconhecimento do verdadeiro direito.
6. REFERÊNCIAS
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código
de Processo Civil. Vol. 5, tomo II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 235-
247.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil.
7ª ed. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 361-364.
NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e
legislação processual em vigor. 41ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 520-521.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47ª ed. Vol.
I. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 517-519.
Autor
Eduardo Luiz Venturin
Master of Laws pela University College Dublin (UCD). Mestre
em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em
Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Centro de
Estudos Jurídico-Econômicos e de Gestão do Conhecimento (CEJEGD).
Analista Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina.
Desenvolve pesquisas em Análise Econômica do Direito (Law and
Economics).
Informações sobre o texto
Eduardo
Luiz Venturin
6. Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
VENTURIN, Eduardo Luiz. A juntada de novos documentos no decorrer do
processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1
abr. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18812>. Acesso em: 18
mar. 2019.