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BRAUDEL
PAPERS
Documento do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial
Associado à Fundação Armando Alvares Penteado
N. 48 - 2013 - www.braudel.org.br
Insuficiência estratégica restringe o progresso
A INTERNET NO BRASIL
Peter T. Knight
O nascimento da Internet • Quadro institucional no Brasil
O futuro da Internet
South Gama
Instituto Fernand Braudel
de Economia Mundial
Associado à Fundação
Armando Alvares Penteado (FAAP)
Rua Ceará, 2 – 01243-010
São Paulo, SP
Tel.: 11 3824-9633
e-mail: ifbe@braudel.org.br
www.braudel.org.br
Conselho Diretor:
Presidente: Rubens Ricupero
Presidente: Janet Ortega
Membros Antônio Carlos Barbosa de Oliveira, Antônio
Carlos Pereira, Cesar Koji Hirata, Fernão Carlos Botelho
Bracher, Joaquim Elói Cirne de Toledo, José Goldemberg,
Joseana Requejo do Amaral Marcicano, Lourival
Sant’Anna, Luiz Alberto Machado, Maílson da Nóbrega,
Maria Helena Guimarães de Castro, Maridite Gomes de
Oliveira, Paulo Sergio Tenani e Roberto Teixeira da Costa.
Diretor executivo: Norman Gall
Coordenador: Oscar Pilagallo
Administradora: Margarida Osório Guimarães
Patrocinadores:
Armínio Fraga Neto | BASF | BM&FBovespa
Bradesco | Escola Beit Yaacov
Fundação Odebrecht - IDES | Futurebrand | Itaú
Klabin | Moore Stephens | O Estado de S. Paulo
Unilever | Worldfund
Braudel Papers é publicado pelo Instituto Fernand
Braudel de Economia Mundial
ISSN: 1981-6499
Editor: Norman Gall
Designer: Givanilson L. Góes
Assistente: Nicolas Tavares
BRAUDEL PAPERS
Copyright 2013 Instituto Fernand Braudel
de Economia Mundial
SUMÁRIO
3 A Internet no Brasil
N. 48 - 2013
7 O nascimento da Internet
11 Quadro institucional no
Brasil
15 O futuro da Internet
O autor agradece aos seguintes colaboradores: Eduardo
Carvalho, Geraldo Coen, Michael Stanton e Vinton Cerf
WWW.BRAUDEL.ORG.BR 3
Peter T. Knight
Insuficiência estratégica restringe o progresso
A Internet no Brasil
Nota do editor: A maioria dos leitores do Braudel Pa-
pers acessa a Internet no seu cotidiano, sem saber como ela
funciona nem entender suas conquistas, desafios econômicos
e tecnológicos e seu contexto na evolução da sociedade brasi-
leira. Peter Knight, acompanhando há quase cinco décadas o
desenvolvimento do Brasil, tenta explicar.
A Internet, uma grande invenção do século 20, está
mudando a civilização do século 21. Seu poder cresce
com os cabos de fibra ótica, cujos fios de vidro constituem
os nervos da economia mundial. Nenhuma outra tecno-
logia permite maior velocidade de transmissão e gera mais
ganhos de escala a tão baixo custo do que os cabos de fi-
bra ótica. Graças a esse sistema, que armazena, organiza e
compartilha informação no mundo todo, 90% dos dados
disponíveis globalmente foram criados nos últimos dois
anos. Esse volume de informação deve dobrar a cada dois
anos até 2020.
A Internet se transformou no mais importante meio de
processamento das informações do mundo. É comparável
à invenção, por Johannes Gutenberg, no século 15, da
impressão gráfica com tipo móvel, que expandiu o acesso
à palavra impressa e os horizontes dos conhecimentos da
humanidade. Naquela época papel e tinta eram funda-
mentais. Hoje o meio físico consiste em cabos de fibra
ótica suplementados por satélites e, cada vez mais, tec-
nologias sem fio. Estendidos por terra, sob os oceanos ou
no espaço, eles estão criando a infraestrutura básica da
modernidade no século 21.
Os cabos de fibra ótica e o rápido aumento na capa-
cidade computacional estão modelando nossa economia.
Por esses cabos são enviados dados, texto, voz e imagens
– tudo reduzido a zeros e uns transmitidos pela Internet
através dos protocolos TCP/IP (Transport Control Pro-
tocol/Internet Protocol). Combinada com outras tecno-
logias da informação e comunicação (TIC), a Internet é
um instrumento de uso múltiplo que afeta virtualmente
todos os setores econômicos, o desenvolvimento social e
a participação política. Cada vez mais, todas as formas
de comunicação eletrônica – inclusive telefonia, rádio e
televisão – são transmitidas pela Internet através de cabos
de fibra ótica.
Bandeirantes da banda larga na Amazônia
O Brasil tem que correr rapidamente para acompanhar
esse movimento. O crescimento da Internet no Brasil está
sendo impulsionado pelo governo, por empresas multi-
nacionais em cidades grandes e médias e por pequenos
provedores que chamo de bandeirantes da banda larga.
Estes últimos têm exercido papel importante na inclusão
digital da população até nos mais remotos rincões do país
e enfrentam muitos desafios.
Para montar seus negócios, jovens empreendedores
na Amazônia alcançam comunidades vizinhas através de
links de rádio a partir de equipamentos instalados em tor-
res que funcionam com energia solar captada em painéis.
A construção dessas torres requer o transporte do material
e dos componentes em pequenos caminhões que circulam
em estradas precárias ou em barcos que cortam os rios da
floresta tropical. Muitos desses pioneiros são jovens entre
18 e 24 anos, a faixa etária mais conectada.
Este ensaio aborda três questões:
• Por que a conectividade de alta velocidade na Inter-
net, nos celulares e nos serviços de transmissão de dados e
imagens, é fundamental para o desenvolvimento do Brasil
no século 21?
• Por que os serviços de Internet e telefonia móvel
(transmissão de voz, dados e imagens) custam mais e têm
menos qualidade do que em outros países?
• O que se pode fazer e o que está sendo feito para
melhorar esses serviços e reduzir os custos para o consu-
midor?
Peter Knight, membro fundador do Instituto Fernand
Braudel de Economia Mundial, foi economista-chefe para o
Brasil do Banco Mundial.
BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 20134
Importância estratégica
As mudanças tecnológicas têm sido tão velozes que
as instituições não podem acompanhá-las. As TICs hoje
dominam nossas instituições. Outras tecnologias avança-
das, como a biotecnologia e a nanotecnologia, dependem
das TICs. Estratégias baseadas na obtenção de vantagens
a partir dessa onda de mudanças tecnológicas tornaram-se
fundamentais para determinar a competitividade e até a
sobrevivência de indivíduos, cidades, nações e empresas
com crescente alcance global. Surfar nessa onda signifi-
ca dar um salto à frente de competidores que não ado-
tam tais estratégias. Essa é a “destruição criadora” a que
o grande economista Joseph Schumpeter (1883-1950) se
referiu no livro Capitalismo, So-
cialismo e Democracia.
Em todo o mundo, devido
a essa destruição criadora, o
crescimento da telefonia
fixa tem sido mais lento,
quando não é negativo.
Grande parte do tráfego
de voz já é feita via
Internet, através de
companhias telefônicas
tradicionais bem
como por softwares,
como o Skype, o Viber e o
WhatsApp. Enquanto isso,
o número de aparelhos
celulares disparou. Em
termos globais, ultrapassou
o número de linhas fixas
em 2002, e em 2012 havia
atingido 6,8 bilhões, em comparação com 1,2 bilhão de
telefones fixos. Acredita-se que neste ano o número de
celulares ultrapasse o total da população mundial. Mas a
estimativa é que o número de assinantes fique entre 3,2
bilhões e 4,3 bilhões, uma vez que muitas pessoas têm
mais do que uma linha ou um mesmo telefone celular
tem mais de um cartão SIM para aproveitar as ofertas
especiais ou cobertura de mais de uma operadora.
O uso intensivo da Internet e das TICs deveria ser um
impulso fundamental numa estratégia para acelerar o de-
senvolvimento socioeconômico de cidades, estados e pa-
íses. É a estratégia da transformação pela eletrônica, ou
“e-transformação”. No Brasil, essa estratégia pode levar a
uma sociedade mais equitativa e competitiva, e promo-
ver a maior participação na esfera política. Pode também
melhorar a educação e outros serviços públicos (saúde,
segurança e transporte urbano), facilitar a comunicação
entre cidadãos e governos, promover a inclusão social e
produzir uma drástica redução de custos de transações em
geral.
Recentes manifestações contra a corrupção, a impuni-
dade e a precariedade dos serviços públicos chamaram a
atenção para deficiências institucionais que, além de afe-
tar a qualidade de vida da maioria dos brasileiros, têm
impacto sobre custos, reduzem a produtividade e com-
prometem o potencial econômico. Todos esses problemas
podem ser enfrentados com a utilização das poderosas
ferramentas que a revolução das TICs tornou acessíveis. A
nova lei de acesso à informação pode ser melhor imple-
mentada e a corrupção pode ser contida se a informação
sobre transações do governo, detalhes orçamentários e
execução de projetos de infraestrutura
estiverem disponíveis online.
Melhorar a qualidade e reduzir os
custos dos serviços de saúde e educação,
mapear o crime em tempo real e usar as
forças policiais com mais eficiência são
apenas algumas maneiras de usar
a tecnologia da informação para
fortalecer o desempenho das ins-
tituições. O Poupatempo,
em São Paulo, e o Serviço
de Atendimento ao Ci-
dadão, na Bahia, são os
primeiros passos nessa
direção.
Qual a lógica dessa
estratégia? Sem dúvida,
ela está baseada na drástica e contínua redução de custos
para processar, transmitir e armazenar dados. Segundo a
Lei de Moore, proposta pelo cofundador e ex-presidente-
executivo da Intel, Gordon Moore, o número de transis-
tores que podem ser colocados em um circuito integrado
(chip) dobra aproximadamente a cada dois anos, o que
reduz o custo de processamento de dados em 50%. Há
princípios semelhantes descritos em outras “leis”, como
a Lei de Butter, segundo a qual a quantidade de dados
transmitida por uma fibra ótica dobra a cada nove me-
ses, o que gera queda no custo unitário de transmissão de
50% no mesmo período.
Existem grandes economias de escala na infraestrutura
da Internet. Elas resultam de custos fixos elevados e de
reduzidos custos marginais para o fornecimento de bens e
Guilherme Kramer
WWW.BRAUDEL.ORG.BR 5
serviços. O custo médio por unidade vendida cai à medi-
da que aumenta o número de unidades vendidas. O nú-
cleo da Internet – ou seja, o conjunto de linhas-tronco
– é constituído por cabos de fibra ótica, tanto terrestres
como submarinos, conectados aos equipamentos óticos,
como roteadores e data centers nos nós principais das ope-
radoras. Nenhuma tecnologia propicia maior velocidade
de transmissão e é mais eficiente. Essas economias de es-
cala derivam do custo marginal muito baixo de acrescen-
tar fibras ao cabo antes de sua instalação. Há, portanto,
excelentes oportunidades para operadores e usuários co-
laborarem entre si nos investimentos em fibras e outras
instalações que produzam uma capacidade excedente a
baixo custo. Essa capacidade excedente pode ser vendida
a outros usuários. Trata-se de um negócio em que todos
ganham porque o custo para cada operador de um cabo
compartilhado é mais baixo do que se o investimento fos-
se individual. Quanto mais parceiros para dividir os in-
vestimentos, mais baixo é o custo para cada usuário.
Novas cidades e agrovilas
Essas transformações estão mudando padrões de vida
até nas regiões remotas do Brasil. Em 1986, a família de
Adilson Klaffke chegou às franjas desmatadas da Amazô-
nia, na região de Nova Guarita, uma cidadezinha no ex-
tremo norte de Mato Grosso surgida nos anos 80 durante
a corrida do ouro e que hoje tem 2.500 habitantes. A fa-
mília, vinda de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina,
dedicou-se à agricultura e, mais tarde, explorou madeira.
Adilson, no entanto, tomou outro rumo. Tornou-se téc-
nico eletrônico e consertava televisores. Autodidata em
informática, passou a vender e a reparar computadores.
Há seis anos, alugou um pequeno link dedicado de 1
megabit por segundo (Mbps) da empresa telefônica Oi
a partir de Sinop, chamada popularmente de Capital do
Nortão, cidade de 110 mil habitantes a cerca de 200 qui-
lômetros a sudoeste de Nova Guarita. Adilson montou
um provedor, Lasernet, que atende 320 usuários na cida-
de e em sete agrovilas na redondeza.  “Consigo qualidade
melhor que a Oi,” diz Adilson, hoje com 38 anos. “Com
isso atendo as agrovilas, e até o Detran da cidade usa meu
serviço. Antes, o Detran não conseguia emitir documen-
tos por falta de acesso à Internet.” Agora os agricultores
usam suas conexões para encomendar insumos agrícolas,
acessar informações técnicas, previsões do tempo, notícias
do Brasil e do mundo e para trocar novidades com paren-
tes e amigos no Sul.
Há muitos jovens empreendedores Brasil afora: Lean-
dro Dias, fundador da DirectWi-Fi, em Campo Magro,
Paraná; Samuel Pereira, da NetRocinha, no Rio; Renato
Salomão de Oliveira, da Rondonet, cuja sede fica em Ari-
quemes, Rondônia; Roberto Filgueiras, da Print Internet,
em Macaé, Rio de Janeiro. O Brasil tem cerca de 4 mil
pequenos provedores registrados na Anatel.
Em 2013, Klaffke conseguiu sua licença de Serviço de
Comunicação Multimídia (SCM) da Anatel. Essa licen-
ça o autoriza a oferecer não só banda larga, mas também
serviços de telefonia e TV a cabo. Para outros, a licença
SCM não é economicamente viável. Muitos provedores
até poderiam pagar o valor da licença (recentemente redu-
zido para R$ 400), mas dificilmente teriam condições de
atender a todas as exigências da Anatel, como manter sob
contrato um engenheiro de telecomunicações.
O resultado é a alta informalidade. De acordo com
cálculo da Abrint (Associação Brasileira de Provedores de
Internet e Telecomunicações), deve haver em torno de 9
mil provedores, registrados e informais, operando em mi-
lhares de municípios espalhados em todo o Brasil.
A Internet pulverizada em milhares de provedores é
algo quase exclusivamente brasileiro. Outros países em
desenvolvimento podem também ter esse modelo, mas o
fato é que na maioria dos países os serviços de Internet
são oferecidos por poucos e grandes provedores. “Há pa-
íses sem nenhum provedor independente”, afirma Basílio
Perez, presidente da Abrint. “A diversidade que existe no
Brasil deve ser preservada e incentivada.” Muitos desses
pequenos provedores começaram a operar ainda no tem-
po do acesso discado, em 1995. “Como temos provedo-
res com 18 anos de existência”, comenta Perez, “podemos
dizer que esse mercado já está chegando à maioridade”.
A história dos pequenos provedores está associada às
pequenas cidades brasileiras. Nos grandes centros urba-
nos, a concentração de clientes logo atraiu o interesse dos
provedores em grande escala. No início, o serviço era ofe-
recido pelas empresas telefônicas que usavam a infraes-
trutura já disponível. Foi o caso do Speedy, da Telefônica,
e do Velox, da Oi. Mais tarde, entraram as empresas de
TV a cabo, ampliando o mercado de banda larga e con-
correndo com as tradicionais empresas de telefonia. As
empresas de TV a cabo, no entanto, não entraram nas
cidades pequenas, onde um mercado rarefeito não jus-
tificava o investimento de vulto. E foi nessa brecha que
surgiu o fenômeno brasileiro do empreendedorismo dos
pequenos provedores. Eles começaram a operar via rádio
– basicamente por uma questão de preço mais baixo – e
depois, na medida em que cresciam e adquiriam algum
BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 20136
vigor financeiro, passavam para a fibra ótica. Com peque-
nas diferenças, essa é a história de Adilson Klaffke e de
tantos outros pequenos provedores.
