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A retomada das relações entre os
EUA e CUBA: uma nova América
para os Americanos?
Bernardo Goytacazes de Araújo
Especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea
Membro do Núcleo de Estudos ibéricos e Ibero-Americanos e
do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF.
bernardogoyara@hotmail.com
No dia 17 de dezembro de 2014, o presidente dos Estados Unidos da América,
até então maior potência global, fez um pronunciamento oficial retomando as relações
diplomáticas com Cuba, ilha caribenha contra a qual foi imposto, pelo governo
americano, o embargo econômico desde 1962. É o fim de uma parte da história que tem
seus meandros ainda na guerra fria, mas que continua deixando rastro uma vez que o
embargo econômico, propriamente dito, continua em vigor, já que não é uma decisão
executiva, mas que pertence ao legislativo americano.
Com o anúncio feito por Obama há uma mudança radical na diplomacia com
Cuba, que não havia ocorrido nas últimas décadas. Vários artífices entraram em cena, na
construção deste acordo, em especial o argentino Mário Jorge Bergoglio, o Papa
Francisco, que recebeu a notícia da reaproximação diplomática, no dia de seu
aniversário. Além deste, o governo canadense também participou de maneira muito
ativa na construção de acordo bilateral. Um dos maiores entraves para o andamento do
acordo era a não libertação do americano Alan Gross (americano de 65 anos, era um
funcionário terceirizado do governo americano, e estava tentando estabelecer um
serviço de internet ilegal em Cuba, tendo sido preso em sua quinta viagem à ilha.
Passou cinco anos na cadeia, e ainda cumpria mais quinze anos, somando um total de
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vinte anos de reclusão)1
. Em contrapartida, o governo americano libertou três
prisioneiros cubanos que estavam nos EUA, acusados de espionagem, são eles: Luis
Medina, Gerardo Hernandez e Antonio Guerrero.
Com estes ações bilaterais e com as concessões feitas, o governo americano liberou
um pacote de ações que constam de: 1) reestabelecimento de relações diplomáticas entre os
dois países, e reabertura de uma embaixada americana em Havana – os EUA atendiam as
demandas de Cuba, em um anexo, na embaixada da Suíça. 2) Facilitação de viagens de
americanos para Cuba – com o incentivo espera-se que mais nove milhões de americanos
visitem a ilha. Como o açúcar já deixou de ser a pauta principal de receita do PIB Cubano, o
turismo assumiu este posto. (Atualmente, são cerca de três milhões de turistas americanos).
Com estes seis milhões a mais de turistas, estima-se um aumento na receita de quase US$ 15
bilhões, valor correspondente a quase 25% do PIB da ilha, que hoje é próximo de US$ 68 bi.
3) Autorização da venda de bens e serviços entre os EUA e Cuba, esperando assim aumentar
a cadeia de vendas de produtos americanos em solo cubano, uma vez que mais de quinhentos
mil cubanos já trabalham por iniciativa própria, gerando um mercado interno que pode se
tornar ainda mais interessante, visto que Cuba possui cerca de onze milhões de habitantes. 4)
Autorização para estadunidenses importarem bens de até US$ 400,00, de Cuba. Sendo
assim, produtos como charutos e bebidas cubanas serão comercializadas ainda mais, no
vasto mercado americano, com chances reais de crescimento nas exportações de Cuba. 5)
Início de novos esforços para reforçar as redes de telecomunicações e internet entre os dois
países.
O esperado, do processo, é uma nova realidade para os Cubanos, apesar das
declarações de Raúl Castro, na assembleia nacional cubana. O Presidente cubano disse,
então, que Cuba não renunciará ao comunismo, e que não há nenhuma disposição em
modificar seu panorama político. Ou seja, há uma reedição do que a China entendeu como
fundamental para sua manutenção e sobrevivência: ser capitalista na produção, criando as
ZEEs, e continuar sendo socialista (leia-se ditadura de um partido só) na condução politica.
A assembleia nacional ratificou, com unanimidade, o acordo celebrado entre as autoridades,
e ainda anunciou-se a presença de Raúl Castro na próxima reunião de Cúpula das Américas,
em abril de 2015, no Panamá.
Não se sabe como Cuba irá fazer seu processo de abertura, e como esta abertura irá
impactar o desenvolvimento da Ilha. O esperado avanço do turismo, e consequentemente,
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http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/12/cuba-liberta-prisioneiro-americano-a-pedido-dos-
eua.html
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uma maior entrada de divisas externas, pode sim, significar um alívio para a combalida
economia de subsistência cubana.
Vão se aproximar não só pessoas, mercados, ou produtos, mas ideias e novas
perspectivas de visão de mundo, de política, de trabalho, de capital e de ideologias. Saber
como estas aproximações gerarão frutos em Cuba, e até mesmo nos EUA, ainda é uma
incógnita histórica. Entende-se que a aproximação entre os antigos rivais motivou algumas
ações como: 1) crítica de membros exilados nos EUA, e em outros países, contra a
aproximação, dizendo que esta será uma cartada pró-Castro; 2) Obama reconhece que a
política de “asfixia” para Cuba não funcionou, visto que o regime permaneceu, mesmo com
o embargo, o fim da URSS e a falência da Venezuela – pós morte de Hugo Chaves. Foi um
conjunto de duros golpes que lastimou as ações que tentavam dar sobrevida e fôlego a Cuba,
para retomada de seus expressivos índices da época da guerra fria.
Mesmo com todas estas dificuldades, o governo dos Castro se manteve, e Cuba
permaneceu, ainda que de forma combalida, dentro do regime que se propôs, desde a
Revolução Cubana. Há, para nós, um misto de alívio, pois América volta a dialogar, e um
sentimento de que Cuba soube dar uma lição no sentido de que a maior riqueza e benefício
que uma nação pode ter é seu povo, e que dele saem forças inimagináveis para contornar
qualquer problema ou dilema, mesmo que as forças contrárias estejam imperando. Espera-se
o melhor desta aproximação, não só para ambos interessados, mas para o mundo, que põe
uma pedra final, na guerra fria, ainda do século XX, mantendo acessa a chama, que o Papa
Francisco e seus colaboradores diretos permitiram, por meio do diálogo e da diplomacia,
mas não mais voltada para forças concentradoras, mas para o bem da humanidade, das
pessoas, que são as artífices principais dos processos. O que os cubanos vão comer, vestir,
falar, pensar ou criticar, será um fato que a reaproximação irá ensinando ao longo do período
de convivência.