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A CHEGADA DE ULISSES
 AO PAís DOS FEACES
H      o                     e         R      o
                   O DIS SEI A

A CHEGADA DE ULISSES
               ,


    AO PAIS DOS FEACES
                   CANTO    VI




             Tradução do grego   por



     MARIA   HELENA    DA   ROCHA   PEREIRA
o   1996,   Parque EXPO   98,   S,A,




o Canto VI da Odisseia, aqui publicado. foi extraído do livro Hé/ade•

..4n tologla dR   Culturlt Grega - organizada e traduzida do orlglnnl pela

Prof. Dr.- r-1aria Helena da Rocha Pereira e edltnda pelo Instituto de

Estudos Clássicos da Faculdade de letras da Universidade de Coimbra

 (6,-   edição,   1995).   que gentilmente autorizaram a sua publlcnção,




                                  Ilustração e Deslgn

                                   luis Filipe Cun,ha




                                          Tiragem

                                   ,000    exemplares




                                        Composição

                                  Fotocompogrâfica




                                   Selecção de Cor

                                         Grarlsels




                               Impressão e Acabamento

                                 Prlnter Portuguesa




                                       Depósito Legal

                                        100 901/96
                                           ISBN
                                       972-8127-304-0
                                 Lisboa. Julho de    1996
o aonho de Nauaícaa




Assim adormeceu nesse lugar o divino Ulisses,

que muito sofreu, vencido pelo sono e pela fadiga.

Entretanto Atena dirigiu-se ao povo e cidade dos Feaces,

que moraram outrora na vastidão da Hipéria,

perto dos Ciclopes, homens insolentes,

que os saqueavam, e os superavam em força.

Saindo de lá, Nausítoo, semelhante aos deuses, os levou

                                          [para Esquéria,
ODISSEIA



onde se estabeleceram, longe dos homens que buscam seu

                                                    [sustento.

Em volta da cidade lançou uma muralha, construiu casas,

erigiu templos aos deuses, e repartiu as terras.

Mas eis que ele, vencido pelo destino, caminha para o

                                                      [Hades.

Governava então Alcínoo, homem de pensamentos

                                                     [divinos.

A casa dele se dirigiu Atena, a deusa de olhos garços,

preocupada com o regresso do magnânimo Ulisses.

Dirige-se para o tálamo finamente lavrado, no qual

                                                   [repousava

a donzela de estatura e beleza semelhante à das deusas

                                                    !imortais,

Nausícaa, a filha do magnânimo Alcínoo.

Perto dela, duas aias, possuidoras da beleza das Graças,

guardavam dos dois lados o limiar; fechadas estavam as

                                            [portas polidas.

Tal uma brisa, acercou-se do leito,
CIIEGAOA    OE   ULISSES   AO   PAís   DOS     FEACES



colocou-se sobre a cabeça e dirigiu-lhe a palavra.

tomando a aparência da jovem filha de Dimas. navegante

                                                     [ilustre.

a qual era da mesma idade. e por quem Nausícaa tinha

                                           [grande estima.

Tomando o seu aspecto. disse-lhe Atena de olhos garços:

«Nausícaa. como pôde a tua mãe criar-te tão desleixada?

Tens para aí sem cuidados a tua roupa lustrosa.

Está próximo o teu casamento. Deves então vestir

belos trajes e proporcioná-los àqueles que forem no teu

                                                     [cortejo.

A boa fama de tudo isto corre já entre os homens.

e regozijam-se o pai e a mãe venerável.

Vamos lá então lavar ao despontar da aurora!

Serei tua companheira. para andares mais depressa.

pois pouco é já o tempo que te resta para seres virgem.

Solicitam-te já os melhores entre todos os Feaces.

E desses é também tua linhagem.

Vamos. antes do romper de alva. incita o teu pai ilustre
ODISSEIA                                                      10



a �andar-te aparelhar o carro e as mulas,

para te levarem cintos, peplos e vestes brilhantes.

E mesmo para ti, será muito mais bonito

ir assim do que a pé: os tanques ficam longe da cidade!»

                                                      (VI, 1-40)




                                                  o Olimpo




Depois que assim falou, partiu Atena de olhos garços

para o Olimpo, onde se diz que fica dos deuses a eterna e

                                                       [segura

mansão: não a abalam os ventos, nem a humedece a

                                                       !chuva;

não se acerca dela a neve, mas um céu brilhante

se abre sem nuvens. Uma luz alvinitente se derrama por

                                                        [cima.

Aí se deleitam todo o tempo os deuses bem-aventurados.

Para lá se retirou Atena, depois de falar à donzela.

                                                  (VI, 41-47)
CIIEGAOA    OE   ULISSES   AO   PAís      DOS     FEACES



                          Ocupaçóe4 d04 rei4 d04 FeaCe4




Logo surgiu a Aurora do trono magnífico, que veio

                                                       [acordar

Nausícaa, a dos peplos formosos. Admirada com o sonho

                                                  [que tivera,

atravessa o palácio, para ir contá-lo aos seus

                                              [progenitores,

ao pai querido e à mãe. Encontrou-os a ambos dentro de

                                                            [casa

- a mãe sentada junto ao lar, com suas aias,

a fiar a lã cor da púrpura marinha; ao pai, encontrou-o

quando ia a sair a porta, juntamente com os ínclitos reis,

a caminho do conselho, ao qual o convocavam os ilustres

                                                        [Feaces.

                                                       (VI, 48-55)
ODISS E IA                                                 12




                      NaU6ícaa pede um carro a 6eu pai




Parando junto dele, dirigiu-se ao pai amado:

"Papá querido, e se tu me mandasses aparelhar um carro,

alto e de belas rodas, para eu levar a roupa

ao rio, para lavar? Está para aí tudo sujo.