Comparados com o serviço de Internet disponível em
países ricos e alguns nem tão ricos assim, os serviços no
Brasil são caros, lentos e pouco confiáveis. No entanto,
é verdade também que o acesso à rede, seja em lugarejos
remotos como Nova Guarita ou em escolas públicas nas
periferias das metrópoles, é praticamente generalizado.
De acordo com a última Pesquisa Nacional de Amostra
de Domicílios (PNAD), divulgada neste ano, 83 milhões
de pessoas com mais de dez anos acessaram a Internet nos
três meses anteriores à pesquisa. A Internet se tornou um
instrumento de mobilização política e participa-
ção mais direta e contínua – um instrumento
que não pode ser facilmente
controlado por governos. O
país é o segundo maior mer-
cado do mundo do Facebook,
com mais de 58 milhões de contas,
e o Twitter não fica muito atrás, com
mais de 40 milhões.
“Internet no meu DNA”
Hoje, praticamente todos os jovens têm aces-
so à Internet. O aparelho pode não ter todos os
recursos, nem precisa ser de uso próprio do jo-
vem – mas o acesso, ainda que precário em muitos
casos, está amplamente disponível. Enquanto eu
pesquisava para a elaboração deste ensaio,
tive a oportunidade de conhecer jovens da
periferia de São Paulo que participavam do
programa Círculos de Leitura, do Instituto
Fernand Braudel, que já chegou a milhares
de estudantes de escolas públicas da periferia
da Grande São Paulo e nos estados do Nor-
deste. Queria saber como esses jovens usavam
a Internet e o que pensam disso. Todos usavam diaria-
mente a banda larga, quase todos em suas próprias casas.
Um deles usava uma conexão Wi-Fi de um vizinho (pela
qual pagava R$ 15 por mês). Muitos também acessavam
a Internet via smartphones e às vezes em lan houses, onde
a maioria entrou em contato pela primeira vez com a
Internet. Todos estão conectados com parentes, amigos
e conhecidos através do Facebook e às vezes por e-mail,
usado para as comunicações mais formais. Eles fazem do-
wnload de músicas, assistem a filmes em streaming, pes-
quisam no Google e procuram conhecimento – e não
apenas para os estudos nas escolas.
“Eu tenho Internet no meu DNA”, diz Mateus Gomes
Sousa Santos, aluno de oitava série numa escola muni-
cipal de São Miguel Paulista. “Se eu não tenho acesso à
Internet fico isolado e estressado. A Internet é um item
básico e essencial de todas as casas”, diz Bhrian Machado
da Silva. “Hoje em dia, quem não tem acesso em casa
pode pegar em qualquer lugar, como uma lan house, uma
biblioteca, um centro comunitário ou no trabalho. A In-
ternet é uma necessidade, não apenas para se comunicar,
mas para aprender, encontrar pessoas e localizar velhos
amigos”, diz Mariana Silva da França. “Em nossa escola,
o professor nos ajuda na preparação para a escola técnica
que frequentamos paralelamente à escola do nível in-
termediário. Ele nos faz perguntas, nós procuramos
as respostas na Internet e mandamos para ele por
e-mail. E depois discutimos pessoalmente os resul-
tados”, diz Luis Guilherme Castro.
Foram jovens como esses que participaram
das manifestações iniciadas em junho de 2013
em várias cidades do Brasil. Deflagrados por
protestos contra um aumento na passagem de
ônibus em São Paulo, os protestos rapidamen-
te se espalharam pelo país, com demandas mais
amplas, como o fim da corrupção e da
impunidade, melhorias na educa-
ção, saúde, segurança pública
e transporte. As manifestações
foram organizadas pela Internet,
principalmente através do Facebook
ou Twitter. Mais de três quartos dos
jovens que saíram às ruas foram mobi-
lizados pela mídia social.
Para o espanhol Manuel Castells,
diretor do Instituto Interdisciplinar
de Internet da Universidade Aberta
da Catalunha e professor da Annenberg
School of Communications, da University of Southern
California (USC), as redes sociais provocaram uma ace-
leração repentina do tempo histórico que, associada à
abstração do poder em uma rede de computadores, “vem
desintegrando os mecanismos atuais de controle social e
de representação política”. Essa é uma faceta do que o
estudioso chama de “capitalismo informacional”. Cas-
tells acredita que o “contrapoder” foi potencializado pela
Internet, que alimenta os movimentos sociais com ferra-
mentas da comunicação autônoma e livre dos controle
governamentais.
Guilherme Kramer
Continua na página 8
WWW.BRAUDEL.ORG.BR 7
O nascimento da Internet
A Internet começou nos Estados Unidos. O trabalho
inicialfoiconduzidoporpesquisadoresnoMassachusetts
Institute of Technology (MIT), nos anos 1960, para
desenvolver comunicação via troca de pacotes de
informação (packet-switched) entre computadores.
Esse esforço resultou na criação da ARPANET no
Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que
se tornou operacional em 1969. A ARPANET não
tinha objetivo militar, como muitos imaginavam,
mas havia sido desenhada para compartilhar recursos
de computação entre universidades apoiadas pelo
Pentágono.
O seguinte passo importante se deu em 1973, com
a invenção dos protocolos TCP/IP (sigla para Transport
Control Protocol/Internet
Protocol), anunciados em
um artigo escrito por Vint
CerfeRobertKahnem1974.
Essesprotocolosviabilizaram
o que é conhecido como
“arquitetura aberta da rede”
e permitem a interconexão
entre diversas redes de
computadores, onde quer
que estejam localizados.
Novos trabalhos para o
Pentágono estenderam o
conceito para rádio móvel e comunicações via satélite,
que foram interconectadas à ARPANET em 1983, o
que marcou a inauguração da Internet.
Trabalho paralelo, feito por Paul Baran na RAND
Corporação, tentou criar um sistema descentralizado
de comunicação que poderia sobreviver a um ataque
nuclear. Vint Cerf me disse que “ele [Baran] articulou
a utilidade de ‘empacotização’ para voz, mas chamou
as unidades de message blocks. Seu sistema nunca
foi construído. No entanto, seu trabalho foi notado
pelos criadores da ARPANET depois da conclusão
do desenho básico. Enquanto eu dirigi o programa da
Internet, tive como objetivo fazer com que a Internet
fosse resistente a um ataque militar e, além disso,
demonstrei a capacidade de autorrecuperação dela
em cooperação com o Comando Aéreo Estratégico,
utilizando rádios aéreos de comunicação por pacotes.
Então as idéias de Baran encontraram terra fértil na
Internet, ainda que não na ARPANET”. Muitos outros
pesquisadores contribuíram à teoria e desenho do que
chegou a ser a ARPANET e depois a Internet.
À medida que redes locais, microcomputadores e es-
tações de trabalho mais avançadas foram se disseminan-
do nos anos 1980, a Internet se expandiu rapidamente.
No final dos anos 1980, a ARPANET foi conectada
à NSFNET (National Science Foundation Network).
A ARPANET foi fechada em 1990. Novos provedores
de serviço Internet (ISPs) passaram a oferecer acesso à
Internet para clientes comerciais. Em 1995, esperava-se
que usuários acadêmicos não precisassem mais de redes
dedicadas, e pudessem ser atendidos adequadamente
por provedores comerciais.
Foi então que a Fundação
Nacional da Ciência decidiu
fechar o NSFNET. Em 1996
uma nova rede acadêmico-
científica de muito maior
velocidade foi iniciada, cha-
mada Internet 2, uma rede
privada operada pelas uni-
versidades de pesquisa.
Enquanto isso,
outro grande passo no
desenvolvimento da
Internet surgia na Europa, na Organização Europeia
para a Pesquisa Nuclear (CERN), onde foi inventado
o conceito de hipertexto, um conjunto de links para
acesso que formou a arquitetura da World Wide Web
(WWW), articulado em Hypertext Markup Language
(HTML) que facilita acesso e comunicação na Internet.
Em 1993, a web disparou com a introdução do browser
Mosaic. O primeiro aparelho celular conectado com a
Internet foi o Nokia 9000 Communicator, lançado na
Finlândia em 1996.
No Brasil, a Internet é um pouco mais jovem. Sua
história remonta a 1987, quando houve, na USP, um
encontro entre pesquisadores acadêmicos e representan-
tes da Embratel. O objetivo da reunião foi desenvolver
uma rede para facilitar a comunicação entre as comu-
nidades acadêmicas e científicas do Brasil e do exterior.
Nos dois anos seguintes, três instituições brasileiras
Guilherme Kramer
BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 20138
– o Laboratório Nacional de Computação Científica
(LNCC), no Rio de Janeiro; a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em São Pau-
lo; e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
– estabeleceram, separadamente, links com três insti-
tuições dos Estados Unidos usando a Bitnet. Essa rede,
cuja sigla deriva do nome em inglês em Because It’s Time
Network, permitia a troca de e-mails e arquivos. Em
1989, a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa),
da Secretaria de Ciência e Tecnologia (que mais tarde se
tornou o Ministério de Ciência e Tecnologia), foi criada
para construir uma rede acadêmica nacional.
O Brasil passaria a integrar a Internet global em maio
de 1992, com dois links internacionais, um da UFRJ e
outro da Fapesp, estabelecidos durante a Conferência
Internacional do Meio Ambiente e do Desenvolvimen-
to, a Rio-92. Usando esses links, e com o apoio do Pro-
grama de Desenvolvimento da ONU e do governo do
Reino Unido, a Alternex, uma rede que ligava ONGs
ao Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Eco-
nômicas), foi viabilizado o acesso à Internet do Fórum
Global, evento de uma ONG paralelo à Rio-92. Assim,
a Alternex foi o primeiro provedor brasileiro a servir in-
divíduos fora do mundo acadêmico e das organizações
acadêmicas, governamentais e de pesquisa.
O uso comercial da Internet no Brasil só começaria
em 1995, com a entrada de provedores comerciais. O
recém-eleito governo de Fernando Henrique Cardoso
procurou quebrar o monopólio estatal de comunica-
ções, mas levou três anos para obter a legislação ne-
cessária, o que resultou na privatização completa das
empresas de telecomunicações estatais. No entanto, era
necessário prover os meios que permitissem à Internet
comercial crescer sem ser dominada pelas companhias
estaduais que em breve seriam privatizadas. O primei-
ro passo foi proibir a competição no mercado dessas
empresas, o que protegeu os provedores nascentes da
concorrência estatal.
Outro marco no desenvolvimento da Internet no
Brasil foi a criação, em maio de 1995, do Comitê Ges-
tor da Internet no Brasil (CGI), viabilizada por um
acordo entre os ministérios das Comunicações e de
Ciência e Tecnologia. A missão do CGI é dar diretri-
zes e apoio à Internet comercial através da cooperação
público-privada. Michael Stanton, hoje diretor de Pes-
quisa e Desenvolvimento da RNP, me disse que “com
a proteção e orientação do CGI ‘mil flores floresceram’,
e novos provedores apareceram em todo o Brasil, mui-
tos deles originados de BBS [sigla para Bulletin Board
Systems], anteriormente conectados via conexões dis-
cadas das empresas de telecomunicações. Esses novos
provedores obtiveram conexões à Internet ou da estatal
Embratel ou da RNP até a chegada das empresas de
telecomunicações privatizadas no fim dos anos 1990.
O CGI atualmente é composto por 21 membros (nove
representantes do governo, quatro de empresários, qua-
tro de organizações da sociedade civil e três da comu-
nidade científica e tecnológica, além de um especialista
em Internet).
Esse modelo positivo recebeu considerável atenção
internacional e foi usado por outros países em organis-
mos governamentais para a gestão da Internet nacional.
Competição, custo e qualidade
O mercado brasileiro de telecomunicações é o sexto
mais competitivo do mundo para telefonia fixa, celular
e banda larga. É consideravelmente mais competitivo do
que a maioria dos países europeus, porém em muitas par-
tes do país as operadoras tradicionais de telecomunica-
ções ainda mantém o monopólio nos serviços de linha
fixa, o que resulta em preços altos. Em fevereiro de 2013,
a metade da população brasileira podia escolher entre
quatro operadores de celulares; 13% podiam acessar três
operadoras, enquanto 12% não tinham acesso a celular
de banda larga. Pesquisas mostram que a porcentagem da
população com mais de dez anos de idade que acessa a
Internet cresceu de 30% em 2005 para 49% em 2012. A
proporção de casas com acesso à Internet subiu de 21%
para 40%. A parcela de empresas com dez empregados ou
mais que acessam a Internet alcançou 98% em 2011, e a
proporção de empresas que têm site atingiu 59%.
Os investimentos em serviços de telecomunicações têm
sido substanciais e totalizaram cerca de R$ 200 bilhões,
não ajustados pela inflação, desde a privatização de 1998.
Em 2012, conexões de banda larga em linhas fixas che-
garam a quase todos os 5.570 municípios do Brasil. A
penetração de linhas fixas de banda larga em 2012 era de
8,6 por 100 residentes, taxa mais baixa que a do Chile,
México e Argentina, e menos de um terço da dos Estados
Unidos. As conexões fixas de banda larga alcançaram 20
milhões e a projeção é que atinjam 30 milhões em 2014.
A velocidade de transmissão é lenta. Entre os usuá-rios
brasileiros de banda larga fixa, 44% dispunham de velo-
WWW.BRAUDEL.ORG.BR 9
cidade média de até 512 Kbps (mil bits por segundo), e
41% tinham conexões de 2 Mbps ou mais. A velocidade
média das conexões no Brasil em 2012 foi de 2,3 Mbps,
o que é 79% da média de 55 países com o tráfego mais
intenso de Internet. Quanto maior a velocidade, melhor e
mais eficiente o uso da Internet.
Quanto aos preços, embora estejam caindo, ainda são
muito altos. Em recente estudo comparando o custo mé-
dio do Mbps em quinze países, o Brasil ficou em segundo
lugar, com um custo mensal de US$ 25, perdendo ape-
nas para a Argentina (US$ 46). A Internet é mais barata
no Chile (US$ 23), Portugal (US$ 11), Estados Unidos
(US$ 3,33), Finlândia (US$ 2,77) e Coreia do Sul (US$
0,27). Outra pesquisa, da União Internacional de Teleco-
municações, uma das mais antigas organizações interna-
cionais, agora parte da ONU, colocou o Brasil no topo
do ranking das chamadas de celular mais caras do mundo.
Segundo o relatório, o minuto da ligação entre aparelhos
de operadoras diferentes fora do horário de pico custa
US$ 0,74, o dobro do que em outros países da América
Latina, como México e Argentina.
Três fatores contribuem para o alto custo de serviços
de telecomunicações no Brasil: tributação excessiva, altas
taxas para interconexões e regulamentações sobre uso de
componentes nacionais. O aluguel caro da capacidade de
transmissão, no caso de o operador não ter sua própria in-
fraestrutura em determinado trecho, também contribui.
1. Tributação excessiva. O elevado custo dos serviços
de telecomunicações no Brasil deve-se em grande parte à
alta carga tributária, que é a maior do que em qualquer
outro setor. Em dez estados e no Distrito Federal, só o
ICMS é de 25%, enquanto em outros chega a 35%, como
em Rondônia. A maioria dos impostos é calculada sobre
a receita bruta; a conta telefônica, por exemplo, inclui
todos os impostos. Para os estados com ICMS de 25%,
os principais impostos e taxas (Cofins, PIS/Pasep, ICMS,
Fust e Funtel) equivalem a 30% do valor da conta, mas se
calculados sobre o valor líquido chegam a 43%. Nos es-
tados com ICMS mais alto, a carga tributária total é mais
elevada, chegando a 49% em Rondônia.
