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129R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017
A Declaração País-a-País e a Ação 13
do Projeto BEPS
Ramon Tomazela Santos
Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP (Summa Cum
Laude). Master of Laws (LL.M.) em Tributação Internacional na Universidade de Viena
(Wirtschaftsuniversität Wien – WU), Áustria (Passed with Honours). Pós-Graduado em
Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Membro do Comitê Acadêmico
do Curso de Especialização em Direito Tributário Internacional do Instituto Brasileiro de
Direito Tributário (IBDT). Professor convidado em cursos de pós-graduação. Advogado
em São Paulo.
Resumo: O presente artigo aborda a Declaração País-a-País instituída no Brasil pela Instrução Normativa
RFB nº 1.681/2016, com base na Ação 13 do Projeto BEPS.
Palavras-chave: Declaração País-a-País – Projeto BEPS.
Sumário: 1 Introdução – 2 A impossibilidade de instituição da Declaração País-a-País por meio de
ato normativo infralegal – 3 A obrigatoriedade da entrega da Declaração País-a-País – 4 Hipóteses
de dispensa de apresentação da Declaração País-a-País – 5 A forma e o prazo de apresentação da
Declaração País-a-País – 6 Da indicação da entidade declarante – 7 As informações da Declaração País-
a-País – 8 Dos efeitos da falha sistêmica – 9 Das penalidades – 10 Conclusões
1 Introdução
Em 15 de outubro de 2015, a Organização para a Cooperação e Desen­
volvimento Econômico (“OCDE”), com o apoio dos países integrantes do G20,1
divulgou o resultado final do seu plano de ação compreensivo contra a erosão das
bases tributáveis e a transferência artificial de lucros, que pretende atualizar o
regime tributário internacional ao ambiente corporativo das empresas multinacio-
nais, bem como preservar a arrecadação tributária, a soberania, a neutralidade e
a justiça fiscal.
O projeto BEPS parte do pressuposto de que os sistemas tributários não
acompanharam o ritmo da evolução no ambiente corporativo das empresas mul-
tinacionais que atuam em diversas jurisdições, caracterizado pela crescente im-
portância da propriedade intelectual para a agregação de valor, bem como pelo
constante desenvolvimento de tecnologias de informação e de comunicação.
1
	 Grupo dos 20 países mais desenvolvidos e industrializados.
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Ramon Tomazela Santos
Segundo a OCDE, a gradativa interação entre os sistemas tributários dos países
proporcionou oportunidades para eliminar ou reduzir significativamente a carga
tributária incidente sobre a renda, de maneira inconsistente com os objetivos de
política fiscal dos países e da comunidade internacional.2
Diante disso, as medidas propostas pela OCDE pretendem (i) suprir as la-
cunas existentes nas leis internas dos Estados, (ii) eliminar as oportunidades de
redução da carga tributária e de dupla não-tributação que surgem em razão de
assimetrias entre os sistemas tributários dos países, (iii) alinhar a tributação da
renda com a geração de valor, (iv) introduzir alterações que impeçam o uso abusi-
vo dos acordos de bitributação e, por fim, (v) aumentar a transparência e o acesso
às informações dos contribuintes pela Administração Tributária dos Estados, para
permitir o combate tempestivo, adequado e abrangente das operações de planeja-
mento tributário agressivo realizadas por empresas multinacionais.3
Entre as ações desenvolvidas no âmbito do projeto BEPS, a Ação 13 (Transfer
Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting)4
é provavelmente aquela
que contou com maior adesão na comunidade internacional,5
por estabelecer um
padrão geral para o cumprimento de obrigações acessórias relativas ao controle
de preços de transferência e ao monitoramento da erosão das bases tributáveis e
da transferência artificial de lucros. A Ação 13 do Projeto BEPS compreende três
tipos de documentos:
	 (i) o master file, que contém informações de relevância geral para todas
as entidades e estabelecimentos permanentes do grupo multinacional;
	 (ii) o local file, que compreende a descrição das estratégias de negócios
das entidades locais e dos atos ou negócios jurídicos praticados no de-
senvolvimento de suas atividades, com detalhes a respeito dos respecti-
vos métodos de controle de preços de transferência; e
	 (iii) o country-by-country report, que fornece um sumário de alta qualidade
a respeito da alocação do resultado final das demonstrações financeiras
do grupo econômico, segregado por entidade ou estabelecimento
permanente.
O objetivo da Ação 13 do Projeto BEPS é criar uma abordagem comum para
as exigências de documentação estabelecidas pelas autoridades fiscais, permi-
tindo uma análise integral e holística dos resultados divulgados por grupos econô-
micos multinacionais. Com isso, a OCDE pretende permitir que as Administrações
2
	 OCDE. Addressing Base Erosion and Profit Shifting. Paris: OECD, 2013, p. 5.
3
	 OCDE. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting. Paris: OECD, 2013, pp. 7-23.
4
	 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report.
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015.
5
	 Para uma análise mais detalhada do status atual da implantação da Declaração País-a-País, conferir:
<http://www.oecd.org/tax/automatic-exchange/country-specific-information-on-country-by-country-reporting-
implementation.htm>.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Tributárias tenham uma visão integrada da estrutura internacional dos grupos
multinacionais, o que facilitará a identificação de inconsistências e permitirá a
realização de fiscalizações tempestivas. Por consequência, a Ação 13 fornecerá
os meios necessários para que o objetivo essencial de alinhar a tributação com a
geração da renda e a criação de valor seja efetivamente atingido.
Como exemplo, na Declaração País-a-País (Country-by-Country Report), a pes-
soa jurídica deverá alocar o resultado final das demonstrações financeiras do gru-
po econômico por entidade ou estabelecimento permanente, com individualização
das receitas, dos lucros ou prejuízos, do imposto de renda pago, do imposto de
renda devido, do capital social, dos lucros acumulados, do número de emprega-
dos e dos ativos tangíveis.
Com o relatório acima, o Fisco poderá facilmente avaliar a compatibilidade
entre os lucros mantidos na entidade no exterior e o número de empregados e
de ativos tangíveis mantidos na respectiva jurisdição, o que contribui para a veri-
ficação da existência de indícios de eventual transferência artificial de lucros para
o exterior, sem vinculação com a efetiva criação de valor ou com a real geração
da renda. Por isso, a introdução da “Declaração País-a-País” é considerada um
elemento-chave do Projeto BEPS,6
tendo em vista que os grandes grupos multina-
cionais reportavam parcela significativa de seu lucro total em jurisdições de baixa
tributação, por meio do uso das regras de preços de transferência.7
Entretanto, ao mesmo tempo em que fornece um útil instrumento para as
Administrações Tributárias, a “Declaração País-a-País” traz inúmeros inconvenien-
tes para os grupos econômicos multinacionais, como o aumento dos custos de
conformidade para a coleta e a conciliação das informações, o problema da confi-
dencialidade e do risco de vazamento de informações, o potencial para o aumento
das fiscalizações, o receio do mal-uso das informações para a realização de autua­
ções fiscais, entre outros.
Diante do cenário acima, o presente artigo pretende examinar os principais
aspectos envolvidos na introdução da Declaração País-a-País no ordenamento
jurídico brasileiro, a começar pela validade do veículo normativo escolhido. Em
seguida, a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 será objeto de análise por-
menorizada, com o objetivo de apresentar as principais informações exigidas pela
Administração Tributária e apontar possíveis problemas que poderão ser enfren-
tados pelos contribuintes. Por fim, a conclusão pretende retomar os principais
6
	 Confira-se a opinião de Bill Brennan, Nancy Manzano e Bernadette Pinamont: “The CbC template clearly
constitutes one of the most critical elements of the overall BEPS initiative, and there is a consensus
within the tax community that it is not an overstatement to say that CbC reporting is a “game changer” for
multinational companies” (BRENNAN, Bill et al. BEPS Country-by-Country Reporting – The Practical Impact
for Corporate Tax Departments. Chief Tax Office. Vertex, 2016, p. 10).
7
	 SHAVIRO, Daniel N. Fixing U.S. International Taxation. New York: Oxford University Press, 2014, pp. 77-78.
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Ramon Tomazela Santos
pontos discutidos no texto, auxiliando na compreensão geral dos impactos da
introdução da Declaração País-a-País no sistema tributário brasileiro.
2  A impossibilidade de instituição da Declaração País-a-País
por meio de ato normativo infralegal
A Declaração País-a-País foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro pela
Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016, com fundamento no artigo 16 da Lei nº
9.779/1999, segundo o qual “compete à Secretaria da Receita Federal dispor
sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela
administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu
cumprimento e o respectivo responsável”.
O primeiro limite ao poder geral de fiscalização e de instituição de deveres
instrumentais da Administração Tributária deve ser extraído do artigo 145, pará-
grafo 1º, da Constituição Federal, a seguir reproduzido:
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão gra-
duados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado
à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a
esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos
termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômi-
cas do contribuinte.
O que salta aos olhos, mesmo na primeira leitura do comando constitucional
acima, é que a administração tributária pode identificar o patrimônio, os rendimen-
tos e as atividades econômicas do contribuinte. Não há, pelo menos não de forma
explícita no texto constitucional, autorização para a identificação de patrimônio,
rendimentos e atividades de pessoas jurídicas constituídas no exterior, integran-
tes do mesmo grupo multinacional.
Além disso, ao utilizar as expressões “respeitados os direitos individuais” e
“nos termos da lei”, o artigo 145, parágrafo 1º, da Carta Magna deixa claro que a
atividade de fiscalização, que visa a conferir efetividade ao princípio da capacidade
contributiva, não pode ser exercida à custa dos direitos e garantias individuais dos
contribuintes.8
A relação entre a Declaração País-a-País e a concretização do princípio da
capacidade contributiva pode ser estabelecida a partir do objetivo de evitar a trans-
ferência artificial de lucros para o exterior. Porém, a Declaração País-a-País não se
8
	 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 4. edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 846-850.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
limita a reportar os resultados auferidos por sociedades estrangeiras em opera-
ções realizadas com a pessoa jurídica no Brasil, o que extrapola a finalidade alme-
jada pela norma constitucional, que busca conferir efetividade ao caráter pessoal
dos impostos, bem como ao princípio da capacidade contributiva, na condição de
corolário do princípio da igualdade.
Seguindo adiante, o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal prevê que
a lei complementar deve estabelecer normas gerais de Direito Tributário, dentre
as quais se incluem as regras que regulam a instituição de deveres instrumentais.
Nesse contexto, o artigo 113, parágrafo 2º, do Código Tributário Nacional
(“CTN”) prevê que “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem
por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Esse dispositivo legal merece uma
análise mais detida.
Sem entrar no mérito de toda a divergência doutrinária a respeito do tema,9
pode-se dizer que, como regra geral, a instituição de obrigações acessórias não de-
pende de lei, tendo em vista que o princípio da estrita legalidade,10
previsto no artigo
150, inciso I, da Constituição Federal exige a edição de lei apenas para o aumento
ou a instituição de tributos,11
sem fazer qualquer menção às obrigações acessórias.
Assim, confrontando-se o princípio da estrita legalidade (reserva absoluta de lei)
com o princípio da legalidade genérica, segundo o qual “ninguém será obrigado a fa-
zer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, é possível concluir que
a existência de lei indicando as bases para a instituição de obrigações acessórias
por meio de atos infralegais seria compatível com o texto constitucional, desde que
atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei.
A interpretação acima é corroborada pela análise do artigo 97 do CTN, que
não incluiu as obrigações acessórias no rol de matérias sujeitas à reserva de lei.
9
	 Para uma análise mais ampla das correntes doutrinárias a respeito do assunto, conferir: TAKANO,
Caio Augusto. Limitações aos Deveres Instrumentais Tributários (Aplicação do Art. 113, §2º, do Código
Tributário Nacional). Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2015; HALAH, Lucas Issa. “Os Limites e
Fundamentos das Obrigações Tributárias Acessórias e de Terceiros”. Revista Direito Tributário Atual, nº
35. São Paulo: IBDT/Dialética, 2016.
10
	 A despeito da conhecida distinção entre regras e princípios, o presente estudo utilizará a expressão “prin-
cípio da legalidade”, não apenas porque essa nomenclatura está enraizada na tradição jurídico-tributária,
mas também porque o seu conteúdo consagra tanto uma regra quanto um princípio. A legalidade tributária
consagra, a um só tempo, uma regra jurídica, segundo a qual o fato gerador do tributo e os seus elemen-
tos devem ser veiculados, com clareza e exaustividade, por meio de lei, bem como um princípio jurídico,
que concretiza valores do Estado Democrático de Direito e do sistema jurídico tributário, como a segurança
jurídica e a liberdade privada (YAMASHITA, Douglas. Direito Tributário – Uma Visão Sistemática. São Paulo:
Atlas, 2014, p. 18).
11
	 Como ensina Luís Eduardo Schoueri: “Com efeito, em matéria tributária o princípio da legalidade é anterior
ao próprio Estado de Direito, constituindo corolário do direito de concordar com a tributação e controlar
o modo como os recursos arrecadados são empregados” (SCHOUERI, Luís Eduardo. “A Legalidade e o
Poder Regulamentar do Estado: Atos da Administração como Condição para a Aplicação da Lei Tributária”.
In: Estudos de Direito Tributário – Em Homenagem a Roque Antonio Carrazza. Volume 1. São Paulo:
Malheiros, 2014, pp. 192-193).
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Ramon Tomazela Santos
Observe-se, ainda, que o artigo 113, parágrafo 2º, do CTN, ao fazer alusão
à “legislação tributária”, remete ao seu artigo 96, segundo o qual “a expressão
‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacio-
nais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte,
sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Essas normas complemen-
tares compreendem os atos normativos expedidos pelas autoridades administrati-
vas, nos termos do inciso I do artigo 100 do CTN, o que mostra a coerência da lei
complementar que disciplina a matéria.
Por tais razões, percebe-se que a intepretação sistemática do CTN, à luz da
Constituição Federal, indica que as obrigações acessórias podem ser instituídas
por atos normativos infralegais, desde que com fundamento mediato em lei for-
mal, em razão do princípio da legalidade genérica, consagrado no artigo 5º, inciso
II, da Constituição Federal.12
Esse fundamento em lei de caráter geral pode ser encontrado no artigo 16
da Lei nº 9.779/1999, que autoriza que a Secretaria da Receita Federal institua
obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela adminis-
trados. Porém, embora confira certa margem de atuação para a Administração
Tributária, esse dispositivo legal não permite a instituição de qualquer obrigação
acessória, sendo indispensável a observância do disposto no artigo 113, pará-
grafo 2º, do CTN, bem como dos demais limites aplicáveis aos atos normativos
infralegais, que devem viabilizar a fiel execução da lei.
De fato, ainda que a instituição de obrigação tributária não dependa de lei,
o artigo 113, parágrafo 2º, do CTN prevê que as respectivas prestações, positivas
ou negativas, devem ser exigidas “no interesse da arrecadação ou da fiscalização
dos tributos”.
A expressão “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”
constitui uma cláusula geral.13
O legislador, em vez de detalhar os casos em que
a Administração Tributária pode instituir obrigações acessórias, optou por genera-
lizar o conteúdo da norma, prescrevendo como elementos definidores da legitimi-
dade da obrigação acessória a sua relação de pertinência com a arrecadação e a
fiscalização de tributos.
A cláusula geral consiste em uma disposição legal que utiliza, em seu
enunciado normativo, uma linguagem de tessitura intencionalmente “aberta”,
“fluída” ou “vaga”, caracterizando-se pela extensão do seu campo semântico.14
12
	 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 513-514.
13
	 Sobre o uso de cláusulas gerais pelo legislador, vide: JORGE JUNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas Gerais no
Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 3-7.
14
	 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 303.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Essa cláusula geral deve ter o seu significado adjudicado no caso concreto,15
por
meio de elementos de concretização (valores, princípios, diretrizes e máximas de
conduta),16
que ajudarão na determinação semântica da expressão “no interesse
da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”.
O interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos não se resume
à utilidade ou conveniência da Administração Tributária, exigindo-se que o dever
instrumental a ser instituído seja imperioso para a correta fiscalização dos tributos
inseridos na esfera de competência do respectivo ente federal. Trata-se, assim,
de um interesse objetivo do sistema tributário, que não fica sujeito ao arbítrio do
órgão arrecadador. Esse interesse objetivo pode ser examinado a partir de três
dimensões: necessidade, utilidade e adequação.
A necessidade está relacionada à relevância e à essencialidade do dever
instrumental para a fiscalização e a arrecadação de tributos. A utilidade, por sua
vez, exige que a obrigação acessória produza um resultado efetivo para a fisca-
lização, sem a exigência de informações dispensáveis, inúteis, redundantes ou
excessivas. Por fim, a adequação se revela a partir da correlação entre o dever
instrumental e os tributos que serão fiscalizados.
Neste contexto, merece destaque a acertada decisão proferida pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial n. 1.096.712-MG, de
02.04.2009, em voto de lavra da Ministra Denise Arruda, no qual restou assenta-
do que, “a despeito do reconhecimento da independência da nominada obrigação
tributária acessória, essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para instrumen-
talizar ou viabilizar a cobrança de um tributo, ou seja, deve existir um mínimo de
correlação entre as duas espécies de obrigações que justifique a exigibilidade da
obrigação acessória”.
Ocorre que relação entre a Declaração País-a-País e o interesse da arrecada-
ção ou da fiscalização de tributos não é evidente, pois as obrigações acessórias
apenas devem ser exigidas quando necessárias para assegurar o cumprimento
15
	 Na nova hermenêutica, considera-se que a norma jurídica é construída a partir da interpretação dos textos
normativos, de modo que há sempre um processo de construção/produção/adjudicação de sentido por
parte do intérprete. Não se trata, portanto, de mera reprodução ou descoberta do sentido querido pelo le-
gislador, o que seria impossível em razão da historicidade e temporalidade ínsita ao ato de interpretação.