E a ti também não te agrada, quando vais para o

                                                 [conselho,

com os primeiros do reino, senão roupa imaculada.

Cinco filhos te nasceram no palácio,

dois já casados, e três jovens florescentes.

Esses querem sempre ter roupa lavada,

para levarem para a dança. Tudo isso está a meu cargo. »

Assim falou. Pejava-se de aludir às núpcias juvenis,

diante do pai querido. Este percebeu tudo e respondeu:

"Não te recuso as mulas, filha, nem nenhuma outra coisa.

Vai. Os servos vão já aparelhar-te um carro

alto e de belas rodas, bem equipado por cima.»
13   A   C HEGADA   OE   ULISSES   AO   PAís   DOS    FEA C ES



                            Preparativv6 para a partida




Depois de assim falar, chamou os escravos, que logo

                                               [obedeceram.

Prepararam cá fora um carro de mulas, com belas rodas,

trouxeram os animais e atrelaram-nos ao veículo.

A donzela trouxe dos seus aposentos as vestes brilhantes

e colocou-as em cima do carro lavrado.

A mãe pôs-lhe numa cesta a comida aprazível

e variada, manjares e vinho deitado num odre

de pele de cabra. Já a donzela subira para o carro,

e ela ainda lhe entregou num lécito de ouro o húmido

                                                      [azeite,

para com ele se ungir, bem como as mulheres, suas aias.

Nausícaa pegou no chicote e nas rédeas brilhantes,

e deu uma chicotada, para fazer andar as mulas. Ouviu-se

                                                 [um tropel

e lá seguiram sem detença, levando-a, à roupa e a ela

- mas não só, que a acompanhavam também suas aias.

                                                     (VI, 71-84)
OD ISS E IA                                               14



                                                À beira-rio




Quando chegaram à corrente límpida do rio,

lá estavam os tanques cheios, com a bela água a jorros,

para lavar a roupa, por mais suja que ela fosse.

Desatrelaram então as mulas do seu carro

e levaram-nas ao longo do torvelinho do rio,

para pastarem a grama doce como mel. As mulheres, por

                                                [suas mãos,

tiraram as vestes do carro, atiram-nas à água sombria,

batem-nas sobre os buracos com presteza e à compita.

Assim que elas lavaram e limparam todo o sujo,

estenderam a roupa ao longo da praia, onde o mar

vinha a miúde à terra firme molhar os seixinhos.

Banharam-se e com óleo se ungiram. Depois,

comeram a merenda junto das margens do rio,

deixando a roupa a secar ao sol que brilhava.

Assim que a donzela e as aias fruíram da refeição,
15   A   C II EGA O A   OE   U L I   SSES   AO   PAís   O OS   F EACE S




retiraram os seus véus, puseram-se a jogar à bola.

Comandava a melodia Nausícaa de alvos braços.

Tal como Ártemis lançadora do dardo desce pelas

                                                        [montanhas,

pelo extenso Taigeto ou pelo Erimanto,

encantada com os javalis e as corças velozes,

e com ela brincam as ninfas campestres, filhas

de Zeus detentor da égide, para deleite de latona,

mas, acima de todas, a deusa ergue a cabeça e o rosto.

fácil de reconhecer, entre tanta formosura. . .

- Assim s e distinguia entre a s aias a virgem indómita.

                                                           (VI, 85-109)




                                            o de6pertar de ULi66e6




Mas quando chegou a hora de voltar para casa,

depois de atrelar as mulas e dobrar as lindas roupas,
ODISS E IA



outra coisa resolveu Atena de olhos garços,

para Ulisses despertar e ver a donzela graciosa,

que o guiaria à cidade dos varões da Feácia.

logo a princesa atirou a bola para uma aia,

a aia não a apanhou, e caiu na corrente profunda.

Soltaram um grande grito. Acorda o divino Ulisses,

senta-se e hesita no seu coração e espírito:

«Coitado de mim, a que paragens dos mortais eu

                                                   [abordei?

Serão eles insolentes, selvagens e sem justiça,

ou serão hospitaleiros e de espírito temente aos deuses?

Como chegam até mim vozes frescas de donzelas,

de ninfas, que habitam das montanhas as alturas

ou as nascentes dos rios, e os prados verdejantes?

Ou estarei eu já perto dos homens dotados de fala?

Vou investigar e saber do que se trata.»

Depois de assim falar, saiu do mato o divino Ulisses,

e com a mão robusta cortou na espessa floresta

um ramo com folhagem, para encobrir a sua virilidade.
17      C IIEGA O A   OE   U L ISSES   AO   P AíS   OOS    FEACES



Avança, tal o leão das montanhas, fiado na sua força,

que caminha, fustigado pela chuva e pelo vento.

Lampejam-lhe os olhos, ao perseguir bois e ovelhas

ou corças selvagens: o ventre o impele

até a atacar carneiros e entrar em casa cerrada.

- Assim Ulisses intenta juntar-se às donzelas

de belas tranças, apesar de estar nu. A necessidade urgia.

Mostrou-se-Ihes todo sujo e maltratado pelo mar.

Atemorizadas, fugiram cada uma para seu lado, até às

                                                          [margens

altaneiras. Sozinha ficou a filha de Alcínoo. Atena

                                             !insuflara coragem

no seu espírito, e extirpara o medo dos seus membros.

Ficou parada em frente dele. Hesitou Ulisses,

se havia de abraçar os joelhos da donzela graciosa,

ou se de longe implorá-Ia com palavras doces como mel.

que lhe ensinasse o caminho da cidade e desse que vestir.

Com estes pensamentos, pareceu-lhe ser melhor
ODISS E IA                                                    16



implorá-Ia de longe com palavras doces como mel,

náo fosse a donzela irar-se, se lhe abraçasse os joelhos.