2. Altas taxas de interconexão. As taxas cobradas pelas
chamadas entre celulares de operadoras diferentes e entre
uma linha fixa e um celular são bem altas. Isso leva muitos
clientes a usar celulares que aceitam mais que um cartão
SIM. Outro efeito da tarifa de interconexão elevada é que
ela incentiva a enorme base de telefones pré-pagos. Se-
tenta e nove por cento das linhas móveis são pré-pagas.
Como o custo por minuto dessa chamada é exorbitante, a
maioria apenas recebe ligações, uma vez que quem paga a
ligação é quem a faz. Isso torna o pré-pago mais lucrativo
para a operadora do que um pós-pago usado regularmen-
te. Taxas para transferência entre operadoras estão sendo
reduzidas paulatinamente e devem chegar a R$ 0,16 em
2015, de acordo com regulamento da Anatel. Ainda as-
sim, as taxas de interconexão no Brasil ainda estão entre
as mais altas no mundo.
3. Regras de conteúdo nacional. Os preços de com-
putadores, equipamentos de telecomunicações, smar-
tphones e novas linhas de fibra ótica são todos inflados
por regulamentações que exigem altas porcentagens de
componentes de conteúdo nacional – inclusive as impos-
tas recentemente para qualificar empresas para a desone-
ração de alguns impostos federais.
Além de serem caros e lentos, os serviços de telecomu-
nicações no Brasil têm uma qualidade que deixa muito a
desejar. Os serviços ao consumidor são em geral insatis-
fatórios, com a frequente queda de conexões. A situação
ficou tão precária que a Anatel suspendeu a venda dos car-
tões SIM em dezenove estados, da Oi em cinco e da Claro
em três, em julho de 2012, obrigando essas operadoras a
apresentar planos detalhados de melhorias, com especial
atenção ao problema da queda das ligações e atendimento
aos clientes.
Apesar dos problemas de custo e qualidade, a cober-
tura de banda larga sem fio tem crescido rapidamente,
e as quatro maiores operadoras (Vivo, Claro, TIM e Oi)
já alcançam 3.643 municípios, ou 90% da população do
Brasil, em setembro de 2013. O número de conexões de
banda larga sem fio alcançou 96 milhões, um aumento de
51% em relação a setembro de 2012. Dessas conexões, 81
milhões foram para celulares, inclusive de smartphones,
e 15 milhões para terminais de dados, inclusive mode-
ms, tablets, e leitores de cartões de crédito e débito. Além
disso, houve novas 553 mil conexões da mais rápida 4G.
A taxa de penetração da banda larga móvel no fim de
2012, de 30 por 100 habitantes, era 50% superior à mé-
dia da América Latina. As vendas de tablets em 2012 al-
cançaram 3 milhões e de smartphones, 16 milhões. No
segundo trimestre de 2013, as vendas de smartphones
atingiram 8 milhões, alta de 110% em relação ao mesmo
período de 2012. Desses aparelho, 90% usavam o sistema
Android, da Google, e o preço médio dos smartphones
caiu de R$ 730 para R$ 550.
Smartphones e tablets são na realidade computadores
portáteis que baixam vídeos e permitem a realização de
audioconferências e videoconferências e trocas de men-
BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201310
sagens de texto em conexões sem fio. Em 2012, os smar-
tphones baratos (até R$ 300) que contam com o sistema
operacional Android se transformaram no computador
dos pobres, que os utilizavam para fazer chamadas usan-
do softwares gratuitos, como o Skype. A penetração des-
ses aparelhos será acelerada com a redução contínua dos
preços. A IDC, empresa de pesquisa, prevê que a venda
de smartphones no Brasil atingirá 29 milhões de unidades
em 2013, 81% mais do que em 2012, o que fará do país o
quinto maior mercado de smartphones do mundo.
O papel do governo
O governo precisa atualizar
a legislação e reduzir a exces-
siva tributação dos serviços
de telecomunicações. Não
é admissível que, no limiar
de uma nova era do-
minada pela telefonia
móvel, a Lei Geral das
Telecomunicações man-
tenha o anacronismo de
priorizar a telefonia fixa.
Taxas e impostos elevados,
embora fáceis de recolher,
são regressivos e totalmente
contrários ao objetivo do gover-
no de inclusão digital, e podem até
encolher a receita. Em suma, tais
cobranças limitam o poder da tec-
nologia digital de reduzir desigual-
dades e acelerar o desenvolvimento
econômico.
Mas o problema mais grave é a
ausência de uma abrangente estra-
tégia nacional para a e-transforma-
ção impactando todos os setores
e evitando políticas não coorde-
nadas e até contraditórias. A úni-
ca tentativa oficial foi um relatório intitulado Livro Verde
da Sociedade da Informação no Brasil, de 2000, escrito por
uma equipe do Ministério da Ciência e Tecnologia, com
a contribuição de centenas de especialistas. O documento
propôs ações específicas de planejamento orçamentário,
execução e monitoramento do plano. Mas não propôs ne-
nhuma legislação e nunca foi implementado.
Fechando-se o foco na expansão dos serviços de banda
larga no Brasil, a primeira tentativa séria de se esboçar um
programa e uma política nacional foi o Programa Nacio-
nal de Banda Larga (PNBL), instituído pelo decreto pre-
sidencial 7.175, de maio de 2010. O objetivo do PNBL é
acelerar o acesso da população à sociedade da informação.
Um dos principais instrumentos para executar o PNBL
é a Telebras, a companhia federal de telecomunicações
inativa desde a privatização das telefônicas estaduais em
1998 e que, sob a supervisão do Ministério das Telecomu-
nicações, foi ressuscitada com esse propósito.
Vários estados estão construindo, ou têm intenção de
construir, suas próprias redes de fibra ótica
fora da capital, a fim de alcançar todos os
municípios, seja por conexões de fibra ou
de rádio, de maneira a reduzir os custos
das comunicações.
Os líderes são o Pará (com seu pro-
grama Navegapará, que vai além do
MetroBel, a rede metropolitana
comunitária, Redecomep, de
Belém, parcialmente finan-
ciada pela Rede Nacio-
nal de Ensino e Pesquisa
(RNP) e chega a 56 dos
144 municípios do es-
tado) e o Ceará (onde a
companhia estatal de TIC,
a Etice, construiu um anel
de cabos de fibra ótica de
mais de 3 mil quilômetros
em torno do estado, alcançando
88% de sua população). Cha-
mado Cinturão Digital, o núcleo
do programa cearense é a Gigafor, a
rede comunitária de Fortaleza, também
parcialmente financiada pela RNP. Em vá-
rios pontos ao longo das espinhas dorsais
de fibra ótica há torres para links de rádio
levando o sinal da Internet aos municípios
onde o Cinturão Digital não passa. Assim
podem se comunicar com o governo estadual e com os
governos de outros municípios. Um aspecto fundamental
dessas crescentes redes estatais é a parceria entre a RNP, as
companhias elétricas, governos municipais, as operadoras
particulares de telecomunicações e, a Telebras.
Entre as características das melhores redes estaduais e
municipais estão as seguintes:
• O estado ou município aproveita das fibras apagadas
instaladas na Redecomep da capital e alocadas ao governo;
Guilherme Kramer
WWW.BRAUDEL.ORG.BR 11
• parcerias são estabelecidas com a RNP, com empresas
públicas municipais, estaduais e federais, com operadoras
privadas de telecomunicações e com a Telebras para au-
mentar a extensão e reduzir os custos;
• cabos de fibra ótica próprios e complementares, assim
como redes sem fio, são implantados para preencher as
lacunas e prover a necessária capilaridade (tanto urbana
como rural);
• a operação e manutenção são terceirizadas a empresas
privadas; e
• a capacidade excedente das redes estaduais e munici-
pais é vendida para operadoras particulares a fim de gerar
receita, o que ajuda a pagar os custos operacionais e de
manutenção.
Um obstáculo para se alcançar as ambiciosas metas
federais para cobertura móvel é o caótico sistema de li-
cenciamento de antenas em áreas urbanas. Para licenciar
uma pequena antena, que mal pode ser vista, é preciso
cumprir os mesmos rígidos requerimentos para instalar
uma antena de grande porte. O licenciamento está sujei-
to a 250 legislações de diferentes cidades. As operadoras
reclamam que a falta de qualidade dos serviços móveis
deve-se ao fato de que, enquanto a demanda dispara, o li-
cenciamento de novas antenas é um processo lento e com-
plexo. “Em alguns municípios, o licenciamento passa por
até sete órgãos diferentes. Chega a levar um ano e meio
esse trâmite todo. Achamos que é possível abreviar esse
prazo para 60 dias”, disse o ministro das Comunicações,
Paulo Bernardo.
O que falta ser feito
A história da interiorização do desenvolvimento está
intrinsecamente relacionada à expansão dos meios de
comunicação. A instalação de uma linha telegráfica, em
1909, e a construção da BR-364 ao longo das linhas do
telégrafo deram origem ao município de Cacoal, em Ron-
dônia, uma cidade que agora tem fibra ótica.
Com cerca de 80 mil habitantes, Cacoal é atendida
pela empresa Speed Travel, um pequeno provedor admi-
nistrado por Ed Carlo Saboia. Aos 30 anos, Saboia pode
ser considerado um símbolo dessa transformação. Nas-
cido em Rondonópolis, filho de pais cearenses que mi-
Quadro institucional no Brasil
O atual marco institucional do sistema de
telecomunicações do Brasil foi estabelecido pela Lei
Geral das Telecomunicações (LGT, Lei nº 9.472, de
16 de julho de 1997). Essa lei criou a Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações), a agência reguladora
encarregada de defender os interesses do Estado e do
cidadão, de estimular a competição, universalizar os
serviços de telecomunicações e modernizar a tecnologia
das comunicações.
A LGT, junto com uma emenda constitucional
aprovada em 1995, preparou o terreno para a
quebra do monopólio estatal da Telebras, a holding
estatal responsável pelo fornecimento de serviços de
telecomunicações em todos os estados e o Distrito
Federal até 1998. O objetivo foi criar um mercado
competitivo de telecomunicações e promover a provisão
de um amplo leque de serviços de telecomunicações para
segmentos cada vez maiores da população.
A Anatel goza de independência administrativa
e autonomia financeira, porém tem ligação com o
Ministério das Comunicações.Seus diretores são
indicados pela presidência da República e aprovados
pelo Senado. A Anatel é financiada com recursos de duas
fontes: o Orçamento Federal e créditos suplementares
do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações).
A verba do Fistel, por sua vez, vem de várias rubricas,
sobretudo das taxas de abertura e manutenção de linhas
telefônicas. No período 2001-2012, por exemplo, os
recursos do Fistel foram de R$ 44,2 bilhões.
Outro organismo que foi concebido para ajudar a
financiar o setor é o Fust (Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações). Criado em 2000 com o
objetivo expresso no próprio nome, o Fust é financiado
por uma taxa de 1% da renda bruta dos operadores de
telecomunicações. No período 2001-2012, os recursos
do Fust totalizaram R$ 14,3 bilhões.
O setor, porém, não costuma ver a cor de todo esse
dinheiro. A maioria é canalizada para fins não previstos
na legislação que criou esses fundos. Na realidade, os
recursos do Fust e 90% da receita do Fistel nunca foram
usados para os propósitos aos quais foram destinados. Em
vez de financiar as telecomunicações, os recursos foram
usados para ajudar a formação do superávit primário,
para pagar os juros da dívida do governo federal.
BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201312
graram para Rondônia, ele começou a trabalhar com um
provedor local em 2000. O dono da empresa era um gaú-
cho que, tendo decidido voltar ao Rio Grande do Sul, lhe
vendeu o negócio em 2003. Em sociedade com seu pai,
Saboia expandiu o negócio rapidamente. Hoje a Speed
Travel tem dez empregados e cerca de 3.500 clientes. O
empresário construiu um anel de fibra de 40 quilômetros
que atende também aos moradores de Pimenta Bueno e
Vilhena, municípios vizinhos.
Velocidade, aliás, tem sido a palavra-chave no universo
competitivo dos médios e pequenos provedores. A via-
bilidade do negócio depende da fidelização dos clientes,
e eles não serão fiéis se não tiverem conexões cada vez
mais rápidas e eficientes. A trajetória de Leandro Dias de
Almeida, dono da Direct Wi-Fi, de Campo Magro, no
Paraná, é emblemática do esforço realizado por seus pares
Brasil afora. O negócio começou pequeno, com a compra
de um link de rádio de 1 Mbps, com o qual ele servia
quinze clientes. Em 2011, o negócio dobrou: 2 Mbps ob-
tidos da Copel, distribuidora estadual de energia, e trinta
clientes. No ano seguinte, a empresa dobrou de novo de
capacidade, para 4 Mbps. Até aí a progressão era apenas
geométrica. O grande salto foi dado em 2013, com um
link de 200 Mbps com outra operadora, que usa fibra
ótica. Como no caso de Saboia, o negócio de Dias de Al-
meida é velocidade.
E o governo? O que está sendo feito para aumentar a
cobertura, a velocidade e a qualidade dos serviços de ban-
da larga fixa e móvel?
Vamos analisar três fatores.
1. Aumentando redes de banda larga. Mais priorida-
de tem sido dada pelos governos federal, estaduais e mu-
nicipais, mas ainda falta uma estratégia nacional e multis-
setorial. A Aneel, agência reguladora do setor energético, é
importante para a melhora dos serviços de telecomunica-
ção. As companhias geradoras de energia elétrica possuem
20 mil quilômetros de cabos de fibra ótica (conhecidos
como Cabos de Guarda com Fibra Ótica, OPGW, na si-
gla em inglês) estendidos em linhas de alta voltagem e que
contêm fibras apagadas que podem ser alugadas por ope-
radoras de telecomunicações, inclusive empresas privadas
e a RNP. As empresas estatais estaduais distribuidoras de
energia também têm linhas de alta voltagem, assim como
de menor voltagem, penduradas em postes que podem ser
utilizadas para a instalação de fibras óticas a serem com-
partilhadas. A Petrobras também tem cabos de fibra ótica
estendidos ao longo de seus dutos de gás e de petróleo.
A Telebras, incumbida de implementar o PNB, ex-
pandiu paulatinamente sua rede de cabos de fibra ótica,
em grande parte com parcerias público-público e públi-
co-privada. Isso permitiu a rápida expansão da espinha
dorsal da rede da Telebras, concebida como uma série de
anéis que possibilitam conexões redundantes, para o caso
de rompimento dos cabos em qualquer ponto de um de
seus anéis. Para completar, a Telebras está acrescentando
suas próprias fibras em vários trechos para fechar alguns
dos anéis e servir cidades e regiões que não estão alcan-
çadas pelas fibras alugadas e para fornecer capacidade às
seis cidades onde foram realizados os jogos da Copa das
Confederações em 2013 e às doze cidades que serão as
sedes da Copa do Mundo em 2014.
Para apoiar um novo projeto, o Veredas Novas, a Tele-
bras está estendendo sua rede para cerca de 180 cidades
do interior dos estados, onde chega a mais de 300 uni-
versidades e instituições de pesquisa. Em cada uma delas
está instalando um ponto de acesso local, com conexão de
rádio e potencialmente de fibra a provedores de Internet
que concordam em incluir a opção de conexões de baixo
custo de pelo menos 1Mbps para seus consumidores sob
o PNBL. Esses provedores também podem oferecer co-
nexões mais rápidas a preços de mercado. Na prática, os
pequenos e médios provedores tanto quanto as grandes
operadoras – como Oi, Telefônica, Embratel, TIM e Al-
gar Telecom – que oferecem esses pacotes do PNBL (que
em alguns estados se beneficiam com a isenção do ICMS)
estão descobrindo que muitos dos clientes que adquirem
essas conexões de baixo custo querem migrar para pacotes
de maior velocidade e mais caros. Dessa maneira, o PNBL
está abrindo novos mercados para provedores particulares.
O crescimento da rede da Telebras teve impacto sobre
preços dos provedores particulares. O governo federal
procura encorajar todos os operadores do setor privado
a expandir a inclusão digital da população nos mercados
não totalmente atendidos.