Nesse sentido, confira-se a lição de Lenio Luiz Streck: “(...) toda norma é sempre resultado da interpreta-
ção de um texto, com o que há sempre um processo de produção/adjudicação de sentido (Sinngebung),
e não de reprodução de sentido (Auslegung). Esse aspecto é que o diferencia fundamentalmente a nova
hermenêutica da hermenêutica clássica. A impossibilidade de reprodução do sentido querido pelo legis-
lador está assentada na historicidade e temporalidade ínsita a todo ato de interpretação, sob pena de
se resvalar em direção a um espécie de historicismo jurídico-hermenêutico. Ou seja, não há um sentido
imanente à lei, pois isso seria admitir um sentido-em-si-mesmo dos textos jurídicos” (STRECK, Lenio Luiz.
Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 4. edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 759).
16
	 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 286.
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Ramon Tomazela Santos
da obrigação tributária.17
Em outras palavras, a obrigação acessória deve ser es-
sencial para assegurar o cumprimento da obrigação tributária ou, ainda, para a
verificação do cumprimento das condições para o aproveitamento de isenção ou
imunidade, sempre com a observância da sua necessidade, utilidade e adequa-
ção. Isso não ocorre com a Declaração País-a-País, que sequer pode ser utilizada
como elemento de prova hábil a justificar a autuação fiscal.
É o que prevê o próprio relatório da Ação 13 da OCDE ao afirmar que “a
informação contida na Declaração País-a-País não deve ser utilizada como um
substituto para uma análise detalhada de preços de transferência de operações
individuais e de preços, com base em análise funcional e uma ampla análise de
comparabilidade. As informações da Declaração País-a-País não constituem, por si
só, em prova conclusiva de que as operações de preços de transferência não são
apropriadas. Essa declaração não pode ser utilizada pelas administrações tribu-
tárias para propor ajustes de preços de transferência com base em uma fórmula
global de repartição de rendimentos”.18
Como se vê, a Declaração País-a-País visa a determinar se a alocação global
da renda está em linha com o nível da atividade econômica desenvolvida em deter-
minada jurisdição, dentro de um grupo multinacional.19
Assim, o objetivo da OCDE,
com a Ação 13 do Projeto BEPS, é fornecer às autoridades fiscais informações de
alto nível para a análise do controle de preços de transferência e da alocação da
renda global entre sociedades integrantes de grupos multinacionais,20
de forma a
combater a alocação artificial de lucros em jurisdições em que não há o desenvol-
vimento de atividades econômicas compatíveis com a renda reportada, o que não
mantém conexão direta e imediata com os tributos devidos no Brasil.
17
	 Nas palavras de Luís Eduardo Schoueri: “É claro que tais normas não podem ser arbitrárias. (...) A lei deve
conferir à autoridade administrativa o poder de fiscalizar um determinado tributo e de editar as normas
complementares necessárias para tanto, Estas, por sua vez, serão de observância obrigatória pelo con-
tribuinte, desde que estejam nos limites fixados pelo legislador (i.e.: desde que se revelem necessárias
para assegurar o cumprimento da obrigação principal” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7.
edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 513-514).
18
	Veja-se: “(…) the information in the Country-by-Country Report should not be used as a substitute for a
detailed transfer pricing analysis of individual transactions and prices based on a full functional analysis
and a full comparability analysis. The information in the Country-by-Country Report on its own does not
constitute conclusive evidence that transfer prices are or are not appropriate. It should not be used by
tax administrations to propose transfer pricing adjustments based on a global formulary apportionment of
income” (OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015 Final
Report. Paris: OECD, 2015, p. 16).
19
	 BENTOLILA, Vinicius; MOREIRA, Francisco Lisboa. “O Plano de Ação 13 do BEPS: reflexões sobre o seu con-
teúdo e aplicação à realidade brasileira”. In: A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS: Soluções Globais e
Peculiaridades e Países em Desenvolvimento. Volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 146.
20
	Na dicção de Cym H. Lowell e Matthew Herrington: “The purpose of the country-by-country report is to
provide data for high-level transfer pricing risk assessment by the pertinent tax authorities. The report is to
set out global income among the controlled group members, taxes paid and certain indicators of economic
activity among the pertinent countries in which the MNE group operates” (LOWELL Cym H.; HERRINGTON,
Matthew. “Transfer Pricing Documentation: Evolution into Country-by-Country Reporting”. In: International
Transfer Pricing Journal. Volume 23. No. 5. Amsterdam: IBFD, 2016, p. 358).
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Dessa forma, ainda que configurem relações jurídicas autônomas, as obriga-
ções acessórias devem manter estrita conexão com a obrigação tributária princi-
pal, para a qual servem de instrumento de fiscalização e arrecadação. Ora, como
destacado acima, isso não ocorre com a Declaração País-a-País, que requer uma
série de informações que são absolutamente irrelevantes para a apuração dos
tributos devidos no Brasil.
Leandro Paulsen acrescenta, ao tratar da capacidade de colaboração, que
a obrigação acessória deve “subsidiar, facilitar ou incrementar a fiscalização tri-
butária ou a arrecadação dos tributos, colaborando, assim, para que a tributa-
ção alcance todos os potenciais contribuintes de modo mais efetivo, isonômico,
simples, completo, confortável, econômico, justo e eficaz, em benefício de toda
a sociedade”.21
Isso também não se verifica com a Declaração País-a-País, que
não favorece ou incrementa a arrecadação dos tributos, assim como não permite
que a tributação alcance todos os potenciais contribuintes de modo mais efetivo,
isonômico, justo e eficaz, em linha com a capacidade contributiva. A bem de ver,
a Declaração País-a-País até pode facilitar o trabalho de fiscalização, mas esse
elemento, isoladamente considerado, não é suficiente para justificar a introdução
de uma nova obrigação acessória por meio de ato normativo. O artigo 113, pará-
grafo 2º, do CTN exige que o dever instrumental seja instituído “no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, o que não se confunde com a mera
comodidade administrativa.
Daí decorre que a capacidade de colaboração do sujeito passivo não pode
ser explorada de forma ilimitada pelo Fisco, devendo cumprir a finalidade de faci-
litar e incrementar a arrecadação de tributos, para que a tributação alcance todos
os contribuintes de forma mais justa, isonômica, prática e eficaz, sempre com a
observância dos limites estabelecidos pela proteção contra arbítrios, pelo postu-
lado da proporcionalidade, pela proibição contra excessos, pelo interesse público
e pelo dever de motivação.
É bem verdade que a Declaração País-a-País pode ser utilizada para verificar
a ausência de substância de determinada entidade no exterior, a partir da com-
paração da renda auferida com o número de funcionários na jurisdição. Porém,
a verdade é que a simulação por interposição artificial de sociedade ou a des-
consideração da personalidade jurídica da entidade estrangeira são temas que
justificam a introdução da Declaração País-a-País, mas que não necessariamente
legitimam o uso de atos normativos infralegais.
21
	 PAULSEN, Leandro. Capacidade Colaborativa: Princípio de Direito Tributário para Obrigações Acessórias e
de Terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2014, pp. 93-94.
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Ramon Tomazela Santos
Não existe uma regra objetiva, geral e abstrata, aplicável a toda e qualquer
hipótese, para controlar o nível de substância exigido de sociedades constituídas
no exterior, apta a justificar a instituição de uma obrigação acessória para assegu-
rar ao Fisco o direito de fiscalizar o seu cumprimento por parte dos contribuintes.22
Ao contrário, a existência, ou não, de substância na entidade estrangeira depende
da análise da relação de adequação entre a estrutura da sociedade no exterior e
as funções que constituem o seu objeto social, da regularidade e da normalidade
de suas operações, da autonomia dos seus administradores e das suas decisões,
da existência de elementos físicos, financeiros e humanos, da relação entre os
sócios e a sociedade, entre muitos outros aspectos. Trata-se, assim, de uma aná-
lise das circunstâncias fáticas relativas à pessoa jurídica constituída no exterior,
que não mantém relação direta com a fiscalização e o cumprimento de obrigações
tributárias específicas. Quando muito, seria possível dizer que tais informações
são úteis para a aplicação da regra geral antielisão prevista no artigo 116, pará-
grafo único, do CTN. No entanto, a verdade é que essa norma jurídica ainda não
foi objeto de regulamentação no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o que
prejudica a possibilidade de instituição, por meio de atos normativos infralegais,
de obrigações acessórias para facilitar a sua fiscalização.
Aliás, essa pode ser uma das razões pela qual a chamada “Declaração
de Planejamento Tributário”, prevista na Ação 12 do Projeto BEPS, foi proposta
pelo Governo Federal por meio de veículo normativo com força de lei (Medida
Provisória nº 685/2015), ainda que, em sua essência, esse documento também
represente uma obrigação acessória (i.e., dever jurídico de fazer sem estimabili-
dade patrimonial).23
Note-se que, para fins de tributação dos resultados auferidos por meio de so-
ciedades investidas no exterior, a Administração Tributária brasileira já dispõe de to-
das as informações inseridas na ECF, por meio dos seguintes demonstrativos fiscais:
– Demonstrativo de Resultados no Exterior;
– Demonstrativo de Consolidação;
– Demonstrativo de Prejuízos Acumulados no Exterior;
– Demonstrativo de Rendas Ativas e Passivas;
– Demonstrativo de Imposto Pago no Exterior;
– Demonstrativo de Estrutura Societária no Exterior;
–	 Demonstrativo de Resultados no Exterior auferidos por intermédio de
Coligada em Regime de Caixa.24
22
	 TÔRRES, Heleno. Direito Tributário Internacional – Planejamento Tributário Internacional – Planejamento
Tributário e Operações Transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 124.
23
	 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel A. Machado Derzi. 13. edição. Rio
de Janeiro. Forense: 2015, p. 1090.
24
	 Artigo 35 da Instrução Normativa RFB nº 1.520/2014.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Daí a dificuldade de se justificar a instituição da Declaração País-a-País por
meio de ato normativo infralegal, sem base em lei ordinária que lhe dê sustenta-
ção jurídica. Ou bem se reconhece que as informações exigidas são repetidas e
violam o postulado da proporcionalidade,25
uma vez que o contribuinte não pode
ser obrigado a apresentar a mesma informação em diferentes formatos. Ou bem
se aceita que as informações são desnecessárias, em virtude da ausência de
vínculo efetivo com cumprimento de obrigações tributárias no Brasil e com confor-
mação das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Com base nas considerações acima, percebe-se que, ainda que as obri-
gações acessórias possam ser instituídas por meio de atos normativos,26
a
Declaração País-a-País, além de não encontrar fundamento no poder geral de fis-
calização e de instituição de deveres instrumentais da Administração Tributária,
extraído do artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal, também não se
conforma com o artigo 113, parágrafo 2º, do CTN, especialmente no que tange
à expressão “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, que
deve ser interpretada a partir do seu vínculo com a obrigação tributária, sem se
confundir com a mera conveniência e comodidade do Fisco.
Além disso, a obrigação acessória deve ser instituída “no interesse da arre-
cadação ou da fiscalização dos tributos”, o que não se confunde com o interesse
do Brasil de adotar as recomendações sugeridas pela OCDE no âmbito do Projeto
BEPS.
Assim, embora a inserção do Brasil no cenário internacional seja louvável
e a introdução da Declaração País-a-País no ordenamento jurídico brasileiro seja
uma medida conveniente para o alinhamento do País com o Projeto BEPS, deve-se
reconhecer que esse novo dever instrumental exigido dos contribuintes não tem
vinculação direta e efetiva com cumprimento de obrigações tributárias relativas
aos tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, motivo
pelo qual sua instituição no ordenamento jurídico deveria ter sido concretizada por
meio de lei ordinária. A mitigação ao princípio da legalidade para a instituição de
deveres instrumentais, conquanto justificável a partir das diretrizes fixadas pelo
artigo 16 da Lei nº 9.779/1999 e pelo artigo 113, parágrafo 2º, do CTN, que re-
conhecem o interesse de viabilizar a arrecadação fiscal, não pode ser realizada de
forma plena, irrestrita e sem vinculação direta e imediata com os tributos devidos
25
	 A proporcionalidade representa um postulado normativo aplicativo que serve para o controle da validade de
uma norma infraconstitucional que interfere no escopo de uma norma constitucional de direito fundamental.
O postulado da proporcionalidade requer três exames: adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito (Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios
Jurídicos. 16. edição. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 205; BARAK, Aharon. “Proportionality”. Constitutional
rights and their limitations. Cambridge: Cambridge University, 2012, p. 131-145; ÁVILA, Humberto.
Conceito de Renda e Compensação de Prejuízos Fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 74).
26
	 Vide Recurso Especial n. 724.779-RF, de 12.9.2006, julgado pela 1ª Turma do STJ.
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Ramon Tomazela Santos
no Brasil, apenas com fulcro no objetivo geral de alinhamento do Brasil com as
práticas internacionais sugeridas pela OCDE. O aumento do grau de integração
com a comunidade internacional é absolutamente relevante e pertinente para o
País, mas deve ser atingindo com a estrita observância do direito positivo brasi-
leiro, de modo que a introdução da Declaração País-a-País no sistema tributário
doméstico apenas poderia ter sido feita por meio de lei.
3  A obrigatoriedade da entrega da Declaração País-a-País
De acordo com o artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016, a
obrigatoriedade de entrega da Declaração País-a-País alcança toda entidade resi-
dente27
para fins tributários no Brasil que seja a controladora final de um grupo
multinacional.
A controladora final é a entidade que controla direta ou indiretamente 1
(uma) ou mais entidades integrantes do grupo multinacional, de modo que:
(i) seja obrigada a preparar demonstrações financeiras consolidadas
sob princípios contábeis geralmente aceitos em sua jurisdição de resi-
dência para fins tributários;
(ii) estaria sujeita a elaborar demonstrações financeiras consolidadas
caso seu capital social fosse negociado publicamente (em bolsa de
valores nacional ou estrangeira ou mercado de balcão) em sua jurisdi-
ção de residência para fins tributários; e
(iii) não seja controlada direta ou indiretamente por outra entidade
integrante do grupo multinacional, conforme definido nos itens (i) e
(ii) acima.28
27
	O conceito de entidade adotado pelo ato normativo é amplo, na medida em que compreende: (i) qual-
quer unidade de negócio independente incluída nas demonstrações financeiras consolidadas do grupo
multinacional para fins de divulgação do relatório contábil-financeiro; (ii) qualquer unidade de negócio
excluída das demonstrações financeiras consolidadas do grupo multinacional exclusivamente em virtude
de seu tamanho ou materialidade; ou (iii) qualquer estabelecimento permanente, de qualquer unidade de
negócio independente do grupo multinacional definida nos itens (i) e (ii) acima, desde que esta prepare
uma demonstração financeira separada para esse estabelecimento permanente, para fins regulatórios,
tributários, de divulgações financeiras ou de controle interno.
28
	 Artigo 2º, inciso VI, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Assim, para ser qualificada como controladora final, a sociedade deve aten-
der a dois requisitos positivos e a um requisito negativo, conforme tabela a seguir:
Requisito positivo 1
Requisito positivo 2 –
Alternativo
Requisito positivo 2 –
Alternativo
Requisito negativo
A entidade deve
controlar direta
ou indiretamente
1 (uma) ou
mais entidades
integrantes do grupo
multinacional.
A entidade deve ser
obrigada a preparar
demonstrações
financeiras
consolidadas.
A entidade estaria
sujeita a elaborar
demonstrações
financeiras
consolidadas caso
seu capital social
fosse negociado
publicamente.
A entidade não seja
controlada direta ou
indiretamente por outra
entidade integrante do
grupo multinacional
que atenda aos
requisitos para sua
qualificação como
controladora final.
Diante do quadro acima, pode-se dizer que, para a definição do controlador final,
será necessário examinar a estrutura societária do grupo multinacional (organogra-
ma), as relações de controle existente entre as sociedades,29
bem como as hipóteses
de obrigatoriedade e de dispensa de apresentação de demonstrações financeiras
consolidadas, à luz das regras comerciais e contábeis que disciplinam o assunto (v.g.,
artigo 249 da Lei nº 6.404/1976 e Pronunciamento Técnico CPC nº 36).
Como regra geral, a Declaração País-a-País deve ser apresentada pela con-
troladora final de um grupo multinacional. Porém, para garantir a eficiência da
Declaração País-a-País em um cenário global, no qual se espera que certos países
não adotem a Ação 13 do Projeto BEPS, a OCDE sugere a adoção de mecanismos
suplementares, que transferem a obrigação de entrega da Declaração País-a-País
para outras entidades do grupo multinacional, independentemente da caracteriza-
ção como controladora final.
Nesse sentido, o artigo 3º, parágrafo 1º, da Instrução Normativa nº 1.681/2016
prevê que uma entidade que não seja a controladora final será obrigada a entregar
a Declaração País-a-País do seu grupo multinacional caso se verifique pelo menos 1
(uma) das seguintes situações:
(i)	o controlador final do grupo multinacional não seja obrigado a entregar a
Declaração País-a-País em sua jurisdição de residência para fins tributários;
29
	 Note-se que, em caso de sociedades com elevada dispersão de suas ações no mercado, um acionista
pode exercer o poder de controle com menos da metade do capital votante, em virtude da inexistência
de outro acionista com maior número de ações com direito a voto. Tanto é assim que, segundo Nelson
Eizirik: “A Lei das S.A. reconhece a existência do poder de controle acionário nas sociedades anônimas,
definindo-o não em função da titularidade da maioria do capital votante, mas em virtude do efetivo exer-
cício da direção das atividades sociais” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada – Artigos 80 ao 137.
Volume 2. 2. edição. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 223).
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(ii)	 a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final tenha
firmado acordo internacional com o Brasil, mas não tenha acordo de
autoridades competentes com o País até o prazo final de entrega da
Declaração País-a-País para o ano fiscal de declaração; ou
(iii)	tenha ocorrido falha sistêmica da jurisdição de residência do controlador
final do grupo multinacional, devidamente notificada pela RFB à entidade
residente no Brasil para fins tributários.