                                                   (VI, 110-147)




                                        Uli66e6 e NaU6ícaa




E logo proferiu estas palavras, doces e cativantes:

«Eu te suplico, princesa: és deusa ou és mortal?

Se tu fores alguma deusa, das que habitam o vasto céu,

a Ártemis te comparo, à filha do grande Zeus,

pelo aspecto, a estatura e a forma!

Se acaso és mortal, das que habitam sobre a terra,

felizes mil vezes são teu pai e tua mãe venerável,

felizes mil vezes os teus irmãos! Por tua causa o coração

se lhes inunda sempre de júbilo,

quando vêem entrar na dança este formoso rebento.

Mas feliz, mais que todos, em seu coração, aquele que

                                         [vencer os demais
l'   A   C I EGAOA
           I         OE   U L ISSES   AO   PA í S   OOS   F EACES




pela riqueza de seus dons, e te levar para sua casal

Jamais pus os olhos num mortal como tu,

fosse ele homem ou mulher! A tua vista infunde-me

                                                      [veneração.

Conheci outrora em Delos, junto do altar de Apolo, uma

                                                    [beleza assim:

um rebento de palmeira que se erguia nos ares.

Pois também já lá estive. Seguiam-me muitos homens

pelo caminho, que havia de ser a minha perdição.

Assim como alegrei o meu coração ao contemplá-lo

por longo tempo, pois nunca lenho tão formoso saíra do

                                                            [solo,

assim eu te admiro, mulher, e me deslumbro; mas forte é

                                                    [o meu temor

de tocar nos teus joelhos. Grande é a aflição que me

                                                          !invade!

Só ontem escapei do mar cor de vinho, passados vinte

                                                            [dias.
O O ISSEIA                                                20



Tal foi o tempo que as ondas e procelas violentas me

                                               [arrastaram

para longe da ilha de Ogígia. E agora uma divindade me

                                         [atirou para aqui

para eu sofrer mais alguma desgraça. Pois não creio

que ela cesse. E quantas ainda me destinam os deuses!

Amerceia-te de mim, princesa! Depois de muito sofrer,

a ti vim primeiro! Não conheço nenhum dos outros

                                                 [homens,

que habitam este país e esta terra.

Ensina-me onde é a cidade, dá-me uns farrapos para eu

                                                   [vestir,

se tens por aí o pano com que se fez a trouxa, ao vir para

                                                      [aqui.

Que os deuses te concedam quanto o teu coração deseja,

um marido e um lar, e uma bela concórdia!

Não há nada melhor nem mais excelente

do que haver um lar onde marido e mulher
21      CIIEGADA   DE   ULISSES    AO   PAís   DOS    FEACES



têm os mesmos pensamentos! É o desgosto dos inimigos,

a feliçjdade dos amigos, e deles mais que ninguém.»

Por sua vez, replicou-lhe Nausícaa de alvos braços:

"Estrangeiro, tu que não pareces mau nem insensato,

bem sabes que Zeus Olímpico reparte a felicidade entre os

                                                     [homens

bons e maus, dando a cada um o que lhe apraz.

A ti deu-te essa desgraça: força é que a suportes.

E agora que chegaste à nossa çjdade e à nossa terra,

não carecerás de roupa nem de mais coisa nenhuma,

que deve dar-se ao pobre suplicante que nos encontra.

Eu te indicarei a cidade, e te direi o nome do povo;

São os Feaces que possuem esta cidade e esta terra.

Eu sou a filha do magnânimo A1cínoo,

que detém o poder e a força entre os Feaces.»

Dito isto, deu ordens às aias de belas tranças:

"Parem, raparigas! Para onde ides, só porque vistes um

                                                     [homem?
ODISSEIA                                                   22




Supondes que será um dos nossos inimigos?

Não há, nem haverá mortal tão temeroso

que consiga aportar à terra dos Feaces,

para lhes trazer a ruína! Prezam-nos os imortais!

Vivemos muito longe, no mar varrido pelas ondas,

a tal distância que nenhum dos mortais convive

                                               [connosco.

O homem que aqui está é um infeliz que andou errante,

                                                    [no mar,

de que agora devemos cuidar, pois são todos mandados

                                                 [por Zeus,

hóspedes ou mendigos. A dádiva é pequena, mas

                                                 [estimada.

Vamos, raparigas! Dai de comer e de beber a este

                                             [estrangeiro,

e banhai-o no rio, onde é mais abrigado do vento.»

Assim falou. As aias detiveram-se. Umas às outras

se exortaram e instalaram Ulisses ao abrigo do vento,
23      CIIEGADA   DE   ULISSES    AD   PA í s   DOS    FEACES



conforme mandara Nausícaa, filha do magnânimo

                                                       [Alcínoo.

Perto dele pousaram um manto e uma túnica, para se

                                                        [vestir,

e deram-lhe o líquido óleo num lécito de ouro.

Levaram-no para o banho nas águas correntes do rio.

Então disse para as aias o divino Ulisses:

«Raparigas, fiquem bem longe! Eu sozinho

lavarei a salsugem dos meus ombros e me ungirei com

                                                          [óleo.

Há muito que o meu corpo nâo sabe o que é ungir-se!

Diante de vós não quero banhar-me. Tenho vergonha

de ficar nu, diante de raparigas de belas tranças.»

Assim disse. Elas retiraram-se, e foram contar à donzela,

O divino Ulisses lavou com água do rio a salsugem do mar,

que se lhe agarrara ao dorso e aos ombros largos,

limpou a cabeça da espuma do pélago estéril.

Depois de se banhar todo e de se ungir com o óleo,
O O ISSEIA                                                  24




enfiou as vestes que lhe dera a virgem indómita.

Então Ateneia, filha de Zeus, fê-lo parecer

mais alto e mais forte e fez pender da sua fronte

cabelos encaracolados, como as flores do jacinto.