Desde 2005, pequenos provedores de serviços de Inter-
net, como Adilson Klaffke, de Nova Guarita (MT), foram
os primeiros a disseminar o acesso à rede a comunidades
remotas. O número de empreendedores como Adilson
dobrou nos últimos dois anos, como resultado do PNBL
e dos procedimentos simplificados e mais baratos para se
obter licenças para o Serviço de Comunicação Multimí-
dia (SCM) da Anatel.
A expansão de conexões de alta velocidade foi estimu-
lada pelo crescimento na demanda para acesso à Internet,
sobretudo no segmento emergente da classe C. Esse gru-
po dá apoio substancial ao governo, mas também é corte-
WWW.BRAUDEL.ORG.BR 13
jado por partidos de oposição. Esses novos consumidores,
logo que lhes é possível, compram smartphones, tablets e
laptops – e a banda larga que esses equipamentos exigem.
Em 2011, o Ministério das Comunicações enviou ao
Congresso a proposta do Marco Civil da Internet. O do-
cumento procura estabelecer princípios para a Internet
esboçados pelo CGI e sujeitos a intenso debate – em au-
diências formais e na própria Internet, inclusive na mídia
social. Apesar do forte apoio da Sociedade de Internet do
Brasil e do CGI, a proposta se arrasta no Congresso.
O principal contencioso é a definição da “neutralida-
de da rede”, ou seja, o princípio de que todo o tráfego
na Internet seja tratado igualmente. Quer dizer, que os
provedores permitam acesso a todos os conteúdos e apli-
cações, qualquer que seja a fonte, sem favorecer ou blo-
quear nenhum produto ou site em particular. Grandes
operadoras se opuseram ou tentaram limitar essa garantia
(não apenas no Brasil, mas no mundo todo). Alegando
que elas deveriam ter o direito de dar prioridade a alguns
tipos de tráfego para prevenir que um pequeno número
de usuários (por exemplo, aqueles que fazem downloadin-
gs pesados de vídeos de alta definição) elevem custos para
outros usuários.
Mas, com o recente furor sobre as atividades de espio-
nagem da Agência Nacional de Segurança (NSA), dos
Estados Unidos, a presidente Dilma declarou apoio ao
Marco Civil e à neutralidade da rede. Várias emendas à
proposta original, inclusive garantias para manter dados
oriundos do Brasil em servidores brasileiros da confiança
da presidente, estão sendo intensamente debatidos.
2. Educação. A conexão de banda larga em instituições
educacionais é necessária para se atingir essa meta e acele-
rar o desenvolvimento social. O governo federal responde
a essa demanda com o Programa Banda Larga nas Escolas
e, para universidades e institutos de pesquisa no interior
dos estados, o programa Veredas Novas.
A partir de 2008 exigiu-se que as empresas telefônicas
tradicionais fornecessem conexões de banda larga às es-
colas públicas urbanas. Isso foi obtido sem custo para o
Tesouro Nacional devido à “troca de obrigações” negocia-
das em abril daquele ano, pela qual as operadoras ficaram
desobrigadas de fornecer milhares de cabines de telefone
público, fax e acesso à Internet que seriam instaladas em
postos de serviços de telecomunicações.
O número de escolas conectadas pelo programa subiu
para 21.363 no final de 2008 e alcançou 70.399 em mar-
ço de 2013. Faltam apenas 5.192 escolas a serem conec-
tadas.
Em fevereiro de 2012, a RNP lançou o Veredas No-
vas para permitir que as instituições de ensino e pesqui-
sa aproveitem aplicativos avançados, bibliotecas digitais,
instrumentos remotos e, o mais importante, possibilitem
a seus pesquisadores a oportunidade de colaborar com
instituições do Brasil e do exterior. As instituições do pro-
jeto Veredas Novas terão, portanto, os mesmos meios de
comunicação e colaboração já desfrutados por institui-
ções conectadas pela RNP nas capitais estaduais e outros
grandes centros.
O equipamento da Telebras é instalado em cada cam-
pus, e a partir daí a Telebras expande a infraestrutura de
telecomunicação para o entorno, proporcionando melhor
e mais rápido acesso à Internet para os governos locais,
empresas e cidadãos. A meta é chegar a 700 locais até final
de 2014. Os campi do projeto Veredas Novas não conec-
tados à espinha dorsal Telebras-RNP receberão links via
empresas estatais estaduais de TIC, operadoras privadas
de telecomunicações, provedoras de Internet ou através
da própria subrede ou links da RNP.
3. Eventos internacionais. O governo está responden-
do à pressão gerada pelos grandes eventos internacionais
para melhorar a infraestrutura das telecomunicações.
Dois já foram realizados neste ano: a Copa das Confe-
derações e a visita do papa Francisco durante a Jornada
Mundial da Juventude. Além disso, como se sabe, a Copa
do Mundo será disputada em 2014, em doze cidades, e os
Jogos Olímpicos acontecerão em 2016, no Rio.
O lado sombrio da Internet
Spam, fraudes, roubo de dados, abuso infantil, inva-
sões de privacidade, terrorismo cibernético, sabotagem e
espionagem são realidades que constituem o lado sombrio
da Internet.
Guilherme Kramer
BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201314
O spam – o e-mail não solicitado e não desejado – cons-
tituiu 72,1% do tráfego de e-mail em 2012. Spams pos-
suem vários impactos negativos, como o desperdício do
tempo do usuário, o custo de filtrar as mensagens quando
possível e o entupimento dos canais da Internet com trá-
fego inútil e prejudicial. Mas o spam pode também ser
mais perigoso quando envolve phishing (links para sites
que se dizem legítimos, mas que na prática roubam da-
dos, inclusive nomes de usuários e senhas de acesso em
instituições financeiras, e inserem vírus ou outros softwa-
res maliciosos no computador do usuário).
Uma estimativa do custo do crime cibernético é que
chegue a US$ 114 bilhões por ano. Com base no valor
estimado pelas vítimas em tempo perdido devido a ex-
periências com crimes cibernéticos, há perda adicional
de US$ 274 bilhões. Com 431 milhões de vítimas no
mundo no ano passado e perdas avaliadas em US$ 388
bilhões, levando-se em conta os prejuízos financeiros e o
tempo perdido, o crime cibernético custa para a popu-
lação mundial significantemente mais do que o merca-
do negro mundial de maconha, cocaína e heroína juntos
(US$ 288 bilhões).
Questões relativas à privacidade são relevantes desde os
primórdios da Internet, mas recentemente estão atraindo
mais a atenção. Enormes quantidades de informações es-
tão sendo coletadas – com objetivos legítimos e cedidas
voluntariamente por usuários (como informações posta-
das em redes sociais ou obtidas por empresas que fazem
comércio virtual, como a Amazon ou a Netflix) ou ob-
tidas de forma subreptícia por agências de espionagem
governamentais e empresariais. Esses dados então são
analisados com o uso das técnicas poderosas do big data.
O alcance dessa espionagem foi recentemente dramatiza-
do pelas revelações de Edward Snowden, um jovem que
trabalhou sob contrato para agências de inteligência dos
EUA.
Ataques cibernéticos, que mobilizam vultosos recursos
em medidas ofensivas e defensivas, não são apenas uma
ameaça potencial. Com os ataques de Stuxnet nas ins-
talações nucleares iranianas, tornaram-se uma realidade.
A vulnerabilidade de todos os tipos de sistemas impor-
tantes, incluindo bancos, redes de energias, controles de
transporte e comunicações militares, é uma realidade, e a
defesa contra essas ameaças é cara e nunca totalmente efe-
tiva. Uma recente troca de acusações entre funcionários
dos governos dos EUA e da China sobre invasões gover-
namentais e empresariais é apenas a ponta do iceberg.
Em conclusão, como acontece com quase todas as tec-
nologias, a Internet pode ser utilizada para o bem ou para
o mal. Estamos no caminho certo, mas é preciso mais
pressa e mais cooperação. A tecnologia da Internet repre-
senta um avanço que beneficia economias que investem
em infraestrutura eletrônica, permitindo aos usuários co-
nexões rápidas, baratas e eficientes. A importância de uma
sociedade interconectada em rede vai além dos ganhos de
eficiência viabilizados pelos poderosos aparelhos alimen-
tados por cabos de fibra ótica e conexões sem fio de alta
velocidade. A infraestrutura eletrônica, no entanto, é ape-
nas um meio – um meio de implementar uma estratégia
abrangente e coordenada de e-transformação para fazer
frente aos problemas institucionais de longo prazo que
comprometem o desenvolvimento.
Dois desafios
O Brasil enfrenta dois desafios: superar as insuficiên-
cias das políticas públicas e acompanhar os rápidos avan-
ços no exterior. Hoje outra onda de inovação está sendo
impulsionada pelo big data, pelas novas capacidades de
análise e pela computação móvel social e em nuvem. O
ambiente está se transformando: de aplicações monolíti-
cas para serviços dinâmicos; de informações estruturadas
para informações não estruturadas; de PCs para uma va-
riedade sem precedentes de aparelhos; de tarefas estáveis
para tarefas imprevisíveis; de infraestrutura estática para
serviços em nuvem; e de padrões proprietários para ino-
vação aberta.
Pequenos empreendedores são importantes para ligar
as linhas de tronco nacionais a lugares de difícil acesso.
Atuam movidos pela “mão invisível do mercado” descri-
ta há dois séculos por Adam Smith em A Riqueza das
Nações. “Não é da benevolência do açougueiro, do cerve-
jeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de
seu empenho em seu próprio interesse”, escreveu o pai da
economia política.
Assim foi com José Selestino na pequena cidade de
Uruará, no Pará, na beira da rodovia Transamazônica, es-
trada continental ainda sem pavimentação e dificilmen-
te transitável. Há quatro anos este bandeirante da banda
larga de 33 anos contratou um link de fibra ótica desde
Brasília e montou torres, instalou equipamento de Wi-Fi
e deu suporte técnico para manter a fidelidade dos seus
clientes.
Como ele, milhares de pequenos e médios provedores
continuam transformando obstáculos em negócios lucra-
tivos para levar a Internet aos mais remotos rincões do
país. Assim a Internet se transforma no mais moderno
instrumento de integração nacional, alimentando a coo-
peração humana em tempo real.
WWW.BRAUDEL.ORG.BR 15
Quarenta anos se passaram desde os primeiros esbo-
ços do que viria a ser a Internet. Muito aconteceu des-
de então. Embora o passado tenha sido basicamente um
prólogo, nossa capacidade de vislumbrar o futuro é pre-
judicada por fatores imprevisíveis e desconhecidos. Algu-
mas tendências, porém, podem ser identificadas, e neste
texto me concentro em duas delas: a computação móvel
e a educação.
Computação móvel e ubíqua
Novos aparelhos têm acelerado o acesso e as aplicações.
Esses dispositivos tornaram a Internet mais acessível. Sua
infraestrutura continua a se expandir em todos os lugares.
A capacidade aumenta à medida que processadores mais
rápidos, memórias ampliadas, telas melhoradas expandem
as funções dessas plataformas. Câmeras, microfones, alto-
falantes, telas sensíveis ao toque e instrumentos de GPS
são cada vez mais aperfeiçoados e abrem um novo leque
de aplicações. Fontes padrões e abertas de software facili-
tam a generalizada adoção de aplicações.
Talvez o mais significativo é que esses aparelhos inteli-
gentes se transformaram em algo poderoso por permitir o
acesso à internet. A Internet, a computação em nuvem e
os aparelhos celulares reforçam mutuamente sua capaci-
dade de criar novos negócios e novas oportunidades eco-
nômicas.
Mark Weiser, um dos principais cientistas da Xerox
PARC, no Vale do Silício, nos Estados Unidos, cunhou
o conceito de “computação ubíqua” em 1988. Ele fazia
alusão à noção de que computadores um dia fariam parte
do nosso ambiente e se tornariam sempre presentes, de-
sempenhando funções úteis e trabalhando para a nossa
conveniência. Muitos equipamentos que contêm itens de
computação não são considerados propriamente “com-
putadores”. Aparelhos usados para nosso entretenimento,
utensílios de cozinha, peças de automóveis, sistemas de
segurança nas áreas de medicina e meio ambiente; nos-
sas roupas, casas e escritórios – o computador estaria em
todos esses lugares, em potências e tamanhos variados. A
maioria deles, se não todos, estaria interconectada respon-
dendo às necessidades e políticas estabelecidas pelos usu-
ários ou por seus representantes autorizados. A visão de
Weiser está rapidamente se tornando uma realidade.
Tais sistemas podem incluir de dezenas a centenas de
bilhões de aparelhos. A administração de interações com-
plexas em tais magnitudes exigirá poderosos mecanismos
hierárquicos e capazes de extrair dados. E quando nos-
sa sociedade celular estiver conectada em várias esferas,
como em casa, nos escritórios e nos automóveis, o desafio
será enorme. Mecanismos de auto-organização, sistemas
estruturados hierarquicamente e sistemas que permitam a
administração remota terão um papel relevante na gestão
da Internet.
Para um insight adicional sobre essa evolução, consi-
dere o GPS. Mesmo aparelhos pequenos que funcionam
com pouca energia (como celulares nos carros) podem
ser localizados se tiverem acesso a transmissões por sa-
télite.Há ainda possibilidade de geolocalização através
do uso de torres de celulares e mesmo conhecidos lo-
cais públicos de redes sem fio. Novos aplicativos, como
o “Google glass”, estão entrando em cena. Esses apare-
lhos são computadores que ouvem, veem e respondem
a comandos de voz e gestos. Os carros sem motorista
da Google nos oferecem outra visão do futuro da com-
putação, da comunicação e da inteligência artificial, na
qual os computadores se tornam nossos parceiros num
ambiente sensorial – aquele não limitado pelos sentidos
humanos. Todos esses sistemas têm potencial de usar a
informação em rede e a potência dos computadores, de
maneira a rivalizar com qualquer outra coisa disponível
na história. Os sistemas aprendem automaticamente e
portanto têm a capacidade de melhorar com o tempo.
Além disso, como esses aparelhos podem se comunicar
entre si, eles são capazes de cooperar numa escala nunca
vista antes.
Podemos agora identificar os contornos de um futuro
no qual virtualmente todo o conhecimento pode ser en-
contrado por quem se interessar; no qual as aplicações da
Internet continuarão a se desenvolver; no qual aparelhos e
aplicativos de todos os tipos responderão e se adaptarão às
nossas necessidades, se comunicarão entre si, aprenderão
uns com os outros e se tornarão parte de um ambiente
integrado e global. Nosso cotidiano muito provavelmente
estará repleto de informação e dados reunidos a partir de
várias fontes e sujeitos a análises mais aprofundadas que
vão beneficiar indivíduos, empresas, famílias e governos
em todos os níveis. A saúde e a segurança pública serão
influenciados por essa tendência.
O futuro da Internet
Vinton Cerf
BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201316
Educação
Em 2012, dois colegas meus da Google decidiram usar
a Internet para aulas online sobre inteligência artificial na
Universidade de Stanford. Eles tinham expectativa de reu-
nir 500 estudantes, mas o número de inscritos foi de 160
mil! Chamamos tais cursos de MOOC, sigla para “Massi-
ve, Open, OnLine Classes”. Do total de matriculados, cerca
de 23 mil completaram o curso. Quantos professores de
computação podem dizer que tiveram êxito em ensinar 23
mil estudantes?
Há custos, mas eles são pagos pelos estudantes (acesso
à Internet e computadores) e pela universidade (salários
de professores e assistentes). Às vezes, os professores pre-
param aulas online que os alunos podem assistir quantas
vezes quiserem. Nas classes, o tempo é dedicado a resolver
problemas, o que é uma inversão do uso típico da sala de
aula. Essa idéia pode ser expandida para incluir assistentes
de ensino remotos.