Como se pode verificar a partir da leitura das situações listadas, a eleição
de entidade substituta no Brasil somente é permitida quando o controlador final
do grupo multinacional estiver domiciliado no exterior, observadas as condições
acima.
Por fim, registre-se que, caso o controlador final do grupo multinacional não
esteja obrigado a entregar a Declaração País-a-País em sua jurisdição de resi-
dência, a Instrução Normativa nº 1.681/2016 prevê que, havendo mais de uma
entidade residente no Brasil para fins tributários no mesmo grupo multinacional,
caberá ao contribuinte designar qual será a entidade declarante e informar à
Administração Tributária.30
4  Hipóteses de dispensa de apresentação da Declaração
País-a-País
4.1  Dispensa em razão do cumprimento por entidade
substituta
Como visto acima, nos casos em que a controladora final do grupo multina-
cional não está obrigada a apresentar a Declaração País-a-País, surge a obrigação
residual de apresentação por parte da entidade residente no Brasil.
No entanto, cabe alertar que a própria Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016
dispõe que a entidade residente no Brasil está dispensada do cumprimento da obri-
gação residual caso o grupo multinacional tenha a disponibilizado a Declaração País-
a-País por meio de uma entidade substituta que satisfaça as seguintes condições:
(i)	 a jurisdição de residência para fins tributários da entidade substituta
exija a entrega da Declaração País-a-País em conformidade com os
padrões introduzidos pelo Brasil, que seguem as disposições da Ação
13 do Projeto BEPS;
(ii)	 a entidade substituta entregue a Declaração País-a-País à administração
tributária de sua jurisdição de residência para fins tributários em até 12
30
	 Artigo 3º, parágrafo 2º, da Instrução Normativa nº 1.681/2016.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
(doze) meses a contar do último dia do ano fiscal de declaração do grupo
multinacional;
(iii)	a jurisdição de residência para fins tributários da entidade substituta
tenha firmado acordo de autoridades competentes com o Brasil no prazo
de entrega da Declaração País-a-País;
(iv)	a jurisdição de residência para fins tributários da entidade substituta
não tenha notificado a RFB, nem tenha sido por ela notificada da ocor-
rência de falha sistêmica;
(v)	 a entidade substituta informe à sua jurisdição de residência para fins
tributários que é a entidade declarante; e
(vi)	 a RFB tenha sido informada, conforme estabelecido na Declaração País-
a-País, da existência e identificação da entidade declarante.
4.2  Dispensa em razão da materialidade
A dispensa de entrega da Declaração País-a-País também se aplica às en-
tidades integrantes residentes no Brasil cuja receita consolidada total do grupo
multinacional no ano fiscal anterior ao ano fiscal de declaração, conforme refletido
nas demonstrações financeiras consolidadas do controlador final, seja menor que:
(i) R$ 2.260.000.000,00 (dois bilhões, duzentos e sessenta milhões
de reais), se o controlador final for residente no Brasil para fins tribu-
tários; ou
(ii) € 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de euros),
ou o equivalente convertido pela cotação de 31 de janeiro de 2015
para a moeda local da jurisdição de residência para fins tributários do
controlador final.31
A OCDE acredita que essa dispensa em razão da materialidade deverá excluir
de 85% a 90% dos grupos econômicos da obrigação de apresentar a Declaração
País-a-País, mantendo apenas, no escopo subjetivo da regra, os grandes grupos
econômicos multinacionais, que controlam, em conjunto, 90% das receitas das
atividades empresariais.32
As entidades residentes no Brasil devem informar à RFB que se enquadram
na situação de dispensa por materialidade, por ocasião da transmissão da ECF.33
31
	 Artigo 4º da Instrução Normativa nº 1.681/2016.
32
	KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”.
Transfer Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan
den Rijn: Kluwer Law International, 2016, pp. 195-196.
33
	 Artigo 4º, parágrafo único, da Instrução Normativa nº 1.681/2016.
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Ramon Tomazela Santos
5  A forma e o prazo de apresentação da Declaração
País-a-País
A Declaração País-a-País será prestada anualmente, em relação ao ano fiscal
imediatamente anterior, mediante preenchimento da Escrituração Contábil Fiscal
(ECF) e sua transmissão ao Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), nos
termos da Instrução Normativa RFB nº 1.422/2013.34
A geração e o armazenamento anual da ECF e sua transmissão ao SPED não
dispensam os declarantes da guarda dos documentos que deram origem às infor-
mações neles constantes, na forma e nos prazos estabelecidos pela legislação
aplicável.
Por fim, cabe registrar que a primeira Declaração País-a-País terá como ano
fiscal de declaração aquele iniciado a partir de janeiro de 2016, com prazo de
entrega previsto para o último dia útil do mês de julho de 2017, que corresponde
ao termo final para transmissão da ECF no âmbito do SPED.35
6  Da indicação da entidade declarante
O artigo 7º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 prevê que toda en-
tidade residente, integrante de grupo multinacional, deverá indicar à RFB a sua
condição de (i) controladora final do grupo multinacional, ou de (ii) entidade subs-
tituta. Quando não se enquadrar nas hipóteses anteriores, a entidade no Brasil
deve apresentar a identificação da entidade declarante e apontar a sua jurisdição
de residência para fins tributários.
A Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 também prevê que serão aceitos,
como entidades declarantes, os controladores finais de grupos multinacionais re-
sidentes no exterior em jurisdições que estejam em fase de implementação da
Declaração País-a-País e não exijam o documento em relação ao ano fiscal de
declaração de 2016, desde que essas entidades realizem a entrega voluntária
da Declaração País-a-País às suas respectivas administrações tributárias e sejam
satisfeitas as seguintes condições:
(i)	 o controlador final do grupo multinacional entregue à administração
tributária de sua jurisdição de residência para fins tributários uma
Declaração País-a-País em conformidade com a declaração estabelecida
no Brasil e em até 12 (doze) meses a contar do último dia do ano fiscal
de declaração do grupo multinacional;
34
	 Artigo 5º da Instrução Normativa nº 1.681/2016.
35
	 Artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 1.422/2013.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
(ii)	 a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final do
grupo disponha do sistema normativo necessário para a exigência da
Declaração País-a-País em vigor no momento do prazo final para a sua
entrega, mesmo que o cumprimento da obrigação para o ano fiscal em
questão não seja exigido;
(iii)	a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final do gru-
po multinacional tenha celebrado acordo de autoridades competentes
com o Brasil até o prazo final de entrega da Declaração País-a-País; e
(iv)	a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final do
grupo não tenha sido enquadrada pelo Brasil na situação de falha sistê-
mica, nem tenha enquadrado o Brasil nessa situação.
Caso emblemático, envolvendo a apresentação voluntária da Declaração
País-a-País, diz respeito aos grupos multinacionais com controlador final nos
Estados Unidos.
Os Estados Unidos introduziram a obrigação de envio da Declaração País-
a-País para os períodos-bases iniciados a partir de 30.6.2016, sendo que, para
os contribuintes que utilizam o ano-calendário civil como período-base fiscal, não
haverá a necessidade de apresentação da declaração para o ano-calendário ini-
ciado em 1.1.2016.
Esse aspecto trouxe um problema prático para algumas empresas. Para o
ano-calendário de 2016, o controlador final nos Estados Unidos não está obrigado
a apresentar a Declaração País-a-País, mas as entidades sediadas no Brasil, que
integram o mesmo grupo multinacional, estão obrigadas a cumprir a Instrução
Normativa RFB nº 1.681/2016.
O controlador final nos Estados Unidos pode optar pela apresentação vo-
luntária da Declaração País-a-País para o ano-calendário de 2016, o que poderia
dispensar a entidade no Brasil da obrigatoriedade de cumprimento da mesma
obrigação no âmbito da ECF, desde que cumpridas as condições previstas no
parágrafo 2º do artigo 7º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
Ocorre que os Estados Unidos ainda não assinaram o acordo de autoridades
competentes com o Brasil, de modo que as entidades no Brasil passariam a de-
pender da celebração de tal tratado internacional pelos representantes dos dois
países até o prazo final de entrega da Declaração País-a-País (i.e. até último dia
útil do mês de julho de 2017).
Como a celebração do acordo de autoridades competentes fica a critério
dos representantes dos dois países, que podem não chegar a um consenso a
respeito do tema (os Estados Unidos estão preocupados com a troca automática
da Declaração País-a-País e com a preservação das informações confidenciais), a
postura mais conservadora para as entidades brasileiras seria realizar a apresen-
tação local da referida obrigação acessória.
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Ramon Tomazela Santos
O problema que tem surgido, em tais situações, consiste na obtenção de
informações a respeito do controlador final nos Estados Unidos, mesmo antes da
data estipulada para o envio da Declaração País-a-País naquela jurisdição. Ainda
que as informações possam ser extraídas do balanço contábil consolidado, as
entidades no Brasil alegam que essas informações nem sempre estão disponíveis
no momento da transmissão da ECF, o que recomendaria a prorrogação do prazo
para a entrada em vigor da Declaração País-a-País, a fim de se evitar a aplicação
de penalidades em situações como essa.
Por último, note-se que todas as informações devem ser fornecidas na forma
e no prazo estabelecidos para a entrega da Declaração País-a-País. A falta de
indicação das informações requeridas implicará o impedimento de transmissão
da ECF.36
7  As informações da Declaração País-a-País
A Declaração País-a-País consiste em informações agregadas por jurisdição
na qual o grupo multinacional desenvolve atividades econômicas e operações,
que abrangem: a) o montante da receita total, segregado em receitas obtidas de
partes relacionadas e de partes não relacionadas; b) o lucro ou prejuízo antes
do imposto sobre a renda; c) o imposto de renda pago; d) o imposto de renda
devido; e) o capital social; f) os lucros acumulados; g) o número de empregados,
trabalhadores e demais colaboradores; e h) os ativos tangíveis diversos de caixa
e equivalentes de caixa.37
A receita total deve ser desdobrada entre receitas obtidas de partes relacio-
nadas (related party) e de partes não relacionadas (unrelated party).
Ocorre que não há indicação expressa do conceito de “parte relacionada” a
ser utilizado para o preenchimento da Declaração País-a-País, o que pode suscitar
dúvidas na prática. O artigo 23 da Lei nº 9.430/1996 contém um conceito de
“pessoa vinculada” para fins de aplicação das regras preços de transferência e
de subcapitalização. Porém, como a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 faz
alusão a “partes relacionadas”, não se pode assumir que esse termo coincide
com o conceito de “pessoa vinculada”.38
As regras de preços de transferência e de subcapitalização visam a evitar a
erosão de bases tributáveis e a transferência artificial de lucros mediante a ma-
nipulação de condições comerciais ou financeiras em operações internacionais.
36
	 Artigo 8º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
37
	 Artigo 9º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
38
	 O Sistema tributário brasileiro também utiliza o conceito de “pessoas ligadas” para fins de aplicação das
regras de distribuição disfarçada de lucros (“DDL”), bem como o conceito de “partes dependentes” para
efeito de vedação ao aproveitamento de ágio.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Assim, o elenco utilizado pelo legislador para definir as “pessoas vinculadas” al-
cança diversas hipóteses em que a relação jurídica ou econômica entre as partes
indica a possibilidade de fixação de preços ou condições que não prevaleceriam
entre terceiros independentes no mercado.
No caso da Declaração País-a-País, como a sua finalidade precípua é verificar
a alocação de resultados entre as entidades integrantes de um grupo multinacio-
nal, sem servir de base para a realização de ajustes de preços de transferência
(ainda mais no âmbito do sistema tributário brasileiro, que adota margens prede-
terminadas de lucros em diversos métodos), o termo “partes relacionadas” pode-
ria ser interpretado de forma mais restrita, para alcançar apenas as sociedades
que possuem vínculos societários entre si.
Observe-se que a OCDE, no relatório da Ação 13, ao tratar do termo related
party, faz alusão ao conceito de associated enterprises,39
que é utilizado no ar-
tigo 9º dos acordos de bitributação baseados na Convenção Modelo da aludida
organização.
O artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE autoriza o ajuste da renda gerada
em operações realizadas entre empresas associadas, assim consideradas (i) a
empresa de um Estado contratante que participa, diretamente ou indiretamente,
da administração, do controle ou do capital de uma empresa no outro Estado
contratante; ou (ii) a mesma pessoa participa, diretamente ou indiretamente, da
administração, do controle ou do capital de uma empresa de um Estado contratan-
te e de uma empresa do outro Estado contratante.
Assim, caso se adote a orientação do Relatório da Ação 13 do Projeto BEPS,
o conceito de “parte relacionada” pode ser interpretado no contexto do grupo mul-
tinacional, para alcançar apenas as sociedades ligadas por vínculos societários
(poder de controle ou participação no capital) ou por meio do exercício da atividade
de administração.
O conceito de “receita total” também pode suscitar debates. Segundo o
Relatório da Ação 13 do Projeto BEPS, o conceito de receita deve incluir receitas
decorrentes da venda de bens e da prestação de serviços, além de royalties, juros,
prêmios e quaisquer outros tipos de rendimentos. Porém, segundo a organização,
o contribuinte deve excluir do conceito de “receita”, para fins de preenchimento
da Declaração País-a-País, os valores relativos aos dividendos pagos por outras
sociedades integrantes do mesmo grupo multinacional, segundo a classificação
adotada pelo Estado da fonte.40
39
	Veja-se: “(...) the sum of revenues of all the Constituent Entities of the MNE Group in the relevant
tax jurisdiction generated from transactions with associated enterprises” (OECD. Transfer Pricing
Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion
and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 33).
40
	 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report.
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 33.
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Ramon Tomazela Santos
Na prática, a exclusão dos dividendos recebidos de sociedades investidas
da composição da “receita total” pode conduzir a interpretações equivocadas,
pois o valor correspondente ao imposto de renda na fonte cobrado na distribuição
dos dividendos deve ser informado no campo relativo ao “imposto de renda pago”
da Declaração País-a-País.
Outra possível fonte de divergência diz respeito às receitas de um estabele-
cimento permanente, pois o artigo 2º, inciso III, alínea “c”, da Instrução Normativa
RFB nº 1.681/2016 indica que um estabelecimento permanente será considerado
entidade integrante de um grupo multinacional, desde que prepare uma demons-
tração financeira separada para fins regulatórios, tributários, de divulgações finan-
ceiras ou de controle interno.
O conceito de estabelecimento permanente adotado na Instrução Normativa
RFB nº 1.681/2016 segue a estrutura geral do artigo 5º da Convenção Modelo da
OCDE, mas não apresenta as exceções que constam do dispositivo convencional
(lista negativa).41
Além disso, o conceito adotado no ato normativo pode divergir
daquele existente nos acordos de bitributação efetivamente celebrados pelos pa-
íses envolvidos.
Esse aspecto pode gerar dúvidas a respeito da inclusão das receitas do es-
tabelecimento permanente como uma entidade independente ou em conjunto com
os resultados da sociedade matriz, a depender da interação entre: (i) a definição
constante do artigo 2º, inciso IV, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016; (ii)
o levantamento, ou não, de demonstração financeira separada; e (iii) o conceito
de estabelecimento permanente existente em eventual acordo de bitributação ce-
lebrado entre o Estado de residência da sociedade matriz e o Estado onde está
localizada a unidade de negócio.
Além disso, é possível que surjam descasamentos caso os resultados do
estabelecimento permanente sejam consolidados no âmbito da sociedade matriz,
mas o imposto de renda efetivamente pago seja alocado ao Estado da unidade de
negócio. Assim, por uma questão de consistência, as receitas e os impostos pa-
gos deveriam ser reportados no Estado em que está localizado o estabelecimento
permanente.
Seja como for, a orientação divulgada pela OCDE no Relatório da Ação 13 é
confusa, o que pode gerar dificuldades práticas e problemas de má interpretação.
Outro ponto que chama a atenção diz respeito aos campos “imposto de ren-
da pago” (item “c”) e “imposto de renda devido” (item “d”). Segundo a OCDE, no
preenchimento do campo “imposto de renda pago”, é necessário incluir também
o imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos recebidos por determinada
41
	 Artigo 5º, parágrafo 4º, da Convenção Modelo da OCDE.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
sociedade, ainda que o efetivo recolhimento ocorra em outro Estado contratante.
Como exemplo, se uma financing company constituída na Holanda receber juros
de uma pessoa jurídica sediada no Brasil, com retenção de IRRF à alíquota de
15%, o valor do imposto de renda na fonte deve ser incluído nas informações
agregadas relativas à sociedade residente na Holanda.42
O problema pode surgir no caso de imposto de renda retido na fonte sobre
rendimentos recebidos de terceiros, pois a entidade integrante do grupo multina-
cional nem sempre tem uma visão clara dos impostos retidos por fontes situadas
no exterior, principalmente nos casos em que o instrumento contratual celebrado
entre as partes prevê o recebimento do valor líquido de impostos, mediante o uso
de cláusula de gross-up.43
Outra dúvida que pode ser suscitada, em relação ao “imposto de renda
pago”, diz respeito ao contribuinte que pede restituição de eventuais saldos ne-
gativos de IRPJ e de CSLL apurados no encerramento do ano-calendário. Como se
trata de crédito tributário formado a partir de tributos efetivamente recolhidos a
maior, o contribuinte deveria informar os valores pagos no campo relativo ao “im-
posto de renda pago”. De qualquer forma, como esse crédito poderá ser utilizado
futuramente para compensar o imposto de renda a ser pago em anos-calendário
seguintes, as informações inseridas na Declaração País-a-País podem apresentar
deformidades, comprometendo o uso das informações reportadas.
Na mesma esteira, é possível mencionar a falta de indicação dos prejuízos
fiscais acumulados, que podem ser compensados com lucros futuros auferidos
pela pessoa jurídica, reduzindo, por consequência, o valor dos tributos pagos na
jurisdição. A ausência de indicação dos prejuízos fiscais pode levar à falsa conclu-
são de que o imposto efetivamente pago não é compatível com o lucro reportado
naquela jurisdição, o que seria inexato.