Como um homem habilidoso, ensinado por Hefestos

e Palas Atena com toda a sua arte,

deita o ouro na prata e faz uma obra formosa,

assim ela lhe derramou a beleza pela cabeça e pelos

                                                    [ombros.

Voltou então, para se sentar à distância, na orla do mar;

resplandecia de beleza e de encanto. A donzela

                                             [contemplava-o.

E então disse às aias de tranças formosas:

«Escutai, aias de alvos braços, o que eu quero dizer-vos:

Não é contra a vontande unânime dos deuses, habitantes

                                                 [do Olimpo,

que este homem veio ter com os divinos Feaces.

Há bem pouco ainda que parecia um miserável.
25      CIIEGADA   DE   ULISSES    AO   PAís     DOS   FEACES



Agora assemelha-se aos deuses, senhores do vasto céu.

Quem dera que a um homem assim eu chamasse meu

                                                       [esposo,

se ele habitasse aqui, e lhe aprouvesse ficar!

Dêem de comer e de beber a este estrangeiro, raparigas!»

Assim falou. Elas escutaram-na, obedientes,

e pousaram junto de Ulisses comida e bebida.

Então o divino Ulisses que muito sofrera comeu e bebeu

com avidez. Há muito que estava privado de alimento.

Mas Nausícaa de alvos braços teve outro desígnio.

Dobrou-se a roupa, colocou-se no belo carro,

atrelaram-se as mulas de cascos fortes, e subiu lá para

                                                        [cima.

Incitou então Ulisses, dirigindo-se-Ihe com estas palavras:

"Levanta-te agora, estrangeiro, para ires à cidade,

a fim de eu te conduzir ao palácio do meu valoroso pai.

Aí te prometo que verás os mais valentes de todos os

                                                       [Feaces.
ODISSEIA                                                  21




Mas faz como eu te digo. Não pareces insensato I

Enquanto passarmos pelos campos e pelos sítios lavrados,

seguirás com presteza as minhas aias,

atrás do carro de mulas. E eu mostro-te o caminho.

Quando chegarmos à cidade, cercada de altas muralhas,

há, de cada um dos lados, um belo porto,

com uma entrada estreita: os navios recurvos

estão em seco, ao longo do caminho; cada um tem seu

                                                   [abrigo.

Aí é a praça pública em volta do belo templo de Poséidon,

feita com pedras arrancadas da pedreira,

                                [meio-enterradas no solo.

Aí também se preparam os aprestos das negras naus,

amarras e cordagens, e tratam de polir os remos.

Os Feaces não se importam com arcos nem com aljavas,

mas com mastros e remos e com navios seguros,

com que percorrem, felizes, o mar cinzento.

Ora eu tenho de evitar os seus ditos cruéis, não vá alguém
11      CtlEGAOA   OE   ULISSES   AO   PAís    OOS    FEACES



ficar para trás a murmurar - e muitos são os insolentes

                                              [neste povo -

e então algum malicioso, que nos encontrasse, diria

                                                      [assim:

- «Quem será aquele estranho alto e formoso, que

                                                 [acompanha

Nausícaa? Onde é que ela o achou? Será seu futuro

                                                     [esposo?

Ou trará ela algum náufrago, vindo

de terras longínquas - pois aqui perto não mora

                                                  [ninguém?

Ou tanto pediu a um deus, que ele desceu do céu

para aqui e será dele para sempre?

Melhor será, se encontrou noutro lugar um marido,

em suas andanças, já que despreza os Feaces do país,

que a solicitam. E esses são muitos e nobresl»

- Assim dirão. E eu cobrir-me-ia de vergonha.

Eu mesma censuraria outra que assim fizesse:
ODISSEIA                                                  2&




contra as ordens do pai e da mãe querida,

correr-atrás dos homens, antes de celebrar o casamento.

Estrangeiro, tu compreendes as minhas palavras. Assim

obterás mais depressa de meu pai uma escolta que te leve

                                                    [a casa.

Encontraremos um bosque esplendoroso de choupos,

                                        [junto do caminho.

É o bosque de Atena. Aí corre uma fonte. Em volta

                                     [estende-se um prado.

Aí tem o meu pai um recanto cheio de vinha florescente.

Fica à distância da cidade de se ouvir a voz.

Senta-te aí, e aguarda o tempo de nós atravessarmos

a cidade e chegarmos à morada de meu pai.

Quando tiveres calculado que chegámos ao palácio,

então vai à cidade dos Feaces e pergunta

pelos paços de meu pai, o magnânimo Alcínoo.

É fácil dar com eles, ainda que fosse teu guia

uma criança pequena, pois não há entre os Feaces
21     CII E GAOA   O E   U L ISSES   AO   PAíS   OOS    FEA C E S



moradia construída como o palácio do herói Alcínoo.

Assim que estiveres oculto no pátio do palácio,

atravessa depressa o mégaron, para encontrares minha

                                                           [mãe.

Estará sentada à lareira, à claridade do lume,

fiando em sua roca cor de púrpura marinha - maravilha

de se ver - encostada a uma coluna. As servas sentam-se

                                                          [atrás.

Aí fica também o trono de meu pai, voltado para o clarão.

Aí sentado é que ele bebe o seu vinho, como se fora um

                                                        !imortal.

Passa adiante dele, e lança os teus braços

aos joelhos de minha mãe, se queres ver o dia do

                                                    [regresso,

regozijando-te em breve, ainda que sejas de longe.

[Se ela te quiser bem em seu coração,

podes esperar que voltas a ver teus amigos

e tornarás à bem construída casa, e à terra ancestraL)>>

Depois de assim falar, fustigou as mulas
ODISSEIA                                                      30




com o luzidio chicote. E elas deixaram depressa

a corrente do rio. Umas vezes a correr, outras estugando

                                                     [o passo,

Nausícaa conduzia bem, para que pudessem segui-Ia'

as aias e Ulisses, que iam a pé; e reduzia as chicotadas.