A diferença do MOOC em relação ao ensino tradicio-
nal à distancia é a escala. Interação e exames são viáveis
nesse ambiente online, embora a forma dos exames seja
limitada pela plataforma utilizada. Empresas start-ups es-
tão usando essas ideias.
Pessoas que estão empregadas também podem fazer tais
cursos para melhorar suas habilidades e aprender novas,
e se posicionarem para outras carreiras. De jovens estu-
dantes a trabalhadores aposentados, esses cursos oferecem
oportunidade para crescimento pessoal e podem oferecer
mais do que se espera de um curso de dois a quatro anos
na universidade. Essas aulas podem ser vistas como a rein-
venção da universidade, o curso rápido, o programa com
certificado e outras formas de educação. Isso tem o po-
tencial de mudar a face da educação em todos os níveis
e dar novas opções para aqueles que querem ou precisam
aprender coisas novas.
O lado sombrio
À avaliação em geral otimista e positiva da Internet é
necessário agregar uma visão realista sobre seu lado som-
brio. Está se tornando claro que os riscos de usar com-
putares e permanecer online tem chamado a atenção de
governos democráticos e regimes autoritários. Há uma
tensão entre aplicar a lei e respeitar o direito dos cidadãos,
que querem privacidade e liberdade de ação. Ainda não
está claro quais proteções a lei deveria garantir. O equilí-
brio entre uma coisa e outra pode ser difícil, uma vez que
tem a ver com o conteúdo e os usos da Internet.
Vinton Cerf, conhecido como um “pai da Internet”, é
coautor dos protocolos TCP/IP. Atualmente, é vice-presidente
da Google. Este artigo é uma adaptação do texto “Looking
Forward”, publicado no The Internet Protocol Journal,
Vol. 16, nº. 2, em junho de 2013.
Veja mais edições de Braudel Papers em http://pt.braudel.org.br/publicacoes/braudel-papers/

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  • 1. BRAUDEL PAPERS Documento do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial Associado à Fundação Armando Alvares Penteado N. 48 - 2013 - www.braudel.org.br Insuficiência estratégica restringe o progresso A INTERNET NO BRASIL Peter T. Knight O nascimento da Internet • Quadro institucional no Brasil O futuro da Internet South Gama
  • 2. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial Associado à Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Rua Ceará, 2 – 01243-010 São Paulo, SP Tel.: 11 3824-9633 e-mail: ifbe@braudel.org.br www.braudel.org.br Conselho Diretor: Presidente: Rubens Ricupero Presidente: Janet Ortega Membros Antônio Carlos Barbosa de Oliveira, Antônio Carlos Pereira, Cesar Koji Hirata, Fernão Carlos Botelho Bracher, Joaquim Elói Cirne de Toledo, José Goldemberg, Joseana Requejo do Amaral Marcicano, Lourival Sant’Anna, Luiz Alberto Machado, Maílson da Nóbrega, Maria Helena Guimarães de Castro, Maridite Gomes de Oliveira, Paulo Sergio Tenani e Roberto Teixeira da Costa. Diretor executivo: Norman Gall Coordenador: Oscar Pilagallo Administradora: Margarida Osório Guimarães Patrocinadores: Armínio Fraga Neto | BASF | BM&FBovespa Bradesco | Escola Beit Yaacov Fundação Odebrecht - IDES | Futurebrand | Itaú Klabin | Moore Stephens | O Estado de S. Paulo Unilever | Worldfund Braudel Papers é publicado pelo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial ISSN: 1981-6499 Editor: Norman Gall Designer: Givanilson L. Góes Assistente: Nicolas Tavares BRAUDEL PAPERS Copyright 2013 Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial SUMÁRIO 3 A Internet no Brasil N. 48 - 2013 7 O nascimento da Internet 11 Quadro institucional no Brasil 15 O futuro da Internet O autor agradece aos seguintes colaboradores: Eduardo Carvalho, Geraldo Coen, Michael Stanton e Vinton Cerf
  • 3. WWW.BRAUDEL.ORG.BR 3 Peter T. Knight Insuficiência estratégica restringe o progresso A Internet no Brasil Nota do editor: A maioria dos leitores do Braudel Pa- pers acessa a Internet no seu cotidiano, sem saber como ela funciona nem entender suas conquistas, desafios econômicos e tecnológicos e seu contexto na evolução da sociedade brasi- leira. Peter Knight, acompanhando há quase cinco décadas o desenvolvimento do Brasil, tenta explicar. A Internet, uma grande invenção do século 20, está mudando a civilização do século 21. Seu poder cresce com os cabos de fibra ótica, cujos fios de vidro constituem os nervos da economia mundial. Nenhuma outra tecno- logia permite maior velocidade de transmissão e gera mais ganhos de escala a tão baixo custo do que os cabos de fi- bra ótica. Graças a esse sistema, que armazena, organiza e compartilha informação no mundo todo, 90% dos dados disponíveis globalmente foram criados nos últimos dois anos. Esse volume de informação deve dobrar a cada dois anos até 2020. A Internet se transformou no mais importante meio de processamento das informações do mundo. É comparável à invenção, por Johannes Gutenberg, no século 15, da impressão gráfica com tipo móvel, que expandiu o acesso à palavra impressa e os horizontes dos conhecimentos da humanidade. Naquela época papel e tinta eram funda- mentais. Hoje o meio físico consiste em cabos de fibra ótica suplementados por satélites e, cada vez mais, tec- nologias sem fio. Estendidos por terra, sob os oceanos ou no espaço, eles estão criando a infraestrutura básica da modernidade no século 21. Os cabos de fibra ótica e o rápido aumento na capa- cidade computacional estão modelando nossa economia. Por esses cabos são enviados dados, texto, voz e imagens – tudo reduzido a zeros e uns transmitidos pela Internet através dos protocolos TCP/IP (Transport Control Pro- tocol/Internet Protocol). Combinada com outras tecno- logias da informação e comunicação (TIC), a Internet é um instrumento de uso múltiplo que afeta virtualmente todos os setores econômicos, o desenvolvimento social e a participação política. Cada vez mais, todas as formas de comunicação eletrônica – inclusive telefonia, rádio e televisão – são transmitidas pela Internet através de cabos de fibra ótica. Bandeirantes da banda larga na Amazônia O Brasil tem que correr rapidamente para acompanhar esse movimento. O crescimento da Internet no Brasil está sendo impulsionado pelo governo, por empresas multi- nacionais em cidades grandes e médias e por pequenos provedores que chamo de bandeirantes da banda larga. Estes últimos têm exercido papel importante na inclusão digital da população até nos mais remotos rincões do país e enfrentam muitos desafios. Para montar seus negócios, jovens empreendedores na Amazônia alcançam comunidades vizinhas através de links de rádio a partir de equipamentos instalados em tor- res que funcionam com energia solar captada em painéis. A construção dessas torres requer o transporte do material e dos componentes em pequenos caminhões que circulam em estradas precárias ou em barcos que cortam os rios da floresta tropical. Muitos desses pioneiros são jovens entre 18 e 24 anos, a faixa etária mais conectada. Este ensaio aborda três questões: • Por que a conectividade de alta velocidade na Inter- net, nos celulares e nos serviços de transmissão de dados e imagens, é fundamental para o desenvolvimento do Brasil no século 21? • Por que os serviços de Internet e telefonia móvel (transmissão de voz, dados e imagens) custam mais e têm menos qualidade do que em outros países? • O que se pode fazer e o que está sendo feito para melhorar esses serviços e reduzir os custos para o consu- midor? Peter Knight, membro fundador do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, foi economista-chefe para o Brasil do Banco Mundial.
  • 4. BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 20134 Importância estratégica As mudanças tecnológicas têm sido tão velozes que as instituições não podem acompanhá-las. As TICs hoje dominam nossas instituições. Outras tecnologias avança- das, como a biotecnologia e a nanotecnologia, dependem das TICs. Estratégias baseadas na obtenção de vantagens a partir dessa onda de mudanças tecnológicas tornaram-se fundamentais para determinar a competitividade e até a sobrevivência de indivíduos, cidades, nações e empresas com crescente alcance global. Surfar nessa onda signifi- ca dar um salto à frente de competidores que não ado- tam tais estratégias. Essa é a “destruição criadora” a que o grande economista Joseph Schumpeter (1883-1950) se referiu no livro Capitalismo, So- cialismo e Democracia. Em todo o mundo, devido a essa destruição criadora, o crescimento da telefonia fixa tem sido mais lento, quando não é negativo. Grande parte do tráfego de voz já é feita via Internet, através de companhias telefônicas tradicionais bem como por softwares, como o Skype, o Viber e o WhatsApp. Enquanto isso, o número de aparelhos celulares disparou. Em termos globais, ultrapassou o número de linhas fixas em 2002, e em 2012 havia atingido 6,8 bilhões, em comparação com 1,2 bilhão de telefones fixos. Acredita-se que neste ano o número de celulares ultrapasse o total da população mundial. Mas a estimativa é que o número de assinantes fique entre 3,2 bilhões e 4,3 bilhões, uma vez que muitas pessoas têm mais do que uma linha ou um mesmo telefone celular tem mais de um cartão SIM para aproveitar as ofertas especiais ou cobertura de mais de uma operadora. O uso intensivo da Internet e das TICs deveria ser um impulso fundamental numa estratégia para acelerar o de- senvolvimento socioeconômico de cidades, estados e pa- íses. É a estratégia da transformação pela eletrônica, ou “e-transformação”. No Brasil, essa estratégia pode levar a uma sociedade mais equitativa e competitiva, e promo- ver a maior participação na esfera política. Pode também melhorar a educação e outros serviços públicos (saúde, segurança e transporte urbano), facilitar a comunicação entre cidadãos e governos, promover a inclusão social e produzir uma drástica redução de custos de transações em geral. Recentes manifestações contra a corrupção, a impuni- dade e a precariedade dos serviços públicos chamaram a atenção para deficiências institucionais que, além de afe- tar a qualidade de vida da maioria dos brasileiros, têm impacto sobre custos, reduzem a produtividade e com- prometem o potencial econômico. Todos esses problemas podem ser enfrentados com a utilização das poderosas ferramentas que a revolução das TICs tornou acessíveis. A nova lei de acesso à informação pode ser melhor imple- mentada e a corrupção pode ser contida se a informação sobre transações do governo, detalhes orçamentários e execução de projetos de infraestrutura estiverem disponíveis online. Melhorar a qualidade e reduzir os custos dos serviços de saúde e educação, mapear o crime em tempo real e usar as forças policiais com mais eficiência são apenas algumas maneiras de usar a tecnologia da informação para fortalecer o desempenho das ins- tituições. O Poupatempo, em São Paulo, e o Serviço de Atendimento ao Ci- dadão, na Bahia, são os primeiros passos nessa direção. Qual a lógica dessa estratégia? Sem dúvida, ela está baseada na drástica e contínua redução de custos para processar, transmitir e armazenar dados. Segundo a Lei de Moore, proposta pelo cofundador e ex-presidente- executivo da Intel, Gordon Moore, o número de transis- tores que podem ser colocados em um circuito integrado (chip) dobra aproximadamente a cada dois anos, o que reduz o custo de processamento de dados em 50%. Há princípios semelhantes descritos em outras “leis”, como a Lei de Butter, segundo a qual a quantidade de dados transmitida por uma fibra ótica dobra a cada nove me- ses, o que gera queda no custo unitário de transmissão de 50% no mesmo período. Existem grandes economias de escala na infraestrutura da Internet. Elas resultam de custos fixos elevados e de reduzidos custos marginais para o fornecimento de bens e Guilherme Kramer
  • 5. WWW.BRAUDEL.ORG.BR 5 serviços. O custo médio por unidade vendida cai à medi- da que aumenta o número de unidades vendidas. O nú- cleo da Internet – ou seja, o conjunto de linhas-tronco – é constituído por cabos de fibra ótica, tanto terrestres como submarinos, conectados aos equipamentos óticos, como roteadores e data centers nos nós principais das ope- radoras. Nenhuma tecnologia propicia maior velocidade de transmissão e é mais eficiente. Essas economias de es- cala derivam do custo marginal muito baixo de acrescen- tar fibras ao cabo antes de sua instalação. Há, portanto, excelentes oportunidades para operadores e usuários co- laborarem entre si nos investimentos em fibras e outras instalações que produzam uma capacidade excedente a baixo custo. Essa capacidade excedente pode ser vendida a outros usuários. Trata-se de um negócio em que todos ganham porque o custo para cada operador de um cabo compartilhado é mais baixo do que se o investimento fos- se individual. Quanto mais parceiros para dividir os in- vestimentos, mais baixo é o custo para cada usuário. Novas cidades e agrovilas Essas transformações estão mudando padrões de vida até nas regiões remotas do Brasil. Em 1986, a família de Adilson Klaffke chegou às franjas desmatadas da Amazô- nia, na região de Nova Guarita, uma cidadezinha no ex- tremo norte de Mato Grosso surgida nos anos 80 durante a corrida do ouro e que hoje tem 2.500 habitantes. A fa- mília, vinda de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, dedicou-se à agricultura e, mais tarde, explorou madeira. Adilson, no entanto, tomou outro rumo. Tornou-se téc- nico eletrônico e consertava televisores. Autodidata em informática, passou a vender e a reparar computadores. Há seis anos, alugou um pequeno link dedicado de 1 megabit por segundo (Mbps) da empresa telefônica Oi a partir de Sinop, chamada popularmente de Capital do Nortão, cidade de 110 mil habitantes a cerca de 200 qui- lômetros a sudoeste de Nova Guarita. Adilson montou um provedor, Lasernet, que atende 320 usuários na cida- de e em sete agrovilas na redondeza.  “Consigo qualidade melhor que a Oi,” diz Adilson, hoje com 38 anos. “Com isso atendo as agrovilas, e até o Detran da cidade usa meu serviço. Antes, o Detran não conseguia emitir documen- tos por falta de acesso à Internet.” Agora os agricultores usam suas conexões para encomendar insumos agrícolas, acessar informações técnicas, previsões do tempo, notícias do Brasil e do mundo e para trocar novidades com paren- tes e amigos no Sul. Há muitos jovens empreendedores Brasil afora: Lean- dro Dias, fundador da DirectWi-Fi, em Campo Magro, Paraná; Samuel Pereira, da NetRocinha, no Rio; Renato Salomão de Oliveira, da Rondonet, cuja sede fica em Ari- quemes, Rondônia; Roberto Filgueiras, da Print Internet, em Macaé, Rio de Janeiro. O Brasil tem cerca de 4 mil pequenos provedores registrados na Anatel. Em 2013, Klaffke conseguiu sua licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) da Anatel. Essa licen- ça o autoriza a oferecer não só banda larga, mas também serviços de telefonia e TV a cabo. Para outros, a licença SCM não é economicamente viável. Muitos provedores até poderiam pagar o valor da licença (recentemente redu- zido para R$ 400), mas dificilmente teriam condições de atender a todas as exigências da Anatel, como manter sob contrato um engenheiro de telecomunicações. O resultado é a alta informalidade. De acordo com cálculo da Abrint (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações), deve haver em torno de 9 mil provedores, registrados e informais, operando em mi- lhares de municípios espalhados em todo o Brasil. A Internet pulverizada em milhares de provedores é algo quase exclusivamente brasileiro. Outros países em desenvolvimento podem também ter esse modelo, mas o fato é que na maioria dos países os serviços de Internet são oferecidos por poucos e grandes provedores. “Há pa- íses sem nenhum provedor independente”, afirma Basílio Perez, presidente da Abrint. “A diversidade que existe no Brasil deve ser preservada e incentivada.” Muitos desses pequenos provedores começaram a operar ainda no tem- po do acesso discado, em 1995. “Como temos provedo- res com 18 anos de existência”, comenta Perez, “podemos dizer que esse mercado já está chegando à maioridade”. A história dos pequenos provedores está associada às pequenas cidades brasileiras. Nos grandes centros urba- nos, a concentração de clientes logo atraiu o interesse dos provedores em grande escala. No início, o serviço era ofe- recido pelas empresas telefônicas que usavam a infraes- trutura já disponível. Foi o caso do Speedy, da Telefônica, e do Velox, da Oi. Mais tarde, entraram as empresas de TV a cabo, ampliando o mercado de banda larga e con- correndo com as tradicionais empresas de telefonia. As empresas de TV a cabo, no entanto, não entraram nas cidades pequenas, onde um mercado rarefeito não jus- tificava o investimento de vulto. E foi nessa brecha que surgiu o fenômeno brasileiro do empreendedorismo dos pequenos provedores. Eles começaram a operar via rádio – basicamente por uma questão de preço mais baixo – e depois, na medida em que cresciam e adquiriam algum