Há, ainda, países que exigem o recolhimento antecipado de tributos devidos
em anos-calendários subsequentes, para posterior ajuste em períodos futuros.
Para tais situações, não há qualquer indicação do procedimento que deve ser
seguido pelos contribuintes, o que pode distorcer a comparação entre as informa-
ções prestadas.44
O mesmo problema de falta de precisão nos dados pode surgir no caso de
pagamentos extemporâneos de tributos, seja por denúncia espontânea, seja em
42
	 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report.
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, pp. 33- 34
43
	KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”.
Transfer Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan
den Rijn: Kluwer Law International, 2016, p. 202.
44
	KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”.
Transfer Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan
den Rijn: Kluwer Law International, 2016, pp. 201-202.
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virtude de lançamento de ofício. Não há qualquer indicação a respeito do proce-
dimento que deve ser seguido pelos contribuintes em tais situações, o que pode
causar uma série de divergências entre os procedimentos que serão seguidos
pelos grupos econômicos multinacionais.
Essas divergências podem dificultar a extração de uma conclusão séria a
respeito da adequação entre os resultados anuais apurados por cada entidade do
grupo multinacional e o imposto de renda efetivamente pago em cada jurisdição.45
O campo “imposto de renda devido” também pode suscitar dúvidas, sobretu-
do no que tange aos efeitos dos tributos diferidos, com base nos procedimentos
contábeis adotados nas demonstrações financeiras do grupo multinacional.
Sob o ponto de vista contábil, os ajustes fiscais de natureza temporária,
que acarretam variação do lucro contábil para o lucro tributável, podem gerar o
reconhecimento de ativos ou passivos fiscais diferidos. Como exemplos, é possí-
vel citar as despesas com provisões, que possuem natureza temporária e estão
sujeitas à reversão futura, bem como as diferenças entre a depreciação contábil
e a depreciação fiscal. Os tributos diferidos são reconhecidos nas demonstrações
financeiras não apenas em observância ao princípio contábil da competência, mas
também para a correta demonstração da alíquota efetiva do imposto de renda
(Effective Tax Rate), que serve para a projeção de fluxos de caixa futuros, de
forma a atender as expectativas de rentabilidade dos investidores, evitando-se,
assim, distorções significativas entre os resultados realizados e os resultados
projetados.46
Para solucionar a celeuma, a OCDE propõe que, no campo “imposto de
renda devido”, o contribuinte informe apenas as despesas correntes de tributos
sobre o lucro, sem incluir os valores diferidos e as provisões para eventuais con-
tingências fiscais.47
Com relação aos recursos humanos no exterior, o artigo 9º, inciso I, alínea
“g”, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 faz alusão aos “empregados,
trabalhadores e demais colaboradores”, de modo que não é necessária a exis-
tência de uma relação formal de emprego para que determinado colaborador seja
incluído entre os ativos humanos utilizados pela entidade estrangeira no exercício
de seu objeto social.
45
	 KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”. Transfer
Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan den Rijn:
Kluwer Law International, 2016, p. 202.
46
	 Para uma análise mais detida, vide: KUNIYUKI, Cesar Pedroni. “Tributos sobre o Lucro – Ativos e Passivos
Fiscais Diferidos nas Demonstrações Financeiras pelas Normas Internacionais de Contabilidade”. In:
Direito Tributário Internacional – Aspectos Práticos. 2º Volume. Coord. Marco Antônio Chazaine Pereira.
São Paulo: LTr, 2014, pp. 177-190.
47
	 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report.
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 34.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Essa ampla relação de colaboradores, que não constava da minuta da
instrução normativa objeto da Consulta Pública RFB nº 11/2016, possui gran-
de importância prática, pois a Declaração País-a-País traz informações sobre o
grupo econômico como um todo, sendo que funcionários contratados em outras
jurisdições podem não se enquadrar no conceito jurídico de “empregado”, que foi
originariamente utilizado na consulta pública.
De fato, o ordenamento jurídico brasileiro possui uma definição legal expres-
sa de “empregado”, prevista no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho
(“CLT”), segundo o qual se considera empregado “toda pessoa física que prestar
serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e
mediante salário”. Assim, no direito brasileiro, o conceito de empregado alcança
apenas o trabalhador inserido em uma relação formal de emprego, o que poderia
impedir a inclusão de trabalhadores independentes, como poderia ocorrer com
representantes comerciais de trading companies constituídas no exterior por mul-
tinacionais brasileiras.
Assim, como a “Declaração País-a-País” alcança entidades localizadas em
diversas jurisdições, a OCDE prevê expressamente, no relatório da Ação 13 do
Projeto BEPS, que colaboradores independentes, trabalhando nas atividades ordi-
nárias da companhia, podem ser incluídos entre os recursos humanos da socie-
dade no exterior.48
Segundo a OCDE, a indicação de empregados, trabalhadores e colabora-
dores pode ser realizada com base no número constante no encerramento do
período-base correspondente, com base na média anual ou em qualquer outro
critério consistente.49
Esse grau de flexibilidade admitido pela OCDE é oportuno,
pois é comum que funcionários sejam contratados e demitidos ao longo do tem-
po. Logo, o importante é que, independentemente do critério utilizado, a pessoa
jurídica aplique-o de forma consistente entre os períodos, evitando-se distorções
ou manipulações.
A Declaração País-a-País também requer a identificação de cada entidade
integrante do grupo multinacional, mediante a indicação: (i) da sua jurisdição de
residência para fins tributários e, quando diferente desta, da jurisdição sob cujas
leis a entidade integrante está estabelecida; e (ii) da natureza de suas principais
atividades econômicas.
48
	 Veja-se: “For this purpose, independent contractors participating in the ordinary operating activities of the
Constituent Entity may be reported as employees” (OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-
by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project.
Paris: OECD, 2015, p. 34).
49
	 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report.
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 34.
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Ramon Tomazela Santos
A identificação da jurisdição de residência também pode suscitar dúvidas
em casos de dupla residência ou dupla não residência. Como exemplo, uma
pessoa jurídica constituída nos Estados Unidos, mas administrada na Irlanda está
sujeita à dupla residência para fins fiscais, pois o primeiro país utiliza o place of
incorporation (lugar de constituição) e o segundo país adota o place of management
(sede de administração efetiva) para a definição da residência fiscal. Nos casos
em que há acordo de bitributação celebrado entre os países envolvidos, é possível
utilizar a regra de desempate (tie breaker rule) para determinar a residência com
prevalência para fins fiscais.50
No entanto, nos casos em que não há acordo
de bitributação ou em que a regra de desempate será definida pelos Estados
em procedimento amigável, a determinação do Estado de residência pode ser
complexa. Em tais situações, o ideal seria prestar esclarecimentos adicionais
no campo reservado para texto livre.51
As informações em texto livre deverão ser
fornecidas em um único idioma, a ser escolhido pela entidade declarante dentre
as opções de português, inglês e espanhol.
As informações de valores constantes da Declaração País-a-País deverão ser
prestadas em uma única moeda, que deve ser a moeda do controlador final do
grupo multinacional, abrangendo a totalidade das entidades integrantes do grupo
multinacional, independentemente da proporção de participação do controlador fi-
nal em suas controladas.52
No entanto, ressalte-se que a Instrução Normativa RFB
nº 1.681/2016 não traz qualquer regra específica para a conversão dos valores
em moeda estrangeira.53
A Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 também é omissa em relação ao
padrão contábil a ser utilizado, o que traz flexibilidade para os grupos multinacio-
nais, mas, ao mesmo tempo, pode prejudicar a comparabilidade entre as diversas
fontes de informação utilizadas no preenchimento na Declaração País-a-País.
As informações da Declaração País-a-País devem ser prestadas consideran-
do-se as definições e instruções contidas no Manual de Orientação do Leiaute da
ECF, divulgado pela Coordenação-Geral de Fiscalização por meio de Ato Declaratório
Executivo (ADE) publicado no Diário Oficial da União (DOU).
50
	 Artigo 4, parágrafo 3º, da Convenção Modelo da OCDE.
51
	 Art. 9º, inciso III, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
52
	 Art. 9º, parágrafo 2º, inciso I, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
53
	 A única exceção diz respeito ao limite de € 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de euros),
que será convertido pela cotação de 31 de janeiro de 2015 para a moeda local da jurisdição de residência
para fins tributários do controlador final.
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
8  Dos efeitos da falha sistêmica
Quando ocorrer falha sistêmica da jurisdição de residência para fins tributá-
rios da entidade declarante, a sociedade residente para fins tributários no Brasil
será intimada pela RFB a apresentar por meio da ECF, no prazo de até 30 (trinta)
dias contado da ciência da intimação, a Declaração País-a-País ou indicar entidade
substituta em relação aos anos fiscais de declaração cujos prazos de entrega
tenham se encerrado.54
Nos anos fiscais posteriores à ocorrência de falha sistêmica da jurisdição
estrangeira, a entidade residente no Brasil não poderá indicar à RFB uma entidade
declarante residente para fins tributários naquele Estado enquanto a situação
persistir.55
A RFB divulgará anualmente, na Internet, a lista de jurisdições na situação
de falha sistêmica, o que constitui condição para a aplicação da regra.56
Assim,
a divulgação da lista de jurisdições em falha sistêmica constitui um requisito
de natureza técnico-normativa, tendo em vista que o ato normativo depende de
complementação para que possa ser concretamente aplicado pelo Fisco e pelos
contribuintes.
9  Das penalidades
Segundo o artigo 11 da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016, a entida-
de integrante residente para fins tributários no Brasil que deixar de cumprir as
obrigações relativas à Declaração País-a-País, ou que as cumprir com incorreções
ou omissões, será intimada para cumpri-las ou para prestar esclarecimentos nos
prazos estipulados pela autoridade fiscal, sujeitando-se às seguintes multas:
(i)	 por apresentação extemporânea: (a) R$ 500,00 (quinhentos reais) por
mês-calendário ou fração, se estiver em início de atividade ou se, na
última ECF apresentada, tiver optado pelo lucro presumido; ou (b) R$
1.500,00 (mil e quinhentos reais) por mês-calendário ou fração, nas
demais situações;
(ii)	 por não atender à intimação da RFB para cumprir obrigação prevista na
Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 ou para prestar esclarecimentos
nos prazos estipulados pela autoridade fiscal: R$ 500,00 (quinhentos
reais) por mês-calendário; e
54
	 Artigo 10 da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
55
	 Artigo 10, parágrafo 1º, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
56
	 Artigo 10, parágrafo 2º, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
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(iii)	pela omissão de informação relativa a obrigação prevista na Instrução
Normativa RFB nº 1.681/2016 ou pelo fornecimento de informação
inexata ou incompleta: 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00
(cem reais), do valor omitido, inexato ou incompleto.
As multas previstas acima têm base legal no artigo 57 da Medida Provisória
nº 2.158-35/2001, que é a regra geral relativa às obrigações acessórias institu-
ídas pela RFB. Assim, como a Declaração País-a-País foi incluída no âmbito do
SPED com base no poder geral de instituição de obrigações acessórias previsto
no artigo 16 da Lei nº 9.779/1999, não houve a edição de lei específica para a
cominação das respectivas penalidades.
O artigo 97, inciso V, do CTN é expresso no sentido de que somente a lei
pode estabelecer a cominação de penalidades para as ações ou omissões con-
trárias a seus dispositivos ou para outras infrações definidas nas leis tributárias.
Logo, não há dúvida de que o princípio da legalidade constitui um limite à imposi-
ção de multas tributárias.
Nessa linha, assumindo-se que o artigo 16 da Lei nº 9.779/1999 não repre-
senta a base legal para a instituição da Declaração País-a-País, conforme demons-
trado no item 2 do presente estudo, será forçoso reconhecer que as respectivas
penalidades pecuniárias também dependem de sua cominação por meio de lei.
Acrescente-se, ainda, que o artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-
35/2001, ao estabelecer multas gerais e abrangentes para o descumprimento
de quaisquer obrigações acessórias, instituiu uma espécie de burla ao artigo 97,
inciso V, do CTN. Isso porque, em se admitindo a instituição da obrigação acessó-
ria por meio de ato normativo infralegal,57
as respectivas penalidades pecuniárias
acabam vindo “a reboque”, com base apenas na regra geral do artigo 57 da
Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e no respectivo ato normativo.58
Trata-se,
portanto, de patente violação ao princípio da legalidade, que não pode prevalecer
em um Estado Democrático de Direito, que preserva a segurança jurídica e a
liberdade privada.
Deixando de lado a ausência de base legal, cabe ressaltar que o artigo
8º-A do Decreto nº 1.598/1977, incluído pela Lei nº 12.973/2014, ao tratar da
57
	 Vide Recurso Especial nº 724.779-RF, de 12.9.2006, julgado pela 1ª Turma do STJ.
58
	 Nesse sentido, confira-se o alerta de Bruno Fajersztajn: “Ocorre que a Medida Provisória n. 2158/01, ao
estabelecer multas pelo descumprimento de qualquer obrigação acessória, de modo geral a abrangente,
acaba por delegar ao Secretário da Receita Federal, a competência não apenas para a instituição das
obrigações acessórias como também para a imposição de multas, que viriam ‘a reboque’. Trata-se de
uma espécie de burla à regra da legalidade estatuída no art. 97, inciso V, do CTN, o que é inadmissível”
(FAJERSZTAJN, Bruno. Multas Tributárias – Regime Jurídico, Fundamentação e Limites. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: USP, 2016, p. 250).
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A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
mesma penalidade por inexatidão, incorreção ou omissão, inseriu um limite de R$
5.000.000,00 (cinco milhões de reais),59
o qual foi posteriormente estendido para
a Escrituração Contábil Fiscal (ECF) pelo artigo 6º da Instrução Normativa RFB nº
1.422/2013. Veja-se:
Art. 6º. A não apresentação da ECF pelos contribuintes que apuram o
Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica pela sistemática do Lucro
Real, nos prazos fixados no art. 3º, ou a sua apresentação com incor-
reções ou omissões, acarretará a aplicação, ao infrator, das multas
previstas no art. 8º-A do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de
1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014.
Assim, como a Declaração País-a-País integrará a ECF, esse limite de R$
5.000.000,00 (cinco milhões de reais) deve ser aplicado para limitar o valor de
eventuais penalidades aplicadas aos contribuintes que incorram nas irregularida-
des ora tratadas, independentemente de eventual discussão a respeito da au-
sência de base legal específica para as penalidades pecuniárias previstas na
Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
Com relação à pessoa jurídica que, na última ECF, tenha utilizado mais de
uma forma de apuração do lucro ou tenha realizado algum evento de reorganização
societária, a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 prevê que deverá ser aplica-
da a multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por mês-calendário ou fração.
Por fim, registre-se que a multa prevista por apresentação extemporânea da
Declaração País-a-País será reduzida à metade quando a obrigação prevista na
Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 for cumprida antes de qualquer procedi-
mento de ofício.60
10 Conclusões
Como apontado acima, a Declaração País-a-País é provavelmente a Ação
do Projeto BEPS que contou com maior adesão na comunidade internacional, por
permitir que as autoridades fiscais tenham uma visão integral e holística dos
resultados divulgados por grupos econômicos multinacionais, o que facilitará a
identificação de inconsistências entre alocação de resultados e os elementos
utilizados para a geração da renda. Assim, a Declaração País-a-País fornecerá os
59
	 Veja-se: “Art. 8º-A. O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art.
8º, nos prazos fixados no ato normativo a que se refere o seu §3o, ou que o apresentar com inexatidões,
incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas:
	§1º. A multa de que trata o inciso I do caput será limitada em:
	II – R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para as pessoas jurídicas que não se enquadrarem na
hipótese de que trata o inciso I deste parágrafo”.
60
	 Artigo 11, parágrafo 2º, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016.
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meios necessários para que o objetivo final de alinhar a tributação com a geração
da renda e a criação de valor seja efetivamente atingido.
No plano internacional, a Declaração País-a-País facilitará a visualização de
eventuais inconsistências nas operações internacionais, aumentando o número
de fiscalizações e de possíveis autuações fiscais, principalmente na área de pre-
ços de transferência, o que, aliás, exige um aprimoramento dos mecanismos de
solução de controvérsias, como o procedimento amigável, tratado na Ação 14 do
Projeto BEPS.61
Porém, no âmbito do direito tributário brasileiro, a Declaração País-a-País
não pode ser utilizada para consubstanciar a exigência de tributos administrados
pela Receita Federal do Brasil, não apenas em razão da falta dos requisitos ne-
cessários para a constituição do crédito tributário, mas também em virtude de sua
incompatibilidade com as regras brasileiras de preços de transferência, que efe-
tuam os ajustes fiscais em cada transação, por meio de métodos que privilegiam
as margens predeterminadas.
Em razão de tais particularidades, a Declaração País-a-País deveria ter sido
incluída no sistema tributário brasileiro por meio de lei em sentido formal, evi-
tando-se, assim, discussões quanto à validade da Instrução Normativa RFB nº
1.681/2016. O mesmo entendimento se aplica, com ainda maior razão, às mul-
tas, pois o artigo 97, inciso V, do CTN é expresso no sentido de que somente a lei
pode estabelecer a cominação de penalidades.
Por fim, ressalte-se que a proteção da confidencialidade das informações é
outro ponto de preocupação para os contribuintes, tendo em vista que o simples
acesso à indicação dos resultados obtidos em cada jurisdição pode demonstrar
para os concorrentes os mercados estrangeiros que estão sendo explorados e o
grau de lucratividade obtido em cada país. De qualquer forma, é de se reconhecer
que o problema da confidencialidade é ainda maior no caso de países que intro-
duziram o pacote completo da Ação 13 do Projeto BEPS, incluindo o master file e
o local file, que podem conter informações ainda mais sensíveis para os grupos
multinacionais.
61
	Cf. SANTOS, Ramon Tomazela. “Os Acordos de Bitributação e os Mecanismos de Solução de Conflitos
– A Ação 14 do Projeto BEPS e a Necessidade de Aprimoramento do Procedimento Amigável”. In: Direito
Tributário Internacional – Homenagem ao Professor Alberto Xavier. Coord. Sergio André Rocha e Heleno
Torres. São Paulo: Quartier Latin, 2016, pp. 629-659.