                                                   (VI, 148-320)




                               Uli66e6 no b06que de Atena




o sol se pôs, quando chegaram ao glorioso bosque

                                                      [sagrado

de Atena. Aí se sentou o divino Ulisses.

Então dirigiu esta prece à filha do grande Zeus:

«Atende-me, filha de Zeus detentor da égide, Atritona!

Escuta-me agora ao menos, já que antes não me ouviste,

quando eu naufraguei, perseguido pelo ínclito deus que

                                              [abala a terra.

Concede-me que os Feaces sejam amigos e compassivos!"
31   A   C II EGA O A   OE   ULISSES   AO   PA íS   O OS   F E A CES



Tal foi a sua prece, e ouviu-o Palas Atena,

mas sem se lhe mostrar; pois que receava ainda

o irmão de seu pai, violentamente enfurecido

com o divino Ulisses, até que ele chegasse à pátria.

                                                       (VI, 321-331)
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Livro a chegada de Ulisses

  • 1. A CHEGADA DE ULISSES AO PAís DOS FEACES
  • 2. H o e R o O DIS SEI A A CHEGADA DE ULISSES , AO PAIS DOS FEACES CANTO VI Tradução do grego por MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA
  • 3. o 1996, Parque EXPO 98, S,A, o Canto VI da Odisseia, aqui publicado. foi extraído do livro Hé/ade• ..4n tologla dR Culturlt Grega - organizada e traduzida do orlglnnl pela Prof. Dr.- r-1aria Helena da Rocha Pereira e edltnda pelo Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de letras da Universidade de Coimbra (6,- edição, 1995). que gentilmente autorizaram a sua publlcnção, Ilustração e Deslgn luis Filipe Cun,ha Tiragem ,000 exemplares Composição Fotocompogrâfica Selecção de Cor Grarlsels Impressão e Acabamento Prlnter Portuguesa Depósito Legal 100 901/96 ISBN 972-8127-304-0 Lisboa. Julho de 1996
  • 4. o aonho de Nauaícaa Assim adormeceu nesse lugar o divino Ulisses, que muito sofreu, vencido pelo sono e pela fadiga. Entretanto Atena dirigiu-se ao povo e cidade dos Feaces, que moraram outrora na vastidão da Hipéria, perto dos Ciclopes, homens insolentes, que os saqueavam, e os superavam em força. Saindo de lá, Nausítoo, semelhante aos deuses, os levou [para Esquéria,
  • 5. ODISSEIA onde se estabeleceram, longe dos homens que buscam seu [sustento. Em volta da cidade lançou uma muralha, construiu casas, erigiu templos aos deuses, e repartiu as terras. Mas eis que ele, vencido pelo destino, caminha para o [Hades. Governava então Alcínoo, homem de pensamentos [divinos. A casa dele se dirigiu Atena, a deusa de olhos garços, preocupada com o regresso do magnânimo Ulisses. Dirige-se para o tálamo finamente lavrado, no qual [repousava a donzela de estatura e beleza semelhante à das deusas !imortais, Nausícaa, a filha do magnânimo Alcínoo. Perto dela, duas aias, possuidoras da beleza das Graças, guardavam dos dois lados o limiar; fechadas estavam as [portas polidas. Tal uma brisa, acercou-se do leito,
  • 6. CIIEGAOA OE ULISSES AO PAís DOS FEACES colocou-se sobre a cabeça e dirigiu-lhe a palavra. tomando a aparência da jovem filha de Dimas. navegante [ilustre. a qual era da mesma idade. e por quem Nausícaa tinha [grande estima. Tomando o seu aspecto. disse-lhe Atena de olhos garços: «Nausícaa. como pôde a tua mãe criar-te tão desleixada? Tens para aí sem cuidados a tua roupa lustrosa. Está próximo o teu casamento. Deves então vestir belos trajes e proporcioná-los àqueles que forem no teu [cortejo. A boa fama de tudo isto corre já entre os homens. e regozijam-se o pai e a mãe venerável. Vamos lá então lavar ao despontar da aurora! Serei tua companheira. para andares mais depressa. pois pouco é já o tempo que te resta para seres virgem. Solicitam-te já os melhores entre todos os Feaces. E desses é também tua linhagem. Vamos. antes do romper de alva. incita o teu pai ilustre
  • 7. ODISSEIA 10 a �andar-te aparelhar o carro e as mulas, para te levarem cintos, peplos e vestes brilhantes. E mesmo para ti, será muito mais bonito ir assim do que a pé: os tanques ficam longe da cidade!» (VI, 1-40) o Olimpo Depois que assim falou, partiu Atena de olhos garços para o Olimpo, onde se diz que fica dos deuses a eterna e [segura mansão: não a abalam os ventos, nem a humedece a !chuva; não se acerca dela a neve, mas um céu brilhante se abre sem nuvens. Uma luz alvinitente se derrama por [cima. Aí se deleitam todo o tempo os deuses bem-aventurados. Para lá se retirou Atena, depois de falar à donzela. (VI, 41-47)
  • 8. CIIEGAOA OE ULISSES AO PAís DOS FEACES Ocupaçóe4 d04 rei4 d04 FeaCe4 Logo surgiu a Aurora do trono magnífico, que veio [acordar Nausícaa, a dos peplos formosos. Admirada com o sonho [que tivera, atravessa o palácio, para ir contá-lo aos seus [progenitores, ao pai querido e à mãe. Encontrou-os a ambos dentro de [casa - a mãe sentada junto ao lar, com suas aias, a fiar a lã cor da púrpura marinha; ao pai, encontrou-o quando ia a sair a porta, juntamente com os ínclitos reis, a caminho do conselho, ao qual o convocavam os ilustres [Feaces. (VI, 48-55)