  • 6. BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 20136 vigor financeiro, passavam para a fibra ótica. Com peque- nas diferenças, essa é a história de Adilson Klaffke e de tantos outros pequenos provedores. Comparados com o serviço de Internet disponível em países ricos e alguns nem tão ricos assim, os serviços no Brasil são caros, lentos e pouco confiáveis. No entanto, é verdade também que o acesso à rede, seja em lugarejos remotos como Nova Guarita ou em escolas públicas nas periferias das metrópoles, é praticamente generalizado. De acordo com a última Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada neste ano, 83 milhões de pessoas com mais de dez anos acessaram a Internet nos três meses anteriores à pesquisa. A Internet se tornou um instrumento de mobilização política e participa- ção mais direta e contínua – um instrumento que não pode ser facilmente controlado por governos. O país é o segundo maior mer- cado do mundo do Facebook, com mais de 58 milhões de contas, e o Twitter não fica muito atrás, com mais de 40 milhões. “Internet no meu DNA” Hoje, praticamente todos os jovens têm aces- so à Internet. O aparelho pode não ter todos os recursos, nem precisa ser de uso próprio do jo- vem – mas o acesso, ainda que precário em muitos casos, está amplamente disponível. Enquanto eu pesquisava para a elaboração deste ensaio, tive a oportunidade de conhecer jovens da periferia de São Paulo que participavam do programa Círculos de Leitura, do Instituto Fernand Braudel, que já chegou a milhares de estudantes de escolas públicas da periferia da Grande São Paulo e nos estados do Nor- deste. Queria saber como esses jovens usavam a Internet e o que pensam disso. Todos usavam diaria- mente a banda larga, quase todos em suas próprias casas. Um deles usava uma conexão Wi-Fi de um vizinho (pela qual pagava R$ 15 por mês). Muitos também acessavam a Internet via smartphones e às vezes em lan houses, onde a maioria entrou em contato pela primeira vez com a Internet. Todos estão conectados com parentes, amigos e conhecidos através do Facebook e às vezes por e-mail, usado para as comunicações mais formais. Eles fazem do- wnload de músicas, assistem a filmes em streaming, pes- quisam no Google e procuram conhecimento – e não apenas para os estudos nas escolas. “Eu tenho Internet no meu DNA”, diz Mateus Gomes Sousa Santos, aluno de oitava série numa escola muni- cipal de São Miguel Paulista. “Se eu não tenho acesso à Internet fico isolado e estressado. A Internet é um item básico e essencial de todas as casas”, diz Bhrian Machado da Silva. “Hoje em dia, quem não tem acesso em casa pode pegar em qualquer lugar, como uma lan house, uma biblioteca, um centro comunitário ou no trabalho. A In- ternet é uma necessidade, não apenas para se comunicar, mas para aprender, encontrar pessoas e localizar velhos amigos”, diz Mariana Silva da França. “Em nossa escola, o professor nos ajuda na preparação para a escola técnica que frequentamos paralelamente à escola do nível in- termediário. Ele nos faz perguntas, nós procuramos as respostas na Internet e mandamos para ele por e-mail. E depois discutimos pessoalmente os resul- tados”, diz Luis Guilherme Castro. Foram jovens como esses que participaram das manifestações iniciadas em junho de 2013 em várias cidades do Brasil. Deflagrados por protestos contra um aumento na passagem de ônibus em São Paulo, os protestos rapidamen- te se espalharam pelo país, com demandas mais amplas, como o fim da corrupção e da impunidade, melhorias na educa- ção, saúde, segurança pública e transporte. As manifestações foram organizadas pela Internet, principalmente através do Facebook ou Twitter. Mais de três quartos dos jovens que saíram às ruas foram mobi- lizados pela mídia social. Para o espanhol Manuel Castells, diretor do Instituto Interdisciplinar de Internet da Universidade Aberta da Catalunha e professor da Annenberg School of Communications, da University of Southern California (USC), as redes sociais provocaram uma ace- leração repentina do tempo histórico que, associada à abstração do poder em uma rede de computadores, “vem desintegrando os mecanismos atuais de controle social e de representação política”. Essa é uma faceta do que o estudioso chama de “capitalismo informacional”. Cas- tells acredita que o “contrapoder” foi potencializado pela Internet, que alimenta os movimentos sociais com ferra- mentas da comunicação autônoma e livre dos controle governamentais. Guilherme Kramer Continua na página 8
  • 7. WWW.BRAUDEL.ORG.BR 7 O nascimento da Internet A Internet começou nos Estados Unidos. O trabalho inicialfoiconduzidoporpesquisadoresnoMassachusetts Institute of Technology (MIT), nos anos 1960, para desenvolver comunicação via troca de pacotes de informação (packet-switched) entre computadores. Esse esforço resultou na criação da ARPANET no Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que se tornou operacional em 1969. A ARPANET não tinha objetivo militar, como muitos imaginavam, mas havia sido desenhada para compartilhar recursos de computação entre universidades apoiadas pelo Pentágono. O seguinte passo importante se deu em 1973, com a invenção dos protocolos TCP/IP (sigla para Transport Control Protocol/Internet Protocol), anunciados em um artigo escrito por Vint CerfeRobertKahnem1974. Essesprotocolosviabilizaram o que é conhecido como “arquitetura aberta da rede” e permitem a interconexão entre diversas redes de computadores, onde quer que estejam localizados. Novos trabalhos para o Pentágono estenderam o conceito para rádio móvel e comunicações via satélite, que foram interconectadas à ARPANET em 1983, o que marcou a inauguração da Internet. Trabalho paralelo, feito por Paul Baran na RAND Corporação, tentou criar um sistema descentralizado de comunicação que poderia sobreviver a um ataque nuclear. Vint Cerf me disse que “ele [Baran] articulou a utilidade de ‘empacotização’ para voz, mas chamou as unidades de message blocks. Seu sistema nunca foi construído. No entanto, seu trabalho foi notado pelos criadores da ARPANET depois da conclusão do desenho básico. Enquanto eu dirigi o programa da Internet, tive como objetivo fazer com que a Internet fosse resistente a um ataque militar e, além disso, demonstrei a capacidade de autorrecuperação dela em cooperação com o Comando Aéreo Estratégico, utilizando rádios aéreos de comunicação por pacotes. Então as idéias de Baran encontraram terra fértil na Internet, ainda que não na ARPANET”. Muitos outros pesquisadores contribuíram à teoria e desenho do que chegou a ser a ARPANET e depois a Internet. À medida que redes locais, microcomputadores e es- tações de trabalho mais avançadas foram se disseminan- do nos anos 1980, a Internet se expandiu rapidamente. No final dos anos 1980, a ARPANET foi conectada à NSFNET (National Science Foundation Network). A ARPANET foi fechada em 1990. Novos provedores de serviço Internet (ISPs) passaram a oferecer acesso à Internet para clientes comerciais. Em 1995, esperava-se que usuários acadêmicos não precisassem mais de redes dedicadas, e pudessem ser atendidos adequadamente por provedores comerciais. Foi então que a Fundação Nacional da Ciência decidiu fechar o NSFNET. Em 1996 uma nova rede acadêmico- científica de muito maior velocidade foi iniciada, cha- mada Internet 2, uma rede privada operada pelas uni- versidades de pesquisa. Enquanto isso, outro grande passo no desenvolvimento da Internet surgia na Europa, na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), onde foi inventado o conceito de hipertexto, um conjunto de links para acesso que formou a arquitetura da World Wide Web (WWW), articulado em Hypertext Markup Language (HTML) que facilita acesso e comunicação na Internet. Em 1993, a web disparou com a introdução do browser Mosaic. O primeiro aparelho celular conectado com a Internet foi o Nokia 9000 Communicator, lançado na Finlândia em 1996. No Brasil, a Internet é um pouco mais jovem. Sua história remonta a 1987, quando houve, na USP, um encontro entre pesquisadores acadêmicos e representan- tes da Embratel. O objetivo da reunião foi desenvolver uma rede para facilitar a comunicação entre as comu- nidades acadêmicas e científicas do Brasil e do exterior. Nos dois anos seguintes, três instituições brasileiras Guilherme Kramer
  • 8. BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 20138 – o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), no Rio de Janeiro; a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em São Pau- lo; e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – estabeleceram, separadamente, links com três insti- tuições dos Estados Unidos usando a Bitnet. Essa rede, cuja sigla deriva do nome em inglês em Because It’s Time Network, permitia a troca de e-mails e arquivos. Em 1989, a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), da Secretaria de Ciência e Tecnologia (que mais tarde se tornou o Ministério de Ciência e Tecnologia), foi criada para construir uma rede acadêmica nacional. O Brasil passaria a integrar a Internet global em maio de 1992, com dois links internacionais, um da UFRJ e outro da Fapesp, estabelecidos durante a Conferência Internacional do Meio Ambiente e do Desenvolvimen- to, a Rio-92. Usando esses links, e com o apoio do Pro- grama de Desenvolvimento da ONU e do governo do Reino Unido, a Alternex, uma rede que ligava ONGs ao Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Eco- nômicas), foi viabilizado o acesso à Internet do Fórum Global, evento de uma ONG paralelo à Rio-92. Assim, a Alternex foi o primeiro provedor brasileiro a servir in- divíduos fora do mundo acadêmico e das organizações acadêmicas, governamentais e de pesquisa. O uso comercial da Internet no Brasil só começaria em 1995, com a entrada de provedores comerciais. O recém-eleito governo de Fernando Henrique Cardoso procurou quebrar o monopólio estatal de comunica- ções, mas levou três anos para obter a legislação ne- cessária, o que resultou na privatização completa das empresas de telecomunicações estatais. No entanto, era necessário prover os meios que permitissem à Internet comercial crescer sem ser dominada pelas companhias estaduais que em breve seriam privatizadas. O primei- ro passo foi proibir a competição no mercado dessas empresas, o que protegeu os provedores nascentes da concorrência estatal. Outro marco no desenvolvimento da Internet no Brasil foi a criação, em maio de 1995, do Comitê Ges- tor da Internet no Brasil (CGI), viabilizada por um acordo entre os ministérios das Comunicações e de Ciência e Tecnologia. A missão do CGI é dar diretri- zes e apoio à Internet comercial através da cooperação público-privada. Michael Stanton, hoje diretor de Pes- quisa e Desenvolvimento da RNP, me disse que “com a proteção e orientação do CGI ‘mil flores floresceram’, e novos provedores apareceram em todo o Brasil, mui- tos deles originados de BBS [sigla para Bulletin Board Systems], anteriormente conectados via conexões dis- cadas das empresas de telecomunicações. Esses novos provedores obtiveram conexões à Internet ou da estatal Embratel ou da RNP até a chegada das empresas de telecomunicações privatizadas no fim dos anos 1990. O CGI atualmente é composto por 21 membros (nove representantes do governo, quatro de empresários, qua- tro de organizações da sociedade civil e três da comu- nidade científica e tecnológica, além de um especialista em Internet). Esse modelo positivo recebeu considerável atenção internacional e foi usado por outros países em organis- mos governamentais para a gestão da Internet nacional. Competição, custo e qualidade O mercado brasileiro de telecomunicações é o sexto mais competitivo do mundo para telefonia fixa, celular e banda larga. É consideravelmente mais competitivo do que a maioria dos países europeus, porém em muitas par- tes do país as operadoras tradicionais de telecomunica- ções ainda mantém o monopólio nos serviços de linha fixa, o que resulta em preços altos. Em fevereiro de 2013, a metade da população brasileira podia escolher entre quatro operadores de celulares; 13% podiam acessar três operadoras, enquanto 12% não tinham acesso a celular de banda larga. Pesquisas mostram que a porcentagem da população com mais de dez anos de idade que acessa a Internet cresceu de 30% em 2005 para 49% em 2012. A proporção de casas com acesso à Internet subiu de 21% para 40%. A parcela de empresas com dez empregados ou mais que acessam a Internet alcançou 98% em 2011, e a proporção de empresas que têm site atingiu 59%. Os investimentos em serviços de telecomunicações têm sido substanciais e totalizaram cerca de R$ 200 bilhões, não ajustados pela inflação, desde a privatização de 1998. Em 2012, conexões de banda larga em linhas fixas che- garam a quase todos os 5.570 municípios do Brasil. A penetração de linhas fixas de banda larga em 2012 era de 8,6 por 100 residentes, taxa mais baixa que a do Chile, México e Argentina, e menos de um terço da dos Estados Unidos. As conexões fixas de banda larga alcançaram 20 milhões e a projeção é que atinjam 30 milhões em 2014. A velocidade de transmissão é lenta. Entre os usuá-rios brasileiros de banda larga fixa, 44% dispunham de velo-
  • 9. WWW.BRAUDEL.ORG.BR 9 cidade média de até 512 Kbps (mil bits por segundo), e 41% tinham conexões de 2 Mbps ou mais. A velocidade média das conexões no Brasil em 2012 foi de 2,3 Mbps, o que é 79% da média de 55 países com o tráfego mais intenso de Internet. Quanto maior a velocidade, melhor e mais eficiente o uso da Internet. Quanto aos preços, embora estejam caindo, ainda são muito altos. Em recente estudo comparando o custo mé- dio do Mbps em quinze países, o Brasil ficou em segundo lugar, com um custo mensal de US$ 25, perdendo ape- nas para a Argentina (US$ 46). A Internet é mais barata no Chile (US$ 23), Portugal (US$ 11), Estados Unidos (US$ 3,33), Finlândia (US$ 2,77) e Coreia do Sul (US$ 0,27). Outra pesquisa, da União Internacional de Teleco- municações, uma das mais antigas organizações interna- cionais, agora parte da ONU, colocou o Brasil no topo do ranking das chamadas de celular mais caras do mundo. Segundo o relatório, o minuto da ligação entre aparelhos de operadoras diferentes fora do horário de pico custa US$ 0,74, o dobro do que em outros países da América Latina, como México e Argentina. Três fatores contribuem para o alto custo de serviços de telecomunicações no Brasil: tributação excessiva, altas taxas para interconexões e regulamentações sobre uso de componentes nacionais. O aluguel caro da capacidade de transmissão, no caso de o operador não ter sua própria in- fraestrutura em determinado trecho, também contribui. 1. Tributação excessiva. O elevado custo dos serviços de telecomunicações no Brasil deve-se em grande parte à alta carga tributária, que é a maior do que em qualquer outro setor. Em dez estados e no Distrito Federal, só o ICMS é de 25%, enquanto em outros chega a 35%, como em Rondônia. A maioria dos impostos é calculada sobre a receita bruta; a conta telefônica, por exemplo, inclui todos os impostos. Para os estados com ICMS de 25%, os principais impostos e taxas (Cofins, PIS/Pasep, ICMS, Fust e Funtel) equivalem a 30% do valor da conta, mas se calculados sobre o valor líquido chegam a 43%. Nos es- tados com ICMS mais alto, a carga tributária total é mais elevada, chegando a 49% em Rondônia. 