O documento discute a tendência dos brasileiros em tomar decisões baseadas em crenças ao invés de dados, o que contribui para as constantes crises no país. Isso é ilustrado por exemplos históricos como a criação de uma faculdade enquanto a população era majoritariamente analfabeta, e atuais como aumentos de impostos durante uma recessão. A conclusão é que a crise brasileira é principalmente uma crise de inteligência, com falta de habilidade em analisar problemas de forma racional e empírica.
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
Crise? Qual Crise? Da Inteligência!
1. Crise? Qual crise? Da inteligência!
Parece que não desenvolvemos a
habilidade de analisar e
compreender nossos problemos e
estamos sempre à espera de
alguém para nos dizer o que fazer.
Este artigo busca apontar algumas
razões para esse fato.
Ovídio Mendes - CEO da metodologia.inf.br,
Advogado e Professor Universitário
Basta abrir as páginas dos grandes jornais brasileiro para ler-se que o Brasil
enfrenta grave crise econômica e política. Entretanto, as crises parecem ser
componente obrigatório em nosso cotidiano. O Rio Grande do Sul, por exemplo,
está parcelando os salários de seu funcionalismo porque não dispõe de recursos
para pagá-los. A Universidade de São Paulo, a instituição de ensino mais bem
posicionado nos rankings internacionais entre as universidade brasileiras, luta
2. para controlar uma folha de pagamento superior ao seu orçamento. A Unimed
Paulistana não conseguiu administrar uma carteira com cerca de 740 mil clientes
e terá de transferi-los para outras operadoras. Como um Estado, uma empresa
supostamente sólida e a mais destacada universidade brasileira, com equipes
compostas por profissionais com expertises em suas áreas, podem ser tão
ineficazes e ineficientes em suas gestões? Qual a justificativa para tais
fenômenos?
A resposta parece estar profundamente enraizada nos hábitos dos brasileiros,
como demonstram algumas observações simples, tanto passadas como atuais.
Comecemos com uma observação história, a vinda da Coroa Portuguesa para o
Brasil em 22 de janeiro de 1808 . Em um país com população majoritariamente
analfabeta, um mês após a chegada da Família Real aconteceu a criação da
primeira faculdade brasileira, a Escola de Cirurgia da Bahia (atual Faculdade de
Medicina da Bahia), em 18 de fevereiro de 1808. Um País sem escolas de ensino
básico já tinha uma faculdade!Presentemente, com uma atividade produtiva em
franca contração, a principal iniciativa do governo federal é agravar o cenário
econômico com aumento da carga tributária e dos juros, já entre as maiores do
mundo. De acordo com as informações mais recentes da Receita Federal, em 2013
o total de impostos pagos correspondeu a 35,95% do PIB contra 34,1% dos países
da OCDE. Para melhor ilustrar a irracionalidade da ação brasileira, a China, que
também enfrenta desaceleração em sua atividade econômica, promoveu
acentuada redução em sua taxa de juros, como noticiou o jornal O Globo no
25/08/2015.
Explicitando o argumento ora defendido: no hábito predominante no Brasil as
crenças pessoais ou coletivas são o guia da ação, em detrimento dos dados da
realidade empírica. Ante a confissão de fé na importância de ter-se uma
universidade, qual a importância de a população ser analfabeta? Coisa do
passado? Absolutamente não. Na palestra "Educação: acelerando o futuro"
proferida em 27/04/2009, a presidente do Instituto Ayrton Senna, de acordo com o
portal de notícias Terra, afirmava que os alunos de português da 8ª série do
3. ensino fundamental público precisariam de 247 anos para atingirem o nível de
conhecimento da língua materna equivalente ao de alunos de países
desenvolvidos. E o que é feito para melhorar a educação básica no setor
público? Praticamente nada. Mas no setor universitário, reproduzindo o
comportamento de 1808, temos uma enormidade de programas, como Ciência
sem fronteiras, FIES, PROUNI e por aí afora (qual a importância se 65% da
população entre 15 e 65 anos é analfabeta funcional, como aponta o Indicador
Nacional de Alfabetismo Funcional do Instituto Paulo Montenegro ou que, no
ranking da educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE Better Life Index), com 36 países, o Brasil ocupasse, em 2014, a
penúltima posição, à frente somente do México?).
O predomínio do elemento crença, ou argumento de autoridade, antítese da
argumentação baseada em dados empíricos, apresenta gravíssimas
consequências para o bem estar material da sociedade. Além de violação da
premissa que fundamenta o conhecimento científico, com predomínio da
observação, descrição e reprodução da sequência dos eventos do mundo físico
contidos em qualquer argumento e consequente confirmação (ou refutação) de
sua validade, ocorrem bloqueios no avanço tecnológico do país. Disciplinas com
fortes potenciais de aplicação, como Data Mining, em que possíveis correlações
entre dados aptas a gerarem conhecimentos novos recebem sistemáticos
incentivos em países com maior desenvolvimento, permanecem desconhecidas
entre nós ou como simples fontes de saberes sem aplicações efetivas. Aliás, um
dos pilares do desenvolvimento econômico contemporâneo, a gestão e
planejamento estratégico em tecnologia da informação com base nas boas
práticas disseminadas pelas modelagens ITIL, COBIT, BPM e CMMI, repousam na
racionalidade das significações derivadas dos dados empíricos e não na
irracionalidade das crenças infundadas.
Finalizando, ao privilegiar os comportamentos e atitudes com base nas
correlações entre ações justificadas predominantemente por crenças e sem
validá-las empiricamente, ignoramos o elemento fático contido nos dados e a
4. geração de conhecimento decorrente da transformação crítica dos dados em
informações (crítica porque questionamos continuamente se nossa interpretação
dos dados conforma-se aos fatos de que são extraídos). Ignorando as
informações oriundas da interpretação dos dados, abrimos mão de uma
habilidade essencialmente humana para influir e transformar a realidade com
vistas a solução de problemas, que é a faculdade da inteligência (ou habilidades
intelectuais). Ao perdermos a capacidade de controlar e direcionar eventos para
objetivos específicos possível pelo emprego lógico e racional das habilidades
intelectuais, originamos as crises. Em resumo: a crise brasileira não é
fundamentalmente econômica nem política, mas, essencialmente, uma crise de
inteligência. Em 2015, continuamos intelectualmente tão ingênuos e
despreparados quanto em 1808.