  • 9. ODISS E IA 12 NaU6ícaa pede um carro a 6eu pai Parando junto dele, dirigiu-se ao pai amado: "Papá querido, e se tu me mandasses aparelhar um carro, alto e de belas rodas, para eu levar a roupa ao rio, para lavar? Está para aí tudo sujo. E a ti também não te agrada, quando vais para o [conselho, com os primeiros do reino, senão roupa imaculada. Cinco filhos te nasceram no palácio, dois já casados, e três jovens florescentes. Esses querem sempre ter roupa lavada, para levarem para a dança. Tudo isso está a meu cargo. » Assim falou. Pejava-se de aludir às núpcias juvenis, diante do pai querido. Este percebeu tudo e respondeu: "Não te recuso as mulas, filha, nem nenhuma outra coisa. Vai. Os servos vão já aparelhar-te um carro alto e de belas rodas, bem equipado por cima.»
  • 10. 13 A C HEGADA OE ULISSES AO PAís DOS FEA C ES Preparativv6 para a partida Depois de assim falar, chamou os escravos, que logo [obedeceram. Prepararam cá fora um carro de mulas, com belas rodas, trouxeram os animais e atrelaram-nos ao veículo. A donzela trouxe dos seus aposentos as vestes brilhantes e colocou-as em cima do carro lavrado. A mãe pôs-lhe numa cesta a comida aprazível e variada, manjares e vinho deitado num odre de pele de cabra. Já a donzela subira para o carro, e ela ainda lhe entregou num lécito de ouro o húmido [azeite, para com ele se ungir, bem como as mulheres, suas aias. Nausícaa pegou no chicote e nas rédeas brilhantes, e deu uma chicotada, para fazer andar as mulas. Ouviu-se [um tropel e lá seguiram sem detença, levando-a, à roupa e a ela - mas não só, que a acompanhavam também suas aias. (VI, 71-84)
  • 11. OD ISS E IA 14 À beira-rio Quando chegaram à corrente límpida do rio, lá estavam os tanques cheios, com a bela água a jorros, para lavar a roupa, por mais suja que ela fosse. Desatrelaram então as mulas do seu carro e levaram-nas ao longo do torvelinho do rio, para pastarem a grama doce como mel. As mulheres, por [suas mãos, tiraram as vestes do carro, atiram-nas à água sombria, batem-nas sobre os buracos com presteza e à compita. Assim que elas lavaram e limparam todo o sujo, estenderam a roupa ao longo da praia, onde o mar vinha a miúde à terra firme molhar os seixinhos. Banharam-se e com óleo se ungiram. Depois, comeram a merenda junto das margens do rio, deixando a roupa a secar ao sol que brilhava. Assim que a donzela e as aias fruíram da refeição,
  • 12. 15 A C II EGA O A OE U L I SSES AO PAís O OS F EACE S retiraram os seus véus, puseram-se a jogar à bola. Comandava a melodia Nausícaa de alvos braços. Tal como Ártemis lançadora do dardo desce pelas [montanhas, pelo extenso Taigeto ou pelo Erimanto, encantada com os javalis e as corças velozes, e com ela brincam as ninfas campestres, filhas de Zeus detentor da égide, para deleite de latona, mas, acima de todas, a deusa ergue a cabeça e o rosto. fácil de reconhecer, entre tanta formosura. . . - Assim s e distinguia entre a s aias a virgem indómita. (VI, 85-109) o de6pertar de ULi66e6 Mas quando chegou a hora de voltar para casa, depois de atrelar as mulas e dobrar as lindas roupas,
  • 13. ODISS E IA outra coisa resolveu Atena de olhos garços, para Ulisses despertar e ver a donzela graciosa, que o guiaria à cidade dos varões da Feácia. logo a princesa atirou a bola para uma aia, a aia não a apanhou, e caiu na corrente profunda. Soltaram um grande grito. Acorda o divino Ulisses, senta-se e hesita no seu coração e espírito: «Coitado de mim, a que paragens dos mortais eu [abordei? Serão eles insolentes, selvagens e sem justiça, ou serão hospitaleiros e de espírito temente aos deuses? Como chegam até mim vozes frescas de donzelas, de ninfas, que habitam das montanhas as alturas ou as nascentes dos rios, e os prados verdejantes? Ou estarei eu já perto dos homens dotados de fala? Vou investigar e saber do que se trata.» Depois de assim falar, saiu do mato o divino Ulisses, e com a mão robusta cortou na espessa floresta um ramo com folhagem, para encobrir a sua virilidade.
  • 14. 17 C IIEGA O A OE U L ISSES AO P AíS OOS FEACES Avança, tal o leão das montanhas, fiado na sua força, que caminha, fustigado pela chuva e pelo vento. Lampejam-lhe os olhos, ao perseguir bois e ovelhas ou corças selvagens: o ventre o impele até a atacar carneiros e entrar em casa cerrada. - Assim Ulisses intenta juntar-se às donzelas de belas tranças, apesar de estar nu. A necessidade urgia. Mostrou-se-Ihes todo sujo e maltratado pelo mar. Atemorizadas, fugiram cada uma para seu lado, até às [margens altaneiras. Sozinha ficou a filha de Alcínoo. Atena !insuflara coragem no seu espírito, e extirpara o medo dos seus membros. Ficou parada em frente dele. Hesitou Ulisses, se havia de abraçar os joelhos da donzela graciosa, ou se de longe implorá-Ia com palavras doces como mel. que lhe ensinasse o caminho da cidade e desse que vestir. Com estes pensamentos, pareceu-lhe ser melhor