2. Altas taxas de interconexão. As taxas cobradas pelas chamadas entre celulares de operadoras diferentes e entre uma linha fixa e um celular são bem altas. Isso leva muitos clientes a usar celulares que aceitam mais que um cartão SIM. Outro efeito da tarifa de interconexão elevada é que ela incentiva a enorme base de telefones pré-pagos. Se- tenta e nove por cento das linhas móveis são pré-pagas. Como o custo por minuto dessa chamada é exorbitante, a maioria apenas recebe ligações, uma vez que quem paga a ligação é quem a faz. Isso torna o pré-pago mais lucrativo para a operadora do que um pós-pago usado regularmen- te. Taxas para transferência entre operadoras estão sendo reduzidas paulatinamente e devem chegar a R$ 0,16 em 2015, de acordo com regulamento da Anatel. Ainda as- sim, as taxas de interconexão no Brasil ainda estão entre as mais altas no mundo. 3. Regras de conteúdo nacional. Os preços de com- putadores, equipamentos de telecomunicações, smar- tphones e novas linhas de fibra ótica são todos inflados por regulamentações que exigem altas porcentagens de componentes de conteúdo nacional – inclusive as impos- tas recentemente para qualificar empresas para a desone- ração de alguns impostos federais. Além de serem caros e lentos, os serviços de telecomu- nicações no Brasil têm uma qualidade que deixa muito a desejar. Os serviços ao consumidor são em geral insatis- fatórios, com a frequente queda de conexões. A situação ficou tão precária que a Anatel suspendeu a venda dos car- tões SIM em dezenove estados, da Oi em cinco e da Claro em três, em julho de 2012, obrigando essas operadoras a apresentar planos detalhados de melhorias, com especial atenção ao problema da queda das ligações e atendimento aos clientes. Apesar dos problemas de custo e qualidade, a cober- tura de banda larga sem fio tem crescido rapidamente, e as quatro maiores operadoras (Vivo, Claro, TIM e Oi) já alcançam 3.643 municípios, ou 90% da população do Brasil, em setembro de 2013. O número de conexões de banda larga sem fio alcançou 96 milhões, um aumento de 51% em relação a setembro de 2012. Dessas conexões, 81 milhões foram para celulares, inclusive de smartphones, e 15 milhões para terminais de dados, inclusive mode- ms, tablets, e leitores de cartões de crédito e débito. Além disso, houve novas 553 mil conexões da mais rápida 4G. A taxa de penetração da banda larga móvel no fim de 2012, de 30 por 100 habitantes, era 50% superior à mé- dia da América Latina. As vendas de tablets em 2012 al- cançaram 3 milhões e de smartphones, 16 milhões. No segundo trimestre de 2013, as vendas de smartphones atingiram 8 milhões, alta de 110% em relação ao mesmo período de 2012. Desses aparelho, 90% usavam o sistema Android, da Google, e o preço médio dos smartphones caiu de R$ 730 para R$ 550. Smartphones e tablets são na realidade computadores portáteis que baixam vídeos e permitem a realização de audioconferências e videoconferências e trocas de men-
  • 10. BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201310 sagens de texto em conexões sem fio. Em 2012, os smar- tphones baratos (até R$ 300) que contam com o sistema operacional Android se transformaram no computador dos pobres, que os utilizavam para fazer chamadas usan- do softwares gratuitos, como o Skype. A penetração des- ses aparelhos será acelerada com a redução contínua dos preços. A IDC, empresa de pesquisa, prevê que a venda de smartphones no Brasil atingirá 29 milhões de unidades em 2013, 81% mais do que em 2012, o que fará do país o quinto maior mercado de smartphones do mundo. O papel do governo O governo precisa atualizar a legislação e reduzir a exces- siva tributação dos serviços de telecomunicações. Não é admissível que, no limiar de uma nova era do- minada pela telefonia móvel, a Lei Geral das Telecomunicações man- tenha o anacronismo de priorizar a telefonia fixa. Taxas e impostos elevados, embora fáceis de recolher, são regressivos e totalmente contrários ao objetivo do gover- no de inclusão digital, e podem até encolher a receita. Em suma, tais cobranças limitam o poder da tec- nologia digital de reduzir desigual- dades e acelerar o desenvolvimento econômico. Mas o problema mais grave é a ausência de uma abrangente estra- tégia nacional para a e-transforma- ção impactando todos os setores e evitando políticas não coorde- nadas e até contraditórias. A úni- ca tentativa oficial foi um relatório intitulado Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, de 2000, escrito por uma equipe do Ministério da Ciência e Tecnologia, com a contribuição de centenas de especialistas. O documento propôs ações específicas de planejamento orçamentário, execução e monitoramento do plano. Mas não propôs ne- nhuma legislação e nunca foi implementado. Fechando-se o foco na expansão dos serviços de banda larga no Brasil, a primeira tentativa séria de se esboçar um programa e uma política nacional foi o Programa Nacio- nal de Banda Larga (PNBL), instituído pelo decreto pre- sidencial 7.175, de maio de 2010. O objetivo do PNBL é acelerar o acesso da população à sociedade da informação. Um dos principais instrumentos para executar o PNBL é a Telebras, a companhia federal de telecomunicações inativa desde a privatização das telefônicas estaduais em 1998 e que, sob a supervisão do Ministério das Telecomu- nicações, foi ressuscitada com esse propósito. Vários estados estão construindo, ou têm intenção de construir, suas próprias redes de fibra ótica fora da capital, a fim de alcançar todos os municípios, seja por conexões de fibra ou de rádio, de maneira a reduzir os custos das comunicações. Os líderes são o Pará (com seu pro- grama Navegapará, que vai além do MetroBel, a rede metropolitana comunitária, Redecomep, de Belém, parcialmente finan- ciada pela Rede Nacio- nal de Ensino e Pesquisa (RNP) e chega a 56 dos 144 municípios do es- tado) e o Ceará (onde a companhia estatal de TIC, a Etice, construiu um anel de cabos de fibra ótica de mais de 3 mil quilômetros em torno do estado, alcançando 88% de sua população). Cha- mado Cinturão Digital, o núcleo do programa cearense é a Gigafor, a rede comunitária de Fortaleza, também parcialmente financiada pela RNP. Em vá- rios pontos ao longo das espinhas dorsais de fibra ótica há torres para links de rádio levando o sinal da Internet aos municípios onde o Cinturão Digital não passa. Assim podem se comunicar com o governo estadual e com os governos de outros municípios. Um aspecto fundamental dessas crescentes redes estatais é a parceria entre a RNP, as companhias elétricas, governos municipais, as operadoras particulares de telecomunicações e, a Telebras. Entre as características das melhores redes estaduais e municipais estão as seguintes: • O estado ou município aproveita das fibras apagadas instaladas na Redecomep da capital e alocadas ao governo; Guilherme Kramer
  • 11. WWW.BRAUDEL.ORG.BR 11 • parcerias são estabelecidas com a RNP, com empresas públicas municipais, estaduais e federais, com operadoras privadas de telecomunicações e com a Telebras para au- mentar a extensão e reduzir os custos; • cabos de fibra ótica próprios e complementares, assim como redes sem fio, são implantados para preencher as lacunas e prover a necessária capilaridade (tanto urbana como rural); • a operação e manutenção são terceirizadas a empresas privadas; e • a capacidade excedente das redes estaduais e munici- pais é vendida para operadoras particulares a fim de gerar receita, o que ajuda a pagar os custos operacionais e de manutenção. Um obstáculo para se alcançar as ambiciosas metas federais para cobertura móvel é o caótico sistema de li- cenciamento de antenas em áreas urbanas. Para licenciar uma pequena antena, que mal pode ser vista, é preciso cumprir os mesmos rígidos requerimentos para instalar uma antena de grande porte. O licenciamento está sujei- to a 250 legislações de diferentes cidades. As operadoras reclamam que a falta de qualidade dos serviços móveis deve-se ao fato de que, enquanto a demanda dispara, o li- cenciamento de novas antenas é um processo lento e com- plexo. “Em alguns municípios, o licenciamento passa por até sete órgãos diferentes. Chega a levar um ano e meio esse trâmite todo. Achamos que é possível abreviar esse prazo para 60 dias”, disse o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. O que falta ser feito A história da interiorização do desenvolvimento está intrinsecamente relacionada à expansão dos meios de comunicação. A instalação de uma linha telegráfica, em 1909, e a construção da BR-364 ao longo das linhas do telégrafo deram origem ao município de Cacoal, em Ron- dônia, uma cidade que agora tem fibra ótica. Com cerca de 80 mil habitantes, Cacoal é atendida pela empresa Speed Travel, um pequeno provedor admi- nistrado por Ed Carlo Saboia. Aos 30 anos, Saboia pode ser considerado um símbolo dessa transformação. Nas- cido em Rondonópolis, filho de pais cearenses que mi- Quadro institucional no Brasil O atual marco institucional do sistema de telecomunicações do Brasil foi estabelecido pela Lei Geral das Telecomunicações (LGT, Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997). Essa lei criou a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a agência reguladora encarregada de defender os interesses do Estado e do cidadão, de estimular a competição, universalizar os serviços de telecomunicações e modernizar a tecnologia das comunicações. A LGT, junto com uma emenda constitucional aprovada em 1995, preparou o terreno para a quebra do monopólio estatal da Telebras, a holding estatal responsável pelo fornecimento de serviços de telecomunicações em todos os estados e o Distrito Federal até 1998. O objetivo foi criar um mercado competitivo de telecomunicações e promover a provisão de um amplo leque de serviços de telecomunicações para segmentos cada vez maiores da população. A Anatel goza de independência administrativa e autonomia financeira, porém tem ligação com o Ministério das Comunicações.Seus diretores são indicados pela presidência da República e aprovados pelo Senado. A Anatel é financiada com recursos de duas fontes: o Orçamento Federal e créditos suplementares do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações). A verba do Fistel, por sua vez, vem de várias rubricas, sobretudo das taxas de abertura e manutenção de linhas telefônicas. No período 2001-2012, por exemplo, os recursos do Fistel foram de R$ 44,2 bilhões. Outro organismo que foi concebido para ajudar a financiar o setor é o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Criado em 2000 com o objetivo expresso no próprio nome, o Fust é financiado por uma taxa de 1% da renda bruta dos operadores de telecomunicações. No período 2001-2012, os recursos do Fust totalizaram R$ 14,3 bilhões. O setor, porém, não costuma ver a cor de todo esse dinheiro. A maioria é canalizada para fins não previstos na legislação que criou esses fundos. Na realidade, os recursos do Fust e 90% da receita do Fistel nunca foram usados para os propósitos aos quais foram destinados. Em vez de financiar as telecomunicações, os recursos foram usados para ajudar a formação do superávit primário, para pagar os juros da dívida do governo federal.
  • 12. BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201312 graram para Rondônia, ele começou a trabalhar com um provedor local em 2000. O dono da empresa era um gaú- cho que, tendo decidido voltar ao Rio Grande do Sul, lhe vendeu o negócio em 2003. Em sociedade com seu pai, Saboia expandiu o negócio rapidamente. Hoje a Speed Travel tem dez empregados e cerca de 3.500 clientes. O empresário construiu um anel de fibra de 40 quilômetros que atende também aos moradores de Pimenta Bueno e Vilhena, municípios vizinhos. Velocidade, aliás, tem sido a palavra-chave no universo competitivo dos médios e pequenos provedores. A via- bilidade do negócio depende da fidelização dos clientes, e eles não serão fiéis se não tiverem conexões cada vez mais rápidas e eficientes. A trajetória de Leandro Dias de Almeida, dono da Direct Wi-Fi, de Campo Magro, no Paraná, é emblemática do esforço realizado por seus pares Brasil afora. O negócio começou pequeno, com a compra de um link de rádio de 1 Mbps, com o qual ele servia quinze clientes. Em 2011, o negócio dobrou: 2 Mbps ob- tidos da Copel, distribuidora estadual de energia, e trinta clientes. No ano seguinte, a empresa dobrou de novo de capacidade, para 4 Mbps. Até aí a progressão era apenas geométrica. O grande salto foi dado em 2013, com um link de 200 Mbps com outra operadora, que usa fibra ótica. Como no caso de Saboia, o negócio de Dias de Al- meida é velocidade. E o governo? O que está sendo feito para aumentar a cobertura, a velocidade e a qualidade dos serviços de ban- da larga fixa e móvel? Vamos analisar três fatores. 1. Aumentando redes de banda larga. Mais priorida- de tem sido dada pelos governos federal, estaduais e mu- nicipais, mas ainda falta uma estratégia nacional e multis- setorial. A Aneel, agência reguladora do setor energético, é importante para a melhora dos serviços de telecomunica- ção. As companhias geradoras de energia elétrica possuem 20 mil quilômetros de cabos de fibra ótica (conhecidos como Cabos de Guarda com Fibra Ótica, OPGW, na si- gla em inglês) estendidos em linhas de alta voltagem e que contêm fibras apagadas que podem ser alugadas por ope- radoras de telecomunicações, inclusive empresas privadas e a RNP. As empresas estatais estaduais distribuidoras de energia também têm linhas de alta voltagem, assim como de menor voltagem, penduradas em postes que podem ser utilizadas para a instalação de fibras óticas a serem com- partilhadas. A Petrobras também tem cabos de fibra ótica estendidos ao longo de seus dutos de gás e de petróleo. A Telebras, incumbida de implementar o PNB, ex- pandiu paulatinamente sua rede de cabos de fibra ótica, em grande parte com parcerias público-público e públi- co-privada. Isso permitiu a rápida expansão da espinha dorsal da rede da Telebras, concebida como uma série de anéis que possibilitam conexões redundantes, para o caso de rompimento dos cabos em qualquer ponto de um de seus anéis. Para completar, a Telebras está acrescentando suas próprias fibras em vários trechos para fechar alguns dos anéis e servir cidades e regiões que não estão alcan- çadas pelas fibras alugadas e para fornecer capacidade às seis cidades onde foram realizados os jogos da Copa das Confederações em 2013 e às doze cidades que serão as sedes da Copa do Mundo em 2014. Para apoiar um novo projeto, o Veredas Novas, a Tele- bras está estendendo sua rede para cerca de 180 cidades do interior dos estados, onde chega a mais de 300 uni- versidades e instituições de pesquisa. Em cada uma delas está instalando um ponto de acesso local, com conexão de rádio e potencialmente de fibra a provedores de Internet que concordam em incluir a opção de conexões de baixo custo de pelo menos 1Mbps para seus consumidores sob o PNBL. Esses provedores também podem oferecer co- nexões mais rápidas a preços de mercado. Na prática, os pequenos e médios provedores tanto quanto as grandes operadoras – como Oi, Telefônica, Embratel, TIM e Al- gar Telecom – que oferecem esses pacotes do PNBL (que em alguns estados se beneficiam com a isenção do ICMS) estão descobrindo que muitos dos clientes que adquirem essas conexões de baixo custo querem migrar para pacotes de maior velocidade e mais caros. Dessa maneira, o PNBL está abrindo novos mercados para provedores particulares. O crescimento da rede da Telebras teve impacto sobre preços dos provedores particulares. O governo federal procura encorajar todos os operadores do setor privado a expandir a inclusão digital da população nos mercados não totalmente atendidos. Desde 2005, pequenos provedores de serviços de Inter- net, como Adilson Klaffke, de Nova Guarita (MT), foram os primeiros a disseminar o acesso à rede a comunidades remotas. O número de empreendedores como Adilson dobrou nos últimos dois anos, como resultado do PNBL e dos procedimentos simplificados e mais baratos para se obter licenças para o Serviço de Comunicação Multimí- dia (SCM) da Anatel. A expansão de conexões de alta velocidade foi estimu- lada pelo crescimento na demanda para acesso à Internet, sobretudo no segmento emergente da classe C. Esse gru- po dá apoio substancial ao governo, mas também é corte-