RFDT_87_Miolo_2017.indd 156 06/06/2017 12:55:14
R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 157
A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS
Abstract: This article discusses the Country-by-Country Report introduced in Brazil by the Normative
Ruling RFB No. 1,681/2016, based on BEPS Action 13.
Keywords: Country-by-Country Report – BEPS Project.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
SANTOS, Ramon Tomazela. A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto
BEPS. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 15, n. 87,
p. 129-157, maio/jun. 2017.
RFDT_87_Miolo_2017.indd 157 06/06/2017 12:55:14

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Declaração País-a-País e Projeto BEPS

  • 1. 129R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Ramon Tomazela Santos Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP (Summa Cum Laude). Master of Laws (LL.M.) em Tributação Internacional na Universidade de Viena (Wirtschaftsuniversität Wien – WU), Áustria (Passed with Honours). Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Membro do Comitê Acadêmico do Curso de Especialização em Direito Tributário Internacional do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor convidado em cursos de pós-graduação. Advogado em São Paulo. Resumo: O presente artigo aborda a Declaração País-a-País instituída no Brasil pela Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016, com base na Ação 13 do Projeto BEPS. Palavras-chave: Declaração País-a-País – Projeto BEPS. Sumário: 1 Introdução – 2 A impossibilidade de instituição da Declaração País-a-País por meio de ato normativo infralegal – 3 A obrigatoriedade da entrega da Declaração País-a-País – 4 Hipóteses de dispensa de apresentação da Declaração País-a-País – 5 A forma e o prazo de apresentação da Declaração País-a-País – 6 Da indicação da entidade declarante – 7 As informações da Declaração País- a-País – 8 Dos efeitos da falha sistêmica – 9 Das penalidades – 10 Conclusões 1 Introdução Em 15 de outubro de 2015, a Organização para a Cooperação e Desen­ volvimento Econômico (“OCDE”), com o apoio dos países integrantes do G20,1 divulgou o resultado final do seu plano de ação compreensivo contra a erosão das bases tributáveis e a transferência artificial de lucros, que pretende atualizar o regime tributário internacional ao ambiente corporativo das empresas multinacio- nais, bem como preservar a arrecadação tributária, a soberania, a neutralidade e a justiça fiscal. O projeto BEPS parte do pressuposto de que os sistemas tributários não acompanharam o ritmo da evolução no ambiente corporativo das empresas mul- tinacionais que atuam em diversas jurisdições, caracterizado pela crescente im- portância da propriedade intelectual para a agregação de valor, bem como pelo constante desenvolvimento de tecnologias de informação e de comunicação. 1 Grupo dos 20 países mais desenvolvidos e industrializados. RFDT_87_Miolo_2017.indd 129 06/06/2017 12:55:10
  • 2. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017130 Ramon Tomazela Santos Segundo a OCDE, a gradativa interação entre os sistemas tributários dos países proporcionou oportunidades para eliminar ou reduzir significativamente a carga tributária incidente sobre a renda, de maneira inconsistente com os objetivos de política fiscal dos países e da comunidade internacional.2 Diante disso, as medidas propostas pela OCDE pretendem (i) suprir as la- cunas existentes nas leis internas dos Estados, (ii) eliminar as oportunidades de redução da carga tributária e de dupla não-tributação que surgem em razão de assimetrias entre os sistemas tributários dos países, (iii) alinhar a tributação da renda com a geração de valor, (iv) introduzir alterações que impeçam o uso abusi- vo dos acordos de bitributação e, por fim, (v) aumentar a transparência e o acesso às informações dos contribuintes pela Administração Tributária dos Estados, para permitir o combate tempestivo, adequado e abrangente das operações de planeja- mento tributário agressivo realizadas por empresas multinacionais.3 Entre as ações desenvolvidas no âmbito do projeto BEPS, a Ação 13 (Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting)4 é provavelmente aquela que contou com maior adesão na comunidade internacional,5 por estabelecer um padrão geral para o cumprimento de obrigações acessórias relativas ao controle de preços de transferência e ao monitoramento da erosão das bases tributáveis e da transferência artificial de lucros. A Ação 13 do Projeto BEPS compreende três tipos de documentos: (i) o master file, que contém informações de relevância geral para todas as entidades e estabelecimentos permanentes do grupo multinacional; (ii) o local file, que compreende a descrição das estratégias de negócios das entidades locais e dos atos ou negócios jurídicos praticados no de- senvolvimento de suas atividades, com detalhes a respeito dos respecti- vos métodos de controle de preços de transferência; e (iii) o country-by-country report, que fornece um sumário de alta qualidade a respeito da alocação do resultado final das demonstrações financeiras do grupo econômico, segregado por entidade ou estabelecimento permanente. O objetivo da Ação 13 do Projeto BEPS é criar uma abordagem comum para as exigências de documentação estabelecidas pelas autoridades fiscais, permi- tindo uma análise integral e holística dos resultados divulgados por grupos econô- micos multinacionais. Com isso, a OCDE pretende permitir que as Administrações 2 OCDE. Addressing Base Erosion and Profit Shifting. Paris: OECD, 2013, p. 5. 3 OCDE. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting. Paris: OECD, 2013, pp. 7-23. 4 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015. 5 Para uma análise mais detalhada do status atual da implantação da Declaração País-a-País, conferir: <http://www.oecd.org/tax/automatic-exchange/country-specific-information-on-country-by-country-reporting- implementation.htm>. RFDT_87_Miolo_2017.indd 130 06/06/2017 12:55:10
  • 3. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 131 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Tributárias tenham uma visão integrada da estrutura internacional dos grupos multinacionais, o que facilitará a identificação de inconsistências e permitirá a realização de fiscalizações tempestivas. Por consequência, a Ação 13 fornecerá os meios necessários para que o objetivo essencial de alinhar a tributação com a geração da renda e a criação de valor seja efetivamente atingido. Como exemplo, na Declaração País-a-País (Country-by-Country Report), a pes- soa jurídica deverá alocar o resultado final das demonstrações financeiras do gru- po econômico por entidade ou estabelecimento permanente, com individualização das receitas, dos lucros ou prejuízos, do imposto de renda pago, do imposto de renda devido, do capital social, dos lucros acumulados, do número de emprega- dos e dos ativos tangíveis. Com o relatório acima, o Fisco poderá facilmente avaliar a compatibilidade entre os lucros mantidos na entidade no exterior e o número de empregados e de ativos tangíveis mantidos na respectiva jurisdição, o que contribui para a veri- ficação da existência de indícios de eventual transferência artificial de lucros para o exterior, sem vinculação com a efetiva criação de valor ou com a real geração da renda. Por isso, a introdução da “Declaração País-a-País” é considerada um elemento-chave do Projeto BEPS,6 tendo em vista que os grandes grupos multina- cionais reportavam parcela significativa de seu lucro total em jurisdições de baixa tributação, por meio do uso das regras de preços de transferência.7 Entretanto, ao mesmo tempo em que fornece um útil instrumento para as Administrações Tributárias, a “Declaração País-a-País” traz inúmeros inconvenien- tes para os grupos econômicos multinacionais, como o aumento dos custos de conformidade para a coleta e a conciliação das informações, o problema da confi- dencialidade e do risco de vazamento de informações, o potencial para o aumento das fiscalizações, o receio do mal-uso das informações para a realização de autua­ ções fiscais, entre outros. Diante do cenário acima, o presente artigo pretende examinar os principais aspectos envolvidos na introdução da Declaração País-a-País no ordenamento jurídico brasileiro, a começar pela validade do veículo normativo escolhido. Em seguida, a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 será objeto de análise por- menorizada, com o objetivo de apresentar as principais informações exigidas pela Administração Tributária e apontar possíveis problemas que poderão ser enfren- tados pelos contribuintes. Por fim, a conclusão pretende retomar os principais 6 Confira-se a opinião de Bill Brennan, Nancy Manzano e Bernadette Pinamont: “The CbC template clearly constitutes one of the most critical elements of the overall BEPS initiative, and there is a consensus within the tax community that it is not an overstatement to say that CbC reporting is a “game changer” for multinational companies” (BRENNAN, Bill et al. BEPS Country-by-Country Reporting – The Practical Impact for Corporate Tax Departments. Chief Tax Office. Vertex, 2016, p. 10). 7 SHAVIRO, Daniel N. Fixing U.S. International Taxation. New York: Oxford University Press, 2014, pp. 77-78. RFDT_87_Miolo_2017.indd 131 06/06/2017 12:55:10
  • 4. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017132 Ramon Tomazela Santos pontos discutidos no texto, auxiliando na compreensão geral dos impactos da introdução da Declaração País-a-País no sistema tributário brasileiro. 2  A impossibilidade de instituição da Declaração País-a-País por meio de ato normativo infralegal A Declaração País-a-País foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro pela Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016, com fundamento no artigo 16 da Lei nº 9.779/1999, segundo o qual “compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável”. O primeiro limite ao poder geral de fiscalização e de instituição de deveres instrumentais da Administração Tributária deve ser extraído do artigo 145, pará- grafo 1º, da Constituição Federal, a seguir reproduzido: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão gra- duados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômi- cas do contribuinte. O que salta aos olhos, mesmo na primeira leitura do comando constitucional acima, é que a administração tributária pode identificar o patrimônio, os rendimen- tos e as atividades econômicas do contribuinte. Não há, pelo menos não de forma explícita no texto constitucional, autorização para a identificação de patrimônio, rendimentos e atividades de pessoas jurídicas constituídas no exterior, integran- tes do mesmo grupo multinacional. Além disso, ao utilizar as expressões “respeitados os direitos individuais” e “nos termos da lei”, o artigo 145, parágrafo 1º, da Carta Magna deixa claro que a atividade de fiscalização, que visa a conferir efetividade ao princípio da capacidade contributiva, não pode ser exercida à custa dos direitos e garantias individuais dos contribuintes.8 A relação entre a Declaração País-a-País e a concretização do princípio da capacidade contributiva pode ser estabelecida a partir do objetivo de evitar a trans- ferência artificial de lucros para o exterior. Porém, a Declaração País-a-País não se 8 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 4. edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 846-850. RFDT_87_Miolo_2017.indd 132 06/06/2017 12:55:10
  • 5. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 133 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS limita a reportar os resultados auferidos por sociedades estrangeiras em opera- ções realizadas com a pessoa jurídica no Brasil, o que extrapola a finalidade alme- jada pela norma constitucional, que busca conferir efetividade ao caráter pessoal dos impostos, bem como ao princípio da capacidade contributiva, na condição de corolário do princípio da igualdade. Seguindo adiante, o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal prevê que a lei complementar deve estabelecer normas gerais de Direito Tributário, dentre as quais se incluem as regras que regulam a instituição de deveres instrumentais. Nesse contexto, o artigo 113, parágrafo 2º, do Código Tributário Nacional (“CTN”) prevê que “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Esse dispositivo legal merece uma análise mais detida. Sem entrar no mérito de toda a divergência doutrinária a respeito do tema,9 pode-se dizer que, como regra geral, a instituição de obrigações acessórias não de- pende de lei, tendo em vista que o princípio da estrita legalidade,10 previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal exige a edição de lei apenas para o aumento ou a instituição de tributos,11 sem fazer qualquer menção às obrigações acessórias. Assim, confrontando-se o princípio da estrita legalidade (reserva absoluta de lei) com o princípio da legalidade genérica, segundo o qual “ninguém será obrigado a fa- zer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, é possível concluir que a existência de lei indicando as bases para a instituição de obrigações acessórias por meio de atos infralegais seria compatível com o texto constitucional, desde que atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei. A interpretação acima é corroborada pela análise do artigo 97 do CTN, que não incluiu as obrigações acessórias no rol de matérias sujeitas à reserva de lei. 9 Para uma análise mais ampla das correntes doutrinárias a respeito do assunto, conferir: TAKANO, Caio Augusto. Limitações aos Deveres Instrumentais Tributários (Aplicação do Art. 113, §2º, do Código Tributário Nacional). Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2015; HALAH, Lucas Issa. “Os Limites e Fundamentos das Obrigações Tributárias Acessórias e de Terceiros”. Revista Direito Tributário Atual, nº 35. São Paulo: IBDT/Dialética, 2016. 10 A despeito da conhecida distinção entre regras e princípios, o presente estudo utilizará a expressão “prin- cípio da legalidade”, não apenas porque essa nomenclatura está enraizada na tradição jurídico-tributária, mas também porque o seu conteúdo consagra tanto uma regra quanto um princípio. A legalidade tributária consagra, a um só tempo, uma regra jurídica, segundo a qual o fato gerador do tributo e os seus elemen- tos devem ser veiculados, com clareza e exaustividade, por meio de lei, bem como um princípio jurídico, que concretiza valores do Estado Democrático de Direito e do sistema jurídico tributário, como a segurança jurídica e a liberdade privada (YAMASHITA, Douglas. Direito Tributário – Uma Visão Sistemática. São Paulo: Atlas, 2014, p. 18). 11 Como ensina Luís Eduardo Schoueri: “Com efeito, em matéria tributária o princípio da legalidade é anterior ao próprio Estado de Direito, constituindo corolário do direito de concordar com a tributação e controlar o modo como os recursos arrecadados são empregados” (SCHOUERI, Luís Eduardo. “A Legalidade e o Poder Regulamentar do Estado: Atos da Administração como Condição para a Aplicação da Lei Tributária”. In: Estudos de Direito Tributário – Em Homenagem a Roque Antonio Carrazza. Volume 1. São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 192-193). RFDT_87_Miolo_2017.indd 133 06/06/2017 12:55:10
  • 6. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017134 Ramon Tomazela Santos Observe-se, ainda, que o artigo 113, parágrafo 2º, do CTN, ao fazer alusão à “legislação tributária”, remete ao seu artigo 96, segundo o qual “a expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacio- nais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Essas normas complemen- tares compreendem os atos normativos expedidos pelas autoridades administrati- vas, nos termos do inciso I do artigo 100 do CTN, o que mostra a coerência da lei complementar que disciplina a matéria. Por tais razões, percebe-se que a intepretação sistemática do CTN, à luz da Constituição Federal, indica que as obrigações acessórias podem ser instituídas por atos normativos infralegais, desde que com fundamento mediato em lei for- mal, em razão do princípio da legalidade genérica, consagrado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal.12 Esse fundamento em lei de caráter geral pode ser encontrado no artigo 16 da Lei nº 9.779/1999, que autoriza que a Secretaria da Receita Federal institua obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela adminis- trados. Porém, embora confira certa margem de atuação para a Administração Tributária, esse dispositivo legal não permite a instituição de qualquer obrigação acessória, sendo indispensável a observância do disposto no artigo 113, pará- grafo 2º, do CTN, bem como dos demais limites aplicáveis aos atos normativos infralegais, que devem viabilizar a fiel execução da lei. De fato, ainda que a instituição de obrigação tributária não dependa de lei, o artigo 113, parágrafo 2º, do CTN prevê que as respectivas prestações, positivas ou negativas, devem ser exigidas “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. A expressão “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos” constitui uma cláusula geral.13 O legislador, em vez de detalhar os casos em que a Administração Tributária pode instituir obrigações acessórias, optou por genera- lizar o conteúdo da norma, prescrevendo como elementos definidores da legitimi- dade da obrigação acessória a sua relação de pertinência com a arrecadação e a fiscalização de tributos. A cláusula geral consiste em uma disposição legal que utiliza, em seu enunciado normativo, uma linguagem de tessitura intencionalmente “aberta”, “fluída” ou “vaga”, caracterizando-se pela extensão do seu campo semântico.14 12 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 513-514. 13 Sobre o uso de cláusulas gerais pelo legislador, vide: JORGE JUNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas Gerais no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 3-7. 14 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 303. RFDT_87_Miolo_2017.indd 134 06/06/2017 12:55:11
  • 7. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 135 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Essa cláusula geral deve ter o seu significado adjudicado no caso concreto,15 por meio de elementos de concretização (valores, princípios, diretrizes e máximas de conduta),16 que ajudarão na determinação semântica da expressão “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. O interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos não se resume à utilidade ou conveniência da Administração Tributária, exigindo-se que o dever instrumental a ser instituído seja imperioso para a correta fiscalização dos tributos inseridos na esfera de competência do respectivo ente federal. Trata-se, assim, de um interesse objetivo do sistema tributário, que não fica sujeito ao arbítrio do órgão arrecadador. Esse interesse objetivo pode ser examinado a partir de três dimensões: necessidade, utilidade e adequação. A necessidade está relacionada à relevância e à essencialidade do dever instrumental para a fiscalização e a arrecadação de tributos. A utilidade, por sua vez, exige que a obrigação acessória produza um resultado efetivo para a fisca- lização, sem a exigência de informações dispensáveis, inúteis, redundantes ou excessivas. Por fim, a adequação se revela a partir da correlação entre o dever instrumental e os tributos que serão fiscalizados. Neste contexto, merece destaque a acertada decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial n. 1.096.712-MG, de 02.04.2009, em voto de lavra da Ministra Denise Arruda, no qual restou assenta- do que, “a despeito do reconhecimento da independência da nominada obrigação tributária acessória, essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para instrumen- talizar ou viabilizar a cobrança de um tributo, ou seja, deve existir um mínimo de correlação entre as duas espécies de obrigações que justifique a exigibilidade da obrigação acessória”. Ocorre que relação entre a Declaração País-a-País e o interesse da arrecada- ção ou da fiscalização de tributos não é evidente, pois as obrigações acessórias apenas devem ser exigidas quando necessárias para assegurar o cumprimento 15 Na nova hermenêutica, considera-se que a norma jurídica é construída a partir da interpretação dos textos normativos, de modo que há sempre um processo de construção/produção/adjudicação de sentido por parte do intérprete. Não se trata, portanto, de mera reprodução ou descoberta do sentido querido pelo le- gislador, o que seria impossível em razão da historicidade e temporalidade ínsita ao ato de interpretação. Nesse sentido, confira-se a lição de Lenio Luiz Streck: “(...) toda norma é sempre resultado da interpreta- ção de um texto, com o que há sempre um processo de produção/adjudicação de sentido (Sinngebung), e não de reprodução de sentido (Auslegung). Esse aspecto é que o diferencia fundamentalmente a nova hermenêutica da hermenêutica clássica. A impossibilidade de reprodução do sentido querido pelo legis- lador está assentada na historicidade e temporalidade ínsita a todo ato de interpretação, sob pena de se resvalar em direção a um espécie de historicismo jurídico-hermenêutico. Ou seja, não há um sentido imanente à lei, pois isso seria admitir um sentido-em-si-mesmo dos textos jurídicos” (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 4. edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 759). 16 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 286. RFDT_87_Miolo_2017.indd 135 06/06/2017 12:55:11