  • 15. ODISS E IA 16 implorá-Ia de longe com palavras doces como mel, náo fosse a donzela irar-se, se lhe abraçasse os joelhos. (VI, 110-147) Uli66e6 e NaU6ícaa E logo proferiu estas palavras, doces e cativantes: «Eu te suplico, princesa: és deusa ou és mortal? Se tu fores alguma deusa, das que habitam o vasto céu, a Ártemis te comparo, à filha do grande Zeus, pelo aspecto, a estatura e a forma! Se acaso és mortal, das que habitam sobre a terra, felizes mil vezes são teu pai e tua mãe venerável, felizes mil vezes os teus irmãos! Por tua causa o coração se lhes inunda sempre de júbilo, quando vêem entrar na dança este formoso rebento. Mas feliz, mais que todos, em seu coração, aquele que [vencer os demais
  • 16. l' A C I EGAOA I OE U L ISSES AO PA í S OOS F EACES pela riqueza de seus dons, e te levar para sua casal Jamais pus os olhos num mortal como tu, fosse ele homem ou mulher! A tua vista infunde-me [veneração. Conheci outrora em Delos, junto do altar de Apolo, uma [beleza assim: um rebento de palmeira que se erguia nos ares. Pois também já lá estive. Seguiam-me muitos homens pelo caminho, que havia de ser a minha perdição. Assim como alegrei o meu coração ao contemplá-lo por longo tempo, pois nunca lenho tão formoso saíra do [solo, assim eu te admiro, mulher, e me deslumbro; mas forte é [o meu temor de tocar nos teus joelhos. Grande é a aflição que me !invade! Só ontem escapei do mar cor de vinho, passados vinte [dias.
  • 17. O O ISSEIA 20 Tal foi o tempo que as ondas e procelas violentas me [arrastaram para longe da ilha de Ogígia. E agora uma divindade me [atirou para aqui para eu sofrer mais alguma desgraça. Pois não creio que ela cesse. E quantas ainda me destinam os deuses! Amerceia-te de mim, princesa! Depois de muito sofrer, a ti vim primeiro! Não conheço nenhum dos outros [homens, que habitam este país e esta terra. Ensina-me onde é a cidade, dá-me uns farrapos para eu [vestir, se tens por aí o pano com que se fez a trouxa, ao vir para [aqui. Que os deuses te concedam quanto o teu coração deseja, um marido e um lar, e uma bela concórdia! Não há nada melhor nem mais excelente do que haver um lar onde marido e mulher
  • 18. 21 CIIEGADA DE ULISSES AO PAís DOS FEACES têm os mesmos pensamentos! É o desgosto dos inimigos, a feliçjdade dos amigos, e deles mais que ninguém.» Por sua vez, replicou-lhe Nausícaa de alvos braços: "Estrangeiro, tu que não pareces mau nem insensato, bem sabes que Zeus Olímpico reparte a felicidade entre os [homens bons e maus, dando a cada um o que lhe apraz. A ti deu-te essa desgraça: força é que a suportes. E agora que chegaste à nossa çjdade e à nossa terra, não carecerás de roupa nem de mais coisa nenhuma, que deve dar-se ao pobre suplicante que nos encontra. Eu te indicarei a cidade, e te direi o nome do povo; São os Feaces que possuem esta cidade e esta terra. Eu sou a filha do magnânimo A1cínoo, que detém o poder e a força entre os Feaces.» Dito isto, deu ordens às aias de belas tranças: "Parem, raparigas! Para onde ides, só porque vistes um [homem?
  • 19. ODISSEIA 22 Supondes que será um dos nossos inimigos? Não há, nem haverá mortal tão temeroso que consiga aportar à terra dos Feaces, para lhes trazer a ruína! Prezam-nos os imortais! Vivemos muito longe, no mar varrido pelas ondas, a tal distância que nenhum dos mortais convive [connosco. O homem que aqui está é um infeliz que andou errante, [no mar, de que agora devemos cuidar, pois são todos mandados [por Zeus, hóspedes ou mendigos. A dádiva é pequena, mas [estimada. Vamos, raparigas! Dai de comer e de beber a este [estrangeiro, e banhai-o no rio, onde é mais abrigado do vento.» Assim falou. As aias detiveram-se. Umas às outras se exortaram e instalaram Ulisses ao abrigo do vento,
  • 20. 23 CIIEGADA DE ULISSES AD PA í s DOS FEACES conforme mandara Nausícaa, filha do magnânimo [Alcínoo. Perto dele pousaram um manto e uma túnica, para se [vestir, e deram-lhe o líquido óleo num lécito de ouro. Levaram-no para o banho nas águas correntes do rio. Então disse para as aias o divino Ulisses: «Raparigas, fiquem bem longe! Eu sozinho lavarei a salsugem dos meus ombros e me ungirei com [óleo. Há muito que o meu corpo nâo sabe o que é ungir-se! Diante de vós não quero banhar-me. Tenho vergonha de ficar nu, diante de raparigas de belas tranças.» Assim disse. Elas retiraram-se, e foram contar à donzela, O divino Ulisses lavou com água do rio a salsugem do mar, que se lhe agarrara ao dorso e aos ombros largos, limpou a cabeça da espuma do pélago estéril. Depois de se banhar todo e de se ungir com o óleo,
  • 21. O O ISSEIA 24 enfiou as vestes que lhe dera a virgem indómita. Então Ateneia, filha de Zeus, fê-lo parecer mais alto e mais forte e fez pender da sua fronte cabelos encaracolados, como as flores do jacinto. Como um homem habilidoso, ensinado por Hefestos e Palas Atena com toda a sua arte, deita o ouro na prata e faz uma obra formosa, assim ela lhe derramou a beleza pela cabeça e pelos [ombros. Voltou então, para se sentar à distância, na orla do mar; resplandecia de beleza e de encanto. A donzela [contemplava-o. E então disse às aias de tranças formosas: «Escutai, aias de alvos braços, o que eu quero dizer-vos: Não é contra a vontande unânime dos deuses, habitantes [do Olimpo, que este homem veio ter com os divinos Feaces. Há bem pouco ainda que parecia um miserável.