  • 13. WWW.BRAUDEL.ORG.BR 13 jado por partidos de oposição. Esses novos consumidores, logo que lhes é possível, compram smartphones, tablets e laptops – e a banda larga que esses equipamentos exigem. Em 2011, o Ministério das Comunicações enviou ao Congresso a proposta do Marco Civil da Internet. O do- cumento procura estabelecer princípios para a Internet esboçados pelo CGI e sujeitos a intenso debate – em au- diências formais e na própria Internet, inclusive na mídia social. Apesar do forte apoio da Sociedade de Internet do Brasil e do CGI, a proposta se arrasta no Congresso. O principal contencioso é a definição da “neutralida- de da rede”, ou seja, o princípio de que todo o tráfego na Internet seja tratado igualmente. Quer dizer, que os provedores permitam acesso a todos os conteúdos e apli- cações, qualquer que seja a fonte, sem favorecer ou blo- quear nenhum produto ou site em particular. Grandes operadoras se opuseram ou tentaram limitar essa garantia (não apenas no Brasil, mas no mundo todo). Alegando que elas deveriam ter o direito de dar prioridade a alguns tipos de tráfego para prevenir que um pequeno número de usuários (por exemplo, aqueles que fazem downloadin- gs pesados de vídeos de alta definição) elevem custos para outros usuários. Mas, com o recente furor sobre as atividades de espio- nagem da Agência Nacional de Segurança (NSA), dos Estados Unidos, a presidente Dilma declarou apoio ao Marco Civil e à neutralidade da rede. Várias emendas à proposta original, inclusive garantias para manter dados oriundos do Brasil em servidores brasileiros da confiança da presidente, estão sendo intensamente debatidos. 2. Educação. A conexão de banda larga em instituições educacionais é necessária para se atingir essa meta e acele- rar o desenvolvimento social. O governo federal responde a essa demanda com o Programa Banda Larga nas Escolas e, para universidades e institutos de pesquisa no interior dos estados, o programa Veredas Novas. A partir de 2008 exigiu-se que as empresas telefônicas tradicionais fornecessem conexões de banda larga às es- colas públicas urbanas. Isso foi obtido sem custo para o Tesouro Nacional devido à “troca de obrigações” negocia- das em abril daquele ano, pela qual as operadoras ficaram desobrigadas de fornecer milhares de cabines de telefone público, fax e acesso à Internet que seriam instaladas em postos de serviços de telecomunicações. O número de escolas conectadas pelo programa subiu para 21.363 no final de 2008 e alcançou 70.399 em mar- ço de 2013. Faltam apenas 5.192 escolas a serem conec- tadas. Em fevereiro de 2012, a RNP lançou o Veredas No- vas para permitir que as instituições de ensino e pesqui- sa aproveitem aplicativos avançados, bibliotecas digitais, instrumentos remotos e, o mais importante, possibilitem a seus pesquisadores a oportunidade de colaborar com instituições do Brasil e do exterior. As instituições do pro- jeto Veredas Novas terão, portanto, os mesmos meios de comunicação e colaboração já desfrutados por institui- ções conectadas pela RNP nas capitais estaduais e outros grandes centros. O equipamento da Telebras é instalado em cada cam- pus, e a partir daí a Telebras expande a infraestrutura de telecomunicação para o entorno, proporcionando melhor e mais rápido acesso à Internet para os governos locais, empresas e cidadãos. A meta é chegar a 700 locais até final de 2014. Os campi do projeto Veredas Novas não conec- tados à espinha dorsal Telebras-RNP receberão links via empresas estatais estaduais de TIC, operadoras privadas de telecomunicações, provedoras de Internet ou através da própria subrede ou links da RNP. 3. Eventos internacionais. O governo está responden- do à pressão gerada pelos grandes eventos internacionais para melhorar a infraestrutura das telecomunicações. Dois já foram realizados neste ano: a Copa das Confe- derações e a visita do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude. Além disso, como se sabe, a Copa do Mundo será disputada em 2014, em doze cidades, e os Jogos Olímpicos acontecerão em 2016, no Rio. O lado sombrio da Internet Spam, fraudes, roubo de dados, abuso infantil, inva- sões de privacidade, terrorismo cibernético, sabotagem e espionagem são realidades que constituem o lado sombrio da Internet. Guilherme Kramer
  • 14. BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201314 O spam – o e-mail não solicitado e não desejado – cons- tituiu 72,1% do tráfego de e-mail em 2012. Spams pos- suem vários impactos negativos, como o desperdício do tempo do usuário, o custo de filtrar as mensagens quando possível e o entupimento dos canais da Internet com trá- fego inútil e prejudicial. Mas o spam pode também ser mais perigoso quando envolve phishing (links para sites que se dizem legítimos, mas que na prática roubam da- dos, inclusive nomes de usuários e senhas de acesso em instituições financeiras, e inserem vírus ou outros softwa- res maliciosos no computador do usuário). Uma estimativa do custo do crime cibernético é que chegue a US$ 114 bilhões por ano. Com base no valor estimado pelas vítimas em tempo perdido devido a ex- periências com crimes cibernéticos, há perda adicional de US$ 274 bilhões. Com 431 milhões de vítimas no mundo no ano passado e perdas avaliadas em US$ 388 bilhões, levando-se em conta os prejuízos financeiros e o tempo perdido, o crime cibernético custa para a popu- lação mundial significantemente mais do que o merca- do negro mundial de maconha, cocaína e heroína juntos (US$ 288 bilhões). Questões relativas à privacidade são relevantes desde os primórdios da Internet, mas recentemente estão atraindo mais a atenção. Enormes quantidades de informações es- tão sendo coletadas – com objetivos legítimos e cedidas voluntariamente por usuários (como informações posta- das em redes sociais ou obtidas por empresas que fazem comércio virtual, como a Amazon ou a Netflix) ou ob- tidas de forma subreptícia por agências de espionagem governamentais e empresariais. Esses dados então são analisados com o uso das técnicas poderosas do big data. O alcance dessa espionagem foi recentemente dramatiza- do pelas revelações de Edward Snowden, um jovem que trabalhou sob contrato para agências de inteligência dos EUA. Ataques cibernéticos, que mobilizam vultosos recursos em medidas ofensivas e defensivas, não são apenas uma ameaça potencial. Com os ataques de Stuxnet nas ins- talações nucleares iranianas, tornaram-se uma realidade. A vulnerabilidade de todos os tipos de sistemas impor- tantes, incluindo bancos, redes de energias, controles de transporte e comunicações militares, é uma realidade, e a defesa contra essas ameaças é cara e nunca totalmente efe- tiva. Uma recente troca de acusações entre funcionários dos governos dos EUA e da China sobre invasões gover- namentais e empresariais é apenas a ponta do iceberg. Em conclusão, como acontece com quase todas as tec- nologias, a Internet pode ser utilizada para o bem ou para o mal. Estamos no caminho certo, mas é preciso mais pressa e mais cooperação. A tecnologia da Internet repre- senta um avanço que beneficia economias que investem em infraestrutura eletrônica, permitindo aos usuários co- nexões rápidas, baratas e eficientes. A importância de uma sociedade interconectada em rede vai além dos ganhos de eficiência viabilizados pelos poderosos aparelhos alimen- tados por cabos de fibra ótica e conexões sem fio de alta velocidade. A infraestrutura eletrônica, no entanto, é ape- nas um meio – um meio de implementar uma estratégia abrangente e coordenada de e-transformação para fazer frente aos problemas institucionais de longo prazo que comprometem o desenvolvimento. Dois desafios O Brasil enfrenta dois desafios: superar as insuficiên- cias das políticas públicas e acompanhar os rápidos avan- ços no exterior. Hoje outra onda de inovação está sendo impulsionada pelo big data, pelas novas capacidades de análise e pela computação móvel social e em nuvem. O ambiente está se transformando: de aplicações monolíti- cas para serviços dinâmicos; de informações estruturadas para informações não estruturadas; de PCs para uma va- riedade sem precedentes de aparelhos; de tarefas estáveis para tarefas imprevisíveis; de infraestrutura estática para serviços em nuvem; e de padrões proprietários para ino- vação aberta. Pequenos empreendedores são importantes para ligar as linhas de tronco nacionais a lugares de difícil acesso. Atuam movidos pela “mão invisível do mercado” descri- ta há dois séculos por Adam Smith em A Riqueza das Nações. “Não é da benevolência do açougueiro, do cerve- jeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de seu empenho em seu próprio interesse”, escreveu o pai da economia política. Assim foi com José Selestino na pequena cidade de Uruará, no Pará, na beira da rodovia Transamazônica, es- trada continental ainda sem pavimentação e dificilmen- te transitável. Há quatro anos este bandeirante da banda larga de 33 anos contratou um link de fibra ótica desde Brasília e montou torres, instalou equipamento de Wi-Fi e deu suporte técnico para manter a fidelidade dos seus clientes. Como ele, milhares de pequenos e médios provedores continuam transformando obstáculos em negócios lucra- tivos para levar a Internet aos mais remotos rincões do país. Assim a Internet se transforma no mais moderno instrumento de integração nacional, alimentando a coo- peração humana em tempo real.
  • 15. WWW.BRAUDEL.ORG.BR 15 Quarenta anos se passaram desde os primeiros esbo- ços do que viria a ser a Internet. Muito aconteceu des- de então. Embora o passado tenha sido basicamente um prólogo, nossa capacidade de vislumbrar o futuro é pre- judicada por fatores imprevisíveis e desconhecidos. Algu- mas tendências, porém, podem ser identificadas, e neste texto me concentro em duas delas: a computação móvel e a educação. Computação móvel e ubíqua Novos aparelhos têm acelerado o acesso e as aplicações. Esses dispositivos tornaram a Internet mais acessível. Sua infraestrutura continua a se expandir em todos os lugares. A capacidade aumenta à medida que processadores mais rápidos, memórias ampliadas, telas melhoradas expandem as funções dessas plataformas. Câmeras, microfones, alto- falantes, telas sensíveis ao toque e instrumentos de GPS são cada vez mais aperfeiçoados e abrem um novo leque de aplicações. Fontes padrões e abertas de software facili- tam a generalizada adoção de aplicações. Talvez o mais significativo é que esses aparelhos inteli- gentes se transformaram em algo poderoso por permitir o acesso à internet. A Internet, a computação em nuvem e os aparelhos celulares reforçam mutuamente sua capaci- dade de criar novos negócios e novas oportunidades eco- nômicas. Mark Weiser, um dos principais cientistas da Xerox PARC, no Vale do Silício, nos Estados Unidos, cunhou o conceito de “computação ubíqua” em 1988. Ele fazia alusão à noção de que computadores um dia fariam parte do nosso ambiente e se tornariam sempre presentes, de- sempenhando funções úteis e trabalhando para a nossa conveniência. Muitos equipamentos que contêm itens de computação não são considerados propriamente “com- putadores”. Aparelhos usados para nosso entretenimento, utensílios de cozinha, peças de automóveis, sistemas de segurança nas áreas de medicina e meio ambiente; nos- sas roupas, casas e escritórios – o computador estaria em todos esses lugares, em potências e tamanhos variados. A maioria deles, se não todos, estaria interconectada respon- dendo às necessidades e políticas estabelecidas pelos usu- ários ou por seus representantes autorizados. A visão de Weiser está rapidamente se tornando uma realidade. Tais sistemas podem incluir de dezenas a centenas de bilhões de aparelhos. A administração de interações com- plexas em tais magnitudes exigirá poderosos mecanismos hierárquicos e capazes de extrair dados. E quando nos- sa sociedade celular estiver conectada em várias esferas, como em casa, nos escritórios e nos automóveis, o desafio será enorme. Mecanismos de auto-organização, sistemas estruturados hierarquicamente e sistemas que permitam a administração remota terão um papel relevante na gestão da Internet. Para um insight adicional sobre essa evolução, consi- dere o GPS. Mesmo aparelhos pequenos que funcionam com pouca energia (como celulares nos carros) podem ser localizados se tiverem acesso a transmissões por sa- télite.Há ainda possibilidade de geolocalização através do uso de torres de celulares e mesmo conhecidos lo- cais públicos de redes sem fio. Novos aplicativos, como o “Google glass”, estão entrando em cena. Esses apare- lhos são computadores que ouvem, veem e respondem a comandos de voz e gestos. Os carros sem motorista da Google nos oferecem outra visão do futuro da com- putação, da comunicação e da inteligência artificial, na qual os computadores se tornam nossos parceiros num ambiente sensorial – aquele não limitado pelos sentidos humanos. Todos esses sistemas têm potencial de usar a informação em rede e a potência dos computadores, de maneira a rivalizar com qualquer outra coisa disponível na história. Os sistemas aprendem automaticamente e portanto têm a capacidade de melhorar com o tempo. Além disso, como esses aparelhos podem se comunicar entre si, eles são capazes de cooperar numa escala nunca vista antes. Podemos agora identificar os contornos de um futuro no qual virtualmente todo o conhecimento pode ser en- contrado por quem se interessar; no qual as aplicações da Internet continuarão a se desenvolver; no qual aparelhos e aplicativos de todos os tipos responderão e se adaptarão às nossas necessidades, se comunicarão entre si, aprenderão uns com os outros e se tornarão parte de um ambiente integrado e global. Nosso cotidiano muito provavelmente estará repleto de informação e dados reunidos a partir de várias fontes e sujeitos a análises mais aprofundadas que vão beneficiar indivíduos, empresas, famílias e governos em todos os níveis. A saúde e a segurança pública serão influenciados por essa tendência. O futuro da Internet Vinton Cerf
  • 16. BRAUDEL PAPERS - N. 48 - 201316 Educação Em 2012, dois colegas meus da Google decidiram usar a Internet para aulas online sobre inteligência artificial na Universidade de Stanford. Eles tinham expectativa de reu- nir 500 estudantes, mas o número de inscritos foi de 160 mil! Chamamos tais cursos de MOOC, sigla para “Massi- ve, Open, OnLine Classes”. Do total de matriculados, cerca de 23 mil completaram o curso. Quantos professores de computação podem dizer que tiveram êxito em ensinar 23 mil estudantes? Há custos, mas eles são pagos pelos estudantes (acesso à Internet e computadores) e pela universidade (salários de professores e assistentes). Às vezes, os professores pre- param aulas online que os alunos podem assistir quantas vezes quiserem. Nas classes, o tempo é dedicado a resolver problemas, o que é uma inversão do uso típico da sala de aula. Essa idéia pode ser expandida para incluir assistentes de ensino remotos. A diferença do MOOC em relação ao ensino tradicio- nal à distancia é a escala. Interação e exames são viáveis nesse ambiente online, embora a forma dos exames seja limitada pela plataforma utilizada. Empresas start-ups es- tão usando essas ideias. Pessoas que estão empregadas também podem fazer tais cursos para melhorar suas habilidades e aprender novas, e se posicionarem para outras carreiras. De jovens estu- dantes a trabalhadores aposentados, esses cursos oferecem oportunidade para crescimento pessoal e podem oferecer mais do que se espera de um curso de dois a quatro anos na universidade. Essas aulas podem ser vistas como a rein- venção da universidade, o curso rápido, o programa com certificado e outras formas de educação. Isso tem o po- tencial de mudar a face da educação em todos os níveis e dar novas opções para aqueles que querem ou precisam aprender coisas novas. O lado sombrio À avaliação em geral otimista e positiva da Internet é necessário agregar uma visão realista sobre seu lado som- brio. Está se tornando claro que os riscos de usar com- putares e permanecer online tem chamado a atenção de governos democráticos e regimes autoritários. Há uma tensão entre aplicar a lei e respeitar o direito dos cidadãos, que querem privacidade e liberdade de ação. Ainda não está claro quais proteções a lei deveria garantir. O equilí- brio entre uma coisa e outra pode ser difícil, uma vez que tem a ver com o conteúdo e os usos da Internet. Vinton Cerf, conhecido como um “pai da Internet”, é coautor dos protocolos TCP/IP. Atualmente, é vice-presidente da Google. Este artigo é uma adaptação do texto “Looking Forward”, publicado no The Internet Protocol Journal, Vol. 16, nº. 2, em junho de 2013. Veja mais edições de Braudel Papers em http://pt.braudel.org.br/publicacoes/braudel-papers/