  • 8. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017136 Ramon Tomazela Santos da obrigação tributária.17 Em outras palavras, a obrigação acessória deve ser es- sencial para assegurar o cumprimento da obrigação tributária ou, ainda, para a verificação do cumprimento das condições para o aproveitamento de isenção ou imunidade, sempre com a observância da sua necessidade, utilidade e adequa- ção. Isso não ocorre com a Declaração País-a-País, que sequer pode ser utilizada como elemento de prova hábil a justificar a autuação fiscal. É o que prevê o próprio relatório da Ação 13 da OCDE ao afirmar que “a informação contida na Declaração País-a-País não deve ser utilizada como um substituto para uma análise detalhada de preços de transferência de operações individuais e de preços, com base em análise funcional e uma ampla análise de comparabilidade. As informações da Declaração País-a-País não constituem, por si só, em prova conclusiva de que as operações de preços de transferência não são apropriadas. Essa declaração não pode ser utilizada pelas administrações tribu- tárias para propor ajustes de preços de transferência com base em uma fórmula global de repartição de rendimentos”.18 Como se vê, a Declaração País-a-País visa a determinar se a alocação global da renda está em linha com o nível da atividade econômica desenvolvida em deter- minada jurisdição, dentro de um grupo multinacional.19 Assim, o objetivo da OCDE, com a Ação 13 do Projeto BEPS, é fornecer às autoridades fiscais informações de alto nível para a análise do controle de preços de transferência e da alocação da renda global entre sociedades integrantes de grupos multinacionais,20 de forma a combater a alocação artificial de lucros em jurisdições em que não há o desenvol- vimento de atividades econômicas compatíveis com a renda reportada, o que não mantém conexão direta e imediata com os tributos devidos no Brasil. 17 Nas palavras de Luís Eduardo Schoueri: “É claro que tais normas não podem ser arbitrárias. (...) A lei deve conferir à autoridade administrativa o poder de fiscalizar um determinado tributo e de editar as normas complementares necessárias para tanto, Estas, por sua vez, serão de observância obrigatória pelo con- tribuinte, desde que estejam nos limites fixados pelo legislador (i.e.: desde que se revelem necessárias para assegurar o cumprimento da obrigação principal” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 513-514). 18 Veja-se: “(…) the information in the Country-by-Country Report should not be used as a substitute for a detailed transfer pricing analysis of individual transactions and prices based on a full functional analysis and a full comparability analysis. The information in the Country-by-Country Report on its own does not constitute conclusive evidence that transfer prices are or are not appropriate. It should not be used by tax administrations to propose transfer pricing adjustments based on a global formulary apportionment of income” (OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015 Final Report. Paris: OECD, 2015, p. 16). 19 BENTOLILA, Vinicius; MOREIRA, Francisco Lisboa. “O Plano de Ação 13 do BEPS: reflexões sobre o seu con- teúdo e aplicação à realidade brasileira”. In: A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS: Soluções Globais e Peculiaridades e Países em Desenvolvimento. Volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 146. 20 Na dicção de Cym H. Lowell e Matthew Herrington: “The purpose of the country-by-country report is to provide data for high-level transfer pricing risk assessment by the pertinent tax authorities. The report is to set out global income among the controlled group members, taxes paid and certain indicators of economic activity among the pertinent countries in which the MNE group operates” (LOWELL Cym H.; HERRINGTON, Matthew. “Transfer Pricing Documentation: Evolution into Country-by-Country Reporting”. In: International Transfer Pricing Journal. Volume 23. No. 5. Amsterdam: IBFD, 2016, p. 358). RFDT_87_Miolo_2017.indd 136 06/06/2017 12:55:11
  • 9. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 137 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Dessa forma, ainda que configurem relações jurídicas autônomas, as obriga- ções acessórias devem manter estrita conexão com a obrigação tributária princi- pal, para a qual servem de instrumento de fiscalização e arrecadação. Ora, como destacado acima, isso não ocorre com a Declaração País-a-País, que requer uma série de informações que são absolutamente irrelevantes para a apuração dos tributos devidos no Brasil. Leandro Paulsen acrescenta, ao tratar da capacidade de colaboração, que a obrigação acessória deve “subsidiar, facilitar ou incrementar a fiscalização tri- butária ou a arrecadação dos tributos, colaborando, assim, para que a tributa- ção alcance todos os potenciais contribuintes de modo mais efetivo, isonômico, simples, completo, confortável, econômico, justo e eficaz, em benefício de toda a sociedade”.21 Isso também não se verifica com a Declaração País-a-País, que não favorece ou incrementa a arrecadação dos tributos, assim como não permite que a tributação alcance todos os potenciais contribuintes de modo mais efetivo, isonômico, justo e eficaz, em linha com a capacidade contributiva. A bem de ver, a Declaração País-a-País até pode facilitar o trabalho de fiscalização, mas esse elemento, isoladamente considerado, não é suficiente para justificar a introdução de uma nova obrigação acessória por meio de ato normativo. O artigo 113, pará- grafo 2º, do CTN exige que o dever instrumental seja instituído “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, o que não se confunde com a mera comodidade administrativa. Daí decorre que a capacidade de colaboração do sujeito passivo não pode ser explorada de forma ilimitada pelo Fisco, devendo cumprir a finalidade de faci- litar e incrementar a arrecadação de tributos, para que a tributação alcance todos os contribuintes de forma mais justa, isonômica, prática e eficaz, sempre com a observância dos limites estabelecidos pela proteção contra arbítrios, pelo postu- lado da proporcionalidade, pela proibição contra excessos, pelo interesse público e pelo dever de motivação. É bem verdade que a Declaração País-a-País pode ser utilizada para verificar a ausência de substância de determinada entidade no exterior, a partir da com- paração da renda auferida com o número de funcionários na jurisdição. Porém, a verdade é que a simulação por interposição artificial de sociedade ou a des- consideração da personalidade jurídica da entidade estrangeira são temas que justificam a introdução da Declaração País-a-País, mas que não necessariamente legitimam o uso de atos normativos infralegais. 21 PAULSEN, Leandro. Capacidade Colaborativa: Princípio de Direito Tributário para Obrigações Acessórias e de Terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2014, pp. 93-94. RFDT_87_Miolo_2017.indd 137 06/06/2017 12:55:11
  • 10. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017138 Ramon Tomazela Santos Não existe uma regra objetiva, geral e abstrata, aplicável a toda e qualquer hipótese, para controlar o nível de substância exigido de sociedades constituídas no exterior, apta a justificar a instituição de uma obrigação acessória para assegu- rar ao Fisco o direito de fiscalizar o seu cumprimento por parte dos contribuintes.22 Ao contrário, a existência, ou não, de substância na entidade estrangeira depende da análise da relação de adequação entre a estrutura da sociedade no exterior e as funções que constituem o seu objeto social, da regularidade e da normalidade de suas operações, da autonomia dos seus administradores e das suas decisões, da existência de elementos físicos, financeiros e humanos, da relação entre os sócios e a sociedade, entre muitos outros aspectos. Trata-se, assim, de uma aná- lise das circunstâncias fáticas relativas à pessoa jurídica constituída no exterior, que não mantém relação direta com a fiscalização e o cumprimento de obrigações tributárias específicas. Quando muito, seria possível dizer que tais informações são úteis para a aplicação da regra geral antielisão prevista no artigo 116, pará- grafo único, do CTN. No entanto, a verdade é que essa norma jurídica ainda não foi objeto de regulamentação no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o que prejudica a possibilidade de instituição, por meio de atos normativos infralegais, de obrigações acessórias para facilitar a sua fiscalização. Aliás, essa pode ser uma das razões pela qual a chamada “Declaração de Planejamento Tributário”, prevista na Ação 12 do Projeto BEPS, foi proposta pelo Governo Federal por meio de veículo normativo com força de lei (Medida Provisória nº 685/2015), ainda que, em sua essência, esse documento também represente uma obrigação acessória (i.e., dever jurídico de fazer sem estimabili- dade patrimonial).23 Note-se que, para fins de tributação dos resultados auferidos por meio de so- ciedades investidas no exterior, a Administração Tributária brasileira já dispõe de to- das as informações inseridas na ECF, por meio dos seguintes demonstrativos fiscais: – Demonstrativo de Resultados no Exterior; – Demonstrativo de Consolidação; – Demonstrativo de Prejuízos Acumulados no Exterior; – Demonstrativo de Rendas Ativas e Passivas; – Demonstrativo de Imposto Pago no Exterior; – Demonstrativo de Estrutura Societária no Exterior; – Demonstrativo de Resultados no Exterior auferidos por intermédio de Coligada em Regime de Caixa.24 22 TÔRRES, Heleno. Direito Tributário Internacional – Planejamento Tributário Internacional – Planejamento Tributário e Operações Transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 124. 23 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel A. Machado Derzi. 13. edição. Rio de Janeiro. Forense: 2015, p. 1090. 24 Artigo 35 da Instrução Normativa RFB nº 1.520/2014. RFDT_87_Miolo_2017.indd 138 06/06/2017 12:55:11
  • 11. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 139 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Daí a dificuldade de se justificar a instituição da Declaração País-a-País por meio de ato normativo infralegal, sem base em lei ordinária que lhe dê sustenta- ção jurídica. Ou bem se reconhece que as informações exigidas são repetidas e violam o postulado da proporcionalidade,25 uma vez que o contribuinte não pode ser obrigado a apresentar a mesma informação em diferentes formatos. Ou bem se aceita que as informações são desnecessárias, em virtude da ausência de vínculo efetivo com cumprimento de obrigações tributárias no Brasil e com confor- mação das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Com base nas considerações acima, percebe-se que, ainda que as obri- gações acessórias possam ser instituídas por meio de atos normativos,26 a Declaração País-a-País, além de não encontrar fundamento no poder geral de fis- calização e de instituição de deveres instrumentais da Administração Tributária, extraído do artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal, também não se conforma com o artigo 113, parágrafo 2º, do CTN, especialmente no que tange à expressão “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, que deve ser interpretada a partir do seu vínculo com a obrigação tributária, sem se confundir com a mera conveniência e comodidade do Fisco. Além disso, a obrigação acessória deve ser instituída “no interesse da arre- cadação ou da fiscalização dos tributos”, o que não se confunde com o interesse do Brasil de adotar as recomendações sugeridas pela OCDE no âmbito do Projeto BEPS. Assim, embora a inserção do Brasil no cenário internacional seja louvável e a introdução da Declaração País-a-País no ordenamento jurídico brasileiro seja uma medida conveniente para o alinhamento do País com o Projeto BEPS, deve-se reconhecer que esse novo dever instrumental exigido dos contribuintes não tem vinculação direta e efetiva com cumprimento de obrigações tributárias relativas aos tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, motivo pelo qual sua instituição no ordenamento jurídico deveria ter sido concretizada por meio de lei ordinária. A mitigação ao princípio da legalidade para a instituição de deveres instrumentais, conquanto justificável a partir das diretrizes fixadas pelo artigo 16 da Lei nº 9.779/1999 e pelo artigo 113, parágrafo 2º, do CTN, que re- conhecem o interesse de viabilizar a arrecadação fiscal, não pode ser realizada de forma plena, irrestrita e sem vinculação direta e imediata com os tributos devidos 25 A proporcionalidade representa um postulado normativo aplicativo que serve para o controle da validade de uma norma infraconstitucional que interfere no escopo de uma norma constitucional de direito fundamental. O postulado da proporcionalidade requer três exames: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 16. edição. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 205; BARAK, Aharon. “Proportionality”. Constitutional rights and their limitations. Cambridge: Cambridge University, 2012, p. 131-145; ÁVILA, Humberto. Conceito de Renda e Compensação de Prejuízos Fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 74). 26 Vide Recurso Especial n. 724.779-RF, de 12.9.2006, julgado pela 1ª Turma do STJ. RFDT_87_Miolo_2017.indd 139 06/06/2017 12:55:11
  • 12. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017140 Ramon Tomazela Santos no Brasil, apenas com fulcro no objetivo geral de alinhamento do Brasil com as práticas internacionais sugeridas pela OCDE. O aumento do grau de integração com a comunidade internacional é absolutamente relevante e pertinente para o País, mas deve ser atingindo com a estrita observância do direito positivo brasi- leiro, de modo que a introdução da Declaração País-a-País no sistema tributário doméstico apenas poderia ter sido feita por meio de lei. 3  A obrigatoriedade da entrega da Declaração País-a-País De acordo com o artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016, a obrigatoriedade de entrega da Declaração País-a-País alcança toda entidade resi- dente27 para fins tributários no Brasil que seja a controladora final de um grupo multinacional. A controladora final é a entidade que controla direta ou indiretamente 1 (uma) ou mais entidades integrantes do grupo multinacional, de modo que: (i) seja obrigada a preparar demonstrações financeiras consolidadas sob princípios contábeis geralmente aceitos em sua jurisdição de resi- dência para fins tributários; (ii) estaria sujeita a elaborar demonstrações financeiras consolidadas caso seu capital social fosse negociado publicamente (em bolsa de valores nacional ou estrangeira ou mercado de balcão) em sua jurisdi- ção de residência para fins tributários; e (iii) não seja controlada direta ou indiretamente por outra entidade integrante do grupo multinacional, conforme definido nos itens (i) e (ii) acima.28 27 O conceito de entidade adotado pelo ato normativo é amplo, na medida em que compreende: (i) qual- quer unidade de negócio independente incluída nas demonstrações financeiras consolidadas do grupo multinacional para fins de divulgação do relatório contábil-financeiro; (ii) qualquer unidade de negócio excluída das demonstrações financeiras consolidadas do grupo multinacional exclusivamente em virtude de seu tamanho ou materialidade; ou (iii) qualquer estabelecimento permanente, de qualquer unidade de negócio independente do grupo multinacional definida nos itens (i) e (ii) acima, desde que esta prepare uma demonstração financeira separada para esse estabelecimento permanente, para fins regulatórios, tributários, de divulgações financeiras ou de controle interno. 28 Artigo 2º, inciso VI, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. RFDT_87_Miolo_2017.indd 140 06/06/2017 12:55:12
  • 13. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 141 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Assim, para ser qualificada como controladora final, a sociedade deve aten- der a dois requisitos positivos e a um requisito negativo, conforme tabela a seguir: Requisito positivo 1 Requisito positivo 2 – Alternativo Requisito positivo 2 – Alternativo Requisito negativo A entidade deve controlar direta ou indiretamente 1 (uma) ou mais entidades integrantes do grupo multinacional. A entidade deve ser obrigada a preparar demonstrações financeiras consolidadas. A entidade estaria sujeita a elaborar demonstrações financeiras consolidadas caso seu capital social fosse negociado publicamente. A entidade não seja controlada direta ou indiretamente por outra entidade integrante do grupo multinacional que atenda aos requisitos para sua qualificação como controladora final. Diante do quadro acima, pode-se dizer que, para a definição do controlador final, será necessário examinar a estrutura societária do grupo multinacional (organogra- ma), as relações de controle existente entre as sociedades,29 bem como as hipóteses de obrigatoriedade e de dispensa de apresentação de demonstrações financeiras consolidadas, à luz das regras comerciais e contábeis que disciplinam o assunto (v.g., artigo 249 da Lei nº 6.404/1976 e Pronunciamento Técnico CPC nº 36). Como regra geral, a Declaração País-a-País deve ser apresentada pela con- troladora final de um grupo multinacional. Porém, para garantir a eficiência da Declaração País-a-País em um cenário global, no qual se espera que certos países não adotem a Ação 13 do Projeto BEPS, a OCDE sugere a adoção de mecanismos suplementares, que transferem a obrigação de entrega da Declaração País-a-País para outras entidades do grupo multinacional, independentemente da caracteriza- ção como controladora final. Nesse sentido, o artigo 3º, parágrafo 1º, da Instrução Normativa nº 1.681/2016 prevê que uma entidade que não seja a controladora final será obrigada a entregar a Declaração País-a-País do seu grupo multinacional caso se verifique pelo menos 1 (uma) das seguintes situações: (i) o controlador final do grupo multinacional não seja obrigado a entregar a Declaração País-a-País em sua jurisdição de residência para fins tributários; 29 Note-se que, em caso de sociedades com elevada dispersão de suas ações no mercado, um acionista pode exercer o poder de controle com menos da metade do capital votante, em virtude da inexistência de outro acionista com maior número de ações com direito a voto. Tanto é assim que, segundo Nelson Eizirik: “A Lei das S.A. reconhece a existência do poder de controle acionário nas sociedades anônimas, definindo-o não em função da titularidade da maioria do capital votante, mas em virtude do efetivo exer- cício da direção das atividades sociais” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada – Artigos 80 ao 137. Volume 2. 2. edição. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 223). RFDT_87_Miolo_2017.indd 141 06/06/2017 12:55:12