  • 22. 25 CIIEGADA DE ULISSES AO PAís DOS FEACES Agora assemelha-se aos deuses, senhores do vasto céu. Quem dera que a um homem assim eu chamasse meu [esposo, se ele habitasse aqui, e lhe aprouvesse ficar! Dêem de comer e de beber a este estrangeiro, raparigas!» Assim falou. Elas escutaram-na, obedientes, e pousaram junto de Ulisses comida e bebida. Então o divino Ulisses que muito sofrera comeu e bebeu com avidez. Há muito que estava privado de alimento. Mas Nausícaa de alvos braços teve outro desígnio. Dobrou-se a roupa, colocou-se no belo carro, atrelaram-se as mulas de cascos fortes, e subiu lá para [cima. Incitou então Ulisses, dirigindo-se-Ihe com estas palavras: "Levanta-te agora, estrangeiro, para ires à cidade, a fim de eu te conduzir ao palácio do meu valoroso pai. Aí te prometo que verás os mais valentes de todos os [Feaces.
  • 23. ODISSEIA 21 Mas faz como eu te digo. Não pareces insensato I Enquanto passarmos pelos campos e pelos sítios lavrados, seguirás com presteza as minhas aias, atrás do carro de mulas. E eu mostro-te o caminho. Quando chegarmos à cidade, cercada de altas muralhas, há, de cada um dos lados, um belo porto, com uma entrada estreita: os navios recurvos estão em seco, ao longo do caminho; cada um tem seu [abrigo. Aí é a praça pública em volta do belo templo de Poséidon, feita com pedras arrancadas da pedreira, [meio-enterradas no solo. Aí também se preparam os aprestos das negras naus, amarras e cordagens, e tratam de polir os remos. Os Feaces não se importam com arcos nem com aljavas, mas com mastros e remos e com navios seguros, com que percorrem, felizes, o mar cinzento. Ora eu tenho de evitar os seus ditos cruéis, não vá alguém
  • 24. 11 CtlEGAOA OE ULISSES AO PAís OOS FEACES ficar para trás a murmurar - e muitos são os insolentes [neste povo - e então algum malicioso, que nos encontrasse, diria [assim: - «Quem será aquele estranho alto e formoso, que [acompanha Nausícaa? Onde é que ela o achou? Será seu futuro [esposo? Ou trará ela algum náufrago, vindo de terras longínquas - pois aqui perto não mora [ninguém? Ou tanto pediu a um deus, que ele desceu do céu para aqui e será dele para sempre? Melhor será, se encontrou noutro lugar um marido, em suas andanças, já que despreza os Feaces do país, que a solicitam. E esses são muitos e nobresl» - Assim dirão. E eu cobrir-me-ia de vergonha. Eu mesma censuraria outra que assim fizesse:
  • 25. ODISSEIA 2& contra as ordens do pai e da mãe querida, correr-atrás dos homens, antes de celebrar o casamento. Estrangeiro, tu compreendes as minhas palavras. Assim obterás mais depressa de meu pai uma escolta que te leve [a casa. Encontraremos um bosque esplendoroso de choupos, [junto do caminho. É o bosque de Atena. Aí corre uma fonte. Em volta [estende-se um prado. Aí tem o meu pai um recanto cheio de vinha florescente. Fica à distância da cidade de se ouvir a voz. Senta-te aí, e aguarda o tempo de nós atravessarmos a cidade e chegarmos à morada de meu pai. Quando tiveres calculado que chegámos ao palácio, então vai à cidade dos Feaces e pergunta pelos paços de meu pai, o magnânimo Alcínoo. É fácil dar com eles, ainda que fosse teu guia uma criança pequena, pois não há entre os Feaces
  • 26. 21 CII E GAOA O E U L ISSES AO PAíS OOS FEA C E S moradia construída como o palácio do herói Alcínoo. Assim que estiveres oculto no pátio do palácio, atravessa depressa o mégaron, para encontrares minha [mãe. Estará sentada à lareira, à claridade do lume, fiando em sua roca cor de púrpura marinha - maravilha de se ver - encostada a uma coluna. As servas sentam-se [atrás. Aí fica também o trono de meu pai, voltado para o clarão. Aí sentado é que ele bebe o seu vinho, como se fora um !imortal. Passa adiante dele, e lança os teus braços aos joelhos de minha mãe, se queres ver o dia do [regresso, regozijando-te em breve, ainda que sejas de longe. [Se ela te quiser bem em seu coração, podes esperar que voltas a ver teus amigos e tornarás à bem construída casa, e à terra ancestraL)>> Depois de assim falar, fustigou as mulas
  • 27. ODISSEIA 30 com o luzidio chicote. E elas deixaram depressa a corrente do rio. Umas vezes a correr, outras estugando [o passo, Nausícaa conduzia bem, para que pudessem segui-Ia' as aias e Ulisses, que iam a pé; e reduzia as chicotadas. (VI, 148-320) Uli66e6 no b06que de Atena o sol se pôs, quando chegaram ao glorioso bosque [sagrado de Atena. Aí se sentou o divino Ulisses. Então dirigiu esta prece à filha do grande Zeus: «Atende-me, filha de Zeus detentor da égide, Atritona! Escuta-me agora ao menos, já que antes não me ouviste, quando eu naufraguei, perseguido pelo ínclito deus que [abala a terra. Concede-me que os Feaces sejam amigos e compassivos!"
  • 28. 31 A C II EGA O A OE ULISSES AO PA íS O OS F E A CES Tal foi a sua prece, e ouviu-o Palas Atena, mas sem se lhe mostrar; pois que receava ainda o irmão de seu pai, violentamente enfurecido com o divino Ulisses, até que ele chegasse à pátria. (VI, 321-331)