  • 14. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017142 Ramon Tomazela Santos (ii) a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final tenha firmado acordo internacional com o Brasil, mas não tenha acordo de autoridades competentes com o País até o prazo final de entrega da Declaração País-a-País para o ano fiscal de declaração; ou (iii) tenha ocorrido falha sistêmica da jurisdição de residência do controlador final do grupo multinacional, devidamente notificada pela RFB à entidade residente no Brasil para fins tributários. Como se pode verificar a partir da leitura das situações listadas, a eleição de entidade substituta no Brasil somente é permitida quando o controlador final do grupo multinacional estiver domiciliado no exterior, observadas as condições acima. Por fim, registre-se que, caso o controlador final do grupo multinacional não esteja obrigado a entregar a Declaração País-a-País em sua jurisdição de resi- dência, a Instrução Normativa nº 1.681/2016 prevê que, havendo mais de uma entidade residente no Brasil para fins tributários no mesmo grupo multinacional, caberá ao contribuinte designar qual será a entidade declarante e informar à Administração Tributária.30 4  Hipóteses de dispensa de apresentação da Declaração País-a-País 4.1  Dispensa em razão do cumprimento por entidade substituta Como visto acima, nos casos em que a controladora final do grupo multina- cional não está obrigada a apresentar a Declaração País-a-País, surge a obrigação residual de apresentação por parte da entidade residente no Brasil. No entanto, cabe alertar que a própria Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 dispõe que a entidade residente no Brasil está dispensada do cumprimento da obri- gação residual caso o grupo multinacional tenha a disponibilizado a Declaração País- a-País por meio de uma entidade substituta que satisfaça as seguintes condições: (i) a jurisdição de residência para fins tributários da entidade substituta exija a entrega da Declaração País-a-País em conformidade com os padrões introduzidos pelo Brasil, que seguem as disposições da Ação 13 do Projeto BEPS; (ii) a entidade substituta entregue a Declaração País-a-País à administração tributária de sua jurisdição de residência para fins tributários em até 12 30 Artigo 3º, parágrafo 2º, da Instrução Normativa nº 1.681/2016. RFDT_87_Miolo_2017.indd 142 06/06/2017 12:55:12
  • 15. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 143 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS (doze) meses a contar do último dia do ano fiscal de declaração do grupo multinacional; (iii) a jurisdição de residência para fins tributários da entidade substituta tenha firmado acordo de autoridades competentes com o Brasil no prazo de entrega da Declaração País-a-País; (iv) a jurisdição de residência para fins tributários da entidade substituta não tenha notificado a RFB, nem tenha sido por ela notificada da ocor- rência de falha sistêmica; (v) a entidade substituta informe à sua jurisdição de residência para fins tributários que é a entidade declarante; e (vi) a RFB tenha sido informada, conforme estabelecido na Declaração País- a-País, da existência e identificação da entidade declarante. 4.2  Dispensa em razão da materialidade A dispensa de entrega da Declaração País-a-País também se aplica às en- tidades integrantes residentes no Brasil cuja receita consolidada total do grupo multinacional no ano fiscal anterior ao ano fiscal de declaração, conforme refletido nas demonstrações financeiras consolidadas do controlador final, seja menor que: (i) R$ 2.260.000.000,00 (dois bilhões, duzentos e sessenta milhões de reais), se o controlador final for residente no Brasil para fins tribu- tários; ou (ii) € 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de euros), ou o equivalente convertido pela cotação de 31 de janeiro de 2015 para a moeda local da jurisdição de residência para fins tributários do controlador final.31 A OCDE acredita que essa dispensa em razão da materialidade deverá excluir de 85% a 90% dos grupos econômicos da obrigação de apresentar a Declaração País-a-País, mantendo apenas, no escopo subjetivo da regra, os grandes grupos econômicos multinacionais, que controlam, em conjunto, 90% das receitas das atividades empresariais.32 As entidades residentes no Brasil devem informar à RFB que se enquadram na situação de dispensa por materialidade, por ocasião da transmissão da ECF.33 31 Artigo 4º da Instrução Normativa nº 1.681/2016. 32 KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”. Transfer Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2016, pp. 195-196. 33 Artigo 4º, parágrafo único, da Instrução Normativa nº 1.681/2016. RFDT_87_Miolo_2017.indd 143 06/06/2017 12:55:12
  • 16. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017144 Ramon Tomazela Santos 5  A forma e o prazo de apresentação da Declaração País-a-País A Declaração País-a-País será prestada anualmente, em relação ao ano fiscal imediatamente anterior, mediante preenchimento da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) e sua transmissão ao Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), nos termos da Instrução Normativa RFB nº 1.422/2013.34 A geração e o armazenamento anual da ECF e sua transmissão ao SPED não dispensam os declarantes da guarda dos documentos que deram origem às infor- mações neles constantes, na forma e nos prazos estabelecidos pela legislação aplicável. Por fim, cabe registrar que a primeira Declaração País-a-País terá como ano fiscal de declaração aquele iniciado a partir de janeiro de 2016, com prazo de entrega previsto para o último dia útil do mês de julho de 2017, que corresponde ao termo final para transmissão da ECF no âmbito do SPED.35 6  Da indicação da entidade declarante O artigo 7º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 prevê que toda en- tidade residente, integrante de grupo multinacional, deverá indicar à RFB a sua condição de (i) controladora final do grupo multinacional, ou de (ii) entidade subs- tituta. Quando não se enquadrar nas hipóteses anteriores, a entidade no Brasil deve apresentar a identificação da entidade declarante e apontar a sua jurisdição de residência para fins tributários. A Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 também prevê que serão aceitos, como entidades declarantes, os controladores finais de grupos multinacionais re- sidentes no exterior em jurisdições que estejam em fase de implementação da Declaração País-a-País e não exijam o documento em relação ao ano fiscal de declaração de 2016, desde que essas entidades realizem a entrega voluntária da Declaração País-a-País às suas respectivas administrações tributárias e sejam satisfeitas as seguintes condições: (i) o controlador final do grupo multinacional entregue à administração tributária de sua jurisdição de residência para fins tributários uma Declaração País-a-País em conformidade com a declaração estabelecida no Brasil e em até 12 (doze) meses a contar do último dia do ano fiscal de declaração do grupo multinacional; 34 Artigo 5º da Instrução Normativa nº 1.681/2016. 35 Artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 1.422/2013. RFDT_87_Miolo_2017.indd 144 06/06/2017 12:55:12
  • 17. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 145 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS (ii) a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final do grupo disponha do sistema normativo necessário para a exigência da Declaração País-a-País em vigor no momento do prazo final para a sua entrega, mesmo que o cumprimento da obrigação para o ano fiscal em questão não seja exigido; (iii) a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final do gru- po multinacional tenha celebrado acordo de autoridades competentes com o Brasil até o prazo final de entrega da Declaração País-a-País; e (iv) a jurisdição de residência para fins tributários do controlador final do grupo não tenha sido enquadrada pelo Brasil na situação de falha sistê- mica, nem tenha enquadrado o Brasil nessa situação. Caso emblemático, envolvendo a apresentação voluntária da Declaração País-a-País, diz respeito aos grupos multinacionais com controlador final nos Estados Unidos. Os Estados Unidos introduziram a obrigação de envio da Declaração País- a-País para os períodos-bases iniciados a partir de 30.6.2016, sendo que, para os contribuintes que utilizam o ano-calendário civil como período-base fiscal, não haverá a necessidade de apresentação da declaração para o ano-calendário ini- ciado em 1.1.2016. Esse aspecto trouxe um problema prático para algumas empresas. Para o ano-calendário de 2016, o controlador final nos Estados Unidos não está obrigado a apresentar a Declaração País-a-País, mas as entidades sediadas no Brasil, que integram o mesmo grupo multinacional, estão obrigadas a cumprir a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. O controlador final nos Estados Unidos pode optar pela apresentação vo- luntária da Declaração País-a-País para o ano-calendário de 2016, o que poderia dispensar a entidade no Brasil da obrigatoriedade de cumprimento da mesma obrigação no âmbito da ECF, desde que cumpridas as condições previstas no parágrafo 2º do artigo 7º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. Ocorre que os Estados Unidos ainda não assinaram o acordo de autoridades competentes com o Brasil, de modo que as entidades no Brasil passariam a de- pender da celebração de tal tratado internacional pelos representantes dos dois países até o prazo final de entrega da Declaração País-a-País (i.e. até último dia útil do mês de julho de 2017). Como a celebração do acordo de autoridades competentes fica a critério dos representantes dos dois países, que podem não chegar a um consenso a respeito do tema (os Estados Unidos estão preocupados com a troca automática da Declaração País-a-País e com a preservação das informações confidenciais), a postura mais conservadora para as entidades brasileiras seria realizar a apresen- tação local da referida obrigação acessória. RFDT_87_Miolo_2017.indd 145 06/06/2017 12:55:12
  • 18. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017146 Ramon Tomazela Santos O problema que tem surgido, em tais situações, consiste na obtenção de informações a respeito do controlador final nos Estados Unidos, mesmo antes da data estipulada para o envio da Declaração País-a-País naquela jurisdição. Ainda que as informações possam ser extraídas do balanço contábil consolidado, as entidades no Brasil alegam que essas informações nem sempre estão disponíveis no momento da transmissão da ECF, o que recomendaria a prorrogação do prazo para a entrada em vigor da Declaração País-a-País, a fim de se evitar a aplicação de penalidades em situações como essa. Por último, note-se que todas as informações devem ser fornecidas na forma e no prazo estabelecidos para a entrega da Declaração País-a-País. A falta de indicação das informações requeridas implicará o impedimento de transmissão da ECF.36 7  As informações da Declaração País-a-País A Declaração País-a-País consiste em informações agregadas por jurisdição na qual o grupo multinacional desenvolve atividades econômicas e operações, que abrangem: a) o montante da receita total, segregado em receitas obtidas de partes relacionadas e de partes não relacionadas; b) o lucro ou prejuízo antes do imposto sobre a renda; c) o imposto de renda pago; d) o imposto de renda devido; e) o capital social; f) os lucros acumulados; g) o número de empregados, trabalhadores e demais colaboradores; e h) os ativos tangíveis diversos de caixa e equivalentes de caixa.37 A receita total deve ser desdobrada entre receitas obtidas de partes relacio- nadas (related party) e de partes não relacionadas (unrelated party). Ocorre que não há indicação expressa do conceito de “parte relacionada” a ser utilizado para o preenchimento da Declaração País-a-País, o que pode suscitar dúvidas na prática. O artigo 23 da Lei nº 9.430/1996 contém um conceito de “pessoa vinculada” para fins de aplicação das regras preços de transferência e de subcapitalização. Porém, como a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 faz alusão a “partes relacionadas”, não se pode assumir que esse termo coincide com o conceito de “pessoa vinculada”.38 As regras de preços de transferência e de subcapitalização visam a evitar a erosão de bases tributáveis e a transferência artificial de lucros mediante a ma- nipulação de condições comerciais ou financeiras em operações internacionais. 36 Artigo 8º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. 37 Artigo 9º da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. 38 O Sistema tributário brasileiro também utiliza o conceito de “pessoas ligadas” para fins de aplicação das regras de distribuição disfarçada de lucros (“DDL”), bem como o conceito de “partes dependentes” para efeito de vedação ao aproveitamento de ágio. RFDT_87_Miolo_2017.indd 146 06/06/2017 12:55:12
  • 19. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 147 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Assim, o elenco utilizado pelo legislador para definir as “pessoas vinculadas” al- cança diversas hipóteses em que a relação jurídica ou econômica entre as partes indica a possibilidade de fixação de preços ou condições que não prevaleceriam entre terceiros independentes no mercado. No caso da Declaração País-a-País, como a sua finalidade precípua é verificar a alocação de resultados entre as entidades integrantes de um grupo multinacio- nal, sem servir de base para a realização de ajustes de preços de transferência (ainda mais no âmbito do sistema tributário brasileiro, que adota margens prede- terminadas de lucros em diversos métodos), o termo “partes relacionadas” pode- ria ser interpretado de forma mais restrita, para alcançar apenas as sociedades que possuem vínculos societários entre si. Observe-se que a OCDE, no relatório da Ação 13, ao tratar do termo related party, faz alusão ao conceito de associated enterprises,39 que é utilizado no ar- tigo 9º dos acordos de bitributação baseados na Convenção Modelo da aludida organização. O artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE autoriza o ajuste da renda gerada em operações realizadas entre empresas associadas, assim consideradas (i) a empresa de um Estado contratante que participa, diretamente ou indiretamente, da administração, do controle ou do capital de uma empresa no outro Estado contratante; ou (ii) a mesma pessoa participa, diretamente ou indiretamente, da administração, do controle ou do capital de uma empresa de um Estado contratan- te e de uma empresa do outro Estado contratante. Assim, caso se adote a orientação do Relatório da Ação 13 do Projeto BEPS, o conceito de “parte relacionada” pode ser interpretado no contexto do grupo mul- tinacional, para alcançar apenas as sociedades ligadas por vínculos societários (poder de controle ou participação no capital) ou por meio do exercício da atividade de administração. O conceito de “receita total” também pode suscitar debates. Segundo o Relatório da Ação 13 do Projeto BEPS, o conceito de receita deve incluir receitas decorrentes da venda de bens e da prestação de serviços, além de royalties, juros, prêmios e quaisquer outros tipos de rendimentos. Porém, segundo a organização, o contribuinte deve excluir do conceito de “receita”, para fins de preenchimento da Declaração País-a-País, os valores relativos aos dividendos pagos por outras sociedades integrantes do mesmo grupo multinacional, segundo a classificação adotada pelo Estado da fonte.40 39 Veja-se: “(...) the sum of revenues of all the Constituent Entities of the MNE Group in the relevant tax jurisdiction generated from transactions with associated enterprises” (OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 33). 40 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 33. RFDT_87_Miolo_2017.indd 147 06/06/2017 12:55:12
  • 20. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017148 Ramon Tomazela Santos Na prática, a exclusão dos dividendos recebidos de sociedades investidas da composição da “receita total” pode conduzir a interpretações equivocadas, pois o valor correspondente ao imposto de renda na fonte cobrado na distribuição dos dividendos deve ser informado no campo relativo ao “imposto de renda pago” da Declaração País-a-País. Outra possível fonte de divergência diz respeito às receitas de um estabele- cimento permanente, pois o artigo 2º, inciso III, alínea “c”, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 indica que um estabelecimento permanente será considerado entidade integrante de um grupo multinacional, desde que prepare uma demons- tração financeira separada para fins regulatórios, tributários, de divulgações finan- ceiras ou de controle interno. O conceito de estabelecimento permanente adotado na Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 segue a estrutura geral do artigo 5º da Convenção Modelo da OCDE, mas não apresenta as exceções que constam do dispositivo convencional (lista negativa).41 Além disso, o conceito adotado no ato normativo pode divergir daquele existente nos acordos de bitributação efetivamente celebrados pelos pa- íses envolvidos. Esse aspecto pode gerar dúvidas a respeito da inclusão das receitas do es- tabelecimento permanente como uma entidade independente ou em conjunto com os resultados da sociedade matriz, a depender da interação entre: (i) a definição constante do artigo 2º, inciso IV, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016; (ii) o levantamento, ou não, de demonstração financeira separada; e (iii) o conceito de estabelecimento permanente existente em eventual acordo de bitributação ce- lebrado entre o Estado de residência da sociedade matriz e o Estado onde está localizada a unidade de negócio. Além disso, é possível que surjam descasamentos caso os resultados do estabelecimento permanente sejam consolidados no âmbito da sociedade matriz, mas o imposto de renda efetivamente pago seja alocado ao Estado da unidade de negócio. Assim, por uma questão de consistência, as receitas e os impostos pa- gos deveriam ser reportados no Estado em que está localizado o estabelecimento permanente. Seja como for, a orientação divulgada pela OCDE no Relatório da Ação 13 é confusa, o que pode gerar dificuldades práticas e problemas de má interpretação. Outro ponto que chama a atenção diz respeito aos campos “imposto de ren- da pago” (item “c”) e “imposto de renda devido” (item “d”). Segundo a OCDE, no preenchimento do campo “imposto de renda pago”, é necessário incluir também o imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos recebidos por determinada 41 Artigo 5º, parágrafo 4º, da Convenção Modelo da OCDE. RFDT_87_Miolo_2017.indd 148 06/06/2017 12:55:13
  • 21. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 149 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS sociedade, ainda que o efetivo recolhimento ocorra em outro Estado contratante. Como exemplo, se uma financing company constituída na Holanda receber juros de uma pessoa jurídica sediada no Brasil, com retenção de IRRF à alíquota de 15%, o valor do imposto de renda na fonte deve ser incluído nas informações agregadas relativas à sociedade residente na Holanda.42 O problema pode surgir no caso de imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos recebidos de terceiros, pois a entidade integrante do grupo multina- cional nem sempre tem uma visão clara dos impostos retidos por fontes situadas no exterior, principalmente nos casos em que o instrumento contratual celebrado entre as partes prevê o recebimento do valor líquido de impostos, mediante o uso de cláusula de gross-up.43 Outra dúvida que pode ser suscitada, em relação ao “imposto de renda pago”, diz respeito ao contribuinte que pede restituição de eventuais saldos ne- gativos de IRPJ e de CSLL apurados no encerramento do ano-calendário. Como se trata de crédito tributário formado a partir de tributos efetivamente recolhidos a maior, o contribuinte deveria informar os valores pagos no campo relativo ao “im- posto de renda pago”. De qualquer forma, como esse crédito poderá ser utilizado futuramente para compensar o imposto de renda a ser pago em anos-calendário seguintes, as informações inseridas na Declaração País-a-País podem apresentar deformidades, comprometendo o uso das informações reportadas. Na mesma esteira, é possível mencionar a falta de indicação dos prejuízos fiscais acumulados, que podem ser compensados com lucros futuros auferidos pela pessoa jurídica, reduzindo, por consequência, o valor dos tributos pagos na jurisdição. A ausência de indicação dos prejuízos fiscais pode levar à falsa conclu- são de que o imposto efetivamente pago não é compatível com o lucro reportado naquela jurisdição, o que seria inexato. Há, ainda, países que exigem o recolhimento antecipado de tributos devidos em anos-calendários subsequentes, para posterior ajuste em períodos futuros. Para tais situações, não há qualquer indicação do procedimento que deve ser seguido pelos contribuintes, o que pode distorcer a comparação entre as informa- ções prestadas.44 O mesmo problema de falta de precisão nos dados pode surgir no caso de pagamentos extemporâneos de tributos, seja por denúncia espontânea, seja em 42 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, pp. 33- 34 43 KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”. Transfer Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2016, p. 202. 44 KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”. Transfer Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2016, pp. 201-202. RFDT_87_Miolo_2017.indd 149 06/06/2017 12:55:13
  • 22. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017150 Ramon Tomazela Santos virtude de lançamento de ofício. Não há qualquer indicação a respeito do proce- dimento que deve ser seguido pelos contribuintes em tais situações, o que pode causar uma série de divergências entre os procedimentos que serão seguidos pelos grupos econômicos multinacionais. Essas divergências podem dificultar a extração de uma conclusão séria a respeito da adequação entre os resultados anuais apurados por cada entidade do grupo multinacional e o imposto de renda efetivamente pago em cada jurisdição.45 O campo “imposto de renda devido” também pode suscitar dúvidas, sobretu- do no que tange aos efeitos dos tributos diferidos, com base nos procedimentos contábeis adotados nas demonstrações financeiras do grupo multinacional. Sob o ponto de vista contábil, os ajustes fiscais de natureza temporária, que acarretam variação do lucro contábil para o lucro tributável, podem gerar o reconhecimento de ativos ou passivos fiscais diferidos. Como exemplos, é possí- vel citar as despesas com provisões, que possuem natureza temporária e estão sujeitas à reversão futura, bem como as diferenças entre a depreciação contábil e a depreciação fiscal. Os tributos diferidos são reconhecidos nas demonstrações financeiras não apenas em observância ao princípio contábil da competência, mas também para a correta demonstração da alíquota efetiva do imposto de renda (Effective Tax Rate), que serve para a projeção de fluxos de caixa futuros, de forma a atender as expectativas de rentabilidade dos investidores, evitando-se, assim, distorções significativas entre os resultados realizados e os resultados projetados.46 Para solucionar a celeuma, a OCDE propõe que, no campo “imposto de renda devido”, o contribuinte informe apenas as despesas correntes de tributos sobre o lucro, sem incluir os valores diferidos e as provisões para eventuais con- tingências fiscais.47 Com relação aos recursos humanos no exterior, o artigo 9º, inciso I, alínea “g”, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 faz alusão aos “empregados, trabalhadores e demais colaboradores”, de modo que não é necessária a exis- tência de uma relação formal de emprego para que determinado colaborador seja incluído entre os ativos humanos utilizados pela entidade estrangeira no exercício de seu objeto social. 45 KAESER, Christian; BREMER, Sven. “Chapter 8 – Transfer Pricing and Documentation Requirements”. Transfer Pricing in a Post-BEPS World. Coord. Michael Lang, Alfred Storck e Raffaele Petruzzi. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2016, p. 202. 46 Para uma análise mais detida, vide: KUNIYUKI, Cesar Pedroni. “Tributos sobre o Lucro – Ativos e Passivos Fiscais Diferidos nas Demonstrações Financeiras pelas Normas Internacionais de Contabilidade”. In: Direito Tributário Internacional – Aspectos Práticos. 2º Volume. Coord. Marco Antônio Chazaine Pereira. São Paulo: LTr, 2014, pp. 177-190. 47 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 34. RFDT_87_Miolo_2017.indd 150 06/06/2017 12:55:13
  • 23. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 151 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Essa ampla relação de colaboradores, que não constava da minuta da instrução normativa objeto da Consulta Pública RFB nº 11/2016, possui gran- de importância prática, pois a Declaração País-a-País traz informações sobre o grupo econômico como um todo, sendo que funcionários contratados em outras jurisdições podem não se enquadrar no conceito jurídico de “empregado”, que foi originariamente utilizado na consulta pública. De fato, o ordenamento jurídico brasileiro possui uma definição legal expres- sa de “empregado”, prevista no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), segundo o qual se considera empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Assim, no direito brasileiro, o conceito de empregado alcança apenas o trabalhador inserido em uma relação formal de emprego, o que poderia impedir a inclusão de trabalhadores independentes, como poderia ocorrer com representantes comerciais de trading companies constituídas no exterior por mul- tinacionais brasileiras. Assim, como a “Declaração País-a-País” alcança entidades localizadas em diversas jurisdições, a OCDE prevê expressamente, no relatório da Ação 13 do Projeto BEPS, que colaboradores independentes, trabalhando nas atividades ordi- nárias da companhia, podem ser incluídos entre os recursos humanos da socie- dade no exterior.48 Segundo a OCDE, a indicação de empregados, trabalhadores e colabora- dores pode ser realizada com base no número constante no encerramento do período-base correspondente, com base na média anual ou em qualquer outro critério consistente.49 Esse grau de flexibilidade admitido pela OCDE é oportuno, pois é comum que funcionários sejam contratados e demitidos ao longo do tem- po. Logo, o importante é que, independentemente do critério utilizado, a pessoa jurídica aplique-o de forma consistente entre os períodos, evitando-se distorções ou manipulações. A Declaração País-a-País também requer a identificação de cada entidade integrante do grupo multinacional, mediante a indicação: (i) da sua jurisdição de residência para fins tributários e, quando diferente desta, da jurisdição sob cujas leis a entidade integrante está estabelecida; e (ii) da natureza de suas principais atividades econômicas. 48 Veja-se: “For this purpose, independent contractors participating in the ordinary operating activities of the Constituent Entity may be reported as employees” (OECD. Transfer Pricing Documentation and Country- by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 34). 49 OECD. Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting. Action 13: 2015. Final Report. OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD, 2015, p. 34. RFDT_87_Miolo_2017.indd 151 06/06/2017 12:55:13
  • 24. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017152 Ramon Tomazela Santos A identificação da jurisdição de residência também pode suscitar dúvidas em casos de dupla residência ou dupla não residência. Como exemplo, uma pessoa jurídica constituída nos Estados Unidos, mas administrada na Irlanda está sujeita à dupla residência para fins fiscais, pois o primeiro país utiliza o place of incorporation (lugar de constituição) e o segundo país adota o place of management (sede de administração efetiva) para a definição da residência fiscal. Nos casos em que há acordo de bitributação celebrado entre os países envolvidos, é possível utilizar a regra de desempate (tie breaker rule) para determinar a residência com prevalência para fins fiscais.50 No entanto, nos casos em que não há acordo de bitributação ou em que a regra de desempate será definida pelos Estados em procedimento amigável, a determinação do Estado de residência pode ser complexa. Em tais situações, o ideal seria prestar esclarecimentos adicionais no campo reservado para texto livre.51 As informações em texto livre deverão ser fornecidas em um único idioma, a ser escolhido pela entidade declarante dentre as opções de português, inglês e espanhol. As informações de valores constantes da Declaração País-a-País deverão ser prestadas em uma única moeda, que deve ser a moeda do controlador final do grupo multinacional, abrangendo a totalidade das entidades integrantes do grupo multinacional, independentemente da proporção de participação do controlador fi- nal em suas controladas.52 No entanto, ressalte-se que a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 não traz qualquer regra específica para a conversão dos valores em moeda estrangeira.53 A Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 também é omissa em relação ao padrão contábil a ser utilizado, o que traz flexibilidade para os grupos multinacio- nais, mas, ao mesmo tempo, pode prejudicar a comparabilidade entre as diversas fontes de informação utilizadas no preenchimento na Declaração País-a-País. As informações da Declaração País-a-País devem ser prestadas consideran- do-se as definições e instruções contidas no Manual de Orientação do Leiaute da ECF, divulgado pela Coordenação-Geral de Fiscalização por meio de Ato Declaratório Executivo (ADE) publicado no Diário Oficial da União (DOU). 50 Artigo 4, parágrafo 3º, da Convenção Modelo da OCDE. 51 Art. 9º, inciso III, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. 52 Art. 9º, parágrafo 2º, inciso I, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. 53 A única exceção diz respeito ao limite de € 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de euros), que será convertido pela cotação de 31 de janeiro de 2015 para a moeda local da jurisdição de residência para fins tributários do controlador final. RFDT_87_Miolo_2017.indd 152 06/06/2017 12:55:14
  • 25. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 153 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS 8  Dos efeitos da falha sistêmica Quando ocorrer falha sistêmica da jurisdição de residência para fins tributá- rios da entidade declarante, a sociedade residente para fins tributários no Brasil será intimada pela RFB a apresentar por meio da ECF, no prazo de até 30 (trinta) dias contado da ciência da intimação, a Declaração País-a-País ou indicar entidade substituta em relação aos anos fiscais de declaração cujos prazos de entrega tenham se encerrado.54 Nos anos fiscais posteriores à ocorrência de falha sistêmica da jurisdição estrangeira, a entidade residente no Brasil não poderá indicar à RFB uma entidade declarante residente para fins tributários naquele Estado enquanto a situação persistir.55 A RFB divulgará anualmente, na Internet, a lista de jurisdições na situação de falha sistêmica, o que constitui condição para a aplicação da regra.56 Assim, a divulgação da lista de jurisdições em falha sistêmica constitui um requisito de natureza técnico-normativa, tendo em vista que o ato normativo depende de complementação para que possa ser concretamente aplicado pelo Fisco e pelos contribuintes. 9  Das penalidades Segundo o artigo 11 da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016, a entida- de integrante residente para fins tributários no Brasil que deixar de cumprir as obrigações relativas à Declaração País-a-País, ou que as cumprir com incorreções ou omissões, será intimada para cumpri-las ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal, sujeitando-se às seguintes multas: (i) por apresentação extemporânea: (a) R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário ou fração, se estiver em início de atividade ou se, na última ECF apresentada, tiver optado pelo lucro presumido; ou (b) R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por mês-calendário ou fração, nas demais situações; (ii) por não atender à intimação da RFB para cumprir obrigação prevista na Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal: R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário; e 54 Artigo 10 da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. 55 Artigo 10, parágrafo 1º, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. 56 Artigo 10, parágrafo 2º, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. RFDT_87_Miolo_2017.indd 153 06/06/2017 12:55:14
  • 26. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017154 Ramon Tomazela Santos (iii) pela omissão de informação relativa a obrigação prevista na Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 ou pelo fornecimento de informação inexata ou incompleta: 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incompleto. As multas previstas acima têm base legal no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, que é a regra geral relativa às obrigações acessórias institu- ídas pela RFB. Assim, como a Declaração País-a-País foi incluída no âmbito do SPED com base no poder geral de instituição de obrigações acessórias previsto no artigo 16 da Lei nº 9.779/1999, não houve a edição de lei específica para a cominação das respectivas penalidades. O artigo 97, inciso V, do CTN é expresso no sentido de que somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades para as ações ou omissões con- trárias a seus dispositivos ou para outras infrações definidas nas leis tributárias. Logo, não há dúvida de que o princípio da legalidade constitui um limite à imposi- ção de multas tributárias. Nessa linha, assumindo-se que o artigo 16 da Lei nº 9.779/1999 não repre- senta a base legal para a instituição da Declaração País-a-País, conforme demons- trado no item 2 do presente estudo, será forçoso reconhecer que as respectivas penalidades pecuniárias também dependem de sua cominação por meio de lei. Acrescente-se, ainda, que o artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158- 35/2001, ao estabelecer multas gerais e abrangentes para o descumprimento de quaisquer obrigações acessórias, instituiu uma espécie de burla ao artigo 97, inciso V, do CTN. Isso porque, em se admitindo a instituição da obrigação acessó- ria por meio de ato normativo infralegal,57 as respectivas penalidades pecuniárias acabam vindo “a reboque”, com base apenas na regra geral do artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e no respectivo ato normativo.58 Trata-se, portanto, de patente violação ao princípio da legalidade, que não pode prevalecer em um Estado Democrático de Direito, que preserva a segurança jurídica e a liberdade privada. Deixando de lado a ausência de base legal, cabe ressaltar que o artigo 8º-A do Decreto nº 1.598/1977, incluído pela Lei nº 12.973/2014, ao tratar da 57 Vide Recurso Especial nº 724.779-RF, de 12.9.2006, julgado pela 1ª Turma do STJ. 58 Nesse sentido, confira-se o alerta de Bruno Fajersztajn: “Ocorre que a Medida Provisória n. 2158/01, ao estabelecer multas pelo descumprimento de qualquer obrigação acessória, de modo geral a abrangente, acaba por delegar ao Secretário da Receita Federal, a competência não apenas para a instituição das obrigações acessórias como também para a imposição de multas, que viriam ‘a reboque’. Trata-se de uma espécie de burla à regra da legalidade estatuída no art. 97, inciso V, do CTN, o que é inadmissível” (FAJERSZTAJN, Bruno. Multas Tributárias – Regime Jurídico, Fundamentação e Limites. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2016, p. 250). RFDT_87_Miolo_2017.indd 154 06/06/2017 12:55:14
  • 27. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 155 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS mesma penalidade por inexatidão, incorreção ou omissão, inseriu um limite de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais),59 o qual foi posteriormente estendido para a Escrituração Contábil Fiscal (ECF) pelo artigo 6º da Instrução Normativa RFB nº 1.422/2013. Veja-se: Art. 6º. A não apresentação da ECF pelos contribuintes que apuram o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica pela sistemática do Lucro Real, nos prazos fixados no art. 3º, ou a sua apresentação com incor- reções ou omissões, acarretará a aplicação, ao infrator, das multas previstas no art. 8º-A do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014. Assim, como a Declaração País-a-País integrará a ECF, esse limite de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) deve ser aplicado para limitar o valor de eventuais penalidades aplicadas aos contribuintes que incorram nas irregularida- des ora tratadas, independentemente de eventual discussão a respeito da au- sência de base legal específica para as penalidades pecuniárias previstas na Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. Com relação à pessoa jurídica que, na última ECF, tenha utilizado mais de uma forma de apuração do lucro ou tenha realizado algum evento de reorganização societária, a Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 prevê que deverá ser aplica- da a multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por mês-calendário ou fração. Por fim, registre-se que a multa prevista por apresentação extemporânea da Declaração País-a-País será reduzida à metade quando a obrigação prevista na Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016 for cumprida antes de qualquer procedi- mento de ofício.60 10 Conclusões Como apontado acima, a Declaração País-a-País é provavelmente a Ação do Projeto BEPS que contou com maior adesão na comunidade internacional, por permitir que as autoridades fiscais tenham uma visão integral e holística dos resultados divulgados por grupos econômicos multinacionais, o que facilitará a identificação de inconsistências entre alocação de resultados e os elementos utilizados para a geração da renda. Assim, a Declaração País-a-País fornecerá os 59 Veja-se: “Art. 8º-A. O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8º, nos prazos fixados no ato normativo a que se refere o seu §3o, ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas: §1º. A multa de que trata o inciso I do caput será limitada em: II – R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para as pessoas jurídicas que não se enquadrarem na hipótese de que trata o inciso I deste parágrafo”. 60 Artigo 11, parágrafo 2º, da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. RFDT_87_Miolo_2017.indd 155 06/06/2017 12:55:14
  • 28. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017156 Ramon Tomazela Santos meios necessários para que o objetivo final de alinhar a tributação com a geração da renda e a criação de valor seja efetivamente atingido. No plano internacional, a Declaração País-a-País facilitará a visualização de eventuais inconsistências nas operações internacionais, aumentando o número de fiscalizações e de possíveis autuações fiscais, principalmente na área de pre- ços de transferência, o que, aliás, exige um aprimoramento dos mecanismos de solução de controvérsias, como o procedimento amigável, tratado na Ação 14 do Projeto BEPS.61 Porém, no âmbito do direito tributário brasileiro, a Declaração País-a-País não pode ser utilizada para consubstanciar a exigência de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, não apenas em razão da falta dos requisitos ne- cessários para a constituição do crédito tributário, mas também em virtude de sua incompatibilidade com as regras brasileiras de preços de transferência, que efe- tuam os ajustes fiscais em cada transação, por meio de métodos que privilegiam as margens predeterminadas. Em razão de tais particularidades, a Declaração País-a-País deveria ter sido incluída no sistema tributário brasileiro por meio de lei em sentido formal, evi- tando-se, assim, discussões quanto à validade da Instrução Normativa RFB nº 1.681/2016. O mesmo entendimento se aplica, com ainda maior razão, às mul- tas, pois o artigo 97, inciso V, do CTN é expresso no sentido de que somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades. Por fim, ressalte-se que a proteção da confidencialidade das informações é outro ponto de preocupação para os contribuintes, tendo em vista que o simples acesso à indicação dos resultados obtidos em cada jurisdição pode demonstrar para os concorrentes os mercados estrangeiros que estão sendo explorados e o grau de lucratividade obtido em cada país. De qualquer forma, é de se reconhecer que o problema da confidencialidade é ainda maior no caso de países que intro- duziram o pacote completo da Ação 13 do Projeto BEPS, incluindo o master file e o local file, que podem conter informações ainda mais sensíveis para os grupos multinacionais. 61 Cf. SANTOS, Ramon Tomazela. “Os Acordos de Bitributação e os Mecanismos de Solução de Conflitos – A Ação 14 do Projeto BEPS e a Necessidade de Aprimoramento do Procedimento Amigável”. In: Direito Tributário Internacional – Homenagem ao Professor Alberto Xavier. Coord. Sergio André Rocha e Heleno Torres. São Paulo: Quartier Latin, 2016, pp. 629-659. RFDT_87_Miolo_2017.indd 156 06/06/2017 12:55:14
  • 29. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017 157 A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS Abstract: This article discusses the Country-by-Country Report introduced in Brazil by the Normative Ruling RFB No. 1,681/2016, based on BEPS Action 13. Keywords: Country-by-Country Report – BEPS Project. Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): SANTOS, Ramon Tomazela. A Declaração País-a-País e a Ação 13 do Projeto BEPS. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p. 129-157, maio/jun. 2017. RFDT_87_Miolo_2017.indd 157 06/06/2017 12:55:14